Claramente parece haver algo mal resolvido no que diz respeito a relação do estilista Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis) com a sua mãe na juventude e que, agora, na fase adulta, reflete-se em seu comportamento. Afetado pela dificuldade em superar um aparente Complexo de Édipo que lhe parece ter consumido uns bons anos de infância, Woodcock, agora um sujeito consagrado em seu meio - tendo realizado trabalhos diversos para a alta sociedade e também para a realeza britânica -, trata algumas das mulheres ao seu redor com desprezo. Algo que pode ser observado já em uma das primeiras sequências do ótimo Trama Fantasma (Phantom Thread), em que o costureiro humilha a sua "modelo/companheira" pelo fato de esta não estar comprometida com o seu peso - estando, portanto, incapacitada de vestir as elegantes roupas elaboradas por ele.
Uma cena que, num primeiro momento, surpreende pelo caráter misógino mas que, pouco a pouco, vamos compreendendo conforme se desnuda na tela uma das mais excêntricas (e detestáveis) personas construídas pelo talentoso Day-Lewis - que, não por acaso, é um dos favoritos para estatueta de Melhor Ator no Oscar do próximo domingo (ainda que Gary Oldman esteja insuperável como Winston Churchill em O Destino de Uma Nação). Um perfeccionista, o profissional exige dedicação (e submissão) permanentes daquelas que terão a honraria de se verem uniformizadas com as suas peças. Um trabalho certamente intragável para as jovens que com ele terão contato - ainda que o universo luxuoso, deslumbrante e requintado não deixe de ser um atrativo a parte (e, inegavelmente, a figura pernóstica de Woodcock, paradoxalmente, também).
A situação muda quando Woodcock conhece Alma (Vicky Krieps). Jovem de personalidade forte, ela se tornará modelo do estilista - e também sua amante, numa relação que parecerá estar sempre no limite do amor e do ódio, da devoção e da fúria. Ao mesmo tempo em que Woodcock não hesitará em lhe ferir com palavras - "você não tem seios, mas eu posso fazer você os ter" - Alma não se sujeitará completamente aos caprichos de um sujeito esnobe que acredita que, aquelas que com ele trabalham, devem atender a todos os seus desejos. Woodcock é um "menino mimado" em pele de adulto que escuta a mãe em sonhos, mantém uma mecha dos cabelos da genitora (!) no forro de seu casaco, e que idealiza apenas um tipo de mulher - cabendo a todas as demais o papel secundário de serviçais (inclusive a irmã Cyril, interpretada com grande ternura por Lesley Manville).
Será do choque de duas figuras com desejos absolutamente conflitantes - Woodcock quer a modelo submissa e perfeita (e se declara um "solteiro convicto"), Alma talvez queira um companheiro e alguém para dividir os prazeres da vida - que resultará em algumas das melhores sequências do mais recente longa de Paul Thomas Anderson (Magnólia, Sangue Negro, O Mestre). Sem pressa para apresentar cada detalhe da vida e da personalidade das personagens que envolvem essa obra-prima moderna, Anderson enriquece a experiência utilizando-se de um opulento desenho de produção - a trama se passa nos anos 50 -, com figurinos deslumbrantes e trilha sonora onipresente. Os cenários, classudos, fazem o contraponto perfeito para a sutileza dos comportamentos, com Woodcock e Alma funcionando como se estivessem envolvidos em um jogo de xadrez em que, a vitória, será representada por pequenas conquistas, de acordo com seus interesses particulares.
Pode não ser um filme tão fácil para quem está mais acostumado a linguagem urgente dos filmes recheados por grandes reviravoltas (ou mesmo por cenas de ação). Mas quem se arriscar pelas curvas sinuosas dessa obra cheia de nuances psicológicas, de relacionamentos complicados e de sequências delicadamente surpreendentes, será recompensado por uma das mais interessantes dinâmicas envolvendo um casal, no cinema. Woodcock, em seu íntimo, parece ser uma espécie de Peter Pan. Uma criança que nunca cresceu. E que vê na acolhida do colo de Alma uma espécie de regozijo para o corpo fragilizado que retorna no tempo para encontrar o afeto da mãe. Carência e admiração caminhando lado a lado. Um acordo tácito - literalmente tóxico - capaz de definir a perfeição a complexidade dos relacionamentos. Nunca fáceis. Sempre desafiadores. E, invariavelmente, apaixonantes.
Nota: 9,5