Só o Pulp pra lançar um disco tão... Pulp em pleno 2025. E eu confesso que eu não estava preparado pra simplesmente gostar do álbum dos ingleses. Sabe aquele retorno que tu tá pronto pra achincalhar, meio que no modo "nem dei play já não gostei"? A minha energia tava meio que nessas até o momento de ouvir More a primeira vez. A segunda. A terceira. Nesse momento eu já tava cantando junto o refrão grudento de Grown Ups, uma canção longa e gloriosa sobre amadurecimento, cheia de citações culturais e uma poesia que faz a gente navegar diretamente praquele climinha brit pop 90 (Foi na noite que me deixaram sair de casa / Foi na noite em que peguei o ônibus sozinho / E a cidade deslizava pelas janelas / Como um filme que estava apenas começando). Vinte e quatro anos de passaram desde o último registro de Jarvis Cocker e companhia e, bem, eles soam como se estivessem nisso há décadas (e a real é que estão).
Em entrevista, o vocalista afirmou que tudo começou com a enevoada The Hymn of the North, que começou a ser tocada nos shows desde que o grupo voltou aos palcos em 2023. Foi tudo rápido até que um novo trabalho fosse formatado e a real é que talvez houvesse bastante coisa acumulada nesses anos todos, porque More nunca faz feio como uma continuação meio que natural dos clássicos Different Class (1995), This Is Hardcore (1998) e We Love Life (2001) que eu, nas minhas madrugadas de Lado B na MTV, cresci ouvindo (e amando). Mesclando a possibilidade de dar uns passinhos animados nos inferninhos alternativos, mas sem deixar de lado as letras provocativas e cheias de ironias sobre temas sérios como fanatismo religioso (Slow Jam), ou mundanos como amores platônicos e perturbados (Tina) ou a importância de dizer um "eu te amo" (Got to Have Love), a banda constroi um disco que surpreende pela vitalidade. Aliás, Got to Have Love tem uma das melhores frases do trabalho: Sem amor você está apenas se masturbando dentro de outra pessoa. O homem sabe das coisas.
De: Mike Cheslik. Com Ryland Brickson Cole Tews, Doug Mancheski, Olivia Graves e Wes Tank. Comédia / Aventura, EUA, 2024, 108 minutos.
Preciso ser honesto com vocês: fazia tempo que não assistia a um filme tão chapado, desvairado, maluco, demente e, acima de tudo, divertido, do que esse inesperado Centenas de Castores (Hundreds of Beavers), que está disponível para aluguel em plataformas como a da Amazon. Feita com orçamento baixíssimo (cerca de US$ 150 mil), a produção consegue um feito raro: fazer rir naturalmente, sem forçação de barra. O estilo anárquico e de curioso espírito formalista da obra de estreia do diretor Mike Cheslik, pode ser percebido já nos primeiros três minutos, quando, em uma sequência que une animação e musical - com uma canção de tintas folclóricas sendo vigorosamente entoada -, o protagonista, um produtor de sidra meio desastrado, é apresentado. Seu nome é Jean Kayak (Ryland Brickson Cole Tews) e ele acaba de perder todo o seu pomar de maçãs, após um acidente com os barris que reservavam a bebida alcoólica (que era bastante consumida por viajantes locais).
Quando a gente fala assim, parece tudo bastante correto e até eventualmente trágico. E, talvez na vida real meio que fosse. Mas aqui é tudo tão nonsense que, mesmo quando as coisas dão errado, o resultado é a gargalhada. Filmado todo em preto e branco, sem diálogos e com alguns intertítulos - alguns até com frases aleatórias que parecem saídas de um livro barato de empreendedorismo coach -, o filme adota um estilo cartunesco, com Jean sendo o sujeito que perde tudo e que parte em uma jornada solitária. Inicialmente, para tentar simplesmente matar sua fome - o que envolve tentativas frustradas de caçadas de coelhos, peixes e ovos enormes dispostos em ninhos sobre árvores altíssimas (com ele sendo meio que sempre derrotado num estilo Coiote e Papa Léguas) - e, mais adiante, para tentar conseguir um casamento com a charmosa filha (Olivia Graves) de um exigente comerciante local (Doug Mancheski).
Em uma produção do tipo, é importante não levar nada muito a sério. Os coelhos, por exemplo, são simplesmente seres humanos adultos, vestidos com as roupas alvas dos animais. Com dentes e orelhas enormes. O mesmo valendo para castores, lobos, guaxinins, cães e até cavalos. Todos se comportando como os bichos - mas também sendo meio humanos (como no instante em que um grupo de cachorros joga cartas madrugada adentro ou no momento em que uma dupla de coelhos senta a porrada no protagonista após as coisas saírem errado). Jean sofre nesse ambiente inóspito, essencialmente gelado, que parece saído de algum local ermo no Século XIX. Com as coisas mudando um pouco de figura quando ele é salvo, após um acidente, por um caçador andarilho (Wes Tank). É com ele que Jean aprenderá a arte das armadilhas. Que lhe possibilitará adotar maneiras criativas - com um toque pessoal, claro -, na hora de tentar aprisionar os animais. Para trocá-los com o comerciante.
A quantidade de piadas em cascata - bobas e hilárias - é parte do charme. É um filme de humor físico, de quedas, de tombos, de dentes despedaçados, de cabeças batidas, de dedos sangrando após serem mordidos por piranhas, de aves gigantes evacuando e outras bicando o rosto de Jean. De castores vilanescos construindo uma enorme arca e mastigando milhares de troncos de árvores. É um conjunto imprevisível e mesmo aquilo que poderia parecer um tipo de gag meio barata ou de mau gosto - como no momento em que Jean toma água do rio para, mais a frente descobrir um que um coelho urina vastamente corredeira acima -, ocorre de forma tão inesperada, que é quase impossível ficar alheio. Sim, talvez nem todo mundo simpatize com o clima absurdista e sem limites, que exige uma boa dose de suspensão de descrença. Mas quem se aventurar sem grandes expectativas nessa narrativa minimalista, frenética e repleta de efeitos especiais caseiros, feitos na raça, poderá se maravilhar com esse tipo de cinema nunca óbvio. E que usa suas referências - Chaplin e Monty Phyton, games noventistas e revistas em quadrinhos underground - com personalidade e criatividade infinitas.