quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Cinema - Lion: Uma Jornada Para Casa (Lion)

De: Garth Davis. Com Dev Patel, Rooney Mara, Nicole Kidman, Sunny Pawar e David Wenham. Drama / Aventura, EUA / Austrália / Reino Unido, 2016, 118 minutos.

Uma estatística estarrecedora dá conta de que 80 mil crianças desaparecem POR ANO, na Índia. Um alto número que certamente está relacionado às condições de pobreza extrema do País, à falta de informação, à precariedade dos serviços e até mesmo à superpopulação. O que o emocionante Lion: Uma Jornada Para Casa (Lion) pretende é contar uma dessas histórias - relatada no livro Uma Longa Jornada Para Casa de Saroo Brierley. E, vamos combinar que este é um roteiro que nasceu pra ser filmado em Hollywood - não sendo por acaso o fato de a obra estar sendo apontada como uma das favoritas do público, entre as indicadas na categoria principal para a noite do Oscar. Lion é daqueles filmes que contam com um arco dramático potente, boas atuações e doses generosas de comoção, mas sem nunca parecer excessivamente piegas.

Na trama, Saroo (o espetacular Sunny Pawar) é um menininho de apenas cinco anos, que, ao lado do irmão Guddu (Abhishek Bharate), passa os dias perambulando pelo pequeno vilarejo em que moram, com a intenção de obter algum dinheiro para a compra de leite para a mãe - o que poderá ser conquistado com pequenos golpes, como o roubo de pedaços de carvão. Apesar do ambiente desolador e miserável, o clima é de harmonia familiar, com a mãe (Pryianka Bose) zelando com carinho pelos filhos. Em um certo dia, Saroo resolve acompanhar Guddu, que trabalhará no turno de madrugada, junto a estação de trem. Muito cansado, o menino entra por engano em um vagão de trem que lhe conduzirá até Calcutá - mais de 1.500 quilômetros de distância de onde mora. Sem falar Bengali - a língua local -, o jovem se torna incapaz de explicar de onde vem, para onde vai e o que exatamente está fazendo ali.


Os momentos de "terror" vividos pelo menino na primeira metade da película, estão entre os melhores de Lion - e, com todo o respeito que merece Dev Patel, que aparecerá como o Saroo adulto na segunda parte da projeção, talvez quem merecesse MESMO a indicação ao Oscar fosse o pequeno Pawar. Poucas vezes se viu uma criança pequena com tanta desenvoltura para transmitir medo, ansiedade, ternura e tristeza diante de uma situação limite, como no caso do jovem ator. Ao chegar em Calcutá, ele se verá em meio a uma metrópole barulhenta, caótica e individualista, que será incapaz de perceber seu drama. A aproximação de adultos não necessariamente representará alguma mudança no panorama - como ocorre quando um mal intencionado casal aparece para "ajudar". O cenário de desesperança só se modificará efetivamente quando Saroo for para um orfanato, sendo adotado, posteriormente, por um casal australiano.

É nesse momento que a trama salta 20 anos no tempo. Saroo (agora na pele de Patel) surge como um jovem adulto, que, amado pelos pais adotivos (vividos com esmero por Nicole Kidman e David Wenham), está indo para a universidade. Só que o contato com outros colegas indianos, em Melbourne, despertará nele uma espécie de "gatilho para o passado", transformando a vontade de reencontrar a sua família biológica em uma verdadeira obsessão - e a culpa que sente, pela existência confortável na atualidade, também funcionará como uma espécie de catalisador para a questão. Apoiado (e atrapalhado) pela namorada (Rooney Mara), Saroo mergulhará na internet atrás de mapas e pistas, cruzando dados que possam levar a seu vilarejo de origem - e que ele mal lembra o nome correto. Em seu dilema, a angústia de falar a verdade ou não para os pais adotivos, sob pena de magoá-los.


Sim, em seu terço final Lion pode até abusar de alguns clichês sentimentais - uso exagerado da trilha, brigas para depois se reconciliar, discursos edificantes, câmera lenta em seus momentos derradeiros - mas, é preciso que se diga: como funciona! É praticamente impossível ficar alheio ou não torcer pelos personagens com todas as nossas forças, mesmo sabendo o final da história. Até mesmo porque as cenas de maior emoção surgem na nossa frente de maneira fluída, orgânica, sem forçação. E, quando percebemos, estamos devastados - no melhor sentido da palavra. Histórias reais de superação podem ficar sempre no limite entre a apelação e a denúncia social: ao voltar os olhos do mundo para os casos ocorrido na Índia, o filme do estreante Garth Davis não apenas entretêm o público, como presta um pequeno serviço. É para isso que a arte (também) serve.

Nota: 8,7

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