De: Natja Brunckhorst. Com Sandra Hüller, Max Riemelt, Ronald Zehrfeld e Peter Kurth. Comédia / Drama, Alemanha, 2024, 115 minutos.
Uma comédia despretensiosa que nos faz pensar sobre uma situação bastante inusitada: o que foi feito do dinheiro da Alemanha Oriental quando da reunificação do País, em 1990? Em geral, mesmo em filmes que remontam o período - como no caso do ótimo Adeus, Lênin (2003) -, esse tipo de problema secundário passa batido. Mas não no caso de O Grande Golpe do Leste (Zwei zu Eins), carismática obra da diretora Natja Brunckhorst, que propõe uma viagem no tempo para nos apresentar a uma numerosa família de comunistas meio abatidos com a queda do Muro de Berlim, que encontra uma motivação a mais para encarar essa nova realidade do universo capitalista. No caso, arrebanhar secretamente dinheiro "velho" de uma espécie de bunker mantido pelo governo, tentando trocá-lo rapidamente no mercado paralelo, antes que o marco alemão se torne a moeda oficial.
Provocativa e divertida, a obra acompanha o trio central Maren (a sempre ótima Sandra Hüller), Robert (Max Riemelt) e Volker (Ronald Zehrfeld) que, para além do sonho socialista compartilhado, também operam como um triângulo amoroso improvisado, nos escombros de uma Alemanha comunista de prédios meio decadentes, estruturas públicas sucateadas e uma espécie de utopia eterna que, frente à selvageria capitalista, nunca se concretiza. Em linhas gerais há um clima romântico no todo, que se estabelece já no começo da narrativa, quando a família reunida no quintal, precisa proteger o jovem Jannik (Anselm Hadderer) que pratica a mais tradicional subversão adolescente, frente aos sistemas opressores - no caso, a pichação de muros. Em meio a reminiscências poéticas e o apelo aleatório à cultura - com música e dança -, o grupo rumina sobre a existência de um local em que as notas de dinheiro têm sido enviadas para, mais adiante, serem descartadas e incineradas.
Só que ainda faltam seis dias para a conclusão dessa etapa de câmbio. E, até lá, muita coisa ainda pode ser feita. E muita grana pode ser levantada. Após entrar em cena o tio Markovski (Peter Kurth), Oscar, Robert e Volker tentam adentrar um antigo poço localizado em uma mina, que os levará a um grande depósito. No local, milhões de notas inúteis aguardam seu destino. Escondido, o trio enche sacolas e mais sacolas com a bufunfa para, de volta ao mundo real, efetuar uma série de operações por baixo dos panos - o que pode fazer com que seu capital amplie. Com o apoio inesperado de um grupo ambicioso de empresários, o grupo adquire um sem fim de eletrodomésticos, eletrônicos e outras engenhocas por preços maiores, que permitirão um ganho mútuo, com os vendedores lateralizados ampliando seu volume de recursos e os alemães orientais passando a ter posse de uma série de objetos de valor que também poderão servir de moeda de troca mais adiante.
Bordejando o sonho capitalista e a sua natureza destrutiva como um componente onipresente, a obra conduz aquele grupo de socialistas à inesperados sentimentos de ambição, desconfiança, avareza e outros. A impressão que temos, lá pelas tantas é a de que ninguém acredita mais em ninguém e não é preciso ser nenhum adivinho para saber que a coisa pode desandar rapidinho - ainda mais com tudo tendo de ser feito às escondidas, para que os homens da lei não sejam atraídos. Há ali ainda uma realidade paralela em que diplomatas, lideranças e outros poderosos podem adiar o tempo de câmbio para mais alguns meses - com outras maracutaias surgindo no caminho. Com tudo sendo conduzindo com uma leveza quase inesperada, o que é reforçado pelas cores vibrantes da fotografia, o figurino divertido e a trilha sonora de composições folk simpáticas. Em linhas gerais esse é um projeto cheio de carisma mas que, justamente por isso, pode irritar quem espera tensões ou dissabores mais fortes. Ainda assim, pelo inusitado da coisa, vale conferir.
Nota: 7,0