terça-feira, 3 de dezembro de 2024

30 Melhores Discos Internacionais de 2024

Tenho a impressão de que, por vezes, me torno repetitivo. Mas o caso é que tem sido cada vez mais difícil elaborar a nossa lista com os 30 Melhores Discos Internacionais do ano. Dado o volume impressionante de grandes lançamentos - seja de novos artistas ou de veteranos. E, vamos combinar que se aventurar a fazer esse tipo de levantamento é sempre fazer escolhas. E concessões. Com muita coisa boa sendo incluída. E outras ficando de fora. Ok, essa é só uma relação como a de muitos outros sites e que, vá lá, no começo do ano, muita gente já esqueceu. Mas pra quem gosta de música essa é uma época divertida, de recuperar aquilo que não se deu muita atenção, de redescobrir álbuns que passaram batido e de escutar, escutar e escutar. 

 

 


 

No nosso caso, acredite, de Vampire Weekend a Beyoncé, foram quase 200 registros internacionais atentamente ouvidos neste 2024 que se aproxima do fim. Uns de mais impacto, outros menos. Às vezes a gente concorda muito com a crítica especializada, noutras nem tanto - e já pedimos desculpas, de antemão, aos fãs da Charli XCX pela ausência de Brat por aqui (que é um álbum espetacular, mas que conectou menos). A pandemia passou, mas os avanços tecnológicos, o extremismo de direita, as crises ambientais, a xenofobia e um sem fim de outros temas, não. Para muitas bandas é a oportunidade de converter a arte em veículo de protesto, de manifestação ideológica, de luta. Para outros, o projeto musical visa o escapismo, a diversão, a dança. Independente de sua escolha, com política ou sem, a arte alimenta a alma. E faz bem demais. E aqui estão os nossos favoritos do ano.

 

 

30) Iron & Wine (Light Verse): Desde que surgiu para o mundo há mais de vinte anos com o álbum The Creek Drank the Cradle (2002), o cantor e compositor Sam Beam cativou uma legião de fãs com o seu estilo "estou aqui tocando um violãozinho na varanda, enquanto observo o final de tarde bucólico na cidadezinha do interior da Carolina do Sul". Os versos simples mas poderosos, cheios de ruminações simbólicas sobre o ambiente rural - suas famílias, comunidades, natureza, costumes e crenças -, sempre representaram uma fortaleza, o que seria reforçado por obras-primas do folk pop como The Shepherd's Dog (2007). De lá para cá a música de Beam adquiriu mais elementos e até mais complexidade. Mas quem acompanha a carreira da banda sabe que a sua música é daquelas que acalma a alma. Que flui sem pressa em meio a emanações etéreas e uma musicalidade descomplicada, que apaixona já nas primeiras audições. E, em tempos de tanta coisa acontecendo não dá pra negar que canções como Taken By Surprise, Tears That Don't Matter, You Never Know e All In Good Time acalentam, envolvem, amparam. Às vezes tudo o que precisamos é um passo atrás para reconfigurar a rota. Fazendo o que já fazia e de uma forma ainda melhor, Beam nos permite isso.

 

 

29) Rosali (Bite Down): Aqui temos um daqueles casos famosos de "melhores discos do ano que ninguém ouviu" - e tá tudo bem, já que foi um ano tão absurdamente bom do ponto de vista musical, que é óbvio que vai escapar alguma coisa. Fugindo um pouquinho da energia good vibes e meio caminho andado pro gospel, que costuma rondar o folk americano, a artista adiciona aqui um pouco de esquisitice - o que já pode ser percebido pela excêntrica capa. Meio Cassandra Jenkins encontra o Waxahatchee, o disco é uma coletânea despretensiosa de boas canções, que se equilibram no violão e nas instrumentações simples, mas eficientes - o que resulta em melodias acessíveis e refrãos grudentos. Já as letras, poéticas e anarquistas em igual medida, condensam dores e incertezas da maturidade, com senso de humor, acidez e ironia - como no caso da envolvente faixa-título (Eu continuo andando e colocando pedras no meu bolso / Eu sou atraído para a areia escura). Estranho, charmoso, empoeirado e primaveril, esse é um álbum que se equilibra com excelência entre o refinamento melódico do indie e a aspereza ruidosa country rock, como pode ser visto nas ótimas On Tonight, Rewind e Hills On Fire (talvez a melhor trinca inicial de canções do ano).


 

28) English Teacher (This Could Be Texas): Não são necessárias muitas audições do aguardado álbum de estreia dos britânicos do English Teacher, para que percebamos como se sobressai nele uma certa "poética do drama" - um tipo de estética que envolve desde vocais pungentes e sôfregos, passando pela repetição de versos como mantras, até chegar as letras sobre questões sociais, econômicas e políticas. Tudo salpicado por citações culturais e por melodias que parecem nadar entre o pós-punk, a psicodelia e o dreampop. Sim, a gente admite que dá um certo cansaço saber que temos novamente a melhor banda de todos os tempos da última semana, mas o caso é que é difícil ficar alheio à canções tão especialmente brilhantes, como, por exemplo, You Blister My Paint. Nela tudo é tão perfeito, desde o vocal ao mesmo tempo etéreo e espacial de Lily Fontaine, até chegar à letra enigmática e alegórica sobre a sensação de se sentir ofuscado por alguém que se ama. Mas há outros belos momentos, caso de The World's Biggest Paving Slab, que não faria feio no mesmo bloco musical noventista em que estivessem o Veruca Salt ou o Sleater Kinney, ou Mastermind Specialism, que parece trilha sonora de filme alternativo saído do Festival de Sundance. Uma joia.


 

27) Tyler, The Creator (CHROMAKOPIA): Não havia nenhum indicativo de que pudesse haver um novo disco do Tyler, the Creator - ainda mais às portas de novembro. Mas, não apenas houve, como este sétimo trabalho é robusto, cheio de camadas e que olha para o microcosmo - as ruas da cidade, os ambientes comuns e as relações  -, para uma reflexão mais ampla do todo. Muitas vezes os discos de rap costumam ser essa coletânea de fragmentos cotidianos - por mais que o artista já nos tenha acostumado à ideia de um conceito ou de um alterego (aqui, a figura central que une cada ato parece inspirada em Chroma the Great, personagem retirado de um livro de Norton Juster). Neste registro, temas como aborto (Hey Jane), uma trágica doença terminal que impede a continuidade de uma tórrida paixão (Judge Judy), a paranoia e sentimento de perseguição (Noid) e a aceitação das diferenças (Sticky), se alternam entre momentos enérgicos e suaves, caóticos e doces. No passado, Tyler já foi cancelado - seus primeiros álbuns exageravam na misoginia, no machismo. Ao se reinventar, desde o ótimo Flower Boy (2017), ele parece ter uma nova chance. Com direito até a uma autocrítica ferina que examina a hipocrisia alheia, mas também a própria (Take Your Mask Off).

 

 

26) The Decemberists (As It Ever Was, So It Will Be Again): Quem acompanha a carreira dos Decemberists, sabe que a banda andava devendo um álbum realmente bom desde, ao menos, o ótimo The King Is Dead (2011). Claro que a peteca nunca caiu, mas o aceno para um pop mais convencional nos trabalhos recentes, parece ter decepcionado os fãs mais antigos, que estavam acostumados àquele folk barroco que mais parecia saído da trilha sonora de alguma peça de teatro épica, em que narrativas grandiosas e melancólicas em igual medida pareciam o ponto de encontro perfeito entre florestas, cavaleiros, criaturas mágicas, fantasmas e caramanchões, com os aspectos mais mundanos da existência humana. Aliás, um tipo de união meio rara que sempre fez o som do coletivo soar único, quase no limite entre as melodias ensolaradas dos Beach Boys e os temas sombrios de um REM fase Automatic for the People (1992). Aqui, esse expediente luminoso mas soturno, carnal mas abstrato, pode ser percebido já na abertura, com Burial Ground - uma canção com o DNA dos americanos, de construção onírica e refrão pra cantar junto - e também em outros momentos, como na irresistível Long White Veil - uma alegoria sobre luto e morte mas que, ironicamente, preserva uma essência festiva.


 

25) Alfie Templeman (Radiosoul): A trilha multicolorida que sai da caixa de som, passa pelos ouvidos de Alfie Templeman e se espalha pelas paredes do ambiente que ilustra a capa do terceiro registro de inéditas do artista inglês, parece dar a dica: estamos diante de um disco ensolarado, vívido. E basta a primeira audição do registro para que essa impressão mais, digamos, semiótica do projeto gráfico, seja confirmada. Com apenas 21 anos, o compositor chegou com força durante a pandemia e, mesmo em tempos sombrios como os de covid, conseguiu entregar um registro de essência festiva - o ótimo Mellow Moon. Apostando novamente na mistura de art pop, com rock psicodélico, funk, R&B e disco music, o músico amplia o caráter maximalista de sua obra, tornando tudo ainda mais enérgico. Nesse sentido, é simplesmente impossível ficar alheio a canções como Eyes Wide Shut, com seu refrão grudento, que parece algo que o Scissor Scisters faria no começo do milênio. Já a magnética Just a Dance, tem participação de Nile Rogers em uma música de melodia primaveril e letra simples. Não significa que não haja momentos sombrios. Ainda assim, o artista explicou no material de divulgação que este é um "registro de verão, que tem a energia espontânea que vem de estar no sol".

 

 

24) Childish Gambino (Bando Stone and the New World): Muito provavelmente não haverá um disco tão eclético em 2024 quanto este anunciado último trabalho de Donald Glover sob o nome de Childish Gambino. Para o bem ou para o mal o artista atira para muitos lados e gêneros, alcançando um resultado meio caótico e que vai para além dos elementos mais óbvios do hip hop. Pode ser apenas uma provocação final em um cenário em que tudo parece tão previsível e estéril, mas o caso é que a crítica "especializada" torceu o nariz. Já os fãs - ou mesmo quem aprecia música de uma forma mais descompromissada -, gostaram. Especialmente dos singles, caso de Lithonia, um rock branquelo de refrão pegajoso e guitarras grudentas. Gambino, que já foi o responsável pela impactante This Is America e que também escreveu, dirigiu e atuou na série Atlanta, ambas tendo bastante impacto na indústria cultural como veículos de crítica ao racismo estrutural dos últimos anos, agora com Bando... parece ir para o lado oposto, sendo capaz de escrever uma música adocicada e alto astral como Real Love, outra litorânea e sofisticada como Steps Beach e até um power pop de piscina que parece trilha sonora de filme dos anos 80, Running Around. Só relaxa e vai.

 

 

23) The Smile (Wall of Eyes): Vamos combinar que existem discos que a gente escuta, cantarola o refrão, decora as letras e consome instantaneamente. E há, por outro lado, aqueles álbuns nem sempre fáceis - e que exigem do ouvinte uma atenção a mais, uma persistência e que vai para além da absorção imediata. Que o Thom Yorke é uma espécie de elo de resistência a esses modelos mais óbvios, mais comerciais, não chega a ser exatamente uma novidade. Era assim no Radiohead, com sua música cósmica, etérea, enevoada e alienígena funcionando como uma metáfora pra tempos tecnológicos, urgentes e um tanto caóticos que antecipariam a virada do milênio. É assim também com o The Smile. Mais uma vez trabalhando ao lado do parceiro Jonny Greenwood, e de Tom Skinner - o baterista do Sons of Kemet - Yorke volta novamente seu olhar para questões contemporâneas e fatalistas, em discussões pandêmicas (Friend of a Friend) e políticas (Teleharmonic). Tudo por meio das letras enigmáticas, ambíguas, que se somam às melodias caleidoscópicas, que nos levam de lá para cá em uma mistura de jazz, eletrônica minimalista e algo que se aproxima do rock. São músicas harmoniosas mas conflitantes, que se comprimem e se expandem, criando um universo próprio.

 

 

22) Bill Ryder-Jones (Iechid-Ya): Uma mistura de Arcade Fire com Mercury Rev, adicionada de um tequinho de MPB, e muito provavelmente teremos o resultado, em termos de sonoridade, do que é o quinto disco de Bill Ryder-Jones em carreira solo. Ex-integrante do The Coral, o artista inglês elabora, aqui, uma coleção de canções que evoluem para além do folk mais simplificado visto em trabalhos anteriores, para adicionar uma série de outros ingredientes. O resultado são canções que vão no limite entre o onírico e o agridoce, o nostálgico e o encantador - o que pode ser percebido já na inaugural I Know That It's Like This (Baby), uma música que homenageia a ex-namorada, a brasileira Christinha (o que também explica a presença do sampler de Baby, entoado por uma Gal Costa que parece diluída no mundo dos sonhos). Em linhas gerais esta também é uma obra de contrastes. Se por um lado as letras podem pender pra certo existencialismo, como no caso do single If Tomorrow Starts Without Me  (Valeu a pena esperar? / Quanto isso vale para você? / E parece bom estar de passagem), por outro o coralzinho infantil que surge na ótima We Don't Need Them insere um componente meio lúdico à coisa toda. Mas o brilho mesmo vem de composições angustiadas, meio empoeiradas e que dialogam com o melhor da psicodelia noventista, caso de Thankfully for Anthony (uma das músicas do ano).


 

21) Raveena (Where the Butterflies Go In the Rain): "As borboletas são tão delicadas, que têm que se esconder debaixo de folhas e flores até que a chuva passe para que suas asas não sejam esmagadas. Eu senti que isso era uma espécie de metáfora para onde eu estava na minha vida". Não é necessário finalizar Pluto, primeira música do disco de estreia de Raveena, para que nos sintamos conectados a esse universo afetuoso, onírico e etéreo sugerido no material de apresentação - e que explica o conceito por trás do álbum. Sim, esse é um disco tradicional de R&B sofisticado, com vocal macio e melodias suaves que, nas palavras da artista, que tem ascendência indiana, é um projeto de "cura". Que aborda as perdas, as vulnerabilidades e as dores essencialmente mundanas, mas com a janela aberta, deixando a luz solar entrar e o ar circular. O resultado é um conjunto de canções doces, melódicas e refinadas que soam nostálgicas do ponto de vista do pop - mas sem perder a personalidade. Experimente, por exemplo, Rise (atualíssima em sua discussão sobre a liberdade ao povo palestino) ou Junebug, sobre amores de verão e a efemeridade das paixões sazonais (e que tem participação do rapper JPEGMAFIA). As pessoas ignorarem solenemente esse disco beira a afronta.

 

 

20) Waxahatchee (Tigers Blood): Muitas vezes eu já me peguei me perguntando "qual a magia do Waxahatchee?". Por quê a gente escuta essa músicas tão ligadas ao Sul dos Estados Unidos e, mesmo assim, consegue se identificar? Talvez seja a sonoridade simples baseada em guitarras e banjos ensolarados. Ou vai ver é o estilo de cantar meio triste e nostálgico de Katie Crutchfield, que nos arremessa pra essa espécie de universalidade da vida na pequena cidade - com suas rodovias ladeadas por lavouras de milho, açudes cheios de tilápias e propriedades de jardins vistosos, em que a varanda funciona como espaço ideal para um fim de tarde com o violão. Há algo sorridente ali. Mas melancólico. Uma curva que nos leva do desalento à esperança sem muita pressa - o que é reforçado pelas melodias sibilantes e pelas letras poéticas e, essencialmente, diretas. Tomemos como exemplo o single Right Back to It, que conta com a participação de MJ Lenderman (que também lançou um elogiado álbum neste ano) e que versa sobre a potência de um relacionamento duradouro, o que envolve fotografias, memórias, estabilidade emocional e o compartilhamento de momentos importantes (Seu amor escrito em um cheque em branco / Use-o ao redor do pescoço). É só uma das tantas joias. Mas há muitas outras.


 

19) Griff (Vertigo): "Todas as músicas foram escritas a partir de uma sensação emocional de vertigem e de rotação". A explicação dada pela britânica Griff para o pequeno conceito por trás do seu ótimo disco de estreia, não poderia estar mais adequada para alguém de 23 anos. De quebra, a sensação de que as paixões torrenciais se intercalam com instantes de coração partido sem muita linearidade, parece combinar com a música pop dançante, de sintetizadores catárticos, apresentada pela artista em Vertigo. Sim, esse é um é um álbum que pode ter passado meio batido em meio a um batalhão de coisas lançadas nesse ótimo ano musical. Só que o caso é que, aqui, vale prestar atenção. Em alguma medida, talvez seja isso o que se espera de um artista pop. Que seja capaz de fazer com que nos identifiquemos de forma descomplicada. Toda e qualquer pessoa adulta já passou pelas suas quando o assunto é o amor, as decepções, os arrependimentos e Griff canta sobre tudo isso com ares de veterana. O que sempre culmina em um refrão caudaloso ou em uma ponte que fará o seu público cativo cantar com gosto - como no caso das excelentes Astronaut, Cycles, Tears for Fun e Hole In My Pocket, esta última utilizando a metáfora do bolso furado em que se perde tudo, pra falar da solidão.


 

18) Christopher Owens (I Wanna Run Barefoot Through Your Hair): "Eu sei que é difícil não sentir que você está devastado / Quando tanto amor está faltando desde o início". Vamos combinar que os versos da singela This Is My Guitar quase funcionam como uma carta de apresentação para o quarto disco do ex-Girls, em carreira solo. Afinal, com tanta tragédia ocorrida na vida do músico - do fatídico falecimento do seu ex-colega de banda Chet JR White, em 2020, a um grave acidente de motocicleta que o deixou impossibilitado de caminhar (e de pagar por seus cuidados médicos), é quase um milagre o acontecimento desse registro. Foi nesse contexto que sua noiva o abandonou. Seu emprego em uma cafeteria foi pro saco. E o aluguel se tornou impraticável, o levando a uma vida nômade como sem teto, morando em seu carro. Assim, dá pra compreender perfeitamente esse retorno pós pandêmico em um estilo poético e contemplativo, borbulhante e atmosférico - em que as letras surgem reflexivas, funcionando como uma espécie de veículo para expiar as dores, com suas ranhuras e incertezas. É diferente do açucarado e agora longínquo Chrissibaby Forever (2015), o trabalho anterior. E tão bom quanto.

 

 

17) Cigarettes After Sex (X's): Enquanto a imprensa musical (supostamente) especializada bate cabeça na busca por formas de deslegitimar a música feita pela banda capitaneada por Greg Gonzalez, esta segue firme no seu propósito de fazer com maestria a sua especialidade - no caso, canções sussurrantes, sensuais, de fim de madrugada à meia luz, que servem como a trilha sonora perfeita em meio a vinhos cheios de taninos e lençois de cetim com milhares de fios. Não, não há nada de diferente nesse terceiro registro de inéditas do trio, muito menos na música em si que segue sofisticada, classuda, sensual. Exatamente como aprendemos a amar. Aliás, o número de streamings nas plataformas de áudio não mentem. O coletivo é um fenômeno de reproduções digitais - por mais monocórdico ou introspectivo que o grupo possa soar. Isso não significa que não haja intensidade, emoção, ou algo mais poderoso nos versos. Mas o vocalista explica que o seu canto vem de um "lugar de vulnerabilidade".. O resultado é uma coleção de canções sobre a complexidade dos relacionamentos, românticas mas profundas, cheias de idas e vindas e bons refrãos, como comprovam as ótimas Silver Sable, Hideaway e Dark Vacay - esta última uma das melhores do ano.


 

16) Tyla (Tyla): Quando lançou o single Water, em julho do ano passado, Tyla meio que surgiu para o mundo como uma enxurrada, uma torrente - pra ficar na metáfora aquosa que alude à canção. A música viralizaria no Tik Tok. Alcançaria, com sua energia absurdamente sexy, melodia envolvente e refrão grudento, milhões de visualizações de seu clipe no Youtube - um tipo de trajetória que, em alguma medida, é a de muitas jovens que despontam nesse universo. Só que Tyla ainda tinha o componente adicional de ser alguém de fora dos grandes centros. Desse eixo que parece centralizar tudo nos Estados Unidos e na Europa. Aliás, nativa da África do Sul, trazia para junto de seu hit instantâneo uma série de referências e de elementos de gêneros locais, como o afrobeat e o amapiano - um estilo que mistura jazz, lounge music e deep house. Mas aí, passado todo esse furor, ficou aquela pontinha de dúvida: Tyla seria capaz de sustentar um álbum? De entregar mais do que um single único? Bom, a chegada de seu disco homônimo comprova que sim. Mesclando pop e R&B com os já citados gêneros sul africanos, a jovem artista apresenta algo que foge do óbvio, em alguma medida, em um combo geral abusadamente saboroso, como comprovam outras ótimas canções Truth or Dare, ART e Jump.

 

 

15) Fontaines D.C. (Romance): Quem imaginou que o Fontaines D.C. pudesse distensionar o seu som denso, enevoado - talvez tornando-o mais acessível ou comercial em seu quarto registro -, errou o pulo. Seguindo no terreno do pós-punk lúgubre, que mescla guitarras cheias de fuzz com as linhas de baixo palpitantes, o coletivo irlandês não mudou uma vírgula do seu estilo - para alegria dos fãs. O que mudou, desde a estreia com Dogrel (2019), foi o mundo, que parece ainda mais acelerado, tecnológico, turbulento e distópico - contexto que, para quem tem aderência a um rock mais direto e reflexivo, que mescla divagações políticas e sociais amplas com o intimismo das pequenas coisas, se torna um prato cheio. Nesse sentido, é preciso que se diga que esse não é um trabalho de fácil absorção, já que as ideias surgem espalhadas em canções nunca óbvias, de poucos refrãos e que por vezes parecem saídas de um filme alternativo de baixo orçamento. No material de divulgação, o vocalista Grian Chatten destacou que o álbum funciona como uma distopia futurista inspirada no clássico japonês Akira e em filmes como A Grande Beleza (2013) de Paolo Sorrentino. O que explica esse clima meio de submundo urbano e de glamour desbotado de canções como In the Modern World, Favourite e Death Kink

 

 

14) Jessica Pratt (Here in the Pitch): Uma bossa nova enevoada, cantada em um filme cult dos anos 80. Um folk espacial que emerge em uma série de TV distópica e existencialista. Uma melodia que martela sutilmente em um bar enfumaçado, ocupado por figuras niilistas e silenciosas. Tentar converter em "imagens" a música feita por Jessica Pratt pode não ser tarefa tão fácil - uma vez que ela parece trafegar com facilidade entre a nostalgia onírica e a modernidade borbulhante. Em alguma medida é possível afirmar que as possibilidades são muitas e mesmo um disco pequeno (de 27 minutos e nove músicas) permite ao ouvinte uma viagem pop psicodélica por ambientes tão variados, que tudo parece ser maior do que é. Lúdico, sensorial, evocativo, esse é daqueles trabalhos que ressoam de forma hipnotizante em uma rota intimista e agridoce. Um bom exemplo disso tudo pode ser percebido no single World on a String - com sua musicalidade flutuante e elevada. Pratt tem um estilo de cantar que consegue soar ao mesmo tempo doloroso e acolhedor e, por causa disso, versos como "E você ganhou tudo, mas seu sorriso vai embora / Quando, ao final, você é notícia de ontem" (na bossa nova Better Hate) soam ousados e irônicos.  É o tipo de combinação que faz com que retornemos várias vezes para o disco.


 

13) Real Estate (Daniel): O Real Estate é a prova viva de que a música pode ser fácil, descomplicada, sonhadora, doce. Sim, a gente já ouviu esse estilo de jangle pop antes - seja em bandas como o Teenage Fanclub ou, mais antigamente, com o The Byrds. Já se vão quinze anos de carreira e, no sexto disco do grupo, a coisa não mudou muito. Há um apelo nostálgico permanente na guitarrinha primaveril, que combina perfeitamente com os versos flutuantes de Martin Courtney. São canções que aconchegam e que acolhem o ouvinte, mesmo quando eventualmente soam mais complexas do que parecem. É o caso, por exemplo, do single Water Underground, que mergulha nas profundezas da mente, ao usar a imagem da água como uma metáfora para o inconsciente. O expediente se repete em outros momentos simples e belos. Say No More se inspira no clássico Harvest Moon, de Neil Young, em um tipo de canção grudenta, que poderia muito bem estar no álbum Days (2011). A estrutura de verso, ponte e refrão é replicada de forma persistente, e não dá pra negar que o grupo já possui uma personalidade própria, que permite fácil identificação. Pode parecer apenas banal, talvez cotidiano demais. Mas encontrar magnitude no ordinário também tem seu charme. 


 

12) Kali Uchis (Orquídeas): Vamos combinar que não pode haver nada mais contemporâneo em matéria de música, do que a mescla de estilos fluindo de forma orgânica, com personalidade. E se tem uma artista na atualidade que mistura gêneros como R&B e hip hop, rearranjando-os com boas doses de reggaeton, merengue, bolero, salsa e outras sonoridades latinas, esta é a Kali Uchis. Funcionando quase como peça complementar do sofisticado e etéreo anterior Red Moon In Venus, a cantora investe em uma coleção de canções que promove uma vibrante infusão, que explora justamente a diversidade da música latina. São canções como Igual Que Un Ángel, feita em parceria com o mexicano Peso Pluma, que fogem do óbvio estereotipado, ao possibilitar variações de batidas que adicionam camadas eletrônicas oníricas e sintetizadores que, aqui e ali, quase arremessam a música para o campo da psicodelia à Tame Impala. Já Te Mata, um bolero imprevisível, parece ter nascido pra ser hit com seu refrão grudento (e brega) e letra potente sobre amor próprio em um contexto de relacionamentos tóxicos. Há outras joias imperdíveis aqui, casos de Me Pongo Loca, Tu Corazón Es Mío, Labios Mordidos e Muñekita, nesse álbum que foi lançado cedo. E que segue reverberando.


 

11) Vince Staples (Dark Times): "A maneira como eu olho pra música - especialmente a música urbana, das pessoas negras ou como queira chamar - é que estamos todos no zoológico e os ouvintes são as pessoas fora da gaiola". Quem acompanha a carreira do rapper Vince Staples sabe que sua produção sempre foi marcada por uma crueza que não romantiza os seus temas. Em mais de uma entrevista ele mencionou haver alguma desconexão entre certos artistas e quem os consome, especialmente na ânsia de dar um polimento, um certo brilho glamourizante aos problemas da periferia, numa espécie de glorificação do rap (o que se vê muito nos videoclipes, por exemplo). Violência policial, racismo estrutural, tráfico de drogas e crise da masculinidade são assuntos que, aqui e ali, surgem sempre pontuados por um estilo minimalista, sem floreios, com batidas no limite da monotonia, efeitos econômicos e um vocal muito mais falado do que gritado. Sim, Staples pode ser engraçado nas redes sociais ou totalmente debochado nas entrevistas. Só que na hora de fazer música de qualidade ele segue imbatível. Agradável, fluída, com refrãos diretos, como no caso da ótima Étouffée e da e tensa Government Cheese, Dark Times é uma obra sólida, melodiosa e rica em camadas.


 

10) Beth Gibbons (Lives Outgrown): Quem ouve o estilo soturno, quase fantasmagórico que emana das canções do primeiro disco solo - sim, acredite - de Beth Gibbons, dificilmente encontrará algum rastro do trip hop sofisticado, que marcou a sua antiga banda, o Portishead. Sim, porque diferentemente do que ocorria nas músicas do grupo - muitas vezes arranjadas em instrumentações que misturavam o onírico com o lúdico -, aqui há uma severidade no todo. Uma beleza rústica, de trovoada, talvez meio bucólica, sensação reforçada pelos tambores potentes, pelas cordas grandiosas e pelo canto montanhoso, comovente. Sim, Gibbons já não é mais uma jovem que canta sobre amores de cafofo e outros devaneios sentimentais, como no clássico noventista Glory Box. A artista agora está ás portas dos 60 anos. E com outras preocupações. E talvez seja justamente essa capacidade de autoexame a respeito da própria trajetória, da maturidade e das experiências de vida que faça com que ela se sinta tão à vontade para experimentar, para fugir do óbvio. O resultado é um registro que cresce a cada nova audição e que discute de forma madura temas como envelhecimento (Love Changes) e menopausa (Oceans). Para absorver com calma.


 

9) Yaya Bey (Ten Fold): Sedutor, sofisticado, aconchegante, hipnótico, vívido. Vamos combinar que não serão poucos os adjetivos na hora de definir o quinto registro de inéditas de Yaya Bey. Assim como já ocorrera no anterior Remember Your North Star (2022), aqui a artista investe novamente na mistura contemporânea de R&B, pop, funk e soul, com algumas pitadinhas de trip hop - algo como um encontro entre FKA Twigs e Mary J. Blige. Como se o sussurro fosse um estado de espírito, Bey investe no minimalismo e na potência dos versos como o caminho para estabelecer suas vulnerabilidades, anseios, dores e incertezas - ainda mais após a perda do pai Ayub Bey. De quebra, Bey sempre foi uma consumidora de cultura negra - de livros de Toni Morrison, passando pelos programas de humor de Richard Pryor e pelos discos incendiários de Chaka Khan e Tina Turner. E para além da tentativa pessoal de superar o luto, a cantora utiliza a sua arte como veículo para discussões mais amplas sobre racismo, igualdade entre gêneros, problemas ambientais, falta de dinheiro e direitos das minorias. Só que os temas mais sérios não significam sisudez, como comprovam as movimentadas e divertidas Eric Adams in the Club, Slow Dancing in the Kitchen e Sir Princess Bad Bitch.

 

 

8) The Last Dinner Party (Prelude to Ecstasy): Uma união da música clássica com a alternativa, com orquestrações épicas se intercalando com o indie moderno. Digamos que essa é uma tentativa bem pequena de resumir o tipo de som que fazem essas britânicas que foram uma das sensações da temporada. Com ecos de artistas distintos que vão de Kate Bush e Florence + The Machine, passando por Weyes Blood e Abba, o coletivo converte esse disco de estreia em uma coleção de canções divertidas, cinematográficas, poéticas e sacras - tudo com uma personalidade comovente. Em alguma medida, trata-se de uma mistura interessante que, por vezes, faz com que nos sintamos em uma espécie de filme de época dirigido pela Sofia Coppola ou em algum livro da Jane Austen. Ou em uma exposição de arte renascentista. Sobre as canções, elas transitam em vários gêneros, explorando temas, como, masculinidade frágil (Caesar on a TV Screen), perda da inocência (Sinner), paixões adolescentes (My Lady of Mercy), privilégio masculino (Beautiful Boy) e relacionamentos tóxicos (On Your Side). E há ainda o single Nothing Matters que, com seu refrão grudento, melodia otimista e letra descarada, faz todo mundo cantar junto. Ouça. Pra ontem.

 

 

7) Adrianne Lenker (Bright Future): Quem acompanha o trabalho de Adrianne Lenker, seja à frente do Big Thief ou em carreira solo, sabe que suas obras não são daquelas que nos apaixonam de primeira. Sim, porque a despeito da simplicidade evocativa do violão e da voz enfumaçada, pincelada aqui e ali por um violino ou um efeito eletrônico econômico, o que temos são registros que requerem uma atenção maior. Nem sempre há refrãos fáceis ou as curvas óbvias previstas no pop plastificado da atualidade. O caminho, ao cabo, pode ser imprevisível mas sofisticado, instável mas arguto. Em linhas gerais tudo é muito íntimo e cheio de vulnerabilidade. É como se Lenker simplesmente pegasse seu violão, entrasse em um quartinho fechado de uma casa isolada no meio do mato, e dedilhasse qualquer coisa tão sofrida quanto aleatória. Ainda assim é interessante notar como há certo encantamento nessa banalidade - um brilho meio mágico, onírico, a cada nota vocal mais alta ou a cada melodia entortada, que se equilibra em perfeita harmonia com o silêncio das brechas. Libélulas, varandas perfumadas, nuvens que passam, framboesas silvestres e macieiras, passeios com o cachorro, lareiras acesas, ventos que arrepiam - há uma felicidade boba no agora, e é a ele que Lenker recorre. Lindo demais.


 

6) Empress Of (For Your Consideration): Se tem uma coisa que não é difícil apontar no quarto trabalho de estúdio de Lorely Rodriguez como Empress Of, é o caráter cinematográfico do registro. Da capa hollywoodiana - com a artista montada em uma estrela cadente dourada -, ao título do disco, tudo parece remeter ao universo habitado por astros da capital mundial do cinema. Elementos que, aliás, se estendem à música - como não poderia deixar de ser. Em entrevistas de divulgação a cantora, que reside em Los Angeles, explicou que havia se apaixonado por um diretor de cinema - mas que o relacionamento era impossível, por conta de sua indisponibilidade emocional. Como nas melhores comédias românticas, Rodriguez resolveu converter a frustração, a dor e a volta por cima na matéria-prima ideal para uma coleção de onze canções cintilantes, sensuais, anárquicas e classudas, que misturam o melhor da eletrônica, do pop e do R&B, com ritmos latinos e até com música clássica. Alternando entre o espanhol e o inglês, a artista intercala momentos de maior vulnerabilidade (What's Love), com outros em que ela exala confiança (como no ótimo single Kiss Me, que tem a participação da Rina Sawayama). Digno de Oscar.


 

5) Beyoncé (Cowboy Carter): Vamos combinar que hoje em dia já é bastante conhecida a história que envolve a apresentação de Beyoncé, ao lado do grupo The Chicks durante o Country Music Awards de 2016 - e que resultou em um sem fim de reações racistas, misóginas, sexistas. Texana de nascimento, a maior rainha do pop estaria portanto impedida de cantar um estilo normalmente ligado, ao menos na atualidade, aos rednecks sulistas? Não mesmo. Ainda que Texas Hold'Em possa ter sido um forte aceno ao gênero - como já havia ocorrido no passado em Daddy Lessons, presente em Lemonade (2016) -, o caso é que Cowboy Carter é muito mais do que o disco de country music. Pode ser o ponto de partida. Mas há muito mais do que Willie Nelson e Dolly Parton avalizando, ou banjos respingados aqui e ali. Sequência da trilogia que se iniciou com Renaissance (2022), aqui temos uma artista afiada no exame de sua terra natal em todos os seus preconceitos, mas sem deixar de expressar seu amor por ela. Do hip hop ao gospel, passando pelo R&B e pelos ritmos africanos -, Beyoncé constroi uma epopeia revisionista provocativa, que escava o justo espaço histórico das mulheres negras, em um ambiente normalmente dominado por homens brancos, conservadores. É um feito e tanto.


 

4) Jamie xx (In Waves): Nove anos separam o primaveril In Colour desse segundo trabalho do produtor britânico. E a realidade é que muita coisa aconteceu de lá para cá - de pandemia à guerras, passando por avanços tecnológico e crises políticas globais. E em meio a isso as pessoas ficando meio paralisadas, doentes e solitárias - mas também em busca de alguma válvula de escape. E é aí que entra a música e seu poder. De possibilitar a dança, mas também a imersão. A conexão com algo. Com pessoas. Com ideias. Com imagens mentais. E penso que Jamie xx faz essa ponte como poucos. É meio curioso notar como as suas canções emergem ideais para a turbulência das pistas, com seus sintetizadores urbanos e polidez vítrea -, ao mesmo tempo que também parecem funcionar bem para o consumo solitário, em meio a alguma madrugada quente, que avança rumo ao raiar de um novo dia. É uma música ao mesmo tempo minimalista, que é quase um mantra aveludado e levemente tenso (como na abertura Wanna), mas também elaborada, como no single Waited All Night, que tem a parceira de The xx Romy nos vocais. O resultado desse conjunto parece todo depositado aqui: enérgico e quente (Baddy on the Floor), mas também delicado e suave (The Feeling I Get From You). Difícil ficar alheio.

 

 

3) Rachel Chinouriri (What a Devastating Turn of Events): Quem ouve o pop sofisticado, muitas vezes agridoce, e cantado com a voz aveludada da britânica Rachel Chinouriri em sua estreia, talvez não imagine a densidade de suas letras e mesmo a relevância de seus temas. Em linhas gerais há uma leveza nostálgica que conduz o ouvinte entre palminhas, assobios e uma sonoridade que se equilibra bem entre o R&B, o soul e o indie rock, que fazem tudo soar acessível. É aquele disco gostoso, com pontes e refrãos que flanam com facilidade. Basta uma ou outra audição pra memorizar as canções. Como no caso, por exemplo, de Robber, balada sombria que tem como pano de fundo a história de um casal que perde um bebê. Nascida em Londres, a artista de apenas 26 anos é filha de pais emigrados do Zimbábue. E ainda que pudesse ser convidativo em termos de "mercado" tornar sua música apenas uma excentricidade para um público médio e branco ávido por sons de fora dos grandes centros, Rachel cresceu ouvindo Kings of Leon, Phoenix e Coldplay - bandas que aparecem como influência pouco óbvias em canções sobre sensação de não pertencimento (o ótimo single The Hills), amores não correspondidos (All I Ever Asked) e crise de imagem e aceitação (I Hate Myself).

 

 

2) Vampire Weekend (Only God Was Above Us): Preciso ser honesto com vocês: toda vez que o Vampire Weekend anuncia um novo disco, eu penso que a coisa vai desandar, já que não deve ser fácil manter a qualidade do trabalho por um período tão longo. Só que sem pressa e dando tempo ao tempo, o coletivo parece sempre entregar o seu melhor. Seja na sonoridade - estridente, amplificada, complexa mas agradável e sofisticada do ponto de vista instrumental -, ou nas letras alegóricas e profundas, que emergem de cenários domésticos e de dilemas mundanos para uma análise do todo. Exemplo disso, o single Capricorn talvez seja uma das melhores canções do grupo, com seus versos prosaicos que envolvem uma ruminação curiosa sobre passado e futuro, passagem do tempo e a dicotomia entre juventude e maturidade. Tudo tendo como base uma melodia esganiçada, sibilante, quase industrial, mas também delicada e nunca cansativa. Pianos que se espalham com graça (Hope), guitarrinhas adocicadas (Pravda), rockões modernos e pegajosos (Classical) que se alternam com instantes mais comedidos (Mary Boone), enfim, uma construção moderna, riquíssima e com uma fluidez própria. É álbum pra dar play repetidamente. E descobrir algo novo a cada nova audição.


 

1) Magdalena Bay (Imaginal Disk): Celestial, mágico, hipnótico, sofisticado. E, acima de tudo, essencialmente pop. Resumir o tipo de som feito pela dupla californiana Mica Tenenbaum e Matthew Lewin, em seu segundo álbum de estúdio, talvez não seja uma tarefa tão simples. Os adjetivos podem ser diversos e o caso é que eles nunca conseguirão abarcar o todo. Sim, há todo um conceito por trás do registro que envolve terapias alternativas e a busca por uma espécie de bem-estar (ou de cura) que percorre cada curva do projeto e que retira as músicas do óbvio meio pasteurizado que reina na música sintética dos dias de hoje. É como se o conjunto fosse ao mesmo tempo estranho e experimental, mas acessível e comercial - e experimente não ficar com Killing Time grudada na mente após umas duas audições. A canção, por sinal, é aquele tipo que se repete a todo o momento no trabalho - e que vai no limite entre o retrô setentista enfumaçado e o brilho polido de uma eletrônica mais maximalista. O que não apenas confere personalidade, mas também expande os limites sonoros. O que pode ser comprovado em pequenas joias que amaciam os ouvidos, como Death & Romance, Image e Love Is Everywhere. Para colocar no repeat e ouvir infinitamente.


Como comentei no começo do texto, esse foi um dos melhores anos das últimas décadas em matéria de grandes lançamentos e, preciso ser honesto e dizer que, até o fechamento da lista, havia no mínimo mais uns 20 discos que poderiam figurar nessa relação. Como destaques e como uma espécie de menção honrosa, cito os casos de Nobody Loves You More, a surpreendentemente boa estreia da ex-Breeders da Kim Deal; Patterns In Repeat, da Laura Marling (que saiu da lista final no último segundo); Mahashmashana, do sempre ótimo Father John Misty; All Born Screaming, da St. Vincent, que também senti de deixar de fora; Hit me Hard and Soft, da Billie Eilish (que talvez tenha uma das músicas do ano, Birds of Feather), GNX do Kendrick Lamar, que dispensa comentários e o No Name, do Jack White, que é, sim, um discaço. Isso só pra ficar em alguns. Talvez se fizesse essa lista na semana que vem, alguns dos nomes já mudassem. E assim a gente segue. Vivendo ano a ano esse prazeroso exercício.

E pra vocês, quais os registros fundamentais do ano? O que não poderia faltar jamais em uma lista? Falem conosco!

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