De: Benoît Delhomme. Com Anne Hathaway, Jessica Chastain e Anders Danielsen Lie. Drama / Suspense, EUA, 2024, 94 minutos.
Duas vizinhas (e amigas) traumatizadas por um evento trágico que modifica suas vidas para sempre. De quebra, essas duas mulheres são vividas por Anne Hathaway e Jessica Chastain. Em uma obra que se passa em uma pequena cidade dos Estados Unidos nos anos 60 - com suas cercas alvas, jardins impecáveis e rotinas perfeitas, só possíveis dentro do mais sublime sonho americano. Alguns setores da crítica se apressaram em apontar Instinto Materno (Mother's Instinct) como uma mistura de Alfred Hitchcock com Douglas Sirk. Sim, vamos combinar que são muitos os atrativos da estreia do diretor de fotografia Benoît Delhomme na direção - especialmente pra quem é apaixonado por esse tipo de narrativa que nos joga para esse espaço idílico e suburbano, onde por baixo da aparência impecável das roupas, dos cabelos e dos sapatos há uma série de segredos prontos para serem revelados.
Só que devo admitir que o sentimento na conclusão foi um tanto ambíguo. Particularmente eu tendo a gostar muito desse tipo de trama doméstica que soa exagerada, quase caricatural em alguns momentos - desde que mantido o equilíbrio entre suspense e drama. Ao mesmo tempo, gosto das alegorias óbvias que mais parecem acenos para os estudantes de cinema iniciantes, que se deleitarão, por exemplo, com o fato de as roupas de Céline (Hathaway) ganharem tons mais escuros após a morte do filho - uma forma de tornar o luto ainda mais evidente do que já é. Só que em igual medida, na reta final, pareceu tudo tão conveniente e sem maiores surpresas, que fiquei meio frustrado. Ao cabo, não há muito espaço para as ambiguidades. Para as incertezas. As coisas são apenas como são e as mulheres ali envolvidas estarão fadadas a uma disputa particular que, de quebra, arremessa para longe qualquer traço de união feminina.
Aliás, nesse sentido, fosse esse um filme lançado algumas décadas atrás e talvez a história funcionasse melhor. Mas quando acompanhamos Alice (Chastain) em mais da metade do tempo da projeção achando que Céline está enlouquecendo, ou simplesmente querendo puni-la de alguma forma pelo ocorrido com o filho, a coisa toda passa a ser apenas uma paranoia monotemática sobre o vazio que se espalha para o entorno. Há, por exemplo, os dois maridos e mal sabemos sobre eles para além do fato de serem dois sujeitos que passam o dia inteiro fora a trabalho, sendo os provedores abnegados, em uma tentativa de sobrevivência meio às escondidas. Claro que o marido de Céline, Damian (Josh Charles), também sofre, mas não vai muito além dos cigarros fumados em sequência e do desconforto na presença dos demais (e lá pelas tantas eu poderia jurar que haveria uma grande reviravolta envolvendo ele, mas não).
E há ainda Theo (Eamon O'Connell), o filho de Alice e Simon (Anders Danielsen Lie), que passa a ter papel de destaque depois do primeiro terço, quando ocorre a trágica morte de Max (Baylen D. Bielitz) - que cai da sacada do terceiro andar da casa de alvenaria, quando tentava recolocar uma casa para passarinhos em uma árvore (aliás, nada mais vida no subúrbio do que isso). Será Theo que se sentirá impelido a uma curiosa aproximação de Céline, que o atrai com presentes, conversas amistosas e um carinho desmedido que vai no limite entre a compensação pela maternidade interrompida e o desejo íntimo de algum tipo de concretização do mal. Há boas cenas entre todos, como aquela em que Theo se desespera ao ver o seu coelho de estimação dentro do caixão de Max, durante o funeral; ou mesmo a da festa surpresa ainda no começo (algo que escancara a homenagem à Hitchcock). Nesse sentido, no geral a mesquinharia da vida do bairro - aquela existência ordinária entre o agradável e o instável - tem seu apelo. Ainda que sempre fique a impressão de quase.
Nota: 6,5