terça-feira, 7 de outubro de 2025

Novidades em Streaming - O Pavão (Pfau: Bin Ich Echt?)

De: Bernhard Wenger. Com Albrecht Schuch, Julia Franz Richter e Theresa Frostad Eggesbø. Comédia / Drama, Áustria / Alemanha, 2024, 102 minutos.

Em um dos filmes mais engraçados de Woody Allen, o diretor e ator vive Leonard Zelig, um sujeito meio sem graça que sofre de uma curiosa condição psicológica: a de ser capaz de adequar não apenas a sua personalidade, mas também a sua aparência, para que esta fique ajustada ao grupo em que está convivendo. Se está ao lado de médicos ingleses afetados, logo ele estará comentando os avanços da ciência com sotaque característico. Se estiver próximo a um coletivo de jazz, ele, como um camaleão humano, modificará a cor da pele, tornando-se um habilidoso saxofonista. A necessidade de se ajustar às convenções era o que estava no centro de crítica de Zelig (1983), um mocumentário absurdamente hilário e que, hoje, anda meio esquecido na filmografia de Allen. O que nos leva à O Pavão (Pfau: Bin Ich Echt?) que, em alguma medida, repete as ideias da obra do nova iorquino em suas discussões sobre personalidade (ou ausência de uma), quebra de padrões sociais e outros temas relacionados.

Só que, como não poderia deixar de ser quando o assunto é o cinema alternativo europeu, aqui temos uma espécie de episódio de Black Mirror, feito para ser exibido no Festival de Locarno. Na trama do filme de Bernhard Wenger - o enviado da Áustria para o Oscar 2026 -, Matthias (Albrecht Schuch) é uma espécie de mestre na personificação de papeis. Aliás, a ponto de tornar essa habilidade a sua profissão. Ele pode até parecer meio tímido ou um tanto normie, mas como o dedicado funcionário de uma empresa chamada My Companion, ele pode se converter em qualquer pessoa, encarnando um papel que esteja de acordo com o desejo do cliente. Alguém para ser companhia durante um concerto musical? Na mão. Um namorado gay, que ajudará o parceiro na compra de um apartamento que só é vendido para casais? Não seja por isso. Um piloto de avião que surge como o pai improvisado de uma criança, em sala de aula? Oras, vamos lá.

 


Como um Zelig dos tempos modernos, Matthias vai pra lá e para cá com seu ar blasé, solicitando aos clientes uma avaliação positiva no site, a cada serviço concluído, para que os negócios sigam satisfatórios. Só que a vida real não é feita de personagens. Quer dizer, pode até ser, em partes, mas sempre haverá o dia em que a máscara pode cair. Exatamente como dizia o Lulu Santos, na ótima Tudo Igual (Não leve o personagem pra cama / Pode acabar sendo fatal). E o caso é que a namorada de Matthias, Sophia (Julia Franz Richter), já tá de saco cheio da apatia do companheiro. Incapaz de tomar qualquer decisão, de mostrar qualquer tipo de autenticidade. "Você simplesmente não parece mais real", reclama ela na discussão central da narrativa, enquanto ele assiste a um enorme cachorro recém adotado por ela, comer ração diretamente do sofá. Aliás, o caso é que até o drama da DR soa fake, como se as lágrimas tivessem de ser aplicadas artificialmente.

Enquanto vive seu próprio drama pessoal, Matthias se prepara para dois novos papeis. Em um deles, auxilia uma idosa - seu nome é Vera (Maria Hofstätter) - a ser capaz de argumentar com o marido reinento. O que ocorre em sessões periódicas em um apartamento improvisado no centro. Já outro contratante é um senhor que organiza uma festa de 60 anos, com Matthias encarnando o filho do sujeito. O homem quer que ele capriche no discurso - algo emotivo, convincente -, para que ele possa se cacifar para a presidência de uma associação de ricaços que ele representa. Enigmático, estranho e meio delirante, o filme aposta em situações que vão no limite do deboche à burguesia pequena, sendo impossível não encontrar eco na obra de diretores como Ruben Östlund (especialmente a sequência final, com sua referência à The Square: A Arte da Discórdia, 2017) e Yorgos Lanthimos, com sua crítica lúcida ao vazio da experiência das elites econômicas abastadas. Contexto que é reforçado pelo exótico retiro espiritual feito pelo protagonista. Tá na Mubi e vale prestar atenção.

Nota: 8,0 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário