Hoje em dia vivemos em um mundo de aparências. Mais ainda com o advento das redes sociais. No Instagram temos vidas incrivelmente movimentadas e felizes. No Face mostramos como somos meticulosamente interessantes e bem sucedidos. Nosso lanche é o melhor. Nossa companhia, idem. Todos nós fazemos isso, o tempo todo. Não adianta balançar a cabeça aí do outro lado, achando que não. Lembra do primeiro episódio da terceira temporada de Black Mirror? Aquele em que as pessoas conferem-se notas o tempo todo, em todas as situações do cotidiano, sendo esses valores fundamentais para que seja consolidada a nossa existência na sociedade? É o que fazemos no Face, no Insta, no Snap, o tempo todo. Queremos curtidas, queremos amor em forma de cliques, para que as nossas existências simplórias ou vazias sejam referendadas por meia de dúzia de sujeitos que mal conhecemos e que, a bem da verdade, não devem estar nem aí para a data de nossa formatura, para aquilo que comi no lanche de tarde ou para o fato de estarmos em Mariluz no finde.
E o pior de tudo é que, em muitos casos, nas redes sociais, não somos nós mesmos. Podemos estar devastados por dentro, mas a fotinho sempre será de um momento de regozijo. A felicidade plena, estampada no sorriso amarelado do registro no Insta, sempre poderá estar banhada de melancolia se ela não for sincera. Hoje em dia a impressão é a de vivermos uma existência paralela que não a nossa, como se estivéssemos em uma espécie de Second Life em tempo real. Não somos nós. Não somos honestos, sinceros. Somos outros querendo agradar. E, em muitos casos, nos tornamos frustrados. Ou mesmo esvaziados por não sermos tão legais, atraentes, interessantes como as demais pessoas e suas vidas movimentadas e vibrantes. Talvez seja um pouco exagerado esse começo de resenha do espetacular filme alemão Toni Erdmann (Toni Erdmann) - nominado na categoria Filme em Língua Estrangeira - mas se fosse possível resumir a ideia por trás das quase três horas de duração da película da diretora Maren Ade, ela seria: sejamos nós mesmos!
Já dizia o escritor Jean Jacques Rousseau no clássico O Contrato Social: o homem nasce livre e por toda a parte encontra-se acorrentado. É muito provável que seja assim que se sinta a jovem Ines (Sandra Hüller, em excelente interpretação). Ela é uma bem sucedida mulher de negócios que trabalha em Bucareste, na Romênia. Um trabalho burocrático, claramente chato, que lhe consome, lhe deixa infeliz, mas lhe possibilita uma vida de luxo, de bons restaurantes, de festas de aparências, de homens ricos - ainda que pobres de espírito. É nesse ambiente atribulado e cheio de códigos de etiqueta e rígidos padrões de comportamento que Ines receberá o seu pai Winfried (o impágável Peter Simonischek) para o seu aniversário. Winfried é um idoso de espírito leve, sempre pronto para fazer alguma brincadeira ou pregar alguma peça nos demais. E para isso não hesita em se fantasiar, em usar perucas ou dentaduras postiças, criando outras personalidades para, com a maior das boas vontades (e até certa pureza), divertir aqueles que estão a sua volta.
É evidente que o mundo lúdico de Winfried, um pianista aposentado com tempo para ficar um mês ao lado da filha, entrará em choque com o comportamento frio de Ines e suas reuniões sisudas, almoços de negócios e metas de trabalho a serem cumpridas - afinal de contas, na atualidade, menos importam as interações sociais entre as pessoas ou mesmo a visita de alguém que amamos e que já tínhamos até esquecido. Hoje em dia existimos a partir da nossa contribuições econômicas ou mesmo tomando por base o quanto acumulamos de patrimônio. Não há tempo a perder. Time is money. Na expressão melancólica de Ines é exatamente isso o que vemos: a preocupação com a carreira acima de tudo. Com o capital. Com a ascensão social. Sendo que Winfried talvez ainda procure encontrar, nesse contexto, entre um meio sorriso e outro, um olhar doce, ou mesmo uma conversa (minimamente) descontraída, a garota provavelmente cheia de vida de outrora, alegre em sua infância leve ao lado do pai. E que, num mundo exaustivo como o de hoje, capaz de sugar as pessoas até o limite, se exauriu. Desapareceu.
E é por isso que Toni Erdmann é tão valioso: para nos lembrar que temos uma essência. Para nos fazer recordar daquilo que somos verdadeiramente. As sequências tidas como mais "estranhas" do filme - como aquela do aniversário - funcionam como uma espécie de metáfora para quem busca exorcizar um a existência pautada pela rigidez dos protocolos morais a que cotidianamente estamos submetidos. Um simples aniversário pode ser um dos maiores atestados de uma vida de aparências - sendo impossível não pensar nas festas infantis para crianças pequenas, recheadas do bom e do melhor, com decoração, buffet e tudo mais, mas com pais ferrados pensando em como pagar. Como quebrar isso? É forjando a existência de um personagem - o tal Toni Erdmann do título -, que Winfried tentará fazer com que Ines lembre da importância das coisas simples. Talvez daquilo que realmente importa. Um abraço de quem gostamos. Um sorriso gostoso. É um filme naturalista, com roteiro riquíssimo (os diálogos impressionam). E que encontra ternura em cada instante. Impossível não se emocionar.
Nota: 9,3
Cara, este é um filme que eu gostaria de ver mesmo. Mas, de que maneira???
ResponderExcluir