quarta-feira, 7 de junho de 2017

Cine Baú - Trens Estreitamente Vigiados (Ostre Slevodane Vlaky)

De: Jiri Menzel. Com Vaclav Néckar, Josef Somr, Jitka Bendova e Vlastimil Brodsky. Comédia dramática, Tchecoslováquia, 1966, 92 minutos.

Filme tcheco, em preto e branco, sobre um jovem controlador de tráfego de uma estação ferroviária durante a Segunda Guerra Mundial... sim, é provável que vocês, leitores do Picanha, tenham bocejado só de ler essa pequena descrição inicial a respeito do imperdível e clássico Trens Estreitamente Vigiados (Ostre Slevodane Vlaky). Mas aqueles que resolverem apreciar a obra-prima encontrarão uma película muito mais preocupada em discutir os "problemas amorosos e de ordem sexual" do protagonista Milos (Néckar) do que os horrores da guerra, que, ainda que banhados em melancolia, surgem como pano de fundo sem qualquer exagero dramático ou ideológico. E tudo envolto em um clima onírico, sutil, divertido e singelo, que combina bem com as desventuras do protagonista e seus olhos sempre esbugalhados, a moda dos comediantes do começo do século passado - alguns escritores, como no livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, o comparam com o cômico Buster Keaton.

Seguindo os passos de seu pai, um bem sucedido maquinista, Milos está orgulhoso de sua nova farda como empregado da estação ferroviária. Em meio aos trens que vêm e vão levando soldados e armamentos para as batalhas, o jovem tem a sua atenção desviada para Mása (Bendova), uma simpática e graciosa maquinista que lhe demonstra total interesse. Só que quando Milos consegue um raro momento a sós com Mása ele fica tão ansioso e nervoso que, em suas próprias palavras, fica "murcho como um lírio". Diagnosticado com ejaculação precoce - ainda que a questão pareça ser muito mais psicológica do que biológica - o rapaz decide acabar com a própria vida, tentando se suicidar em uma banheira de um motel de luxo. Acaba sendo salvo pelo empregado do local, que percebe o ocorrido durante uma reforma da estrutura do prédio.



Tendo como confidente o colega de trabalho e conquistador Hubicka (Somr), MIlos decide que precisará de uma iniciação vinda de uma mulher mais "velha", o que poderá fazer com que ele se torne mais desinibido e menos tímido. Essa procura resultará em hilárias sequências, como aquela em que ele sugere - num misto de ingenuidade e pretensão - ao coordenador da ferrovia a possibilidade de "estar" com a sua esposa, como forma de adquirir alguma experiência. Em meio a todo este contexto, a Segunda Guerra seguirá se desenrolando, sendo apresentada de maneira oblíqua, seja por meio da previsão de chegada de algum trem com soldados ou na presença destes na estação ferroviária, interagindo com um grupo de enfermeiras. (por interagindo, leia-se praticando uma boa SURUBA, capaz de fazer corar até os fãs da série Sense 8)

A propósito do sexo - e sua variáveis mais "românticas" - o diretor Jirí Menzel não se furta em utilizar uma série de metáforas e hipérboles capazes de transformar a obra em uma ousada peça gráfica a respeito das desventuras de um jovem inexperiente em sua iniciação sexual. Se sequências como o "quase beijo" do primeiro encontro entre Milos e Mása nos arrancam um sorriso quase involuntário, a cena em que uma mulher alimenta um ganso, massageando seu pescoço é quase explícita demais para uma obra dos anos 60 - o que também comprova a tese de que os europeus SEMPRE foram mais desinibidos do que os americanos, quando o assunto era mostrar as relações (sexuais inclusive) entre os seus personagens. Da mesma forma não faltam closes em pernas, decotes e bundas, com direito a provocantes sequências como aquela em que Hubicka "marca" o corpo da telegrafista Fialova com carimbos da companhia. O mesmo valendo para os rasgos no sofá, que servem como uma espécie de "marcação" para um ato consumado.


Todas essas nuances transformam Trens Estreitamente Vigiados em um verdadeiro tratado a respeito da importância do sexo - mesmo em tempos de guerra. E, nesse sentido, não é por acaso que o tio de Mása - que aparentemente trabalha com publicidade - dá uma sonora gargalhada após um ataque de bombas em que se percebe vivo. No filme de Menzel a guerra - que bem poderia ser o maior vilão - parece ser o de menos. O que importa mesmo é se dar bem em outro assunto, esse sim capaz de abalar a moral de um homem - valente ou não. Premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1967, Trens Estreitamente Vigiados, com sua fotografia elegante e trilha sonora pomposa, é figurinha fácil em diversas listas de melhores filmes da história, se mantendo até hoje como um tratado atual sobre o desejo e a insegurança, equilibrando erotismo e tragédia, luxúria e desencanto em igual medida.

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