Uma estatística estarrecedora dá conta de que 80 mil crianças desaparecem POR ANO, na Índia. Um alto número que certamente está relacionado às condições de pobreza extrema do País, à falta de informação, à precariedade dos serviços e até mesmo à superpopulação. O que o emocionante Lion: Uma Jornada Para Casa (Lion) pretende é contar uma dessas histórias - relatada no livro Uma Longa Jornada Para Casa de Saroo Brierley. E, vamos combinar que este é um roteiro que nasceu pra ser filmado em Hollywood - não sendo por acaso o fato de a obra estar sendo apontada como uma das favoritas do público, entre as indicadas na categoria principal para a noite do Oscar. Lion é daqueles filmes que contam com um arco dramático potente, boas atuações e doses generosas de comoção, mas sem nunca parecer excessivamente piegas.
Na trama, Saroo (o espetacular Sunny Pawar) é um menininho de apenas cinco anos, que, ao lado do irmão Guddu (Abhishek Bharate), passa os dias perambulando pelo pequeno vilarejo em que moram, com a intenção de obter algum dinheiro para a compra de leite para a mãe - o que poderá ser conquistado com pequenos golpes, como o roubo de pedaços de carvão. Apesar do ambiente desolador e miserável, o clima é de harmonia familiar, com a mãe (Pryianka Bose) zelando com carinho pelos filhos. Em um certo dia, Saroo resolve acompanhar Guddu, que trabalhará no turno de madrugada, junto a estação de trem. Muito cansado, o menino entra por engano em um vagão de trem que lhe conduzirá até Calcutá - mais de 1.500 quilômetros de distância de onde mora. Sem falar Bengali - a língua local -, o jovem se torna incapaz de explicar de onde vem, para onde vai e o que exatamente está fazendo ali.
Os momentos de "terror" vividos pelo menino na primeira metade da película, estão entre os melhores de Lion - e, com todo o respeito que merece Dev Patel, que aparecerá como o Saroo adulto na segunda parte da projeção, talvez quem merecesse MESMO a indicação ao Oscar fosse o pequeno Pawar. Poucas vezes se viu uma criança pequena com tanta desenvoltura para transmitir medo, ansiedade, ternura e tristeza diante de uma situação limite, como no caso do jovem ator. Ao chegar em Calcutá, ele se verá em meio a uma metrópole barulhenta, caótica e individualista, que será incapaz de perceber seu drama. A aproximação de adultos não necessariamente representará alguma mudança no panorama - como ocorre quando um mal intencionado casal aparece para "ajudar". O cenário de desesperança só se modificará efetivamente quando Saroo for para um orfanato, sendo adotado, posteriormente, por um casal australiano.
É nesse momento que a trama salta 20 anos no tempo. Saroo (agora na pele de Patel) surge como um jovem adulto, que, amado pelos pais adotivos (vividos com esmero por Nicole Kidman e David Wenham), está indo para a universidade. Só que o contato com outros colegas indianos, em Melbourne, despertará nele uma espécie de "gatilho para o passado", transformando a vontade de reencontrar a sua família biológica em uma verdadeira obsessão - e a culpa que sente, pela existência confortável na atualidade, também funcionará como uma espécie de catalisador para a questão. Apoiado (e atrapalhado) pela namorada (Rooney Mara), Saroo mergulhará na internet atrás de mapas e pistas, cruzando dados que possam levar a seu vilarejo de origem - e que ele mal lembra o nome correto. Em seu dilema, a angústia de falar a verdade ou não para os pais adotivos, sob pena de magoá-los.
Sim, em seu terço final Lion pode até abusar de alguns clichês sentimentais - uso exagerado da trilha, brigas para depois se reconciliar, discursos edificantes, câmera lenta em seus momentos derradeiros - mas, é preciso que se diga: como funciona! É praticamente impossível ficar alheio ou não torcer pelos personagens com todas as nossas forças, mesmo sabendo o final da história. Até mesmo porque as cenas de maior emoção surgem na nossa frente de maneira fluída, orgânica, sem forçação. E, quando percebemos, estamos devastados - no melhor sentido da palavra. Histórias reais de superação podem ficar sempre no limite entre a apelação e a denúncia social: ao voltar os olhos do mundo para os casos ocorrido na Índia, o filme do estreante Garth Davis não apenas entretêm o público, como presta um pequeno serviço. É para isso que a arte (também) serve.
Nota: 8,7
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