quarta-feira, 28 de maio de 2025

Pitaquinho Musical - Blondshell (If You Asked for a Picture)

Devo confessar a vocês um fato: pra gostar de um disco meio que de arrancada, preciso me conectar com ele de alguma forma. Sem muita demora. Duas ou três audições e um refrão grudento, alguma letra poeticamente marcante, uma melodia irresistível, que permanece conosco. Enfim, alguma coisa tem que dar o enganche - especialmente se é um artista que não estou muito familiarizado. E, por vezes, penso que possa ter sido exatamente isso que tenha faltado no autointitulado disco de estreia da Blondshell. Aquele tchan, sabe? Aquilo que toca mais a fundo. E, claro, não é que o álbum não fosse bom, como comprovam canções deliciosas como Salad e Sepsis. Mas o caso é que Sabrina Teitelbaum era apenas uma garota de 25 anos recém saída da pandemia e com outros traumas na bagagem (caso da perda da mãe em 2018). O que explica o perfil mais acuado, ou na defensiva, que se espalha pelas canções de ferocidade contida.

 


Bom, o tempo passou e, agora, com If You Asked for a Picture, é como se a artista tivesse, enfim, desabrochado. Estando mais confiante, mais madura - o que pode ser percebido na própria sonoridade, que se espalha em outros estilos que vão para além do rock country nostálgico dos anos 90. E, verdade seja dita: Sabrina segue ácida na hora de discutir temas essencialmente mundanos - como sexo, relacionamentos, pressões gerais (especialmente sobre as mulheres), misoginia. Mas, agora com mais estrada, parece mais possível bater de frente e se reconhecer como parte desse processo de formação, que certamente faz a ponte com quem lhe escuta. Nesse sentido, músicas como What's Fair, Two Times - que parecem uma mescla de Best Coast com Cranberries - e, especialmente, 23's A Baby exalam personalidade com sua poesia torta e provocativa, que parecem sutis apenas nas aparências. Versos como "Eu não quero ser sua mãe / Mas você não é forte o suficiente" (sobre homens adultos infantilizados) e "Você será um bom pai / Você me carregou até a cama" (repletos de ambiguidades) dão só uma pequena dimensão da poesia ácida da compositora. Um dos melhores do semestre.

Nota: 9,0

Novidades em Streaming - Herege (Heretic)

De: Bryan Woods e Scott Beck. Com Hugh Grant, Sophie Thatcher e Chloe East. Suspense / Drama, Canadá / EUA, 2024, 111 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM ALGUNS SPOILERS]

"A verdadeira religião é o controle. Essas pessoas não querem a sua ajuda. Elas estão exatamente onde escolheram estar." A frase dita pelo recluso senhor Reed (Hugh Grant) à jovem irmã Paxton (Chloe East) no terço final do interessante Herege (Heretic) pode até parecer um pouco chocante. Mas não chega a surpreender. E, mais do que isso, em alguma medida parece condensar toda a ideia central da obra dirigida pela dupla Bryan Woods e Scott Beck. O resumo é mais ou menos esse: você pode ser desta ou daquela crença, mas talvez você seja mais facilmente manipulável se for um fanático indecoroso. As pessoas morrem por seitas. Também matam por elas. Por uma ideia que elas acreditam estar acima de tudo. De todos. Céu, inferno, dogmas e tudo o mais. Criadas pelo homem e para o homem. Reformuladas, repassadas adiante pela oratória, pelo texto, pelo verbo.

Vi algumas críticas na internet falando que esse não é um filme de terror - de sustos e de bigornas caindo ou de gatos assustados -, mas sim um suspense mais psicológico. E o caso é que é mais ou menos por aí. Com toda a ação centrada na casa claustrofóbica e enigmática do senhor Reed, poderíamos imaginar torturas gratuitas sem fim, de um serial killer que só quer se aproximar de duas jovens para abusar delas de todas as formas. Bom, em partes isso acontece. Mas há um ponto por trás. "Vocês estão onde escolheram estar", é o que lembra o sinistro homem - e, admito que diverti assistindo Grant, tão famoso pelas comédias românticas, encarnando um sujeito sombrio, de comportamento imprevisível. Sobre estar onde se quer estar, a frase de Reed, direcionada as meninas é ambígua. Pra quê, afinal, estragar sua juventude em uma vida tão alienante e de restrições como aquela que exige a Bíblia? Ou o Alcorão? Ou o Torá? Ou o livro sagrados dos mórmons?

 


Parte da graça de Herege - e o título da obra é quase autoexplicativo - está nesse deboche com o fanatismo religioso, independente de qual seja a corrente. É como se o senhor Reed dissesse, "olha, é mais ou menos tudo a mesma coisa e vocês estão brigando sobre isso e disputando espaço por quê?". O judaísmo é melhor do que o catolicismo? O islamismo está atrás das duas? Ou na frente? E todas essas religiões monoteístas não partem de textos mitológicos escritos milhares de anos antes? Com tramas semelhantes, fundamentos parecidos? Qual o sentido? Enquanto assistia, meio que coloquei a mão na consciência no que diz respeito a outros temas - especialmente os políticos. A religião, nos tempos de hoje, tem influência direta no assunto. Mas ao fim e ao cabo, não é tudo parte da grande engrenagem capitalista? Por quê estamos aqui brigando se, independente da porta que escolhermos, pararemos meio que no mesmo lugar?

Claro, alguns poderão dizer que os diretores exageram na dose na intenção de apresentar seu ponto. Ou fincar a bandeira. Ainda assim não deixa de ser interessante notar como a produção é salpicada por questões que são consideradas tabu quando o assunto são as crenças religiosas - sexo, poligamia, pornografia, indústria cultural, violência contra a mulher, a busca permanente por evidências científicas, experiências de quase morte, a hipocrisia da sociedade. Quando Paxton chega à propriedade de Reed, acompanhada da missionária Barnes (Sophie Tatcher), elas não imaginam ter de participar de uma série de jogos de perguntas e de respostas pra tentar escapar dali. O frio e a neve são abundantes lá fora. E a simples caixa de um jogo como Banco Imobiliário pode parecer mais provocativa do que é. Ou uma canção do The Hollies que toca na vitrola - a linda The Air That I Breathe que, sim, parece que já ouvimos antes. A gente já ouviu muita coisa antes. Mas a graça é que podemos escolher. Pra onde vamos, como agimos. Até se vamos acelerar ou não a nossa morte. Tá tudo meio que embrulhado ali, nesse thriller curioso, soturno, alegórico e bem resolvido que vale ser conferido.

Nota: 8,0 


Cine Baú - Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon)

De: Sidnay Lumet. Com Al Pacino, John Cazale, Charles Durning e Chris Sarandon. Comédia / Policial, EUA, 1972, 124 minutos.

Uma de minhas partes preferidas de Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon) é aquela em que a população que acompanha o desenrolar da negociação entre polícia, assaltantes e reféns fica bradando um: "solta a franga e vai pra rua! Solta a franga e vai pra rua!". É um instante divertido, excêntrico e, ainda que pouco politicamente correto, uma forma de mostrar que o povo, a massa, estava com Sonny (Al Pacino), o sujeito que leva a cabo um plano maluco de invadir um banco pra tentar levar uma grana para um nobríssimo motivo: pagar uma cirurgia de mudança de sexo para o namorado, num caso extraconjugal que é revelado no transcorrer do clássico de Sidney Lumet. Sim, hoje em dia esse tipo de argumento não surpreenderia - e esse até poderia ser o tipo de trama a fazer sucesso em uma comédia de costumes do circuito alternativo. Mas estamos em 1975. Falando de um caso que ocorreu de verdade, em 1972.

Na parte do "solta a franga e vai pra rua!", o filme já avançou bastante. Os cartazes de "estamos com Sonny", empunhados pela comunidade LGBT que toma conhecimento do caso e vai pra frente do banco para apoiar, digamos assim, o assaltante, são uma espécie de cereja do bolo de uma obra que permanece cheia de carisma, mesmo cinquenta anos depois. Era algo diferente do que já havia sido feito e há que se salientar não apenas a ousadia, mas a capacidade de tratar o tema de forma adulta, intensa, quase comovente. Quando chega ao banco acompanhado do imprevisível Sal (John Cazale), ainda não sabemos bem por quê Sonny tomou aquela decisão tão extrema. Ele parece alguém inteligente a ponto até de antecipar algumas decisões dos investigadores que lhe vigiam da rua. Ainda que soe totalmente despreparado no ofício de assaltar um banco. Meio desajeitado, ele tenta. E vai levando a coisa até o limite do aceitável.

 


O caso é que, em linhas gerais, essa é uma produção também sobre a complexidade da execução de um crime e de como tudo sai do controle diante do amadorismo de Sonny, de Sal e de Stevie (Gary Springer) - um jovem que, inseguro, desiste da empreitada assim que o trio adentra a agência. Dali pra frente, a dupla de assaltantes precisará improvisar enquanto negocia com os detetives da polícia - os telefonemas são incessantes -, e atende os desejos não apenas do gerente (Sully Boyar), como das funcionárias, que serão mantidas trancadas no cofre. Ou ao menos em parte do tempo. O calor é incessante e palpável - o suor escorre do rosto de todos - e as trapalhadas fazem a situação escalar. Há um vigia que sofre de asma e é liberado - em uma sequência caótica que também escancara o racismo que emerge dos homens da lei. Com o famoso caso do motim da prisão de Attica servindo como elemento histórico a fortalecer a ideia de uma grande injustiça social em andamento.

Vencedora do Oscar na categoria Roteiro Original e indicada a várias outras estatuetas, a produção também seria reconhecida pela crítica por sua inovação artística e pela ousadia em apresentar um protagonista abertamente gay em um tempo em que isso não era assim tão comum - e que ainda funciona como uma espécie de veículo de resistência frente ao autoritarismo (o que também é reforçado pela entrega cheia de carisma, energia e vulnerabilidade de Pacino). Aliás, o elenco como um todo é notável, preenchendo cada momento numa alternância entre sutileza e personalidade - e não é por acaso que mesmo as funcionárias do banco têm suas próprias idiossincrasias, como nos vários instantes em que Sylvia (a ótima Penélope Allen) se exalta, desafiando Sonny, mas permanecendo atenta as suas investidas meio imprevisíveis. Naturalista, engraçada e tocante a obra segue memorável, integrando várias listas de melhores mundo afora.

 

terça-feira, 27 de maio de 2025

Novidades em Streaming - Tudo Que Imaginamos Como Luz (All We Imagine is Light)

De: Payal Kapadia. Com Kani Kusturi, Divya Prabha, Hridhu Harron e Chhaya Khadam. Drama, Índia / França / Holanda / Luxemburgo / Itália, 2024, 115 minutos.

 "Fugir? Você não pode escapar de seu destino." A frase dita por Prabha (Kani Kusturi) para a jovem Anu (Divya Prabha), em certa altura do indiano Tudo Que Imaginamos Como Luz (All We Imagine is Light) parece resumir, em alguma medida, o contexto habitado por aquelas mulheres - submissas ao patriarcado onipresente, sem direito à privacidade ou mesmo impossibilitadas de tomarem suas próprias decisões em um cenário de conservadorismo. A gente tende a tomar o Brasil (graças a Deus) como régua em termos de avanços sociais, mas o caso é que em outros cantos do planeta a coisa segue meio estagnada. Em muitos casos indo até mais pra trás do que pra frente. A sentença de Prabha tem sim sua razão de ser. Mas ela também examina o fato de as próprias mulheres terem dificuldade em aceitar as transformações de um mundo que, mesmo reacionário, tende a evoluir. A colocar alguns temas em pauta.

Prabha é mais velha que Anu. Mais experiente. Mas também mais ressentida, mais rígida. Ambas trabalham como enfermeiras em um hospital de Mumbai - e a reação de Anu, diante de uma paciente que parece não muito bem informada a respeito de formas de prevenir uma gravidez, dá conta de sua personalidade mais, digamos, oxigenada. Prabha é taciturna, teve um casamento arranjado com um homem que agora trabalha na Alemanha, em uma indústria. Sem muita previsão de retorno, aparentemente. Estagnada em uma vida monótona em que a grande emoção é receber um presente do exterior - uma panela modernosa enviada pelo marido -, ela assiste a uma Anu que se diverte com o namorado Shiaz (Hridhu Haroon), ao mesmo tempo em que aconselha a jovem sobre seu futuro e suas decisões. Os pais de Anu já começaram a lhe enviar fotos de candidatos para um casamento arranjado. É o seu destino, argumenta Prabha. Mas será mesmo?

 


Em alguma medida são muitos os temas que circundam esse trabalho delicado da diretora Kani Kusturi e que foi premiado pelo Júri de Cannes no ano passado. E que são salpicados, aqui e ali, auxiliando na construção dessa tapeçaria complexa de uma Mumbai urbana e onírica, tecnológica, mas decadente, alegre e ocasionalmente sombria - como se estivéssemos em uma espécie de Blade Runner (1982) saído da Ásia. Sororidade, papel da mulher na sociedade, diferenças de classes, tudo vai se conectando para formar aquilo que, em certa altura, alguém resume como o "espírito de Mumbai". Mesmo que se esteja na sarjeta não será possível achar ruim. Prabha é cortejada por um médico de grande sensibilidade - seu nome é Manoj (Azees Nedumangad) - mas é incapaz de ceder aos encantos do sujeito, enquanto aguarda uma eternidade pelo marido que nunca volta. Pelo destino já traçado. Já Anu circunda pelo subúrbio à tiracolo do namorado, tentando encontrar um lugar que seja para uma intimidade a mais, longe da vista, ou dos julgamentos - com tudo se tornando mais complexo pelo fato de Shiaz ser muçulmano.

E como se já não bastasse esse cenário que emerge denso, fragmentado, com cada instante sendo exibido a seu tempo, alternando certa urgência com um espaço para contemplação, a obra ainda divaga sobre os contrastes existentes entre a vida simples e um vilarejo e o ambiente urgente e hostil de uma capital. É nesse contexto que surge Parvaty (Chhaya Kadam), a cozinheira do hospital que está em pé de guerra com um empreiteiro que pretende demolir a sua casinha para construir um arranha-céu no lugar. Gentrificação. Falta de autonomia da mulher. Modernização tocada por uma burguesia torpe. São outros temas que surgem e se espalham - e vão levando a narrativa. Ao cabo, essa é uma experiência viva, palpável, que busca a luz em meio a escuridão. Como evidencia o enigmático e comovente terço final. Por vezes é preciso se livrar de algumas amarras. Para que as coisas possam, de fato, se iluminar. Não soluciona as coisas em países fechados, misóginos, antiquados. Mas ajuda a tocar em frente.

Nota: 8,5 


quinta-feira, 22 de maio de 2025

Novidades em Streaming - Um Pai Para Lily (Bob Trevino Likes It)

De: Tracie Laymon. Com Barbie Ferreira, John Leguizamo, French Stewart e Rachel Bay Jones. Drama / Comédia, EUA, 2024, 101 minutos.

Vamos combinar que filmes sobre amizades inusitadas não chegam a ser uma novidade. Muitas vezes esses encontros inesperados envolvem pessoas desajustadas ou, em alguma medida, a margem da sociedade - que buscam uma forma ou de aplacar a solidão ou de amenizar algum tipo de tristeza que emerge de um contexto de rejeição. É assim em obras distintas, como o clássico cult Ensina-Me a Viver (1971), o incensado Encontros e Desencontros (2004) e a sombria animação Mary e Max: Uma Amizade Diferente (2009). Todos com pessoas em conflitos internos ou incapazes de lidar com a complexidade do mundo. Já no carismático Um Pai Para Lily (Bob Trevino Likes It), temos a tradicional história de pai que abandona a filha - ao menos do ponto de vista emocional -, o que faz com que ela reaja da forma que qualquer pessoas de vinte e poucos anos faria: adicionando seu pai no Face.

Sim, esse resumo é meio bobinho, mas na trama inspirada em fatos reais e vivida pela diretora Tracie Laymon, o que temos é mais ou menos isso. No começo do filme Lily Trevino (Barbie Ferreira, de Euphoria) é apenas a jovem chorosa que, diante de uma frustração amorosa, tenta encontrar algum consolo no seu pai, o narcisista Bob Trevino (French Stewart). Incapaz de escutar os desabafos de sua filha, o sujeito parece apenas interessado no Tinder - e em alguma sessentona de boa aparência que possa agradá-lo. Só que quando um encontro sai errado justamente pela franqueza de Lily, o pai decide romper relações com a garota. De forma inusitada, a protagonista abre o Face e digita o nome da figura paterna. Encontra aquele que ela achava ser ele. Um Bob Trevino sem foto, sem muitas informações. Ela o adiciona. E começa a conversar, não demorando pra perceber que aquele era um homônimo de seu pai.

 


E, bom, não é preciso ser muito atento pra sacar que esse novo Bob Trevino (vivido por um John Leguizamo mais distante do estereótipo do latino violento e imprevisível que aparece em produções como O Pagamento Final, de 1993) será o completo oposto de seu pai na "vida real". Acolhedor, curtirá as postagens da garota, responderá não apenas suas dúvidas no webmessenger e lhe auxiliará em tomadas de decisão e outras coisas relacionadas a sua vida (como consertar um vaso sanitário). Em resumo, aquilo que um pai poderia muito bem fazer em uma relação saudável com sua filha: jogar basquete, levá-la para passear, para jantar, pagando as contas, animando-a e dando um novo brilho para a sua existência melancólica de empregada de uma loja de conveniência sem muitas perspectivas. Recheada por um sem fim de sequências comoventes, esse é aquele famoso projeto do quentinho no coração - sentimento ampliado no instante em que Bob e Lily vão a um pet shop, como forma de superar um dos tantos traumas.

Claro, fãs de cinema mais experientes talvez torçam um pouco o nariz para um ou outro momento mais forçado ou exageradamente açucarado do ponto de vista emocional, com a carga se ampliando no terço final, especialmente após a decisiva entrada em cena de Jeanie (Rachel Bay Jones), que interpreta a esposa do novo amigo de Lily - uma artista plástica que trabalha com colagens e outras técnicas do tipo. Jeanie e Bob também carregam suas dores - como quando revelam terem perdido um filho nascido com deficiência. Tudo é costurado de forma leve, sóbria, com as interpretações cheias de simpatia sendo o destaque. Barbie tem aquela risada agradabilíssima, que dá gosto de ouvir, mas não tem nenhuma dificuldade em levar o espectador às lágrimas, nas sequências mais pesadas. Já Leguizamo parece se divertir em um papel menos padrão. Às vezes a gente só quer um afago daqueles que gostamos. E esse filme entrega isso na medida certa. Não deixem de ver com o lenço na mão. 

Nota: 7,5

 

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Novidades em Streaming - The Code

De: Eugene Kotlyarenko. Com Dasha Nekrasova, Peter Vack, Ivy Wolk e Vishwam Velandy. Comédia / Drama, EUA, 2024, 100 minutos.

"Certamente sairemos melhores da pandemia". Quantas vezes não ouvimos - ou mesmo falamos - frases parecidas com essa nos tempos de confinamento. Nos meses intermináveis em que nos trancamos em casa com medo de um vírus que parecia que ia matar todo o mundo, sem poder ter contato com o mundo real, o quanto não prometemos ser mais empáticos, menos individualistas, mais tolerantes? Sim, o mundo da covid-19 parece agora meio distante e, o que ficou? Medo, vigilância permanente, guerras, inteligência artificial, avanço da extrema direita, xenofobia, crises e mais crises - políticas, sociais, religiosas, culturais. Em certa altura do excêntrico The Code, que acaba de chegar à plataforma Mubi, a documentarista Celine (Dasha Nekrasova) explica ao seu namorado Jay (Peter Vack) que a ideia de fazer um filme sobre os tempos pandêmicos é mais simples do que parece: "em breve tudo isso aqui vai acabar e ninguém mais vai se lembrar de como era".

E, vamos combinar, a gente quase não lembra mais como que era. Usar máscara, evitar aglomerações, não compartilhar utensílios e alimentos. "O que aquele cara está fazendo de máscara dentro de um carro conversível?". Na câmera onipresente de Celine tudo parece ser matéria-prima para o documentário que ela está gravando. E que ela mesma pretende editar. Mas será que esse é, de fato, um filme sobre os tempos pandêmicos? Ou é mais um registro autobiográfico sobre uma relação que parece ruir? Com dois jovens bonitos que parecem não apenas incapazes de amar, mas também de transar. Em tempos em que diversos estudos evidenciam a incapacidade dos millennials de se conectarem, de estabelecerem relações sólidas, responsáveis do ponto de vista afetivo, poucas vezes uma obra será tão realista no exame dessa era turbulenta que vivemos - insana, urgente, intensa, febril e cronicamente online - do que nesse projeto de Eugene Kotlyarenko. 

 

 

E devo confessar a vocês que não é todas as vezes que dou play em projetos do tipo - desses metidos a moderninhos, que fazem sucesso em festivais alternativos, como o de Sundance -, sem dar uma boa torcida de nariz. Mas há algo envolvente aqui, que conecta o público, por mais que a realidade apresentada pareça meio distante. Na trama, estamos em março de 2021 e Celine e Jay alugam uma casa no Airbnb para tentar se reconectar de alguma maneira. "Não lembro a última vez em que fiz sexo com a minha namorada" comenta Jay em uma gravação que deve virar conteúdo ali adiante. Talvez um viral. Assim como parece ser a série de vídeos para o Tik Tok criados por Celine em que ela aparece em edições extremamente dinâmicas amassando comprimidos de Viagra, que ela misturará com o almoço pra ver se as coisas se movimentam um pouco. Talvez movimentem. Ainda que, se tudo for forçadamente filmado, a coisa possa soar um tanto fake. E a graça se perde.

Com uma montagem ágil e tecnicamente impecável que se utiliza de todo e qualquer equipamento capaz de filmar, o filme de Kotlyarenko, que parte de uma citação de Orson Welles para enveredar pra um comentário metalinguístico que se estenderá por toda a narrativa, funciona como uma grande colagem de fragmentos em que temas, como, solidão, problemas sexuais, pornografia, onipresença de aplicativos, criptomoedas, medo do cancelamento, autoestima hétero, ausência de privacidade e incelismo cultural se descortinam de forma intensa, alternando momentos ágeis, com outros mais contemplativos. Em geral, a chance de perdermos algum detalhe pode ser real naquele universo caótico que nos bombardeia de informações e que também é coabitado por um excêntrico host de nome Parthik (Vishwam Velandy) que se junta à prima de Celine, Colette (uma ótima Ivy Wolk), que surge para subverter a lógica da existência millennial (em geral frustrada, melancólica e sem perspectivas). Ainda assim o que fica é o caráter cômico da performance permanente na modernidade, em que a hipervigilância parece servir pra mascarar a paranoia e a completa falta de autoestima. Um achado.

Nota: 8,0

 

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Novidades em Streaming - Campeões (Champions)

De: Bobby Farelly. Com Woody Harrelson, Kaitlin Olson, Kevin Iannucci e Madison Tevlin. Comédia / Drama, EUA, 2023, 123 minutos.

Vamos combinar que dá pra contar nos dedos das mãos o número de produções que incluem pessoas reais com deficiência em seus elencos. Aliás, é mais fácil termos um ator ou atriz fazendo de conta que é um PCD - muitas vezes sendo até premiado por sua caracterização. Então, estou aqui para saudar o simpático Campeões (Champions), que é inspirado no espanhol Campeones (2018). É um filme previsível, eventualmente imperfeito e qua talvez seja apenas um bom passatempo? Sim, provavelmente é tudo isso. Mas devo confessar a vocês que achei a obra dirigida por Bobby Farelly extremamente carismática. Claro, na Era do Cancelamento em que vivemos não demorará para que o campo progressista e cirandeiro aponte, aqui e ali, o eventual capacitismo que pode emergir da presença do homem branco, hétero e bronco chegando pra salvar o dia na Apae estadunidense. Mas o que não são essas entidades do que instituições de suporte e de estímulo permanente a autonomia e à independência?

Sim, na hora de apontar dedos todo o mundo se horrorizou com a franqueza excruciante de O Filho Eterno de Cristóvão Tezza, mas atire a primeira pedra quem de nós é completamente livre de preconceitos - e de incertezas também, sobre como agir, como se comportar -, quando o assunto são pessoas com Síndrome de Down ou algum outro tipo de deficiência intelectual? Claro, são pessoas como todas as outras, os paladinos da moral se apressarão em dizer. Com suas complexidades, desejos e frustrações. E o que esse filme faz é nos lembrar, à sua maneira, exatamente disso. Óbvio que há todo um clima festivo e de "copo meio cheio" que certamente reduz a quase zero a maioria das dores vividas por quem sofre o preconceito diariamente - e essa sim pode ser uma crítica real ao filme. Esse tipo de apagamento. Mas e se ao invés de pesar a mão sobre isso, convertermos essa experiência em uma fábula otimista sobre a importância do respeito em relação aos PCDs?

 


 

Em resumo, a gente anda em círculos e pisa em ovos já que este não é um assunto fácil de ser abordado -, e novamente, ranço a parte que vocês podem ter com o Farelly, talvez por conta das inúmeras comédias de gosto meio duvidoso, é preciso saudar a sua iniciativa de levar essa história a um público maior (saindo do nicho alternativo europeu que, infelizmente, fica relegado a uma plateia menor e que muitas vezes tem preguiça de ler legenda). A ousadia de tentar. Talvez não acertar tanto. Mas tentar. Na trama, Woody Harrelson é o temperamental treinador assistente de basquete Marcus, que, após um bate boca com o técnico de sua equipe por divergências de ideias o empurra em plena quadra. Não bastasse a cena viralizar e a reputação do sujeito, famoso por ser uma figura intempestiva, ruir, a coisa piora quando ele colide seu carro com uma viatura de polícia. Bêbado. Na audiência, a juíza lhe sentencia: dezoito meses de prisão ou 90 dias de serviço comunitário treinando o time The Friends.

Marcus é aquele homem de meia idade meio básico, que não consegue permanecer em nenhuma relação - como comprova seu desastroso comportamento com Alex (Kaitlin Olson), com quem ele passa uma noite após conhecê-la no Tinder - e que não se importa com ninguém. Não procura ter interesse por ninguém - por suas vidas, suas existência para além dos limites da quadra (como ele compreenderá após a discussão com seu técnico principal). Nesse sentido, a obra terá aquela trajetória típica de filme esportivo dos anos 90 - estilo Jamaica Abaixo de Zero (1993) - de pessoas que parecem deslocadas, mas que superarão de forma conjunta as dificuldades. Não para serem campeões do ponto de vista do torneio - até porque será a jornada em si que se converterá na vitória alegórica. Mas para vencerem outros medos. Dando profundidade a personalidade a cada uma das estrelas do time - do bondoso Johnny (Kevin Iannucci), que, aliás, convenientemente é irmão de Alex, passando pela atrevida Cosentino (Madison Tevlin) até chegar ao imprevisível Showtime (Bradley Edens) e ao taciturno Darius (Joshua Felder) -, o filme, disponível na Netflix, tem luz própria e jamais utiliza os casos de deficiência para uma mera exploração sem sentido. É cativante.

Nota: 7,5


quinta-feira, 15 de maio de 2025

Pitaquinho Musical - Terno Rei (Nenhuma Estrela)

Vamos combinar: quem acompanha a carreira do Terno Rei já se acostumou com a sua música de ambientação urbana, cinzenta, de final de tarde em meio aos prédios altos e as calçadas ásperas - o tipo de sentimento palpável, que emana da sonoridade nostálgica e melancólica. Sim, a impressão que dá é a de já termos ouvido essas músicas antes - nas madrugadas das rádios alternativas ou em algum lugar na transição dos anos 80 e 90, pra quem viveu ali a juventude. As referências são quase óbvias, indo de Smiths e The Cure a Phil Collins e Radiohead -, sempre com uma guitarrinha pulsante e um letras urgentes a respeito de dores cotidianas ou sofrimentos contemporâneos mal curados -, o que jamais significa falta de personalidade ou estilo próprio. O que fica bastante evidente em Nenhuma Estrela, quinto disco de inéditas que, não por acaso, é um dos melhores da carreira.

 


 

Com um conjunto de canções perfumadas por sintetizadores enevoados, bateria frontal e refrãos nunca óbvios, o quarteto paulistano capitaneado por Ale Sater mostra maturidade e segurança em um registro extremamente bem produzido, requintado em sua estética e emocionalmente arejado - como comprovam músicas excelentes, como, Nada Igual, Próxima Parada e Programação Normal (sempre propondo algum tipo de dança em meio à tristeza, que vai no limite entre o pop e o experimental). Já Casa Vazia brinca com a ideia por trás da solidão de um bicho de estimação - no caso um cãozinho e seu eterno estado de espera (Dessa casa vazia / Sou protetor / Isso é tudo que tenha pra dar). "Fico muito feliz em ver como nossa música consegue tocar as pessoas e acompanhar fases da vida delas. Assim como vocês sentem isso, eu também sinto", resumiu o vocalista Ale Sater ao site Música Pavê. Os fãs agradecem.

Nota: 9,0

Novidades em Streaming - Oeste Outra Vez

De Érico Rassi. Com Ângelo Antônio, Babu Santana, Antônio Pitanga e Rodger Rogério. Faroeste / Drama, Brasil, 2025, 97 minutos.

Existe uma cena divertidamente melancólica em Oeste Outra Vez que talvez, em alguma medida, evidencie parte das discussões que a obra propõe. Nela, dois capangas do sertão goiano tentam estabelecer algum diálogo no quarto que compartilham. A noite já avança e um deles alega estar sem sono. "Tô tentando dormir mas a cabeça não deixa", comenta, afirmando que talvez esteja meio pra baixo. "Quer conversar um pouco?" questiona o companheiro. "Pode ser", responde o primeiro. Após alguns instantes de silêncio meio desconfortável em que eles se perguntam sobre o que exatamente irão conservar, o insone verbaliza: "não consigo pensar em nenhum assunto". "Bom, caso o senhor se lembre, me fale". Em geral essa poderia ser uma sequência meio boba, quase dispensável. Mas homens ainda meio jovens, incapazes de se comunicar - que não seja na base da violência, claro -, aqui, é a alegoria mais óbvia que ecoa nos tempos individualistas e niilistas que vivemos.

Sim, a aspereza daquele espaço ermo e desalentador pode até aludir aos faroestes clássicos de John Ford e a eterna busca por ocupação geográfica. De conquista e de vitória sobre algum inimigo forjado naquele ambiente em que a única linguagem possível é a do revólver. Claro que esse cenário pouco convidativo - arenoso, sem cor, sujo - parece indicar um tempo que não existe mais. Mas se fosse essa uma obra sobre redpills da classe média, que se alternam entre a misoginia galopante dos interiores de escritórios bem arejados e os encontros do clube de motoqueiros de final de semana, a coisa não fugiria muito dessa lógica. Aliás, se fosse um faroeste urbano, com homens violentos, toscos e bem vestidos, vivendo uma vida miserável de golpes, talvez a alegoria fosse ainda melhor. Refletindo ainda mais esse tempo em homens não sabem conversar sobre absolutamente nada na era do jogo do tigrinho e do pastorzinho coach, ao passo em que acreditam serem capazes de conquistar uma "mulherzinha" pra arrumar a casa e fazer companhia.

 


E, nesse contexto, eu admito que estou sem saber até agora se a escolha por músicas do Nelson Ned para integrar a trilha sonora da produção é apenas uma metáfora involuntária que envolve homens minúsculos tendo de compensar suas fragilidades emocionais empunhando pistolas, ou se foi algo deliberado. Justiça seja feita, Ned tinha nanismo e tinha um vozeirão que convertia suas canções - quase sempre libelos do sofrimento amoroso - em maiores (com o perdão do trocadilho) do que já eram. Já os homens de Oeste Outra Vez são pequenos porque são pequenos. Porque não sabem verbalizar aquilo que sentem. Que são desamparados - pelo Estado, por outras instituições, por suas famílias que lhes abandonam (uma ausência sentida e que poderia conferir ainda mais profundidade praqueles sujeitos mínimos se soubéssemos a origem desse desamparo). Onde estão as demais pessoas que circundam aqueles existências ordinárias? Afinal, se eles são como são isso também é efeito do meio em que vivem. E crescem. Sem perspectivas. Sem esperanças. 

Hábil em suas rimas visuais, o diretor Érico Rassi apresenta aqueles homens sedentos por vingança - a maioria das vezes por causa de sofrimentos amorosos nunca tornados claros -, como sujeitos falhos até na banalidade. Nesse sentido talvez não seja por acaso que praticamente todas as tentativas de atirar em alguém sejam estapafúrdias. Aqui não fica evidenciado o heroísmo daqueles bravos homens - tal qual os caubois de Ford de outrora (pistoleiros de código moral duvidoso, mas extremamente eficientes naquilo que se propõem) - e, sim, a total incapacidade até mesmo de executar aquilo em que deveriam ser bons. Efetivos. O capanga contratado por Toto (Angelo Antônio) para dar cabo de Durval (Babu Santana), após uma desavença, alega ser experiente. Mas não é. Bebe - aliás, a bebida é onipresente -, arma mal a arapuca, atira em tudo que é parte, mas deixa seu alvo escapar. O que inicia uma briga de gato e rato que quase sempre para na incapacidade de parte a parte de resolver a questão. Triste e esmaecido, esse é um filme que culmina numa cena tão aleatória quanto as decisões equivocadas daqueles que acompanhamos. Numa dança que segue mesmo frente ao imponderável.

Nota: 8,5

 

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Tesouros Cinéfilos - Reino Animal (Aminal Kingdom)

De David Michôd. Com James Fecheville, Jackie Weaver, Joel Edgerton, Guy Pearce e Ben Mendelsohn. Policial / Drama, Austrália, 2010, 112 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM SPOILERS]

Existe uma sequência bastante simbólica lá pela metade de Reino Animal (Animal Kingdom), em que o detetive Nathan Leckie (Guy Pearce) faz uma analogia entre a natureza e seus complexos ecossistemas e o ambiente de crime em que o jovem Joshua (James Frecheville) parece cada vez mais imerso. "Você sabe no que consistem as florestas?", questiona ele. "São árvores que estão aqui a milhares de anos e de insetos que morrerão em menos de um minuto. São estruturas gigantes e pequenos seres irritantes". Alegoricamente, o que Leckie tenta lembrar ao jovem é que certas partes sobrevivem porque são fortes. Ao passo que outras são fracas e dependerão das demais para sobreviver. "Você pode pensar que é forte por conta daqueles que estão no seu entorno. Mas a realidade é que você é fraco e foi protegido pelos fortes. Que, no momento, estão perdendo a sua força", completa o investigador.

Naquela altura do campeonato o filme dirigido por David Michôd - vencedor do Festival de Sundance, que completa 15 anos de lançamento em junho - já evoluiu bastante. E o fato é que a casa está começando a cair, definitivamente, para Pope Cody (Ben Mendelsohn), tio aloprado de Joshua, que está em permanente fuga da polícia por envolvimento com o tráfico de drogas e também para a matriarca Janine 'Smurf' Cody (Jacki Weaver), avó do rapaz. Na trágica história está uma trilha de sangue que levará à morte outros familiares, como Baz Brown (Joel Edgerton) e Craig Cody (Sullivan Stapleton). A polícia de Melbourne não parece estar com muita paciência e na incessante busca por alguma pista de Pope, que se esquiva aqui e ali sem dar muito na cara, a coisa vai complicar. Nesse ecossistema, não é demais lembrar: Joshua é um arbustinho em um cenário de sequoias. É um pequeno, protegido pelos grandes. Mas até quando?

 


 

O caso é que o jovem de apenas 17 anos chega meio que por acaso aquele contexto familiar sombrio, violento e de poucas perspectivas. Quando sua mãe morre de overdose ainda no começo do filme, ele se vê sozinho e, no desespero, resolve ligar para a vovó Smurf. Como uma idosa de modos excêntricos e que gosta de manter a prole próxima - o modo com que ela trata seus filhos, um bando de barbados de trinta e poucos ou quarenta anos, faria Freud se revirar no túmulo -, Smurf resolve trazer Joshua para perto. Para morar com ela. E, assim, tal qual o personagem de Sean Penn em O Pagamento Final (1993), que deseja de todas as formas fugir do universo do crime, o protagonista se vê inserido nesse submundo meio que sem querer querendo. Não parece haver muita escapatória nesse reino animalesco. Ainda que Leckie tente lembrá-lo, de forma quase comovente, que talvez aquele ambiente não seja pra ele.

Ao cabo, essa é uma experiência tensa e urgente, que permite ao espectador um mergulho meio que sem concessões nesse ambiente de assaltantes à mão armada, de gangues traficando cocaína, de golpes e de contragolpes. Andando pra lá e pra cá como a figura escamosa que coordena meio que tudo, Smurf é capaz de tratar cada um dos seus "bebês" como crianças em corpo de adulto, ao passo em que também ignora qualquer sentimento mais profundo frente ao luto inevitável. Os negócios são apenas os negócios e a família está ali para que tudo saia a contento. Ainda que nem sempre a coisa ocorra de forma satisfatória. Policiais corruptos, amigos cheios de contradições, advogados de índole questionável, violência que parece emergir de qualquer canto, inclusive de brigas de trânsito (ou de homens da lei decididos a resolver a coisa na marra). Nessa fauna em que só os maiores sobrevivem, talvez seja o caso de evitar a trocação. Pra evitar ser preso. Ou morrer. O que costuma ser o destino óbvio do peixe pequeno.

 

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Novidades em Streaming - O Bom Professor (Pas de Vagues)

De: Teddy Lussi-Modeste. Com François Civil, Toscane Duquesne e Mallory Wanecque. Drama / Suspense, Bélgica / França, 2024, 90 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM OS MAIS VARIADOS SPOILERS]

Quem já assistiu ao ótimo filme dinamarquês A Caça (2012) lembra do sentimento de revolta pelo qual somos tomados, frente a uma grande injustiça - no caso, um professor de séries iniciais sendo acusado de abuso sexual e as graves consequências disso. Mesmo sem provas, a situação escala e, verdade seja dita, ainda que inocentado, a pecha de abusador nunca mais sairá de sua testa - como nos lembra a brilhante conclusão da envolvente produção de Thomas Vinterberg. No caso de O Bom Professor (Pas de Vagues), a situação é mais ou menos parecida. Temos um docente do primeiro grau que, depois de uma brincadeira meio boba em sala de aula, vê sua reputação, sua carreira e quase toda a sua vida irem por água abaixo. Havendo aqui uma pequena diferença, que é o fato de professor ser gay e morar com seu namorado - o que fará com que percebamos que, talvez, o buraco seja mais embaixo.

Bom, antes de mais nada, é preciso que se diga que não se trata de minimizar a importância do assunto e sim do fato de imputar crimes a alguém sem que de fato haja uma prova mais contundente. E quando o assunto são casos do tipo, as paixões parecem ainda mais exacerbadas, com parte da população já aparentemente desejosa de julgar, condenar e se possível destruir de todas as formas o "culpado". Linchar, matar, trucidar - e vamos combinar que essa sanha punitivista muitas vezes não é nem exclusividade apenas da extrema direita. Até que se prove o contrário, o abusador é o abusador, mesmo sem muitas certezas. Isso me faz lembrar, aliás, outra excelente produção, no caso o ótimo Dúvida (2008) que é concluído com uma Irmã Aloysius (personagem de Meryl Streep, sempre maravilhosa) aos prantos, afirmando ter dúvidas depois de um padre/professor cheio de carisma, com métodos mais inovadores e bastante próximo dos alunos, ser expulso do educandário por talvez ser um pedófilo. 


 

Só que diferente do que ocorre no filme estrelado pelo saudoso Philip Seymour Hoffman, aqui não parece haver muita margem pra incerteza. Tudo o que há são os alunos exacerbados, após o professor de francês Julien (François Civil) fazer um elogio ao cabelo da introspectiva estudante da sétima série Leslie (Toscane Duquesne), como parte de uma explicação sobre figuras de linguagem. Visivelmente desconfortável, Leslie leva a questão adiante: apresenta uma carta à diretoria, onde denuncia uma sequência de atitudes de Julien que, supostamente, evidenciariam os abusos. O que vai de situações episódicas, como dirigir o olhar a ela, a frases mais ambíguas, como quando o educador afirma gostar de tomar água para se "refrescar". O que ele teria dito dando uma mordidinha provocadora no lábio. Com a tensão estabelecida, caberá a Julien se esforçar para apagar a imagem já criada - e não ajudará em nada o fato de um bando de crianças da sétima série se mostrarem dispostos à agitar o entorno.

Leslie tem um irmão que parece - salvo algum estereótipo -, muito mais abusivo do que Julien. Aliás, irritado, o rapaz ameaça de morte o professor. Mas também ameaça a menina, para o caso de ela estar mentindo. No educandário, os demais docentes não parecem muito animados em apoiar Julien - cada qual preocupado apenas com as suas carreiras e os possíveis desgastes que a situação poderia gerar. Com tudo piorando quando vaza um vídeo íntimo do protagonista em uma noitada em uma boate gay, sendo apenas feliz ao lado do seu companheiro. "Talvez isso pudesse ter te ajudado dessa vez", afirma alguém em certa altura, de maneira meio torta. Em tempos em que os dedos parecem todos apontados para os professores, para seus métodos, para o que escolhem como parâmetros de ensino, uma obra como essa dirigida por Teddy Lussi-Modeste que, de quebra é inspirada em eventos reais ocorridos com o próprio, se converte em um verdadeiro filme de terror e um verdadeiro desafio para pedagogos mundo afora. Afinal, a homofobia não pode dar espaço para a censura. Ou impedir um professor de exercer seu ofício com dignidade. O gosto é amargo. Mas propor a reflexão já é um começo.

Nota: 8,0 


quinta-feira, 8 de maio de 2025

Tesouros Cinéfilos - Entre os Muros da Escola (Entre les Murs)

De: Laurent Cantet. Com François Bégaudeau, Jean-Michel Simonet, Boubacar Touré e Rachel Régulier. Drama, França, 2008, 128 minutos.

Vamos combinar: quem assiste Entre os Muros da Escola (Entre les Murs) normalmente se surpreende com o caráter naturalista da obra. Esse é um filme de sala de aula. Aliás, de muita sala de aula. Com professor e alunos dialogando, gritando, colidindo, rindo se confrontando. Só que, aqui, diferentemente do que ocorre no subgênero das produções escolares - em que a encenação toda pode soar meio fake -, temos a impressão de a câmera ter sido apenas ligada no ambiente de uma escola de verdade, com os estudantes tendo sido estimulados a apenas agirem como se estivessem, de fato, em aula. Adolescentes se provocando, olhando para trás o tempo todo, tirando sarro uns dos outros, gaitando. Ou mesmo deitados com ar cansado em cima da carteira. Desgostosos com algo ou apenas insatisfeitos porque essa etapa da vida é um saco mesmo e a gente ainda tem de prestar atenção no que o professor diz. É tudo tão, mas tão realista - e ao mesmo tempo tão magnético, tão envolvente, tão vivo -, que não dá pra sair ileso.

Só que essa representação tão fiel à realidade tem um por quê, que é o fato de o professor François (François Bégaudeau) ter sido não apenas o escritor do livro que baseia a obra dirigida por Laurent Cantet, mas também ser corroteirista. Ou seja, três em um. Que isso vá automaticamente garantir esse caráter de "vida como ela é", bom, talvez não. Mas certamente ajuda. E em si, o filme é uma joia não por possuir algum tipo de grande trama dramática de superação de dificuldades em uma escola de segundo de Ensino Médio de um bairro de classe trabalhadora de Paris (daqueles cheios de imigrantes, pessoas pretas, pobres e, em alguma medida, marginalizadas). Ou mesmo algum suspense emergente, que nos deixe vidrados. Mas por permitir que a gente mergulhe naqueles universos, e reflita sobre aquelas histórias, apenas escutando aqueles alunos curiosos, complexos, cheios de sonhos e de receios sobre uma existência futura que se avizinha.

 


E é importante que se diga, não é porque a produção se passa 80% dentro de sala de aula, com discussões no limite entre o divertido e o aborrecido, que não haja nada acontecendo. Há tudo. Em certa altura, um dos carismáticos estudantes questiona a sexualidade de François . "A gurizada tem dito por aí que você gosta de homens", instiga Boubacar (Boubacar Touré). Sem se alterar, o professor lhe questiona sobre se aquilo faz alguma diferença para o aprendizado. E, bingo, esse assunto nunca mais volta porque, de fato, o que importa é que o docente tenha uma adequada metodologia, ou uma pedagogia eficiente. O que nem sempre será possível e é interessante notar que, a despeito das boas intenções de François, ele também se mostrará, eventualmente, como um sujeito falho, que nem sempre é capaz de conduzir a turma de forma correta, como fica evidente no instante em que ele dá a entender que duas estudantes se comportam como "vagabundas".

E é dessas pequenas complexidades que emergirão os fragmentos mais movimentados e comoventes. Há, por exemplo, um momento em que os meninos debatem longamente sobre seleções de futebol - o que torna o ambiente mais pesado já que, num grupo racialmente miscigenado, pode ser bastante natural que os filhos de imigrantes africanos, tenham preferência pela Costa do Marfim ou pelo Mali, em detrimento da França. Com a coisa descambando, e o problemático Souleymane (Franck Kesta) sendo conduzido à diretoria. Em outro instante, o já citado Boubacar é perguntado sobre o que lhe daria "vergonha". A resposta dele deixa uma pulga atrás da orelha: "sentar na mesma mesa para almoçar com a mãe de Burak". O que nos leva a inferir a respeito da complexidade das relações religiosas, raciais e culturais como um todo. Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes daquele ano, Entre os Muros da Escola segue como uma experiência engenhosa, que faz um verdadeiro raio x de uma sala de aula, com cada aluno funcionando como um indivíduo de personalidade distinta e com o professor sendo apresentado não como um Deus intocável, mas como uma pessoa cheia de imperfeições, mas que tenta fazer o melhor. Magnífico é pouco. 


terça-feira, 6 de maio de 2025

Pitaquinho Musical - Josyara (AVIA)

Um disco sobre o mais universal dos assuntos e que nunca parece se esgotar: o amor. Assim é AVIA, o terceiro registro de inéditas da sempre ótima Josyara e que tem como narrativa central o "encontrar-se e o perder-se no outro, as delícias e implicações disso" - como a artista baiana explicou em entrevista à Revista Noize. Sedutor, enigmático, minimalista mas intenso, esse é um álbum que trafega com naturalidade por todas as etapas da paixão, indo do fascínio inicial ao desencanto, passando no meio do caminho pelas possibilidades da solitude e, mais adiante, pelo entusiasmo de um novo amor. Nesse sentido, basta ouvir os versos que se encadeiam de forma homogênea em canções como Eu Gosto Assim (Sou bem fácil de acessar) - releitura de Anelis Assunção -, Festa Nada a Ver (Como pode me deixar / Nessa festa nada a ver), Corredeiras (Não, não preciso dessa mágoa) e De Samba em Samba (Não tem mais amor que te faça ficar / Não há mais nada que eu possa fazer), pra perceber como se estabelece esse conceito.

 


Peça central do trabalho, a deliciosa e sensualíssima Seiva tem um violãozinho cadenciado, que se espalha em efeitos eletrônicos econômicos, que culminam em um dos melhores refrãos da temporada (Pra te beber em taça cheia / Aluar / Sonho teu sabor cereja / Quero provar / Dança mansa / Pé na areia / Te embalar / Me lambuzar na tua seiva / Quero gozar). Com co-produção de Rafael Ramos e parcerias com nomes como Liniker, Pitty, Juliana Linhares, Pitty e Iara Rennó, este também é um álbum muito mais colaborativo do que, por exemplo, o anterior ÀdeusdarÁ (2022), uma experiência mais solitária e intimista - e que foi o nosso vigésimo colocado na lista de melhores discos nacionais daquele ano. Contemporâneo, mas sem perder a conexão com suas raízes ancestrais, este é um projeto que parece delicado em sua sonoridade, mas que é potente em suas entranhas.

Nota: 8,5

Tesouros Cinéfilos - Mulheres Diabólicas (La Cérémonie)

De: Claude Chabrol. Com Sandrine Bonnaire, Isabelle Hupert, Jacqueline Bisset e Jean-Pierre Cassell. Suspense / Drama, Alemanha / França, 1995, 112 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM SPOILERS]

Houve uma vez, durante uma entrevista ao famoso crítico de cinema Roger Ebert, que Claude Chabrol afirmou: "sou um comunista, mas isso não significa que eu tenha que fazer filmes sobre a colheita do trigo". Talvez, em uma interpretação meio livre, o que o diretor quisesse dizer é que, para se fazer um filme político ou mais panfletário, que marque seu ponto (ou ideologia), não há a necessidade de ser tão explícito. Até mesmo porque a sutileza pode contribuir para que o debate seja fortalecido. Sim, filmes sobre greves de trabalhadores por condições mais justas ou sobre proletários sofrendo nas mãos de patrões certamente escancaram os ideias de quem os faz. Mas e que tal uma obra sobre uma empregada doméstica que, revoltada pelas sistemáticas humilhações que sofre de uma família burguesa, resolve se unir a uma amiga funcionária dos correios para dar cabo desses ricos afetados?

E, mais do que isso, que tal se colocássemos nessa equação uma dupla de atrizes cheias de personalidade - no caso, Sandrine Bonnaire e Isabelle Huppert -, e ainda envolvêssemos a produção em uma aura de mistério à moda Hitchcock (que é algo que Chabrol sempre fez muito bem), com acontecimentos excêntricos se espalhando pela narrativa? Sim, enquanto a personagem da Regina Casé no ótimo Que Horas Ela Volta? (2015) simboliza a vitória do proletariado com uma arrojada entrada na piscina dos patrões (o que ela era impedida, mesmo sendo parte da "família"), em Mulheres Diabólicas (La Cérémonie), temos as protagonistas meio que ficando de saco cheio, invadindo a casa dos burgueses torpes que haviam recém demitido a diarista Sophie (Bonnaire) para, enquanto eles apreciavam uma ópera enfadonha de Mozart, sacarem suas armas e meterem bala. Extremo? Sim. Simbólico? Bastante.

 


 

Ok, por mais que não seja possível celebrar uma vitória plena na conclusão desse clássico moderno que completa 30 anos - baseado no livro de Ruth Rendell e que pode ser conferido na Reserva Imovision - há que se comemorar o espírito catártico, quase anárquico do desfecho, que junta um clima meio Laranja Mecânica (1971) com Violência Gratuita (1997). Chabrol sempre afirmou ser um sujeito fascinado por "assassinos sorridentes" e aqui essa parte da gargalhada entortada, em que a gente ri mas mais de nervoso do que qualquer outra coisa, cabe à debochada Jeanne, vivida com entusiasmo por Huppert. É ela que parece arquitetar, em suas entranhas, algum tipo de plano macabro que possa compensar Sophie das seguidas humilhações sofridas por ela, vinda de uma família de quatro pessoas (pais com dois filhos), com seu casarão onipresente, de jardim largo. E por mais atenciosa e estranhamente sorridente que a patroa, a afetada dona de uma galeria de arte chamada Catherine (a sempre bela Jacqueline Bisset) seja, parece haver algo muito errado no fato de ela nunca conseguir manter uma diarista.

Claro que Sophie também tem os seus segredos. Em um mundo em que nem o mais favorável espírito meritocrático a salva do analfabetismo  - o que ela esconde com receio e vergonha e que também dá conta das desigualdades vividas naquele cenário -, a jovem se mantém silenciosa e reservada, enquanto prepara os pratos cheios de proteína para aquela família que só tem dinheiro e mais nada. Mesquinha, Catherine sequer parece perceber o absurdo de apontar onde fica o quartinho da empregada, ao passo que seu marido mais ou menos truculento Georges (Jean-Pierre Cassell) não vê problema algum em desferir um tapão no rosto de Jeanne, quando ele desconfia de que ela esteja abrindo suas correspondências. Esses abusos justificam a violência desmedida? Talvez não. Sophie e Jeanne tem uma série de esqueletos no armário e traumas passados, que revelam que elas também não são flor que se cheire - o que, por sinal, é ótimo em uma narrativa que evita o maniqueísmo. Ainda assim, o filme tem força por lembrar às elites a importância de não meter demais o louco. Porque o proletariado pode se revoltar. E aí as forças, no mínimo, vão se equilibrar.

 

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Cinema - Pequenas Coisas Como Estas (Small Things Like These)

De: Tim Mielants. Com Cillian Murphy, Emily Watson, Eileen Walsh e Zara Devlin. Drama, Irlanda / Bélgica / EUA, 2024, 98 minutos.

Não são poucas as cenas em que assistimos Bill Furlong (Cillian Murphy), o protagonista de Pequenas Coisas Como Estas (Small Things Like These), lavando freneticamente as mãos. É algo que faz total sentido, já que o sujeito é um comerciante de carvão do interior da Irlanda que, ao final de mais um dia de trabalho, tem como ritual sagrado essa higienização. Só que, para além do sentido de se limpar antes de ir ao encontro da família, parece haver ali, naquele esfregar que parece evoluir de maneira sôfrega, uma alegoria a respeito da tentativa de se livrar de um outro tipo de sujeira. Algo que vai ficando claro - por mais sutil que tudo seja - conforme a narrativa se desenrola e de como entendemos, em alguma medida, os traumas de Bill do passado. Especialmente aqueles que envolvem o complexo relacionamento com a sua mãe. Entre memórias dolorosas que vêm e vão, o homem parece considerar a possibilidade de, no presente, minimizar esse sofrimento.

Claro que nem tudo será fácil. Ao menos não de maneira óbvia - ainda mais quando percebemos qual a ponta forte nesse jogo de poder entre um trabalhador e as instituições religiosas que operam na pequena New Ross. O ano é 1985 e o Natal se aproxima. Bill tem uma série de entregas de cargas de carvão, já que o frio parece crescer de maneira palpável - e em obras do tipo, não deixa de impressionar como as paisagens enevoadas, as estradas cinzentas e o céu sempre nublado, parecem contribuir para uma espécie de melancolia onipresente, que se espalha para além da trama. Para as bordas, para os limites. Que tornam tudo mais desolador. E tenso. Ainda que essa tensão, esse medo, não fique exatamente claro. Há um tipo de horror que parece incrustado naquela rotina - e que parece rondar a vida um tanto simplória do protagonista, um homem bem casado, com a amorosa Eileen (Eileen Walsh) e pai de cinco filhas.

 

 


Em certa altura, Bill faz uma entrega em um convento local - um espaço taciturno, fechado, pouco convidativo. Enquanto está no galpão despejando os sacos de carvão, consegue espionar uma jovem sendo entregue à força no local. Ela implora aos gritos para não ficar ali. Chama por sua mãe ou por alguém que lhe socorra. Bill fica paralisado. Não consegue agir. E assim permanece, meio letárgico. Olhando pela janela, enquanto a vida acontece. Por meio de flashbacks, descobriremos que sua versão menino era a de uma criança dócil, fã livros de Charles Dickens, de música e de quebra-cabeças. Em suas memórias, perceberá aos poucos como a infância relativamente feliz ao lado de sua mãe Sarah (Agnes O'Casey), escondia segredos que refletiriam no presente. E certamente não é por acaso que ao encontrar uma jovem escondida no mesmo depósito de carvão do convento, dias depois, ela revele que se chama Sarah (Zara Devlin). E que está grávida de cinco meses.

[SPOILERS A PARTIR DAQUI] Quem já assistiu ao ótimo - e sempre impressionante - Em Nome de Deus (2002) que, infelizmente não está disponível em nenhuma plataforma de streaming -, não demorará para compreender do que se tratam aqueles conventos. Famosas na Irlanda, especialmente no século passado, as Lavanderias Madalena - um tipo de asilo católico para mulheres - funcionavam como um espaço para onde eram enviadas mulheres supostamente pecadoras ou depravadas. Ou mesmo órfãs, abandonadas pelas famílias, vítimas de abuso (sim), prostitutas e outras. Lá, além de terem sua liberdade cerceada, eram escravizadas e humilhadas, com jornadas de trabalho excruciantes e sem espaço para discussão das penas. Sarah, a jovem grávida, tenta escapar de todas as formas desses rituais de tirania travestidos de "amor de Deus" e busca por salvação. Em confronto com a madre superiora (e asquerosa), Mary (Emily Watson), a religiosa tentará comprar o silêncio de Bill. Mas talvez ela não possa comprar as atitudes. E, bom, pode ser o caminho para que as portas, vagarosamente, se abram.

Nota: 8,0