É importante frisar que o homem por trás da banda, Greg Dulli, jamais esteve parado durante a pausa do seu grupo principal. Prolífico e tendo a música como mola propulsora, Dulli sempre a utilizou em seus trabalhos como uma forma de catarse pessoal em seus não menos excelentes projetos paralelos. Seja em sua carreira solo, nos 5 álbuns de seu grupo The Twilight Singers até o projeto The Gutter Twins - juntamente de Mark Lanegan, ex-Screaming Trees e detentor de um extenso e belo catálogo solo - o músico aperfeiçoou e trouxe novos elementos à sua mistura de rock alternativo, soul music e R&B. Fórmula esta tão bem demonstrada no clássico álbum Congregation (1992) que, em pleno auge do grunge, trouxe um sopro de ar fresco ao misturar o som daquele momento à música negra americana (como a capa do disco tão bem representava), criando algo bastante original.
A julgar pela capa de ar misterioso/fantasmagórico, In Spades amplia o catálogo do grupo de Cincinnati com um álbum cuja temática traz - de acordo com o próprio release - algo de assustador, sombrio e metafórico a ser desvendado pelo ouvinte. É basicamente, segundo Dulli, "um disco sobre memória, sobre como vida e memória podem se misturar". A faixa inicial, a climática e nostálgica Birdland, lentamente ambienta o ouvinte num misto de tensão e doçura - como se alguém segurasse a nossa mão ao nos levar por um caminho desconhecido prestes a ser desvendado - desembocando na sensacional Arabian Heights. Esta canção traz aquela pegada tradicional dos Whigs com suas guitarras, um incrível trabalho de bateria e letra típica de Dulli, aliando sensualidade e ameaça numa das melhores faixas do disco. O primeiro single, Demon in Profile, com sua melodia levada ao piano nos apresenta uma das grandes virtudes da banda: deixar o ouvinte querendo mais. Ao não exagerar no uso de refrões e na duração das canções, o convite ao repeat está feito em uma das mais grudentas faixas da bolachinha.
Talvez a música mais diferente do disco seja a impactante Toy Automatic, que traz uma das mais comoventes interpretações de Dulli até o momento, com um vocal vulnerável e rasgado cuja intensidade atinge seu ápice com o som dos metais invadindo a mixagem nesta balada que, mesmo sem refrões, consegue emocionar na sua meticulosa construção. Oriole, segunda faixa a ganhar clipe, traz uma introdução ao violão mais tradicional, com sua letra cifrada que desemboca em um rock climático mais tradicional. Copernicus lembra um pouco Queens of the Stone Age, com sua batida stoner rock que não demora a surpreender numa bridge que leva a música a outro patamar melódico e por isso mesmo fascinante. The Spell lembra o Afghan Whigs de sempre com uma performance vocal excelente de Dulli envolta em teclados e violinos que não tardam a virar um rock cheio de groove e uma letra que convida o ouvinte a dançar frente a toda escuridão. Light as a Feather lembra muito algo que The Twilight Singers já fez, com um som mais funkeado, palminhas, riffs espertos e um único refrão perdido no meio da canção que faz o ouvinte pedir mais. I Got Lost é uma linda balada ao piano feita após Dulli descobrir que o guitarrista e amigo Dave Ross sofria de um câncer de cólon inoperável, enquanto Into the Floor nasceu de uma jam nos shows e transformou-se na trilha perfeita para encerrar mais um álbum dos americanos, fazendo a alegria dos fãs desejosos por mais um trabalho.
Enxuto, com 10 faixas e 37 minutos, In Spades é o tipo de álbum que convida a várias audições para decifrar suas camadas e letras enigmáticas, além de ser mais bem acabado que seu antecessor e trazer o que de melhor uma das grandes bandas de rock surgidas neste planeta tem a oferecer. Envelhecer pode ser uma dádiva, e Greg Dulli e seu The Afghan Whigs são a prova disso. Que venham muitos discos mais.
Nota: 9,0.
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