Ainda que não entregue muito sobre a história em si, o trailer dá a entender que a obra será absolutamente charmosa, com um colorido vivo, figurinos estonteantes e o bom gosto de sempre, no que diz respeito a trilha sonora. O que também é possível constatar é que será um filme metalinguístico. Aliás, esta não é a primeira vez que Allen utiliza deste expediente - o de usar o cinema para falar de cinema -, já que em obras divertidas como Dirigindo no Escuro (2001), Celebridades (1998) e A Rosa Púrpura do Cairo (1985), isto também acontece. Não sei quanto a vocês, mas para nós, do Picanha, Woody Allen é sempre sinônimo de cinema de qualidade - ainda que eventualmente apareçam baboseiras como Melinda e Melinda (2004) ou Igual a Tudo na Vida (2003). Assim, estamos mais do que Na Espera por seu novo trabalho!
quinta-feira, 28 de abril de 2016
Na Espera - Cafe Society (Filme)
Como se fosse uma espécie de Guided By Voices do cinema, o veterano Woody Allen (atualmente com 80 anos) mantém a média de praticamente um lançamento a cada ano e já tem programada a estreia oficial de sua próxima película! Cafe Society - que tem no elenco nomes como Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Blake Lively, Steve Carrell e Parker Posey - será o filme de abertura do próximo Festival de Cannes, no dia 11 de maio. No Brasil, a obra, que volta aos anos 30 para contar a história de um jovem judeu que deixa a casa dos pais em Nova York para tentar fazer carreira em Hollywood, enfrentando problemas com o seu futuro chefe, tem data de lançamento confirmada para o dia 27 de outubro de 2016.
Ainda que não entregue muito sobre a história em si, o trailer dá a entender que a obra será absolutamente charmosa, com um colorido vivo, figurinos estonteantes e o bom gosto de sempre, no que diz respeito a trilha sonora. O que também é possível constatar é que será um filme metalinguístico. Aliás, esta não é a primeira vez que Allen utiliza deste expediente - o de usar o cinema para falar de cinema -, já que em obras divertidas como Dirigindo no Escuro (2001), Celebridades (1998) e A Rosa Púrpura do Cairo (1985), isto também acontece. Não sei quanto a vocês, mas para nós, do Picanha, Woody Allen é sempre sinônimo de cinema de qualidade - ainda que eventualmente apareçam baboseiras como Melinda e Melinda (2004) ou Igual a Tudo na Vida (2003). Assim, estamos mais do que Na Espera por seu novo trabalho!
Ainda que não entregue muito sobre a história em si, o trailer dá a entender que a obra será absolutamente charmosa, com um colorido vivo, figurinos estonteantes e o bom gosto de sempre, no que diz respeito a trilha sonora. O que também é possível constatar é que será um filme metalinguístico. Aliás, esta não é a primeira vez que Allen utiliza deste expediente - o de usar o cinema para falar de cinema -, já que em obras divertidas como Dirigindo no Escuro (2001), Celebridades (1998) e A Rosa Púrpura do Cairo (1985), isto também acontece. Não sei quanto a vocês, mas para nós, do Picanha, Woody Allen é sempre sinônimo de cinema de qualidade - ainda que eventualmente apareçam baboseiras como Melinda e Melinda (2004) ou Igual a Tudo na Vida (2003). Assim, estamos mais do que Na Espera por seu novo trabalho!
quarta-feira, 27 de abril de 2016
Disco da Semana - M83 (Junk)
Quando Anthony Gonzales do M83 anunciou que seu novo disco, Junk, teria como inspirações séries de TV dos anos 80, como Punky - A Levada da Breca e Who's The Boss, a impressão que ficou, ao menos para parte da crítica "especializada", foi a de que vinha por aí um produto de pouca qualidade. Em última análise, o álbum certamente não seria tão grandioso e sofisticado como os espetaculares (e climáticos, e oníricos, e suntuosos) Saturdays = Youth (2008) e Hurry Up, We're Dreaming (2011). Como se o fato de um registro ser inspirado na parte mais brega de tal década já significasse carregar consigo uma espécie de atestado de pobreza artística. Ainda mais pra quem se acostumou com as construções absolutamente etéreas e sensoriais de Gonzales, bem como com sua capacidade de, apenas utilizando a sua sonoridade marcante, tornar palpáveis as ambientações mais abstratas possíveis. Algo não menos do que notável, por sinal.
A situação não mudou muito quando foi divulgado nome do álbum - Junk pode ser entendido como "lixo" ou como "algo de pouca qualidade" - ou mesmo a capa, em que aparecem bichos de pano multicoloridos (com letras idem), que bem poderiam figurar uma versão alternativa e espacial de séries como Vila Sésamo ou outra do gênero voltada as crianças. Em resumo: Gonzales estava definitivamente interessado em, novamente, abraçar os anos 80. Mas não a porção mais classuda do período - como fizera anteriormente em Hurry Up..., com suas toneladas de sintetizadores capazes de levar o ouvinte a navegar em pistas de dança siderais e modernosas, em meio a filmes de ficção científica descolados da Sessão da Tarde. Não! Estamos falando da parte mais colorida dos anos 80. Talvez a mais kitsch. De roupas e cabelas bregas. Dos Anos Incríveis e do Clube dos Cinco, de John Hughes. Do Erasure. Da mola maria. E das polainas. E isso é ruim? Não. Definitivamente NÃO!
Se analisarmos a canção que abre o registro e que foi o primeiro single, a hipnótica Do It, Try It, perceberemos em meio ao refrão pegajoso e a seus sintetizadores sutis um quê de Pet Shop Boys. Ainda assim isso não significa que a música não tenha algum tipo de personalidade própria ou que tenha sido jogada ali apenas para cumprir "tabela". Ao contrário, o que se nota nessa apropriação oitentista - e certamente íntima daquilo que o cantor tenha vivenciado em sua juventude - é justamente a capacidade de jogar um novo verniz naquilo que já se fez anteriormente e que, hoje, nos move no formato de nostalgia. Sim, Junk certamente não é tão grandioso como Hurry Up... - talvez um dos melhores discos do milênio até hoje lançados. Mas tem sua lógica de funcionamento. Tem o seu conceito em cada curvinha em que parece estarmos diante da abertura daquela série ou programa de TV que amávamos ou da trilha sonora que embalou as nossas brincadeiras de criança ou adolescente.
O disco oscila entre momentos mais alegres e festivos, como em Go! - com sua batida de boate descolada em meio aos vocais etéreos a Passion Pit - na movimentada Road Blaster e em Bibi the Dog - com seu instrumental multicolorido ao estilo dos primeiros trabalhos de Michael Jackson - com outros de menor intensidade como nas minimalistas For The Kids e Atlantique Sud (desde já séria candidata a ser a música do ano). E tudo em meio a uma lógica que jamais desperta qualquer tipo de sensação de irregularidade e ainda contando com diversas participações especiais, entre elas Beck - em Time Wind, outro belo momento, Susanne Sundfor (na sinfônica For The Kids) e a conterrânea Mai Lan, que empresta seu vocal estilo Laura Lavieri (companheira de Marcelo Jeneci) a quatro músicas - entre elas a já citada e linda Atlantique Sud. Um Tira da Pesada, Kenny G, Simple Minds, Amaury Junior, Wess e Dori Ghezzi, Thundercats... está tudo lá dentro, em algum cantinho. E lhes digo, é um reencontro emocionante!
Nota: 8,3
A situação não mudou muito quando foi divulgado nome do álbum - Junk pode ser entendido como "lixo" ou como "algo de pouca qualidade" - ou mesmo a capa, em que aparecem bichos de pano multicoloridos (com letras idem), que bem poderiam figurar uma versão alternativa e espacial de séries como Vila Sésamo ou outra do gênero voltada as crianças. Em resumo: Gonzales estava definitivamente interessado em, novamente, abraçar os anos 80. Mas não a porção mais classuda do período - como fizera anteriormente em Hurry Up..., com suas toneladas de sintetizadores capazes de levar o ouvinte a navegar em pistas de dança siderais e modernosas, em meio a filmes de ficção científica descolados da Sessão da Tarde. Não! Estamos falando da parte mais colorida dos anos 80. Talvez a mais kitsch. De roupas e cabelas bregas. Dos Anos Incríveis e do Clube dos Cinco, de John Hughes. Do Erasure. Da mola maria. E das polainas. E isso é ruim? Não. Definitivamente NÃO!
Se analisarmos a canção que abre o registro e que foi o primeiro single, a hipnótica Do It, Try It, perceberemos em meio ao refrão pegajoso e a seus sintetizadores sutis um quê de Pet Shop Boys. Ainda assim isso não significa que a música não tenha algum tipo de personalidade própria ou que tenha sido jogada ali apenas para cumprir "tabela". Ao contrário, o que se nota nessa apropriação oitentista - e certamente íntima daquilo que o cantor tenha vivenciado em sua juventude - é justamente a capacidade de jogar um novo verniz naquilo que já se fez anteriormente e que, hoje, nos move no formato de nostalgia. Sim, Junk certamente não é tão grandioso como Hurry Up... - talvez um dos melhores discos do milênio até hoje lançados. Mas tem sua lógica de funcionamento. Tem o seu conceito em cada curvinha em que parece estarmos diante da abertura daquela série ou programa de TV que amávamos ou da trilha sonora que embalou as nossas brincadeiras de criança ou adolescente.
O disco oscila entre momentos mais alegres e festivos, como em Go! - com sua batida de boate descolada em meio aos vocais etéreos a Passion Pit - na movimentada Road Blaster e em Bibi the Dog - com seu instrumental multicolorido ao estilo dos primeiros trabalhos de Michael Jackson - com outros de menor intensidade como nas minimalistas For The Kids e Atlantique Sud (desde já séria candidata a ser a música do ano). E tudo em meio a uma lógica que jamais desperta qualquer tipo de sensação de irregularidade e ainda contando com diversas participações especiais, entre elas Beck - em Time Wind, outro belo momento, Susanne Sundfor (na sinfônica For The Kids) e a conterrânea Mai Lan, que empresta seu vocal estilo Laura Lavieri (companheira de Marcelo Jeneci) a quatro músicas - entre elas a já citada e linda Atlantique Sud. Um Tira da Pesada, Kenny G, Simple Minds, Amaury Junior, Wess e Dori Ghezzi, Thundercats... está tudo lá dentro, em algum cantinho. E lhes digo, é um reencontro emocionante!
Nota: 8,3
terça-feira, 26 de abril de 2016
Cinema - Amor Por Direito (Freeheld)
De: Peter Sollet. Com Juliane Moore, Ellen Page, Michael Shannon e Steve Carrell. Romance / Drama.EUA, 2015, 104 minutos.
Em uma época em que os discursos de ódio e de intolerância são legitimados na esfera pública por verdadeiras aberrações políticas - caso do deputado federal Jair Bolsonaro, conhecido pelo seu comportamento racista, misógino, machista e homofóbico - filmes como o recém lançado Amor Por Direito (Freeheld), que é baseado em fatos reais, vêm bem a calhar. Nesse caso, a qualidade relativamente questionável do produto final quase fica em segundo plano, dado o impacto da mensagem que se pretende transmitir. A obra do diretor Peter Sollet (do simpático Nick & Norah - Uma Noite de Amor e Música) é sobre a policial Laurel Hester (Juliane Moore), que é diagnosticada com um câncer terminal no pulmão e luta na Justiça para que a sua namorada, a mecânica Stacie Andree (Ellen Page), possa receber os benefícios da pensão após a sua morte.
Em resumo, é um filme que debate a importância da igualdade de direitos entre as pessoas, independentemente de sua orientação sexual. Algo que as autoridades, em uma conservadora Nova Jersey do início dos anos 2000, se recusavam a reconhecer em uma relação homoafetiva. É um argumento atualíssimo, tanto que a Suprema Corte Americana só foi reconhecer o direito de união entre pessoas do mesmo sexo, em junho do ano passado - também como resultado de pequenas ações como a vista na película. Ainda assim, é preciso que se diga que a obra não se constitui em um simples panfleto a favor do casamento homossexual: o cerne da questão está na importância do tratamento igualitário, sem qualquer tipo de distinção para héteros e homossexuais. Ainda que o preconceito fique escondido sob as mais estapafúrdias desculpas - como os excessivos gastos do Estado, por exemplo.
Assim como fez em Para Sempre Alice - que lhe deu o Oscar -, Juliane Moore, com sua já habitual competência, se entrega ao papel de uma mulher doente adotando comportamento sutil e naturalista durante toda a projeção, seja na condição de policial durona ou de companheira dedicada. (e eu só posso crer que ela não foi sequer indicada para as premiações desse ano por conta do tão falado conservadorismo da Academia). Já Ellen Page, que recentemente teve o desprazer de conhecer e entrevistar o "Bolsomito", exagera um pouco nos trejeitos meio "mecânicos" (com o perdão do trocadilho) em sua caracterização - ainda que não deixe de emocionar em momento algum, com uma interpretação que vai da doce insegurança - são tocantes os momentos em que as companheiras se conhecem - até a comovente insatisfação diante dos fatos.
Mas o ponto em desequilíbrio mesmo está na concepção absolutamente histriônica de Steve Carrell como um ativista gay judeu. Ainda que seja eventualmente engraçado, seu personagem promove uma certa quebra desnecessária de ritmo (e até mesmo de expectativa) em relação àquilo que estamos acompanhando. Ao transformar, subitamente, uma obra que se propõe dramática em uma comédia escrachada, Sollett quase consegue a proeza de diluir o impacto de sua narrativa em meio a piadocas de gosto duvidoso e a um exagero quase irritante. O caldo só não entorna totalmente por conta da retomada de rumo ocorrida no terço final, em meio a sequências tocantes de debate público envolvendo os conselheiros do condado (os tais freehelders) e todos os interessados na causa.
Fora o debate da igualdade de direitos, é possível perceber, nas entrelinhas, que o preconceito em relação as mulheres vai para além do deboche em relação ás lésbicas. Nesse sentido, não chega a surpreender o fato de, em uma das cenas iniciais, assistirmos o personagem Dane Wells (o ótimo Michael Shannon) receber as congratulações de seus pares (homens, brancos) por uma ação policial de sucesso, ignorando completamente o papel de Laurel na eficácia do procedimento. Uma policial não é exatamente uma mulher "bela, recatada e do lar", como certamente esperariam os legisladores locais, em meio a discursos quadrados (e enfadonhos) sobre santidade do casamento e temor à Deus. Aqui e ali, Amor Por Direito nos faz perceber que o preconceito está em todos os lugares. E atinge a todas as mulheres.
Nota: 7,3
Em uma época em que os discursos de ódio e de intolerância são legitimados na esfera pública por verdadeiras aberrações políticas - caso do deputado federal Jair Bolsonaro, conhecido pelo seu comportamento racista, misógino, machista e homofóbico - filmes como o recém lançado Amor Por Direito (Freeheld), que é baseado em fatos reais, vêm bem a calhar. Nesse caso, a qualidade relativamente questionável do produto final quase fica em segundo plano, dado o impacto da mensagem que se pretende transmitir. A obra do diretor Peter Sollet (do simpático Nick & Norah - Uma Noite de Amor e Música) é sobre a policial Laurel Hester (Juliane Moore), que é diagnosticada com um câncer terminal no pulmão e luta na Justiça para que a sua namorada, a mecânica Stacie Andree (Ellen Page), possa receber os benefícios da pensão após a sua morte.
Em resumo, é um filme que debate a importância da igualdade de direitos entre as pessoas, independentemente de sua orientação sexual. Algo que as autoridades, em uma conservadora Nova Jersey do início dos anos 2000, se recusavam a reconhecer em uma relação homoafetiva. É um argumento atualíssimo, tanto que a Suprema Corte Americana só foi reconhecer o direito de união entre pessoas do mesmo sexo, em junho do ano passado - também como resultado de pequenas ações como a vista na película. Ainda assim, é preciso que se diga que a obra não se constitui em um simples panfleto a favor do casamento homossexual: o cerne da questão está na importância do tratamento igualitário, sem qualquer tipo de distinção para héteros e homossexuais. Ainda que o preconceito fique escondido sob as mais estapafúrdias desculpas - como os excessivos gastos do Estado, por exemplo.
Assim como fez em Para Sempre Alice - que lhe deu o Oscar -, Juliane Moore, com sua já habitual competência, se entrega ao papel de uma mulher doente adotando comportamento sutil e naturalista durante toda a projeção, seja na condição de policial durona ou de companheira dedicada. (e eu só posso crer que ela não foi sequer indicada para as premiações desse ano por conta do tão falado conservadorismo da Academia). Já Ellen Page, que recentemente teve o desprazer de conhecer e entrevistar o "Bolsomito", exagera um pouco nos trejeitos meio "mecânicos" (com o perdão do trocadilho) em sua caracterização - ainda que não deixe de emocionar em momento algum, com uma interpretação que vai da doce insegurança - são tocantes os momentos em que as companheiras se conhecem - até a comovente insatisfação diante dos fatos.
Mas o ponto em desequilíbrio mesmo está na concepção absolutamente histriônica de Steve Carrell como um ativista gay judeu. Ainda que seja eventualmente engraçado, seu personagem promove uma certa quebra desnecessária de ritmo (e até mesmo de expectativa) em relação àquilo que estamos acompanhando. Ao transformar, subitamente, uma obra que se propõe dramática em uma comédia escrachada, Sollett quase consegue a proeza de diluir o impacto de sua narrativa em meio a piadocas de gosto duvidoso e a um exagero quase irritante. O caldo só não entorna totalmente por conta da retomada de rumo ocorrida no terço final, em meio a sequências tocantes de debate público envolvendo os conselheiros do condado (os tais freehelders) e todos os interessados na causa.
Fora o debate da igualdade de direitos, é possível perceber, nas entrelinhas, que o preconceito em relação as mulheres vai para além do deboche em relação ás lésbicas. Nesse sentido, não chega a surpreender o fato de, em uma das cenas iniciais, assistirmos o personagem Dane Wells (o ótimo Michael Shannon) receber as congratulações de seus pares (homens, brancos) por uma ação policial de sucesso, ignorando completamente o papel de Laurel na eficácia do procedimento. Uma policial não é exatamente uma mulher "bela, recatada e do lar", como certamente esperariam os legisladores locais, em meio a discursos quadrados (e enfadonhos) sobre santidade do casamento e temor à Deus. Aqui e ali, Amor Por Direito nos faz perceber que o preconceito está em todos os lugares. E atinge a todas as mulheres.
Nota: 7,3
segunda-feira, 25 de abril de 2016
Lado B Classe A - Black Rebel Motorcycle Club (Howl)
Acho que foi em 2005, ano de lançamento deste disco, que eu me deparei com os caras do Black Rebel Motorcycle Club. Desde então venho tentando expressar em palavras o que senti naquele momento, sem sucesso obviamente. Havia algo ali que eu sentia, mas não sabia exprimir. Ou era muito jovem, ou imaturo, porém sabia que mais cedo ou mais tarde "O" dia iria chegar. De tempos em tempos a bolachinha volta a tocar na minha mente e - mais precisamente agora - nos fones. Pois bem, amigos: o BRMC era uma daquelas bandas guitarreiras que lançavam bons discos com algumas canções que até fizeram algum sucesso nos Estados Unidos. Mas que diabos aconteceu com esses caras pra que lançassem um petardo como esse Howl, terceiro disco de sua carreira?
Com título claramente inspirado na obra homônima de Allen Ginsberg, poeta ícone da geração beat (que não li por sinal), já dá pra se saber que o que vem por aí é algo que só aqueles que desceram (ou tiveram coragem de) às profundezas da alma humana, em seu lugar mais escuro e desesperançoso sabe-se lá em busca de que (redenção? Deus?) irão entender. Ou uma entrega total ao desespero depois de tantas cicatrizes, reflexões, um sucesso passageiro... uma conexão que jamais veio e que se acumulou para quebrar a parede que separava a simples música da arte mais pura e verdadeira. E é verdade o que se encontra nesta obra: então, meu amigo (ou amiga), preste atenção: pegue seu fone com carinho, abra um vinho, feche os olhos, saia um pouco deste seu espaço etéreo e sem vida e me acompanhe.
Estamos em um bar escuro, esfumaçado, as luzes são escassas, os cabelos desgrenhados, pessoas vestem preto e jaquetas de couro. As motocicletas estão estacionadas ali fora mas a chuva as impede de saírem dali. O lance é torrencial mesmo, e não adianta tentar escapar: os violões de aço estão a postos, o bumbo, o pedal, aquele órgão fúnebre, a harmônica. Uma luz discreta brota no palco e só ouvimos aquilo que não queríamos ouvir: time won't save our souls ("o tempo não irá salvar nossas almas") e somos convidados a bater palmas: o bumbo ritmado começa uma batida animadora, shuffle your feet! ("mexa seus pés!") grita o vocalista, é hora de celebrar. Os violões, aquele ritmo animado, a comunhão entre os presentes (poucos), eu me pergunto: o que está acontecendo? Você deve se perguntar também, estamos de volta aos 60, 70, Dylan, Cash e Young poderiam estar bem ali na nossa frente, as cordas de aço batendo e... tudo pára! Aquele órgão ali do canto deve ter sido surrupiado de alguma igreja mais próxima e começa uma melodia que não sei de onde veio nem pra onde vai - e isso não importa. É a faixa título, o uivo que Ginsberg sangrou em palavras, e é tudo tão lindo que poderia parar por aí. É o nosso hino, todos parados inertes se deixando levar pela mágica dos sons e a melodia celestial - poderia ser o fim ali mesmo, aquele momento é tudo que temos e nada mais.
Mas, como não podia deixar de ser, na sequência temos Devil's Waitin' e o lamento dedilhado e sussurrado aos moldes dos melhores trovadores vem nos lembrar da desesperança, dos desamparados, dos irmãos cuja vida deveu muito, daqueles que batalharam e morreram cansados na infinita busca do não sei nem saberei. É o réquiem, a homenagem - e está feita de forma honrada e bela. Mas calma, não há por que temer, as cordas de aço voltam a pulsar junto ao bumbo e a percussão, dá pra bater pé e até dançar, afinal Ain't No Easy Way. Quando aquela gaitinha chega.... pelamor, tem vida ali meu caro! Acompanha, vai... ninguém disse que seria fácil, nem que seria difícil. Só consigo pensar: "que sonzêra do caramba!" Então vem Still Suspicion Holds You Tight pra nos fazer cantar junto e abrir aquele sorriso no rosto mesmo sabendo que temos apenas o que somos - e isto basta. Se basta? Não sei, mas neste exato momento sim, embalado em uma melodia que contagia e conforta. Fault Line vem pra acabar com tudo isso, só sei que me preocupo com aquele cara que está ali cantando aquilo: "man, calm down" eu digo em um idioma em que talvez ele seja capaz de entender. Deve ter algo mais pesado ali naquele lamento, drogas talvez, enfim. Ainda bem que acaba rápido.
Neste ponto já estou acabado, pronto pra fugir dali, encarar a chuva e a escuridão também, mas os primeiros acordes de Promise me fazem mudar rapidamente de ideia. O que é aquele piano, aquela batida, aquela voz esperançosa? Há esperança eu penso. Sim, chegamos e partimos sozinhos, isso é certo... mas o conforto junto a nossos pares (ou aquele par, você sabe do que eu falo) são capazes de mudar tudo - não, não há salvação aqui, apenas um alívio temporário mas que será lembrado mesmo com a nossa partida. Que coisa mais linda aqueles sopros aparecendo lá no fundo, aonde estavam até agora? Claro, como não percebi antes? É justamente pra coroar o momento mais bonito daquela comunhão com aquela pessoa ao nosso lado. Pode rolar até uma reunião dançante daquelas de dançar colado que não cairia mal (embora minha infância traga péssimas lembranças destes momentos - eu fugia de terror! que tolo). "Come on baby let's ride the sunrise, let's light the night", diz a canção. Há esperança. A dança pode continuar com The Weight of the World, este peso mundano que conhecemos tão bem mas que fica tão mais leve quando carregado em par. Temos a chance de poder carregar as rochas juntos, apenas temos que lutar para ser... inteiros. Ok, a mensagem está dada. Não quero mais sair dali, mas preciso. O tempo começa a melhorar lá fora, o fim da chuva, um nascer do sol. Mas tudo bem, há um pouco mais.
Nem todos tem a mesma sorte. Muitos permanecerão abandonados, bêbados, e os dias permanecerão como noites, lembra a banda em Restless Sinner. Onde se apegar então? Será que todos tem a mesma força pra entender o absurdo da vida e louvá-lo mesmo assim? Onde estará Deus nesta hora? Gospel Song vem pra lembrar que sim, há no que nos apegarmos se a nossa solidão não é suficiente, e a banda andará conosco enxugando as lágrimas que vierem, com ou sem Deus. Complicated Situation vem pra me lembrar daquela época em que ouvi estas canções pela primeira vez e não as entendia, é aquele momento onde as articulações crescem, os joelhos doem - por falta de metáfora melhor. Sympathetic Noose lembra um pouco Stones, com aquele violãozinho e aquela batida familiar, nos encaminhando ao final, mas com uma letra que é impossível definir aqui: talvez o lamento de perceber que todos os seus sonhos e expectativas tornaram-se apenas um vazio interior. E é isto que está sendo celebrado este tempo todo não é mesmo? Um querer (ou não querer) sem ser. Aquele momento em que nos vemos perdidos, sem saber pra onde ir ou o que queremos... a beleza intimamente niilista de se deixar levar, se esconder que seja, sabe-se lá do que: talvez nunca saberemos. Mas tudo soa confortavelmente bem, uma armadilha simpática, como o título diz. Que assim o seja se for.
É hora de ir embora. Acho que já foi demais. The Line começa tensa, ah não... lá vem mais. Ou melhor, não. Não sei. A letra diz tudo, não vou reproduzir aqui. Só sei que lamento sair dali (ou melhor, deste lugar que nunca estive) e não poder ser a linha capaz de ser alguma mudança no mundo daqueles que pararam de se importar. Dos que desistiram, dos que tem medo, dos que estão sozinho agora. Eu queria ser. Talvez seja um destes citados. Talvez eu esteja delirando. É só abrir os olhos: tudo voltou a ser como era antes. A comodidade de um lar, uma cama, um cobertor, e só. E a música para salvar nossas almas e nos transportar para lugares mágicos cheios de aprendizado. Talvez seja o mais próximo de liberdade que possamos vivenciar. Talvez.
Com título claramente inspirado na obra homônima de Allen Ginsberg, poeta ícone da geração beat (que não li por sinal), já dá pra se saber que o que vem por aí é algo que só aqueles que desceram (ou tiveram coragem de) às profundezas da alma humana, em seu lugar mais escuro e desesperançoso sabe-se lá em busca de que (redenção? Deus?) irão entender. Ou uma entrega total ao desespero depois de tantas cicatrizes, reflexões, um sucesso passageiro... uma conexão que jamais veio e que se acumulou para quebrar a parede que separava a simples música da arte mais pura e verdadeira. E é verdade o que se encontra nesta obra: então, meu amigo (ou amiga), preste atenção: pegue seu fone com carinho, abra um vinho, feche os olhos, saia um pouco deste seu espaço etéreo e sem vida e me acompanhe.
Estamos em um bar escuro, esfumaçado, as luzes são escassas, os cabelos desgrenhados, pessoas vestem preto e jaquetas de couro. As motocicletas estão estacionadas ali fora mas a chuva as impede de saírem dali. O lance é torrencial mesmo, e não adianta tentar escapar: os violões de aço estão a postos, o bumbo, o pedal, aquele órgão fúnebre, a harmônica. Uma luz discreta brota no palco e só ouvimos aquilo que não queríamos ouvir: time won't save our souls ("o tempo não irá salvar nossas almas") e somos convidados a bater palmas: o bumbo ritmado começa uma batida animadora, shuffle your feet! ("mexa seus pés!") grita o vocalista, é hora de celebrar. Os violões, aquele ritmo animado, a comunhão entre os presentes (poucos), eu me pergunto: o que está acontecendo? Você deve se perguntar também, estamos de volta aos 60, 70, Dylan, Cash e Young poderiam estar bem ali na nossa frente, as cordas de aço batendo e... tudo pára! Aquele órgão ali do canto deve ter sido surrupiado de alguma igreja mais próxima e começa uma melodia que não sei de onde veio nem pra onde vai - e isso não importa. É a faixa título, o uivo que Ginsberg sangrou em palavras, e é tudo tão lindo que poderia parar por aí. É o nosso hino, todos parados inertes se deixando levar pela mágica dos sons e a melodia celestial - poderia ser o fim ali mesmo, aquele momento é tudo que temos e nada mais.
Mas, como não podia deixar de ser, na sequência temos Devil's Waitin' e o lamento dedilhado e sussurrado aos moldes dos melhores trovadores vem nos lembrar da desesperança, dos desamparados, dos irmãos cuja vida deveu muito, daqueles que batalharam e morreram cansados na infinita busca do não sei nem saberei. É o réquiem, a homenagem - e está feita de forma honrada e bela. Mas calma, não há por que temer, as cordas de aço voltam a pulsar junto ao bumbo e a percussão, dá pra bater pé e até dançar, afinal Ain't No Easy Way. Quando aquela gaitinha chega.... pelamor, tem vida ali meu caro! Acompanha, vai... ninguém disse que seria fácil, nem que seria difícil. Só consigo pensar: "que sonzêra do caramba!" Então vem Still Suspicion Holds You Tight pra nos fazer cantar junto e abrir aquele sorriso no rosto mesmo sabendo que temos apenas o que somos - e isto basta. Se basta? Não sei, mas neste exato momento sim, embalado em uma melodia que contagia e conforta. Fault Line vem pra acabar com tudo isso, só sei que me preocupo com aquele cara que está ali cantando aquilo: "man, calm down" eu digo em um idioma em que talvez ele seja capaz de entender. Deve ter algo mais pesado ali naquele lamento, drogas talvez, enfim. Ainda bem que acaba rápido.
Neste ponto já estou acabado, pronto pra fugir dali, encarar a chuva e a escuridão também, mas os primeiros acordes de Promise me fazem mudar rapidamente de ideia. O que é aquele piano, aquela batida, aquela voz esperançosa? Há esperança eu penso. Sim, chegamos e partimos sozinhos, isso é certo... mas o conforto junto a nossos pares (ou aquele par, você sabe do que eu falo) são capazes de mudar tudo - não, não há salvação aqui, apenas um alívio temporário mas que será lembrado mesmo com a nossa partida. Que coisa mais linda aqueles sopros aparecendo lá no fundo, aonde estavam até agora? Claro, como não percebi antes? É justamente pra coroar o momento mais bonito daquela comunhão com aquela pessoa ao nosso lado. Pode rolar até uma reunião dançante daquelas de dançar colado que não cairia mal (embora minha infância traga péssimas lembranças destes momentos - eu fugia de terror! que tolo). "Come on baby let's ride the sunrise, let's light the night", diz a canção. Há esperança. A dança pode continuar com The Weight of the World, este peso mundano que conhecemos tão bem mas que fica tão mais leve quando carregado em par. Temos a chance de poder carregar as rochas juntos, apenas temos que lutar para ser... inteiros. Ok, a mensagem está dada. Não quero mais sair dali, mas preciso. O tempo começa a melhorar lá fora, o fim da chuva, um nascer do sol. Mas tudo bem, há um pouco mais.
Nem todos tem a mesma sorte. Muitos permanecerão abandonados, bêbados, e os dias permanecerão como noites, lembra a banda em Restless Sinner. Onde se apegar então? Será que todos tem a mesma força pra entender o absurdo da vida e louvá-lo mesmo assim? Onde estará Deus nesta hora? Gospel Song vem pra lembrar que sim, há no que nos apegarmos se a nossa solidão não é suficiente, e a banda andará conosco enxugando as lágrimas que vierem, com ou sem Deus. Complicated Situation vem pra me lembrar daquela época em que ouvi estas canções pela primeira vez e não as entendia, é aquele momento onde as articulações crescem, os joelhos doem - por falta de metáfora melhor. Sympathetic Noose lembra um pouco Stones, com aquele violãozinho e aquela batida familiar, nos encaminhando ao final, mas com uma letra que é impossível definir aqui: talvez o lamento de perceber que todos os seus sonhos e expectativas tornaram-se apenas um vazio interior. E é isto que está sendo celebrado este tempo todo não é mesmo? Um querer (ou não querer) sem ser. Aquele momento em que nos vemos perdidos, sem saber pra onde ir ou o que queremos... a beleza intimamente niilista de se deixar levar, se esconder que seja, sabe-se lá do que: talvez nunca saberemos. Mas tudo soa confortavelmente bem, uma armadilha simpática, como o título diz. Que assim o seja se for.
É hora de ir embora. Acho que já foi demais. The Line começa tensa, ah não... lá vem mais. Ou melhor, não. Não sei. A letra diz tudo, não vou reproduzir aqui. Só sei que lamento sair dali (ou melhor, deste lugar que nunca estive) e não poder ser a linha capaz de ser alguma mudança no mundo daqueles que pararam de se importar. Dos que desistiram, dos que tem medo, dos que estão sozinho agora. Eu queria ser. Talvez seja um destes citados. Talvez eu esteja delirando. É só abrir os olhos: tudo voltou a ser como era antes. A comodidade de um lar, uma cama, um cobertor, e só. E a música para salvar nossas almas e nos transportar para lugares mágicos cheios de aprendizado. Talvez seja o mais próximo de liberdade que possamos vivenciar. Talvez.
Encontro com a Professora - Imitação da Vida (Imitation of Life)
Qual é a cor da felicidade?
Imitação da Vida (Imitation of Life, 1959), dirigido por Douglas Sirk – o cara responsável pelas melhores lágrimas de Hollywood – traz um elenco estelar: a iniciante Sandra Dee, o galã John Gavin e a superstar Lana Turner. Mas o destaque do filme não é Lana Turner, mas Juanita Moore, a quinta afro-americana a ser nominada a um Oscar e a terceira como melhor atriz.
Temos de admitir que o tema do filme, principalmente para a época, não é simples. Estruturado em dois enredos paralelos, conta a história das mães solteiras Lora Meredith, uma atriz branca desempregada, e Annie Johnson, uma empregada doméstica negra. Elas se encontram, por acaso, na praia. Enquanto suas filhas brincam na areia, Annie, desesperada e sem ter para onde ir, convence Lora de que esta necessita de alguém para cuidar da casa e da filha enquanto procura emprego. A atriz, também em situação difícil, acolhe a outra por piedade.
Enquanto Lora vai se tornando uma artista famosa, Annie segue cuidando da casa e da educação das meninas. Porém, logo os problemas aparecem. Susie, a filha de Lora, cresce cheia de privilégios e suas preocupações se restringem a encontrar o amor. Negligenciada pela mãe, encontra apoio em Annie e em Steve (Gavin), o namorado da mãe, por quem se percebe apaixonada. Este complexo triângulo amoroso, porém, se resolve convenientemente e com muitas lágrimas, bem de acordo com qualquer dramalhão típico da idade dourada de Hollywood.
Mas, como dito, é Juanita Moore que sustenta o filme, na sua relação com a filha. Sarah Jane é uma bela morena e, pela aparência, não revela a ascendência africana. Conhecendo a sociedade racista em que está inserida, tenta evitar, de todos os modos, que os “amigos” saibam que não é branca. Annie literalmente implora o amor da filha e a submissão da personagem incomoda ao longo da narrativa. Por que não reage? Por que ainda se preocupa em recuperar a filha? Por que se encolhe como eterna criada de Lora? São perguntas que perturbam por representar, a princípio, mais uma versão do “negro de alma branca” ou do “bom negro” ao estilo Pai Tomás.
Revisitando a película, no entanto, pode-se perceber Annie de modo diferente. Talvez ela só esteja sendo realista. Prefere recolher-se na igreja, no carinho sincero que sente por Lora e Susie, na incansável tentativa de recuperar a filha e esperar a redenção que não está neste mundo. Apesar da dor, ele entende o drama da filha: como ser negra, tendo pele branca, em um mundo que não aceita negros?
O sonho de Sarah Jane é tornar-se uma grande atriz, mas tudo o que consegue são shows de quinta categoria e, quando descobrem que é negra, demitem-na sumariamente. Ela almeja ao mundo da mãe que gostaria de ter, Lora Meredith, mas as humilhações a obrigam a reconhecer que é, de fato, filha de Annie, negra e pobre. Este é um atrito que não consegue superar, gerando uma luta interior de amor e ódio. Seria mais fácil se Annie desistisse dela, mas o amor incondicional da mãe cava abismos cada vez maiores.
A grande sacada de Sirk é deixar a “batata assar” sem resolver com um final reconciliador ou com um discurso politicamente correto sobre igualdade étnico-racial. Sim, a “solução” acontece – também ao estilo dramalhão – mas não exclui o incômodo. Como se não fosse dramático o suficiente, Sirk acrescenta, ao final, a cereja do bolo, com a presença de Mahalia Jackson. E, quando ela canta Trouble of the world, as lágrimas que ainda restavam caem sem controle. Não só de dor. De homenagem.
Texto: Rosane Cardoso
Imitação da Vida (Imitation of Life, 1959), dirigido por Douglas Sirk – o cara responsável pelas melhores lágrimas de Hollywood – traz um elenco estelar: a iniciante Sandra Dee, o galã John Gavin e a superstar Lana Turner. Mas o destaque do filme não é Lana Turner, mas Juanita Moore, a quinta afro-americana a ser nominada a um Oscar e a terceira como melhor atriz.
Temos de admitir que o tema do filme, principalmente para a época, não é simples. Estruturado em dois enredos paralelos, conta a história das mães solteiras Lora Meredith, uma atriz branca desempregada, e Annie Johnson, uma empregada doméstica negra. Elas se encontram, por acaso, na praia. Enquanto suas filhas brincam na areia, Annie, desesperada e sem ter para onde ir, convence Lora de que esta necessita de alguém para cuidar da casa e da filha enquanto procura emprego. A atriz, também em situação difícil, acolhe a outra por piedade.
Enquanto Lora vai se tornando uma artista famosa, Annie segue cuidando da casa e da educação das meninas. Porém, logo os problemas aparecem. Susie, a filha de Lora, cresce cheia de privilégios e suas preocupações se restringem a encontrar o amor. Negligenciada pela mãe, encontra apoio em Annie e em Steve (Gavin), o namorado da mãe, por quem se percebe apaixonada. Este complexo triângulo amoroso, porém, se resolve convenientemente e com muitas lágrimas, bem de acordo com qualquer dramalhão típico da idade dourada de Hollywood.
Mas, como dito, é Juanita Moore que sustenta o filme, na sua relação com a filha. Sarah Jane é uma bela morena e, pela aparência, não revela a ascendência africana. Conhecendo a sociedade racista em que está inserida, tenta evitar, de todos os modos, que os “amigos” saibam que não é branca. Annie literalmente implora o amor da filha e a submissão da personagem incomoda ao longo da narrativa. Por que não reage? Por que ainda se preocupa em recuperar a filha? Por que se encolhe como eterna criada de Lora? São perguntas que perturbam por representar, a princípio, mais uma versão do “negro de alma branca” ou do “bom negro” ao estilo Pai Tomás.
Revisitando a película, no entanto, pode-se perceber Annie de modo diferente. Talvez ela só esteja sendo realista. Prefere recolher-se na igreja, no carinho sincero que sente por Lora e Susie, na incansável tentativa de recuperar a filha e esperar a redenção que não está neste mundo. Apesar da dor, ele entende o drama da filha: como ser negra, tendo pele branca, em um mundo que não aceita negros?
O sonho de Sarah Jane é tornar-se uma grande atriz, mas tudo o que consegue são shows de quinta categoria e, quando descobrem que é negra, demitem-na sumariamente. Ela almeja ao mundo da mãe que gostaria de ter, Lora Meredith, mas as humilhações a obrigam a reconhecer que é, de fato, filha de Annie, negra e pobre. Este é um atrito que não consegue superar, gerando uma luta interior de amor e ódio. Seria mais fácil se Annie desistisse dela, mas o amor incondicional da mãe cava abismos cada vez maiores.
A grande sacada de Sirk é deixar a “batata assar” sem resolver com um final reconciliador ou com um discurso politicamente correto sobre igualdade étnico-racial. Sim, a “solução” acontece – também ao estilo dramalhão – mas não exclui o incômodo. Como se não fosse dramático o suficiente, Sirk acrescenta, ao final, a cereja do bolo, com a presença de Mahalia Jackson. E, quando ela canta Trouble of the world, as lágrimas que ainda restavam caem sem controle. Não só de dor. De homenagem.
Texto: Rosane Cardoso
quinta-feira, 21 de abril de 2016
Pérolas do Netflix - Mike Birbiglia (My Girlfriend's Boyfriend)
O artista existe pois tem medo da morte. Não exatamente o medo do evento em si, mas do esquecimento, da falta de identificação, do compartilhamento de suas dores e alegrias com o outro que está à sua frente: é sua maneira de deixar uma porção sua junto à humanidade, sua contribuição ao mundo. São milhares de músicas, filmes, livros, que nunca serão lidos ou sequer conhecidos por aqueles que se beneficiariam disso. A curadoria é algo trabalhoso de ser feito, ainda mais em tempos de tanta informação, ilusão e volatilidade. E esta divagação serve justamente para isso, informar. A comédia talvez seja o gênero mais difícil de ser desenvolvido, já diria Woody Allen. O riso genuíno somente brota de uma identificação com o interlocutor através de suas vivências e, principalmente (e paradoxalmente), suas dores. A catarse em forma de riso, a gargalhada frente ao absurdo da vida, seria um antídoto ao suicídio filosófico tão desenvolvido por Camus, por exemplo.
Ouso dizer que o stand up comedy é uma das formas mais difíceis e desafiadoras de se fazer arte. Uma pessoa, um microfone, um cenário minimalista e uma platéia à frente. O Homem e sua voz, seu corpo, desprovido de figurinos elaborados e efeitos afim de desviar a atenção do que importa: aquela pessoa desnuda de qualquer vaidade expondo-se abertamente em um monólogo que dura mais de hora no intuito de arrancar o riso daqueles que o assistem. E digo mais, não apenas o riso: a compaixão e o entendimento daquilo que está sendo dito. E não falo do besteirol a que estamos acostumados, de piadas machistas, homofóbicas ou coisas do tipo. Tudo extremamente roteirizado para despertar uma reação no público. E quando o roteiro vem recheado de experiências pessoais, tudo ganha um significado ainda mais intenso.
Eis que chegamos ao artista em questão, Mike Birbiglia. Seria redundante citar Louis C.K. como o exemplo maior do gênero (já desenvolvido aqui neste post), mas Birbiglia atinge aqui em seu especial My Girlfriend's Boyfriend um resultado poucas vezes visto - e comovente. É de se admirar a generosidade do "comediante" em compartilhar conosco suas experiências relativas a sentimentos tão difíceis de lidar: a insegurança, as decepções amorosas, as epifanias decorrentes de casualidades que muitas vezes passam desapercebidas pela maioria de nós. E cuja dor, posteriormente transformada em riso, é uma dádiva pronta a ser relembrada por aqueles que a vivenciaram no decorrer de suas atribuladas existências que, num ciclo sem fim, acabam por retornar a qualquer momento. E se Mike é um cara comum, aparentemente meio loser, uma espécie de nerd talvez, com sua camisa social simples e sem nenhum atrativo que nos salte diretamente aos olhos, é no decorrer de seu monólogo que percebemos a riqueza de significados daquilo que está sendo dito e expressado por este nosso companheiro de jornada.
E recomendo, sem dúvida, que o mesmo seja assistido com cuidado e atenção. Nada que está ali é em vão, o riso virá certamente, o humor físico estará lá (você lembrará do "misturador") mas não pense estar assistindo Danilo Gentili, por exemplo. Como dito acima, tudo é criado e roteirizado com início meio e fim. Se tiveres o cuidado de encarar com o respeito que um filme, livro ou uma peça de teatro merece, será recompensado por uma obra sublime cujo desfecho fará amolecer o mais duro dos corações. E não é disso mesmo que precisamos, em tempos de tanto ódio e violência? De um pouco de amparo no outro (pode ser na telinha mesmo) mesmo tratando dos assuntos mais banais e cotidianos? Essa pérola está no Netflix, se puder veja... se não puder baixe, procure algum amigo e compartilhe um pouco mais dessa loucura tão necessária (e saudável) para a continuidade da vida. E isso é lindo. Se nossa escrita neste site existe é justamente no objetivo - talvez nem tão bem sucedido - em deixar uma marca em você, leitor.
Ouso dizer que o stand up comedy é uma das formas mais difíceis e desafiadoras de se fazer arte. Uma pessoa, um microfone, um cenário minimalista e uma platéia à frente. O Homem e sua voz, seu corpo, desprovido de figurinos elaborados e efeitos afim de desviar a atenção do que importa: aquela pessoa desnuda de qualquer vaidade expondo-se abertamente em um monólogo que dura mais de hora no intuito de arrancar o riso daqueles que o assistem. E digo mais, não apenas o riso: a compaixão e o entendimento daquilo que está sendo dito. E não falo do besteirol a que estamos acostumados, de piadas machistas, homofóbicas ou coisas do tipo. Tudo extremamente roteirizado para despertar uma reação no público. E quando o roteiro vem recheado de experiências pessoais, tudo ganha um significado ainda mais intenso.
E recomendo, sem dúvida, que o mesmo seja assistido com cuidado e atenção. Nada que está ali é em vão, o riso virá certamente, o humor físico estará lá (você lembrará do "misturador") mas não pense estar assistindo Danilo Gentili, por exemplo. Como dito acima, tudo é criado e roteirizado com início meio e fim. Se tiveres o cuidado de encarar com o respeito que um filme, livro ou uma peça de teatro merece, será recompensado por uma obra sublime cujo desfecho fará amolecer o mais duro dos corações. E não é disso mesmo que precisamos, em tempos de tanto ódio e violência? De um pouco de amparo no outro (pode ser na telinha mesmo) mesmo tratando dos assuntos mais banais e cotidianos? Essa pérola está no Netflix, se puder veja... se não puder baixe, procure algum amigo e compartilhe um pouco mais dessa loucura tão necessária (e saudável) para a continuidade da vida. E isso é lindo. Se nossa escrita neste site existe é justamente no objetivo - talvez nem tão bem sucedido - em deixar uma marca em você, leitor.
quarta-feira, 20 de abril de 2016
Pérolas do Netflix - A Onda (Die Welle)
De: Dennis Gansel. Com Jürgen Vogel, Frederick Lau, Max Riemelt e Jennifer Ulrich. Drama, Alemanha, 2008, 108 minutos.
Na primeira sequência do espetacular filme alemão A Onda (Die Welle) vemos um homem vestido a moda dos skinheads europeus da primeira geração, dirigindo o seu carro e escutando a música Rock'n Roll High School, dos Ramones, a todo volume. O homem em questão é um professor de história de nome Rainer Wenger (Jürgen Vogel), que está indo para o seu primeiro dia de aula no semestre que se inicia no educandário local. A disciplina eletiva que ele gostaria de ministrar era a de Anarquia - se assim ele pudesse escolher. Mas um docente com ares conservadores já chegou na frente, com o objetivo de ensinar a seus alunos que "coquetel molotov é coisa para as aulas de química". Para Rainer sobra a cadeira de Autocracia que ele, a contragosto, - e por claramente não ser identificado com tais ideologias, como descobriremos melhor, mais tarde - decide ministrar.
Como forma de tornar as suas aulas mais atrativas, o docente resolve fazer uma experiência com os seus alunos, que vivenciarão, na prática, o que significa um governo autocrático, em que apenas um sujeito detém o poder político-estatal e o controle absoluto (e ilimitado) em todos os níveis - com direito, inclusive, de alterar leis, se assim achar "necessário". É um sistema claramente fascista, em que impera o autoritarismo, a opressão e a tirania e a violência contra as massas. Digamos que a Ditadura Militar, no Brasil, seria um bom exemplo. Ou mesmo o Nazismo - ao que os alunos reagem com certo ar de deboche ("Sim, o Nazismo era uma droga, já sabemos disso", resmunga um dos estudantes). Mas o professor não está interessado apenas em conversar a respeito do tema. É preciso fazer com que os alunos se envolvam com ele.
O professor Rainer tem a ideia de criar uma espécie de governo autocrático em sala de aula. Local em que deverá imperar a disciplina, o respeito, o controle e o senso de grupo e de liderança. Para falar é necessário ficar de pé - "faz bem para a circulação". Também é preciso pedir a palavra, levantando o dedo. Conforme a semana avança e as aulas vão ocorrendo, os alunos vão incorporando outros signos e comportamentos que lhes identificarão enquanto grupo. O uniforme deve ser uma camisa, sempre branca (não chega a surpreender). Há uma saudação específica - uma espécie de "onda" junto ao peito. Há um símbolo, adornado por revólveres. Os estudantes, que no começo estranham os métodos ortodoxos do professor - que, como líder, deve respeitosamente ser chamado, a partir de agora, de Sr. Wenger - aos poucos passam a gostar da vivência, levando-as para suas rotinas. Sentindo-se com isso fortalecidos. Unidos. E individualistas, preconceituosos, violentos.
Não demora para que os "diferentes" - como aqueles que não utilizam a tal camiseta branca - sejam excluídos pelos colegas. Os que questionam os novos modos do grupo são chamados de traidores. O fanzine estudantil, que reverbera contra aquilo que pensa ser uma "onda fascista", é censurado. Quem não demonstra força o tempo inteiro se torna motivo de chacota. Meninos passam a bater em suas namoradas, quando em desacordo com elas. A violência e a intimidação passam a imperar. Todos começam a curtir a página do "Bolsomito" no Face. Até um deles sacar uma arma, em uma briguinha juvenil com o grupo dos anarquistas. E quando o professor e todo o corpo docente perceberem que chegaram a um limite em que se tornará impossível voltar atrás, só restará para a história a tristeza, a dor, a psicopatia, o sentimento de impotência e a morte, em um choque de realidade poucas vezes visto no cinema - e o fato de o filme ser baseado em fatos reais torna tudo ainda mais impactante.
O cinema alemão se especializou, nos últimos anos, em tentar curar seus traumas, com bons filmes sobre a Segunda Guerra. Em A Onda, essa verdadeira Pérola do disponível no Netflix, consegue isso não apenas com uma trama inteligente, elegante e bem engendrada, mas também de forma absolutamente surpreendente (e sufocante) em seu terço final. Em uma época em que, no Brasil, um deputado federal sobe em uma bancada para endeusar o principal torturador da história do País - sob os aplausos da turba odiosa, racista, fascista, misógina, homofóbica e assassina, a obra do diretor Dennis Gansel deve ser filmografia básica, com seu estilo quase documental a respeito de um eventual retorno do que seriam os novos governos totalitários. Cantam os Ramones em Rock'n Roll High School, Well i don't care about history /Cause that's not where i wanna be. Sim, ninguém quer estar de volta a alguns dos períodos mais perturbadores da história. Por isso, nada melhor do que conhecer o modelo que elas operam. A Onda consegue esse resultado com louvor. É um filmaço.
Na primeira sequência do espetacular filme alemão A Onda (Die Welle) vemos um homem vestido a moda dos skinheads europeus da primeira geração, dirigindo o seu carro e escutando a música Rock'n Roll High School, dos Ramones, a todo volume. O homem em questão é um professor de história de nome Rainer Wenger (Jürgen Vogel), que está indo para o seu primeiro dia de aula no semestre que se inicia no educandário local. A disciplina eletiva que ele gostaria de ministrar era a de Anarquia - se assim ele pudesse escolher. Mas um docente com ares conservadores já chegou na frente, com o objetivo de ensinar a seus alunos que "coquetel molotov é coisa para as aulas de química". Para Rainer sobra a cadeira de Autocracia que ele, a contragosto, - e por claramente não ser identificado com tais ideologias, como descobriremos melhor, mais tarde - decide ministrar.
Como forma de tornar as suas aulas mais atrativas, o docente resolve fazer uma experiência com os seus alunos, que vivenciarão, na prática, o que significa um governo autocrático, em que apenas um sujeito detém o poder político-estatal e o controle absoluto (e ilimitado) em todos os níveis - com direito, inclusive, de alterar leis, se assim achar "necessário". É um sistema claramente fascista, em que impera o autoritarismo, a opressão e a tirania e a violência contra as massas. Digamos que a Ditadura Militar, no Brasil, seria um bom exemplo. Ou mesmo o Nazismo - ao que os alunos reagem com certo ar de deboche ("Sim, o Nazismo era uma droga, já sabemos disso", resmunga um dos estudantes). Mas o professor não está interessado apenas em conversar a respeito do tema. É preciso fazer com que os alunos se envolvam com ele.
O professor Rainer tem a ideia de criar uma espécie de governo autocrático em sala de aula. Local em que deverá imperar a disciplina, o respeito, o controle e o senso de grupo e de liderança. Para falar é necessário ficar de pé - "faz bem para a circulação". Também é preciso pedir a palavra, levantando o dedo. Conforme a semana avança e as aulas vão ocorrendo, os alunos vão incorporando outros signos e comportamentos que lhes identificarão enquanto grupo. O uniforme deve ser uma camisa, sempre branca (não chega a surpreender). Há uma saudação específica - uma espécie de "onda" junto ao peito. Há um símbolo, adornado por revólveres. Os estudantes, que no começo estranham os métodos ortodoxos do professor - que, como líder, deve respeitosamente ser chamado, a partir de agora, de Sr. Wenger - aos poucos passam a gostar da vivência, levando-as para suas rotinas. Sentindo-se com isso fortalecidos. Unidos. E individualistas, preconceituosos, violentos.
Não demora para que os "diferentes" - como aqueles que não utilizam a tal camiseta branca - sejam excluídos pelos colegas. Os que questionam os novos modos do grupo são chamados de traidores. O fanzine estudantil, que reverbera contra aquilo que pensa ser uma "onda fascista", é censurado. Quem não demonstra força o tempo inteiro se torna motivo de chacota. Meninos passam a bater em suas namoradas, quando em desacordo com elas. A violência e a intimidação passam a imperar. Todos começam a curtir a página do "Bolsomito" no Face. Até um deles sacar uma arma, em uma briguinha juvenil com o grupo dos anarquistas. E quando o professor e todo o corpo docente perceberem que chegaram a um limite em que se tornará impossível voltar atrás, só restará para a história a tristeza, a dor, a psicopatia, o sentimento de impotência e a morte, em um choque de realidade poucas vezes visto no cinema - e o fato de o filme ser baseado em fatos reais torna tudo ainda mais impactante.
O cinema alemão se especializou, nos últimos anos, em tentar curar seus traumas, com bons filmes sobre a Segunda Guerra. Em A Onda, essa verdadeira Pérola do disponível no Netflix, consegue isso não apenas com uma trama inteligente, elegante e bem engendrada, mas também de forma absolutamente surpreendente (e sufocante) em seu terço final. Em uma época em que, no Brasil, um deputado federal sobe em uma bancada para endeusar o principal torturador da história do País - sob os aplausos da turba odiosa, racista, fascista, misógina, homofóbica e assassina, a obra do diretor Dennis Gansel deve ser filmografia básica, com seu estilo quase documental a respeito de um eventual retorno do que seriam os novos governos totalitários. Cantam os Ramones em Rock'n Roll High School, Well i don't care about history /Cause that's not where i wanna be. Sim, ninguém quer estar de volta a alguns dos períodos mais perturbadores da história. Por isso, nada melhor do que conhecer o modelo que elas operam. A Onda consegue esse resultado com louvor. É um filmaço.
Lançamento de Videoclipe - Apanhador Só (Rota)
Os gaúchos da Apanhador Só lançaram, em 2013, simplesmente o melhor disco nacional daquele ano, o imperdível Antes Que Tu Conte Outra - e se o Picanha já existisse naquele ano, certamente o teria colocado no topo do nosso modesto pódio, com louvor! E como forma de seguir na divulgação do registro - enquanto o novo trabalho, que já está em processo de elaboração, não chega - o trio divulgou, na última semana, um clipe para a canção Rota. Gravado em Fortaleza, durante a turnê Na Sala de Estar - da qual já tivemos a honra de participar, em um evento maravilhoso - o vídeo foi dirigido, fotografado e montado por Daniel De Bem. No clipe é possível ver várias imagens do mar e outras dos "gurizes" tocando, em cenas da turnê que foi fruto de um financiamento coletivo! Não conhece ainda? Então clica que vale MUITO a pena!
terça-feira, 19 de abril de 2016
Cine Baú - Um Corpo Que Cai (Vertigo)
De: Alfred Hitchcock. Com James Stewart, Kim Novak e Tom Helmore. Suspense / Drama, EUA, 1958.
Assistir a um filme como Um Corpo Que Cai (Vertigo), é estar diante de uma experiência cinematográfica absolutamente completa - como são, na maioria dos casos, as obras do Mestre Alfred Hitchcock. Não se trata apenas de suspense puro e simples, com trama intrincada e saborosas reviravoltas durante toda a projeção. Se trata também do drama do homem comum que tenta de todas as formas superar os seus maiores medos - no caso, o policial John "Scottie" Ferguson vivido por James Stewart, que sofre de acrofobia (ou medo de altura mesmo). E tudo isso banhado em um clima de mistério quase onírico, com trilha sonora angustiante e onipresente - feita por Bernard Herrmann -, cenários luxuosos e impactantes, figurino classudo, direção de arte precisa e personagens não menos do que complexos.
O filme começa com Scottie presenciando a morte de um colega de trabalho durante uma perseguição a um bandido - situação que talvez pudesse ter sido evitada não fosse o medo de altura. Traumatizado pelo caso, o homem decide se aposentar, não sem antes aceitar um último trabalho como detetive particular, ocasião em que será contratado por um antigo amigo, o industriário Gavin Elster (Tom Helmore), para que passe a observar a sua esposa Madeleine (Kim Novak). A alegação de Gavin é de que Madeleine tem apresentado uma espécie de comportamento atípico, sombrio e com tendências suicidas - tendo ainda uma verdadeira obsessão por sua tataravó, que, no século passado, se afogou após se atirar da ponte do rio São Francisco.
Mestre em manipular as plateias, Hitchcock transformará a perseguição a Madeleine em um verdadeiro exercício de obsessão, com Scottie espreitando por trás das paredes de um museu, em meio aos muros do cais do porto e por entre árvores e lápides em um cemitério. O espectador, no caso, passará não mais a ser um mero observador, se tornando - assim como no caso de Janela Indiscreta (também estrelado por Stewart) - sujeito participante, através do uso frequente da câmera subjetiva, em primeira pessoa. Aliado a esse contexto, o temor pela vida de Madeleine - que poderia estar sofrendo algum tipo de influência telepática de sua antepassada - ainda conferirá a película um ar sobrenatural e perturbador, capaz de transformar a obra-prima em um produto não menos do que aterrador.
À época de seu lançamento, Um Corpo Que Cai foi bem recebido pelo público, ainda que a crítica tenha torcido o nariz para uma trama considerada ao mesmo tempo complexa, pouco "substanciosa" e inverossímil. A situação só foi se modificar mais tarde, quando um grupo de redatores do semanário francês Cahiers du Cinéma - entre eles François Truffaut, Eric Rohmer e Jean-Luc Godard - foi capaz de reconhecer as qualidades do filme, conferindo a ele um caráter de sofisticação não apenas na mise-en-scène, mas também no que diz respeito ao aspecto técnico - algo reforçado, por exemplo, pela adoção do zoom in e do zoom out nas cenas de altura, que garantem uma sensação de vertigem e de horror genuíno, até mesmo em uma simples sequência em que o protagonista sobe uma escada e olha para baixo.
Hoje, Um Corpo Que Cai talvez seja a maior obra do Mestre do Suspense - ficando inclusive a frente do sempre lembrado Psicose (1960). Não à toa, uma votação feita com 864 críticos, acadêmicos e pessoas ligadas ao cinema colocou a película em primeiro lugar em uma lista com os 50 maiores filmes de todos os tempos, em uma relação organizada pelo periódico Sound and Sight, em 2012 - ficando a frente, vejam só, de Cidadão Kane, de Orson Welles. Na lista de 100 Melhores Filmes Estadunidenses lançada em 2007 pelo American Film Institute (AFI), a película aparece em nono lugar - à frente de outros clássicos como 2001 Uma Odisseia no Espaço (1968) e Crepúsculo dos Deuses (1950). São tantas as credenciais que o nosso Cine Baú quase fica pequeno, diante da grandiosidade de tal obra. Se você ainda não viu, corre que ainda dá tempo.
Assistir a um filme como Um Corpo Que Cai (Vertigo), é estar diante de uma experiência cinematográfica absolutamente completa - como são, na maioria dos casos, as obras do Mestre Alfred Hitchcock. Não se trata apenas de suspense puro e simples, com trama intrincada e saborosas reviravoltas durante toda a projeção. Se trata também do drama do homem comum que tenta de todas as formas superar os seus maiores medos - no caso, o policial John "Scottie" Ferguson vivido por James Stewart, que sofre de acrofobia (ou medo de altura mesmo). E tudo isso banhado em um clima de mistério quase onírico, com trilha sonora angustiante e onipresente - feita por Bernard Herrmann -, cenários luxuosos e impactantes, figurino classudo, direção de arte precisa e personagens não menos do que complexos.
O filme começa com Scottie presenciando a morte de um colega de trabalho durante uma perseguição a um bandido - situação que talvez pudesse ter sido evitada não fosse o medo de altura. Traumatizado pelo caso, o homem decide se aposentar, não sem antes aceitar um último trabalho como detetive particular, ocasião em que será contratado por um antigo amigo, o industriário Gavin Elster (Tom Helmore), para que passe a observar a sua esposa Madeleine (Kim Novak). A alegação de Gavin é de que Madeleine tem apresentado uma espécie de comportamento atípico, sombrio e com tendências suicidas - tendo ainda uma verdadeira obsessão por sua tataravó, que, no século passado, se afogou após se atirar da ponte do rio São Francisco.
Mestre em manipular as plateias, Hitchcock transformará a perseguição a Madeleine em um verdadeiro exercício de obsessão, com Scottie espreitando por trás das paredes de um museu, em meio aos muros do cais do porto e por entre árvores e lápides em um cemitério. O espectador, no caso, passará não mais a ser um mero observador, se tornando - assim como no caso de Janela Indiscreta (também estrelado por Stewart) - sujeito participante, através do uso frequente da câmera subjetiva, em primeira pessoa. Aliado a esse contexto, o temor pela vida de Madeleine - que poderia estar sofrendo algum tipo de influência telepática de sua antepassada - ainda conferirá a película um ar sobrenatural e perturbador, capaz de transformar a obra-prima em um produto não menos do que aterrador.
À época de seu lançamento, Um Corpo Que Cai foi bem recebido pelo público, ainda que a crítica tenha torcido o nariz para uma trama considerada ao mesmo tempo complexa, pouco "substanciosa" e inverossímil. A situação só foi se modificar mais tarde, quando um grupo de redatores do semanário francês Cahiers du Cinéma - entre eles François Truffaut, Eric Rohmer e Jean-Luc Godard - foi capaz de reconhecer as qualidades do filme, conferindo a ele um caráter de sofisticação não apenas na mise-en-scène, mas também no que diz respeito ao aspecto técnico - algo reforçado, por exemplo, pela adoção do zoom in e do zoom out nas cenas de altura, que garantem uma sensação de vertigem e de horror genuíno, até mesmo em uma simples sequência em que o protagonista sobe uma escada e olha para baixo.
Hoje, Um Corpo Que Cai talvez seja a maior obra do Mestre do Suspense - ficando inclusive a frente do sempre lembrado Psicose (1960). Não à toa, uma votação feita com 864 críticos, acadêmicos e pessoas ligadas ao cinema colocou a película em primeiro lugar em uma lista com os 50 maiores filmes de todos os tempos, em uma relação organizada pelo periódico Sound and Sight, em 2012 - ficando a frente, vejam só, de Cidadão Kane, de Orson Welles. Na lista de 100 Melhores Filmes Estadunidenses lançada em 2007 pelo American Film Institute (AFI), a película aparece em nono lugar - à frente de outros clássicos como 2001 Uma Odisseia no Espaço (1968) e Crepúsculo dos Deuses (1950). São tantas as credenciais que o nosso Cine Baú quase fica pequeno, diante da grandiosidade de tal obra. Se você ainda não viu, corre que ainda dá tempo.
segunda-feira, 18 de abril de 2016
Cinema - A Juventude (Youth)
De: Paolo Sorrentino. Com Michael Caine, Harvey Keitel, Rachel Weisz, Paulo Dano e Jane Fonda. Drama / Comédia, Itália / França / Suíça / Reino Unido, 2015, 124 minutos.
Pra quem gosta de cinema enquanto manifestação artística para além do simples entretenimento, o mais recente filme do diretor italiano Paolo Sorrentino, o espetacular A Juventude (Youth) é um prato cheio. Assim como em seu trabalho anterior, o oscarizado e primoroso A Grande Beleza, aqui não se tem uma história no formato a que estamos acostumados, com começo, meio e fim bem definidos, um arco dramático suficientemente claro ou uma gramática fílmica aos moldes daquilo que se faz em Hollywood. Para Sorrentino, a construção de uma obra escapa um tanto desse caráter mais convencional para que possamos aproveitar o cinema para além do mosaico essencialmente visual (e simples) apresentado, não surpreendendo, portanto, o caráter por vezes atmosférico, climático ou catártico daquilo que presenciamos em cada um de seus filmes. Em suma, é um daqueles prazeres que talvez experimentemos ao assistir a algum clássico do cinema. Ou mesmo a alguma película que aborde um tema - qualquer que seja - sem apelar para a pieguice ou para o sentimentalismo barato.
Se fosse possível resumir em uma frase sobre o quê é este filme, muito provavelmente ele é a respeito da velhice, mais precisamente de como envelhecemos, e de como encaramos o mundo no momento em que nos aproximamos do ocaso de nossa existência. Na trama somos apresentados a dois idosos de cerca de 80 anos, que passam férias em um luxuoso hotel. Um deles, Fred (Michael Caine), é um maestro aposentado que, a despeito dos convites para voltar a ativa - um deles da Rainha da Inglaterra "em pessoa" - não parece interessado a retornar aos seus tempos áureos. Já Mick (Harvey Keitel) é um diretor de cinema ainda em atividade, capaz ainda de se frustrar e de viver verdadeiramente as alegrias e os dissabores da profissão. Nesse sentido, dadas as motivações de cada um - e os dois são amigos de infância -, ambos encaram de maneira diferente tanto o presente quanto o futuro.
O dia a dia de ambos é vivido em meio a lembranças da juventude - bem como de suas frustrações e romances -, dificuldades típicas da idade (urinar de maneira voluptuosa é motivo de comemoração) e em cenários absolutamente deslumbrantes, com fotografia de Luca Bigazzi idem. Ao redor deles trafegam coadjuvantes pra lá de interessantes, como o ator Jimmy Tree (o sempre competente Paulo Dano) conhecido por um único papel do passado - e também frustrado -, a filha de Fred, Lena (Rachel Weisz), que passa por um doloroso divórcio, além de uma antiga e histriônica atriz do passado (Jane Fonda), que reaparece para infernizar a vida de Mick. Fora outros hóspedes do hotel - caso de um surpreendentemente gordo ex-jogador de futebol argentino e canhoto - não precisamos nem dizer com quem ele se parece. A nós espectadores, cabe o papel de observadores desse microcosmo repleto de pessoas tão distintas quanto semelhantes no que diz respeito as angústias, as ansiedades e a outros sentimentos típicos de um ser humano.
Nas entrelinhas é possível perceber uma série de "pequenos debates" promovidos pelo diretor em sua obra e que abordam desde o preconceito - uma Miss Universo é sempre burra? Um sujeito introspectivo e de barba grande é sempre um psicopata social? O casal que não se fala não se ama? - até a necessidade que temos de sermos reconhecidos por aquilo que fazemos e que, em muitos casos, é aquilo que nos torna apaixonados em nossas rotinas. Onírico, sensorial, eventualmente surrealista, A Juventude é daqueles filmes que ficam martelando em nossas cabeças por horas, após finalizada a sessão - essencialmente por representar algo especial, ainda que, eventualmente cínico, no que diz respeito àquilo a que se propõe "analisar", que é o mundo das artes. E se você sair da sala de cinema com aquela sensação de "não entendi totalmente", não se preocupe. Há filmes que foram feitos mais para sentir do que para entender. E este é um deles.
Nota: 9,0
Pra quem gosta de cinema enquanto manifestação artística para além do simples entretenimento, o mais recente filme do diretor italiano Paolo Sorrentino, o espetacular A Juventude (Youth) é um prato cheio. Assim como em seu trabalho anterior, o oscarizado e primoroso A Grande Beleza, aqui não se tem uma história no formato a que estamos acostumados, com começo, meio e fim bem definidos, um arco dramático suficientemente claro ou uma gramática fílmica aos moldes daquilo que se faz em Hollywood. Para Sorrentino, a construção de uma obra escapa um tanto desse caráter mais convencional para que possamos aproveitar o cinema para além do mosaico essencialmente visual (e simples) apresentado, não surpreendendo, portanto, o caráter por vezes atmosférico, climático ou catártico daquilo que presenciamos em cada um de seus filmes. Em suma, é um daqueles prazeres que talvez experimentemos ao assistir a algum clássico do cinema. Ou mesmo a alguma película que aborde um tema - qualquer que seja - sem apelar para a pieguice ou para o sentimentalismo barato.
Se fosse possível resumir em uma frase sobre o quê é este filme, muito provavelmente ele é a respeito da velhice, mais precisamente de como envelhecemos, e de como encaramos o mundo no momento em que nos aproximamos do ocaso de nossa existência. Na trama somos apresentados a dois idosos de cerca de 80 anos, que passam férias em um luxuoso hotel. Um deles, Fred (Michael Caine), é um maestro aposentado que, a despeito dos convites para voltar a ativa - um deles da Rainha da Inglaterra "em pessoa" - não parece interessado a retornar aos seus tempos áureos. Já Mick (Harvey Keitel) é um diretor de cinema ainda em atividade, capaz ainda de se frustrar e de viver verdadeiramente as alegrias e os dissabores da profissão. Nesse sentido, dadas as motivações de cada um - e os dois são amigos de infância -, ambos encaram de maneira diferente tanto o presente quanto o futuro.
O dia a dia de ambos é vivido em meio a lembranças da juventude - bem como de suas frustrações e romances -, dificuldades típicas da idade (urinar de maneira voluptuosa é motivo de comemoração) e em cenários absolutamente deslumbrantes, com fotografia de Luca Bigazzi idem. Ao redor deles trafegam coadjuvantes pra lá de interessantes, como o ator Jimmy Tree (o sempre competente Paulo Dano) conhecido por um único papel do passado - e também frustrado -, a filha de Fred, Lena (Rachel Weisz), que passa por um doloroso divórcio, além de uma antiga e histriônica atriz do passado (Jane Fonda), que reaparece para infernizar a vida de Mick. Fora outros hóspedes do hotel - caso de um surpreendentemente gordo ex-jogador de futebol argentino e canhoto - não precisamos nem dizer com quem ele se parece. A nós espectadores, cabe o papel de observadores desse microcosmo repleto de pessoas tão distintas quanto semelhantes no que diz respeito as angústias, as ansiedades e a outros sentimentos típicos de um ser humano.
Nas entrelinhas é possível perceber uma série de "pequenos debates" promovidos pelo diretor em sua obra e que abordam desde o preconceito - uma Miss Universo é sempre burra? Um sujeito introspectivo e de barba grande é sempre um psicopata social? O casal que não se fala não se ama? - até a necessidade que temos de sermos reconhecidos por aquilo que fazemos e que, em muitos casos, é aquilo que nos torna apaixonados em nossas rotinas. Onírico, sensorial, eventualmente surrealista, A Juventude é daqueles filmes que ficam martelando em nossas cabeças por horas, após finalizada a sessão - essencialmente por representar algo especial, ainda que, eventualmente cínico, no que diz respeito àquilo a que se propõe "analisar", que é o mundo das artes. E se você sair da sala de cinema com aquela sensação de "não entendi totalmente", não se preocupe. Há filmes que foram feitos mais para sentir do que para entender. E este é um deles.
Nota: 9,0
quarta-feira, 13 de abril de 2016
Disco da Semana - Céu (Tropix)
Não deixa de impressionar a capacidade que a cantora Céu tem de se reinventar, ainda que de maneira sutil, a cada novo registro. Evidentemente o fio condutor de cada um dos quatro álbuns até então lançados - incluindo o recente Tropix - segue sendo a sua voz absolutamente melodiosa, em alguns momentos intimista, em outros mais expansiva, mas sempre afinada. Ainda assim, aqui e ali, a artista costuma envernizar cada trabalho com uma abordagem sempre única, sendo esta capaz de relacioná-la não apenas ao momento vivido pela paulista, mas também pelo contexto artístico em que está inserida. É como se esta fosse uma espécie de espectro capaz de absorver, da maneira mais natural possível, o seu entorno - especialmente as emanações artísticas -, transformando cada disco em um retrato não menos do que simbólico do que pode ser chamado de modernidade.
Parece complicado mas não é. Difícil mesmo é uma definição simplista da cantora como uma artista da MPB - ainda que não haja absolutamente nada de pejorativo nisso. O fato é que, em entrevistas anteriores, Céu já afirmou que gosta de beber de diversas fontes, que vão da música jamaicana a etíope, do soul ao hip hop. O que certamente explica a grande variedade de experimentos sonoros em cada registro. Se no primeiro trabalho, o homônimo CéU (2005) predominava a MPB direta, romântica, com ares teatrais, com percussão bem pontuada e uma certa predileção pelo regionalismo, em Vagarosa (2009) já se tornam mais visíveis as influências do samba (e suas vertentes), com uma certa malemolência urbana, um quê de malandragem, com cuícas, cavaquinhos e bandolins aparecendo eventualmente. E o que dizer de Caravana Sereia Bloom (2012), com seu clima retrô-empoeirado, meio dream pop urbano? Céu, definitivamente não fica no mesmo lugar.
Com Tropix, desde já sério candidato a figurar nas primeiras posições entre os melhores discos nacionais de 2016, a pequena mudança sutil - aquela referida no primeiro parágrafo - surge na predileção por sons mais eletrônicos, com o uso de sintetizadores minimalistas, teclados sutis, efeitos levemente dançantes e outros barulhinhos que aparecem em cada curva do trabalho sempre de maneira discreta, apresentados com calma, sem correria. Não há exatamente um "conceito" que garanta um caráter homogêneo no registro - o que, evidentemente, não se constitui em um problema. Ainda assim, em muitos casos, parece ser o distanciamento entre os indivíduos, sejam eles reais ou virtuais, um tema que surge com mais frequência. Sensação ampliada pela ótima Perfume do Invisível, ou mesmo pela tecnológica Amor Pixelado, que são bons exemplos dessa preferência.
Com produção de Pupillo (Nação Zumbi) e do francês Hervé Salters - que garantem um som absolutamente limpo, sempre destacando o vocal nítido da cantora, ainda que eventualmente surjam emanações mais empoeiradas (ou sujas), como em A Menina e o Monstro -, Tropix tem ainda participação especial de outro dos grandes nomes nacionais do momento: a cantora Tulipa Ruiz, que contribui na atmosférica (e dançante) Pot-Pourri: Etílica/ Interlúdio. Isso sem contar a execução absolutamente original do time de colaboradores, o que torna a experiência ainda mais irresistível e encantadora - como ficar alheio, por exemplo, a inacreditavelmente graciosa Minhas Bics? Nesse sentido, não faltam motivos para que aqueles que ainda não estejam iniciados no trabalho da artista, comecem a navegar pela sua musicalidade ao mesmo tempo tropical e vintage. E que é capaz de proporcionar infinitas sensações no ouvinte.
Nota: 9,0
Parece complicado mas não é. Difícil mesmo é uma definição simplista da cantora como uma artista da MPB - ainda que não haja absolutamente nada de pejorativo nisso. O fato é que, em entrevistas anteriores, Céu já afirmou que gosta de beber de diversas fontes, que vão da música jamaicana a etíope, do soul ao hip hop. O que certamente explica a grande variedade de experimentos sonoros em cada registro. Se no primeiro trabalho, o homônimo CéU (2005) predominava a MPB direta, romântica, com ares teatrais, com percussão bem pontuada e uma certa predileção pelo regionalismo, em Vagarosa (2009) já se tornam mais visíveis as influências do samba (e suas vertentes), com uma certa malemolência urbana, um quê de malandragem, com cuícas, cavaquinhos e bandolins aparecendo eventualmente. E o que dizer de Caravana Sereia Bloom (2012), com seu clima retrô-empoeirado, meio dream pop urbano? Céu, definitivamente não fica no mesmo lugar.
Com Tropix, desde já sério candidato a figurar nas primeiras posições entre os melhores discos nacionais de 2016, a pequena mudança sutil - aquela referida no primeiro parágrafo - surge na predileção por sons mais eletrônicos, com o uso de sintetizadores minimalistas, teclados sutis, efeitos levemente dançantes e outros barulhinhos que aparecem em cada curva do trabalho sempre de maneira discreta, apresentados com calma, sem correria. Não há exatamente um "conceito" que garanta um caráter homogêneo no registro - o que, evidentemente, não se constitui em um problema. Ainda assim, em muitos casos, parece ser o distanciamento entre os indivíduos, sejam eles reais ou virtuais, um tema que surge com mais frequência. Sensação ampliada pela ótima Perfume do Invisível, ou mesmo pela tecnológica Amor Pixelado, que são bons exemplos dessa preferência.
Com produção de Pupillo (Nação Zumbi) e do francês Hervé Salters - que garantem um som absolutamente limpo, sempre destacando o vocal nítido da cantora, ainda que eventualmente surjam emanações mais empoeiradas (ou sujas), como em A Menina e o Monstro -, Tropix tem ainda participação especial de outro dos grandes nomes nacionais do momento: a cantora Tulipa Ruiz, que contribui na atmosférica (e dançante) Pot-Pourri: Etílica/ Interlúdio. Isso sem contar a execução absolutamente original do time de colaboradores, o que torna a experiência ainda mais irresistível e encantadora - como ficar alheio, por exemplo, a inacreditavelmente graciosa Minhas Bics? Nesse sentido, não faltam motivos para que aqueles que ainda não estejam iniciados no trabalho da artista, comecem a navegar pela sua musicalidade ao mesmo tempo tropical e vintage. E que é capaz de proporcionar infinitas sensações no ouvinte.
Nota: 9,0
quinta-feira, 7 de abril de 2016
10 Filmes Fundamentais Sobre Jornalismo
Na hora de escrever esse especial, a dúvida já apareceu na hora de fazer o título do post: seriam 10 Filmes Fundamentais para Jornalistas? Ou 10 Filmes Fundamentais Sobre Jornalismo? Escolhemos a segunda opção pelo simples fato de que o tema não delimita o seu alcance, sendo, cada uma dessas obras, especialmente concebidas para os fãs de cinema de qualidade! Aproveitamos a data - dia 07 de abril é o Dia do Jornalista - para vasculhar os nossos arquivos atrás de dez filmes que representem um pouco do que é essa paixão - essa verdadeira "cachaça", como diriam alguns -, que nos motiva a levantar da cama todos os dias para trabalhar. Boa leitura!
A obra de Cameron Crowe, lançada em 2001, brinca com o sonho de 10 entre 10 jovens que tenham a música como paixão, afinal de contas, quem não gostaria de trabalhar na revista Rolling Stone? O felizardo, no caso, é o adolescente de 15 anos William Miller (Patrick Fugit), que escreve para fanzines e que parece ter uma inteligência acima da média. Com o apoio de uma espécie de mentor intelectual (o saudoso Philip Seymour Hoffmann), consegue acesso aos bastidores da turnê da banda Stillwater - o que fará com que ele se envolva cada vez mais com esse universo. Verdadeira ode a produção musical dos anos 70 - a trilha sonora é arrebatadora, indo de Bowie a Led Zeppelin -, a obra, com sua aura ao mesmo tempo singela, juvenil e melancólica, ainda encanta.
Em uma época em que, no Brasil, se vive uma espécie de "caça as bruxas particular" - Rodrigo Constantino, olha o Picanha aqui! - um filme como o ótimo Boa Noite e Boa Sorte, dirigido pelo astro George Clooney, vem bem a calhar. Lançada em 2005, a obra mostra o embate entre o âncora de TV Edward R. Morrow (David Strathairn), e o senador Joseph McCarthy e sua famosa caça aos comunistas, em uma época em que a televisão ainda tinha ares de novidade em terras americanas. Murrow se mantém firme em suas convicções, mas passa a receber todos os tipos de intimidações e ameaças - algo bastante comum neste meio, diga-se. Filmada em um charmosíssimo preto e branco, a obra, baseada em fatos reais, ainda conta com grande elenco.
O clássico de Sidney Lumet, lançado em 1976, tem uma abordagem interessante sobre até que ponto as emissoras de televisão podem chegar para alavancarem as suas audiências - e isso há 40 anos! O âncora Howard Beale (Peter Finch) já não é mais tão assistido como em outras épocas. Após a entrega de sua carta de demissão, com o programa no ar, anuncia que deixará a atração e que se suicidará na semana seguinte, no mesmo dia e horário. E ao vivo! Ele é afastado, mas diante da ótima receptividade do público para com as suas insanidades, ele é mantido no programa, desencadeando uma série de reações exacerbadas a partir de seu comportamento no estilo "profeta insano". As roupas e a fotografia amarelada hoje são anacrônicas. Mas o tema, não poderia ser mais atual.
O vencedor o Oscar de Melhor Filme desse ano não poderia ficar de fora de nossa lista, constituindo-se em obra fundamental não apenas para quem é ligado a área, mas para todo o fã de cinema de qualidade. Baseada em fatos reais, a trama segue os passos de um grupo de jornalistas do diário Boston Globe, que, em 2001, teve acesso a uma série de documentos capazes de provar diversos casos de pedofilia causados por padres católicos. E o pior: todos acobertados pela igreja, com transferência de religiosos para outras localidades e chantagens diversas. Mais de 50% dos leitores do Globe eram católicos à época - com boa parte do conservadorismo minando a própria redação. O que não impediu o grupo de destemidos repórteres de passarem meses trabalhando a pauta, em um verdadeiro exercício de bom jornalismo investigativo.
É provável que você já tenha visto a cena: um jornalista trafega em meio as rodas da alta sociedade, tentando ser como qualquer um daqueles ricaços, ao mesmo tempo em que desdenha daquele meio com todas as suas forças, num misto de frustração e ansiedade de vida. É exatamente este o personagem de Marcello Mastroiani, no clássico A Doce Vida de Federico Fellini. Lançado em 1960, o filme funciona como um retrato de uma época em que se vão embora os ideais, permanecendo apenas a futilidade, o hedonismo e o vazio existencial da burguesia. Mastroianni, no caso o jornalista Marcello Rubini, passa boa parte do filme procurando seu lugar em um mundo que definitivamente não lhe pertence. Patético e pouco.
O clássico dirigido por Alexander Mackendrick em 1957 não é apenas um filme sobre assessores de imprensa inescrupulosos e colunistas de jornal sem nenhum caráter: é uma obra fervilhante sobre a noite nova iorquina dos anos 50, da vida pulsante em uma cidade repleta de casas noturnas agitadas, de cafés movimentados e de muito jazz em cada esquina. É nesse universo que transita Sidney Falco (Tony Curtis), decadente assessor capaz de fazer de tudo para que os seus representados tenham algum espaço, mínimo que seja, nas colunas sociais mais prestigiadas dos veículos locais. Tenso, divertido, histriônico, o filme é recheado de personagens inesquecíveis, com destaque para Burt Lancaster, que transforma seu incestuoso colunista em uma das mais execráveis criaturas do cinema.
Ignore o título de comediazinha romântica que foi dado, no Brasil. No clássico de Howard Hawks, lançado em 1940, o que se vê é um verdadeiro retrato daquilo que move o jornalista: a paixão pela profissão. Na trama, Rosalind Russel vive a repórter debochada Hildy Johnson, que não resiste a um bom furo jornalístico, mas que está disposta a deixar o ambiente barulhento de uma redação, pela vida pacata de dona de casa e mãe de família, após conhecer o que acredita ser o homem de sua vida. Pra piorar, o seu ex-marido Walter Burns (Cary Grant, abusando do charme sem vergonha) é também o seu ex-chefe, que, evidentemente, fará de tudo para não perder uma de suas principais profissionais. Histriônico, verborrágico, caricato, teatral. Os adjetivos são poucos para definir essa obra fundamental!
Poucas vezes o fazer jornalístico, no sentido da persistência - de levantar a bunda da cadeira, de telefonar, telefonar e telefonar e de ir ao local da notícia e de ir de novo e de novo e de novo e quantas vezes forem necessárias até ter o material CERTO - foi tão bem apresentada como no caso do clássico de Alan J. Pakula, de 1976. O pano de fundo são os eventos que culminariam no escândalo de Watergate, que teve como consequência a queda do presidente americano Richard Nixon, no começo dos anos 70. Mas o que vale mesmo é o clima de redação, a pesquisa jornalística literalmente "no escuro", a busca pela notícia a qualquer curto. Se você trabalha na área e não assistiu a esse filme em seu curso de Jornalismo, tire o atraso agora mesmo. Será como uma mini aula.
Poucas vezes a expressão "circo midiático" pôde ser tão bem empregada como no caso dessa verdadeira obra-prima do diretor Billy Wilder - não por acaso, um dos favoritos da casa. Lançada em 1951, a trama envolve um repórter veterano (Kirk Douglas) que, sem moral após ser demitido de 11 empregos diferentes, consegue uma vaga em um jornaleco de Albuquerque, no Novo México. Sem boas histórias em uma cidade pacata, ele é enviado para uma cobertura sem importância quando descobre, no caminho que há um homem preso em uma mina. É a oportunidade para que ele transforme o ocorrido em assunto nacional, atraindo além de curiosos, repórteres e cinegrafistas de outros veículos. Para garantir mais "minutos de fama", o sujeito tentará retardar ao máximo o resgate do homem, ampliando a mídia sobre o caso.
O clássico de Orson Welles não é apenas um "filme sobre jornalismo", mas uma verdadeira obra-prima do ponto de vista técnico, com o seu roteiro engenhoso e em flashback, fotografia com múltipla profundidade de campo e outras extravagâncias visuais e sonoras, que subverteram profundamente o que se entendia por cinema, até então. Não bastasse tudo isso a história, sobre um jornalista que investiga a morte de um magnata da imprensa - inspirado no milionário dono de jornais William Randolph Hearst -, a partir de diversos pontos de vista diferente, é absolutamente saborosa, com direito a uma boa dose de polêmica a época (Hearst quis boicotar a produção) e uma singela mensagem sobre a importância da vida simples. Rosebud!
Uma lista assim não é nada fácil de ser elaborada, sendo inevitáveis as (sentidas) ausências. Mas quem sabe você nos ajuda a completar essa relação, dizendo quais as obras que poderiam estar nessa lista? E, aproveitando o ensejo, um ótimo Dia do Jornalista para todos os envolvidos! =D
#10 Quase Famosos
A obra de Cameron Crowe, lançada em 2001, brinca com o sonho de 10 entre 10 jovens que tenham a música como paixão, afinal de contas, quem não gostaria de trabalhar na revista Rolling Stone? O felizardo, no caso, é o adolescente de 15 anos William Miller (Patrick Fugit), que escreve para fanzines e que parece ter uma inteligência acima da média. Com o apoio de uma espécie de mentor intelectual (o saudoso Philip Seymour Hoffmann), consegue acesso aos bastidores da turnê da banda Stillwater - o que fará com que ele se envolva cada vez mais com esse universo. Verdadeira ode a produção musical dos anos 70 - a trilha sonora é arrebatadora, indo de Bowie a Led Zeppelin -, a obra, com sua aura ao mesmo tempo singela, juvenil e melancólica, ainda encanta.
#9 Boa Noite e Boa Sorte
Em uma época em que, no Brasil, se vive uma espécie de "caça as bruxas particular" - Rodrigo Constantino, olha o Picanha aqui! - um filme como o ótimo Boa Noite e Boa Sorte, dirigido pelo astro George Clooney, vem bem a calhar. Lançada em 2005, a obra mostra o embate entre o âncora de TV Edward R. Morrow (David Strathairn), e o senador Joseph McCarthy e sua famosa caça aos comunistas, em uma época em que a televisão ainda tinha ares de novidade em terras americanas. Murrow se mantém firme em suas convicções, mas passa a receber todos os tipos de intimidações e ameaças - algo bastante comum neste meio, diga-se. Filmada em um charmosíssimo preto e branco, a obra, baseada em fatos reais, ainda conta com grande elenco.
#8 Rede de Intrigas
O clássico de Sidney Lumet, lançado em 1976, tem uma abordagem interessante sobre até que ponto as emissoras de televisão podem chegar para alavancarem as suas audiências - e isso há 40 anos! O âncora Howard Beale (Peter Finch) já não é mais tão assistido como em outras épocas. Após a entrega de sua carta de demissão, com o programa no ar, anuncia que deixará a atração e que se suicidará na semana seguinte, no mesmo dia e horário. E ao vivo! Ele é afastado, mas diante da ótima receptividade do público para com as suas insanidades, ele é mantido no programa, desencadeando uma série de reações exacerbadas a partir de seu comportamento no estilo "profeta insano". As roupas e a fotografia amarelada hoje são anacrônicas. Mas o tema, não poderia ser mais atual.
#7 Spotlight - Segredos Revelados
O vencedor o Oscar de Melhor Filme desse ano não poderia ficar de fora de nossa lista, constituindo-se em obra fundamental não apenas para quem é ligado a área, mas para todo o fã de cinema de qualidade. Baseada em fatos reais, a trama segue os passos de um grupo de jornalistas do diário Boston Globe, que, em 2001, teve acesso a uma série de documentos capazes de provar diversos casos de pedofilia causados por padres católicos. E o pior: todos acobertados pela igreja, com transferência de religiosos para outras localidades e chantagens diversas. Mais de 50% dos leitores do Globe eram católicos à época - com boa parte do conservadorismo minando a própria redação. O que não impediu o grupo de destemidos repórteres de passarem meses trabalhando a pauta, em um verdadeiro exercício de bom jornalismo investigativo.
#6 A Doce Vida
É provável que você já tenha visto a cena: um jornalista trafega em meio as rodas da alta sociedade, tentando ser como qualquer um daqueles ricaços, ao mesmo tempo em que desdenha daquele meio com todas as suas forças, num misto de frustração e ansiedade de vida. É exatamente este o personagem de Marcello Mastroiani, no clássico A Doce Vida de Federico Fellini. Lançado em 1960, o filme funciona como um retrato de uma época em que se vão embora os ideais, permanecendo apenas a futilidade, o hedonismo e o vazio existencial da burguesia. Mastroianni, no caso o jornalista Marcello Rubini, passa boa parte do filme procurando seu lugar em um mundo que definitivamente não lhe pertence. Patético e pouco.
#5 A Embriaguez do Sucesso
O clássico dirigido por Alexander Mackendrick em 1957 não é apenas um filme sobre assessores de imprensa inescrupulosos e colunistas de jornal sem nenhum caráter: é uma obra fervilhante sobre a noite nova iorquina dos anos 50, da vida pulsante em uma cidade repleta de casas noturnas agitadas, de cafés movimentados e de muito jazz em cada esquina. É nesse universo que transita Sidney Falco (Tony Curtis), decadente assessor capaz de fazer de tudo para que os seus representados tenham algum espaço, mínimo que seja, nas colunas sociais mais prestigiadas dos veículos locais. Tenso, divertido, histriônico, o filme é recheado de personagens inesquecíveis, com destaque para Burt Lancaster, que transforma seu incestuoso colunista em uma das mais execráveis criaturas do cinema.
#4 Jejum de Amor
Ignore o título de comediazinha romântica que foi dado, no Brasil. No clássico de Howard Hawks, lançado em 1940, o que se vê é um verdadeiro retrato daquilo que move o jornalista: a paixão pela profissão. Na trama, Rosalind Russel vive a repórter debochada Hildy Johnson, que não resiste a um bom furo jornalístico, mas que está disposta a deixar o ambiente barulhento de uma redação, pela vida pacata de dona de casa e mãe de família, após conhecer o que acredita ser o homem de sua vida. Pra piorar, o seu ex-marido Walter Burns (Cary Grant, abusando do charme sem vergonha) é também o seu ex-chefe, que, evidentemente, fará de tudo para não perder uma de suas principais profissionais. Histriônico, verborrágico, caricato, teatral. Os adjetivos são poucos para definir essa obra fundamental!
#3 Todos os Homens do Presidente
Poucas vezes o fazer jornalístico, no sentido da persistência - de levantar a bunda da cadeira, de telefonar, telefonar e telefonar e de ir ao local da notícia e de ir de novo e de novo e de novo e quantas vezes forem necessárias até ter o material CERTO - foi tão bem apresentada como no caso do clássico de Alan J. Pakula, de 1976. O pano de fundo são os eventos que culminariam no escândalo de Watergate, que teve como consequência a queda do presidente americano Richard Nixon, no começo dos anos 70. Mas o que vale mesmo é o clima de redação, a pesquisa jornalística literalmente "no escuro", a busca pela notícia a qualquer curto. Se você trabalha na área e não assistiu a esse filme em seu curso de Jornalismo, tire o atraso agora mesmo. Será como uma mini aula.
#2 A Montanha dos Sete Abutres
Poucas vezes a expressão "circo midiático" pôde ser tão bem empregada como no caso dessa verdadeira obra-prima do diretor Billy Wilder - não por acaso, um dos favoritos da casa. Lançada em 1951, a trama envolve um repórter veterano (Kirk Douglas) que, sem moral após ser demitido de 11 empregos diferentes, consegue uma vaga em um jornaleco de Albuquerque, no Novo México. Sem boas histórias em uma cidade pacata, ele é enviado para uma cobertura sem importância quando descobre, no caminho que há um homem preso em uma mina. É a oportunidade para que ele transforme o ocorrido em assunto nacional, atraindo além de curiosos, repórteres e cinegrafistas de outros veículos. Para garantir mais "minutos de fama", o sujeito tentará retardar ao máximo o resgate do homem, ampliando a mídia sobre o caso.
#1 Cidadão Kane
O clássico de Orson Welles não é apenas um "filme sobre jornalismo", mas uma verdadeira obra-prima do ponto de vista técnico, com o seu roteiro engenhoso e em flashback, fotografia com múltipla profundidade de campo e outras extravagâncias visuais e sonoras, que subverteram profundamente o que se entendia por cinema, até então. Não bastasse tudo isso a história, sobre um jornalista que investiga a morte de um magnata da imprensa - inspirado no milionário dono de jornais William Randolph Hearst -, a partir de diversos pontos de vista diferente, é absolutamente saborosa, com direito a uma boa dose de polêmica a época (Hearst quis boicotar a produção) e uma singela mensagem sobre a importância da vida simples. Rosebud!
Uma lista assim não é nada fácil de ser elaborada, sendo inevitáveis as (sentidas) ausências. Mas quem sabe você nos ajuda a completar essa relação, dizendo quais as obras que poderiam estar nessa lista? E, aproveitando o ensejo, um ótimo Dia do Jornalista para todos os envolvidos! =D
quarta-feira, 6 de abril de 2016
Picanha.doc - Merchants Of Doubt
De Robert Keener. EUA, 2014, 93 minutos.
Você alguma vez na vida já ouviu falar que o cigarro não faz mal? Ou que, minimamente, as pesquisas relacionadas ao consumo do tabaco fossem inconclusivas quanto a seus possíveis malefícios? Não, né? Algo absolutamente impensável nos dias de hoje. Pois saiba que entre os anos 60 e 80 não era incomum aparecerem na televisão americana sujeitos que serviam para colocar em dúvida até a mais "óbvia das obviedades" - com o perdão da redundância. Eram pesquisadores, cientistas, especialistas e formadores de opinião ligados ao setor, que nada entendiam do riscado. Mas que eram muito bons em outra prática, que perdura até hoje, com consequências desastrosas, por sinal: a da arte de fazer lobby. A intenção do espetacular documentário Merchants Of Doubt é a de tentar desmascarar esses sujeitos, procurando ainda entender de onde diabos eles surgem.
Assim como no caso tabaco, houve uma época em que o mercado "lobista" tratou de vender o amianto como a oitava maravilha da construção moderna. O mesmo valeu para os retardantes de chamas (pasme), um tipo de pó com alta carga tóxica - capaz de provocar, inclusive o câncer - que era colocado nos móveis para que eles não queimassem. O que poderia contribuir para salvar crianças de serem carbonizadas vivas nas salas de suas casas - e o exagero é proposital, pois é justamente este o tipo de discurso praticado por esses relações públicas do demo. Aquecimento global? Que nada, coisa de comunista infiltrado nos Estados Unidos pós-Guerra Fria, que é contrário ao crescimento econômico do País. Agrotóxicos? Não, melhor chamar de produtos fitossanitários. A história avança, mas é possível perceber que a prática não se modifica. Com a conivência da sociedade, que consegue a proeza de repetir o discurso, infligida por um certo senso de falta de liberdade ou de ameaças externas de qualquer tipo.
Não é preciso ser nenhum gênio para entender que os tais lobistas entendem NADA de ciência, mas muito de política. Muitas vezes estão ligados a grandes grupos ou corporações de importância que movimentam trilhões de dólares com seus negócios. Estão lá com o objetivo de cavar espaços nas redes de TV - e, sabe-se bem que muitas delas são totalmente conservadoras - com o único objetivo de confundir a opinião pública. Gás carbônico faz mal? Não, faz bem. Ajuda a população de algas a se multiplicar. O aquecimento global ocorre por efeito da ação do homem? Não há conclusões definitivas. Em um eventual debate em rede nacional, esses sujeitos normalmente se saem muito bem, já que são formados, muitas vezes, em alguma área de comunicação. Os pesquisadores? Bom, são pesquisadores, que não são bons de entrevista, não sabem usar o microfone, gaguejam, são introspectivos, falam baixo. Mas são os que SABEM do assunto. Mas pra quem assiste na telinha, vale mesmo a opinião do sujeito descolado, irônico, brincalhão, charmoso. O estrago já está feito.
Além do tema absolutamente pertinente, Merchants Of Doubt ainda é riquíssimo em imagens de arquivos, com depoimentos, entrevistas, participações em programas de TV tanto daqueles que sabem do assunto, como dos que não sabem - e que servem muito bem pra mostrar como funciona esse mercado. Os dados apresentados são alarmantes, chamando mais atenção aquele que dá conta de 928 artigos científicos publicados entre 2002 e 2012, em que NENHUM justifica o aquecimento global como NÃO SENDO obra do homem. Ainda que o assunto seja sério, a montagem leve é absolutamente divertida - com direito a presença de um mágico (de verdade), que sente estar perdendo espaço para tantos especialistasem porra nenhuma em charlatanismo na TV. Se você é daqueles que fica até tarde com a TV ligada apenas pra assistir aquele carinha que parece o Woody Allen falando um economês que ninguém entende - e falando sobre uma crise sem fim em meio a um mar de investimentos -, bom, está na hora de você assistir esse documentário. Ou parar de ser tão ingênuo.
Você alguma vez na vida já ouviu falar que o cigarro não faz mal? Ou que, minimamente, as pesquisas relacionadas ao consumo do tabaco fossem inconclusivas quanto a seus possíveis malefícios? Não, né? Algo absolutamente impensável nos dias de hoje. Pois saiba que entre os anos 60 e 80 não era incomum aparecerem na televisão americana sujeitos que serviam para colocar em dúvida até a mais "óbvia das obviedades" - com o perdão da redundância. Eram pesquisadores, cientistas, especialistas e formadores de opinião ligados ao setor, que nada entendiam do riscado. Mas que eram muito bons em outra prática, que perdura até hoje, com consequências desastrosas, por sinal: a da arte de fazer lobby. A intenção do espetacular documentário Merchants Of Doubt é a de tentar desmascarar esses sujeitos, procurando ainda entender de onde diabos eles surgem.
Assim como no caso tabaco, houve uma época em que o mercado "lobista" tratou de vender o amianto como a oitava maravilha da construção moderna. O mesmo valeu para os retardantes de chamas (pasme), um tipo de pó com alta carga tóxica - capaz de provocar, inclusive o câncer - que era colocado nos móveis para que eles não queimassem. O que poderia contribuir para salvar crianças de serem carbonizadas vivas nas salas de suas casas - e o exagero é proposital, pois é justamente este o tipo de discurso praticado por esses relações públicas do demo. Aquecimento global? Que nada, coisa de comunista infiltrado nos Estados Unidos pós-Guerra Fria, que é contrário ao crescimento econômico do País. Agrotóxicos? Não, melhor chamar de produtos fitossanitários. A história avança, mas é possível perceber que a prática não se modifica. Com a conivência da sociedade, que consegue a proeza de repetir o discurso, infligida por um certo senso de falta de liberdade ou de ameaças externas de qualquer tipo.
Não é preciso ser nenhum gênio para entender que os tais lobistas entendem NADA de ciência, mas muito de política. Muitas vezes estão ligados a grandes grupos ou corporações de importância que movimentam trilhões de dólares com seus negócios. Estão lá com o objetivo de cavar espaços nas redes de TV - e, sabe-se bem que muitas delas são totalmente conservadoras - com o único objetivo de confundir a opinião pública. Gás carbônico faz mal? Não, faz bem. Ajuda a população de algas a se multiplicar. O aquecimento global ocorre por efeito da ação do homem? Não há conclusões definitivas. Em um eventual debate em rede nacional, esses sujeitos normalmente se saem muito bem, já que são formados, muitas vezes, em alguma área de comunicação. Os pesquisadores? Bom, são pesquisadores, que não são bons de entrevista, não sabem usar o microfone, gaguejam, são introspectivos, falam baixo. Mas são os que SABEM do assunto. Mas pra quem assiste na telinha, vale mesmo a opinião do sujeito descolado, irônico, brincalhão, charmoso. O estrago já está feito.
Além do tema absolutamente pertinente, Merchants Of Doubt ainda é riquíssimo em imagens de arquivos, com depoimentos, entrevistas, participações em programas de TV tanto daqueles que sabem do assunto, como dos que não sabem - e que servem muito bem pra mostrar como funciona esse mercado. Os dados apresentados são alarmantes, chamando mais atenção aquele que dá conta de 928 artigos científicos publicados entre 2002 e 2012, em que NENHUM justifica o aquecimento global como NÃO SENDO obra do homem. Ainda que o assunto seja sério, a montagem leve é absolutamente divertida - com direito a presença de um mágico (de verdade), que sente estar perdendo espaço para tantos especialistas
terça-feira, 5 de abril de 2016
Disco da Semana - Weezer (White Album)
Para quem tem 34 anos, caso deste jornalista e blogueiro que vos escreve, escutar o mais recente lançamento do Weezer é mais ou menos como ler um novo gibi da Turma da Mônica. Mas não aquela Turma da Mônica jovem, adolescente, enfim, que foi criada mais recentemente. Falo daquela turminha raiz, da Magali e sua fome insaciável, dos planos infalíveis do Cebolinha, do Cascão sempre fugindo do banho e da Mônica dando umas boas coelhadas nos dois, com a sua indefectível força, de história em história. É uma galerinha que, eternamente, terá seis anos de idade. E permanecerá em nossos corações da mesma maneira, sendo adorável por gerações e gerações - ao menos é assim que a gente espera. O problema somos nós, que crescemos. Que passamos a ter outras preocupações, trabalho, faculdade, vida adulta. Outros gostos, preferências. Faz parte da formação de cada um.
Já a banda de Rivers Cuomo, parece presa em uma cápsula do tempo em que eternamente estamos no ano de 1994 - ano de lançamento do sensacional Blue Album, registro de estreia do quarteto. O clima power pop garageiro, os refrões fáceis, o estilo de cantar ao mesmo tempo urgente e melancólico de Cuomo, os álbuns curtos, diretos, nada parece mudar no sistema de produção do grupo. Está tudo lá, praticamente desde o começo. A fórmula pouco muda. Não significa que seja ruim. É divertido. Talvez em muitos casos até lúdico. Assim como a Turma da Mônica, seguimos gostando e sabendo que as revistinhas estarão lá, ao alcance de nossas mãos, em alguma banca de esquina. Mas muito provavelmente será aquele material que escutaremos (ou leremos), talvez uma ou duas vezes, até percebermos que a MTV não passa mais o clipe de Black Hole Sun do Soundgarden nas tardes juvenis em que o Gás Total era o principal veículo de comunicação do momento.
Sério Rivers, gostamos de você. És um cara simpático, bom músico e, por mais paradoxal que, hoje, isso possa parecer, também contribuíste para a formação daquilo que gosto de apreciar na seara cultural - e que embasa essas resenhas de quem pouco sabe, mas gosta de dar pitaco. Lembro até hoje do João Gordo dizendo em tom jocoso, durante o programa Piores Clipes do Mundo, o mantra "Quem não gosta de Weezer, bom sujeito não é", enquanto rodava o clipe de Buddy Holly, talvez um dos favoritos da vida. Mas custaria quem sabe arriscar um pouco mais? Experimentar? Alterar levemente o estilo melódico do grupo? Sair um pouquinho da zona de conforto? Como fez, por exemplo o Supergrass, em algum momento, em seu processo de amadurecimento musical? Ou mesmo o The Cribs? Ou, melhor ainda, o Green Day - pra citar uma banda que surgiu no mesmo ano do Weezer, e que, atualmente, parece outra coisa?
Caso você esteja voltando agora de alguma outra galáxia, bom, a grande vantagem é que o recém lançado White Album pode ser uma excelente porta de entrada para quem ainda não conhece a sonoridade dos californiamos. Lá é possível encontrar as características baladas românticas (Endless Bummer), o pop colorido prontinho pra tocar em rádios (California Kids) e o roquinho mais urgente quase em estilo emo (King Of the World). Tudo prontinho pra ser consumido (e descartado) da maneira mais rápida possível. Talvez apenas Jacked Up, quase no final do disco, com o seu trabalho vocal levemente modificado e boa produção da trinca guitarra, baixo e bateria pudesse representar um novo caminho a ser seguido. Afinal de contas, o mundo mudou muito. E o Weezer, com som meio anacrônico, parece não ter acompanhado tanto. Ou serei eu que terei me tornado um véio chato??
Nota: 5,8
Já a banda de Rivers Cuomo, parece presa em uma cápsula do tempo em que eternamente estamos no ano de 1994 - ano de lançamento do sensacional Blue Album, registro de estreia do quarteto. O clima power pop garageiro, os refrões fáceis, o estilo de cantar ao mesmo tempo urgente e melancólico de Cuomo, os álbuns curtos, diretos, nada parece mudar no sistema de produção do grupo. Está tudo lá, praticamente desde o começo. A fórmula pouco muda. Não significa que seja ruim. É divertido. Talvez em muitos casos até lúdico. Assim como a Turma da Mônica, seguimos gostando e sabendo que as revistinhas estarão lá, ao alcance de nossas mãos, em alguma banca de esquina. Mas muito provavelmente será aquele material que escutaremos (ou leremos), talvez uma ou duas vezes, até percebermos que a MTV não passa mais o clipe de Black Hole Sun do Soundgarden nas tardes juvenis em que o Gás Total era o principal veículo de comunicação do momento.
Sério Rivers, gostamos de você. És um cara simpático, bom músico e, por mais paradoxal que, hoje, isso possa parecer, também contribuíste para a formação daquilo que gosto de apreciar na seara cultural - e que embasa essas resenhas de quem pouco sabe, mas gosta de dar pitaco. Lembro até hoje do João Gordo dizendo em tom jocoso, durante o programa Piores Clipes do Mundo, o mantra "Quem não gosta de Weezer, bom sujeito não é", enquanto rodava o clipe de Buddy Holly, talvez um dos favoritos da vida. Mas custaria quem sabe arriscar um pouco mais? Experimentar? Alterar levemente o estilo melódico do grupo? Sair um pouquinho da zona de conforto? Como fez, por exemplo o Supergrass, em algum momento, em seu processo de amadurecimento musical? Ou mesmo o The Cribs? Ou, melhor ainda, o Green Day - pra citar uma banda que surgiu no mesmo ano do Weezer, e que, atualmente, parece outra coisa?
Caso você esteja voltando agora de alguma outra galáxia, bom, a grande vantagem é que o recém lançado White Album pode ser uma excelente porta de entrada para quem ainda não conhece a sonoridade dos californiamos. Lá é possível encontrar as características baladas românticas (Endless Bummer), o pop colorido prontinho pra tocar em rádios (California Kids) e o roquinho mais urgente quase em estilo emo (King Of the World). Tudo prontinho pra ser consumido (e descartado) da maneira mais rápida possível. Talvez apenas Jacked Up, quase no final do disco, com o seu trabalho vocal levemente modificado e boa produção da trinca guitarra, baixo e bateria pudesse representar um novo caminho a ser seguido. Afinal de contas, o mundo mudou muito. E o Weezer, com som meio anacrônico, parece não ter acompanhado tanto. Ou serei eu que terei me tornado um véio chato??
Nota: 5,8
Na Espera - Jogo do Dinheiro (Filme)
Ainda não é possível saber se Jogo do Dinheiro (Money Monster) será um grande filme ou uma daquelas baboseiras de dar vergonha. Agora, o que não se pode negar é que o trailer é pra lá de movimentado! Na trama é possível perceber que George Clooney é uma espécie de apresentador de televisão que dá dicas dicas sobre investimentos no mercado financeiro, utilizando-se de uma dinâmica que parece pouco combinar com o ambiente altamente especulativo dos adeptos do "economês" - com Julia Roberts atuando como sua produtora. Num certo dia, em meio a uma transmissão ao vivo, o seu personagem, Lee Gates, é feito refém por um sujeito desesperado, que perdeu tudo após seguir os seus conselhos. E, agora, evidentemente exige explicações dele.
Não é preciso nem dizer o quão atrativo é, do ponto de vista do cinema enquanto mera diversão, assistir a uma película que coloca astros como George Clooney e Julia Roberts em perigo - e certamente nós, do Picanha, não iremos perder esse filme por nada! A trama parece contar ainda com um salutar debate que envolve a diferença de classes, relacionada ainda ao linguajar complexo utilizado por economistas, muitos deles interessados apenas em promover o caos, a sensação de crise e a descrença nas instituições. Dirigido pela atriz Jodie Foster (O Silêncio dos Inocentes), que comandou recentemente alguns episódios de Orange Is the New Black e House Of Cards, o filme estreia por aqui no dia 26 de maio. É aguardar!
Não é preciso nem dizer o quão atrativo é, do ponto de vista do cinema enquanto mera diversão, assistir a uma película que coloca astros como George Clooney e Julia Roberts em perigo - e certamente nós, do Picanha, não iremos perder esse filme por nada! A trama parece contar ainda com um salutar debate que envolve a diferença de classes, relacionada ainda ao linguajar complexo utilizado por economistas, muitos deles interessados apenas em promover o caos, a sensação de crise e a descrença nas instituições. Dirigido pela atriz Jodie Foster (O Silêncio dos Inocentes), que comandou recentemente alguns episódios de Orange Is the New Black e House Of Cards, o filme estreia por aqui no dia 26 de maio. É aguardar!
segunda-feira, 4 de abril de 2016
Lado B Classe A - The Gaslight Anthem (Get Hurt)
Houve um tempo onde as coisas eram vividas e sentidas de forma muito intensa. As descobertas, as primeiras experiências, o frio na barriga que tornava tudo tão a flor da pele, as lágrimas que escorriam com intensidade pela face - sentimentos tão juvenis que gradualmente foram dando lugar ao cinismo e amargura da vida adulta. Houve um tempo em que não nos importávamos de meter o som no talo ao quase estourar as caixas para ouvir nossa música favorita, cujas ondas sonoras penetravam através da pele e tímpanos ilustrando nossos sonhos e paixões, camuflando o grito a plenos pulmões que não hesitava em sair da garganta. Precisávamos da arte porque viver não era suficiente. Hoje precisamos achar tempo para viver, pois o mesmo não é suficiente. Apenas sobrevivemos.
Houve um tempo em que tínhamos o que lutar - sonhos fictícios ou idealizados, vida pulsante, insegura, trêmula, palpável. Que o piegas não nos envergonhava, que nos odiávamos menos, orgulhávamos pouco. Que achávamos legal aquela música em inglês que nos dizia coisas que traduzidas fariam corar o maior dos sertanejos, mas era bacana pois estava disfarçada através de tatuagens, jaquetas de couro, guitarras Gibson e amplificadores Marshall. Até os brutos amam, amam ser brutos pra negar que assim os são: seres amantes e destinados à "sofrência" que mais cedo ou mais tarde virá, coisa sabida assim de longe por qualquer um. Houve um tempo em que sonhávamos com liberdade, em sentir o vento bater no rosto em uma estrada sem fim, mas não podíamos. Hoje podemos, mas não sabemos o que fazer. De luvas e capacete fugimos, o motor vibrante sincroniza os batimentos e a respiração - pensamos ser livres.
Haverá um dia em que as coisas serão vistas de forma diferente. Nosso olhar muda a cada instante - às vezes não, talvez nunca mude ou nem dê tempo pra isso. Que aprenderemos algo novo, retornaremos àquela sensação de subir no palco pelas primeiras vezes, a comunhão em ser visto, identificado, tocar alguém de forma que faça sentido. Que ligaremos o rádio e estará tocando Bruce Springsteen, "The Boss", com aquele seu jeitão grandioso, como se aquela canção fosse seu último testamento em vida - e ela pode se esvair a qualquer momento. Talvez essa estação de rádio seja muito anacrônica e nem exista mais. Talvez a modernidade seja a salvação, e no seu mp3 player esteja tocando Get Hurt (2014), dos americanos do The Gaslight Anthem, uma atualização para os tempos remotos de sentimentos esquecidos.
Sobre o disco? Não há muito o que dizer, nem sempre há o que dizer. Que em alguns momentos o timbre do vocalista Brian Fallon lembre o do vocalista do The National é uma baita surpresa (e referência). Que é música tocada com paixão, garra, nos maiores moldes do rock americano de raiz, com guitarras no talo e vocais apaixonados não é preciso nem falar. Que nos traz de volta toda a nostalgia e vontade de percorrer novamente uma estrada sem saber onde vamos parar, já é uma obviedade. Que eu não vá procurar traduzir as letras 'nem a pau' é outra verdade - não pretendo me desconstruir tanto assim. Que talvez possa servir pra mais alguém provavelmente jamais saberei - resta um convite a se aventurar. Que tal agora?
Houve um tempo em que tínhamos o que lutar - sonhos fictícios ou idealizados, vida pulsante, insegura, trêmula, palpável. Que o piegas não nos envergonhava, que nos odiávamos menos, orgulhávamos pouco. Que achávamos legal aquela música em inglês que nos dizia coisas que traduzidas fariam corar o maior dos sertanejos, mas era bacana pois estava disfarçada através de tatuagens, jaquetas de couro, guitarras Gibson e amplificadores Marshall. Até os brutos amam, amam ser brutos pra negar que assim os são: seres amantes e destinados à "sofrência" que mais cedo ou mais tarde virá, coisa sabida assim de longe por qualquer um. Houve um tempo em que sonhávamos com liberdade, em sentir o vento bater no rosto em uma estrada sem fim, mas não podíamos. Hoje podemos, mas não sabemos o que fazer. De luvas e capacete fugimos, o motor vibrante sincroniza os batimentos e a respiração - pensamos ser livres.
Haverá um dia em que as coisas serão vistas de forma diferente. Nosso olhar muda a cada instante - às vezes não, talvez nunca mude ou nem dê tempo pra isso. Que aprenderemos algo novo, retornaremos àquela sensação de subir no palco pelas primeiras vezes, a comunhão em ser visto, identificado, tocar alguém de forma que faça sentido. Que ligaremos o rádio e estará tocando Bruce Springsteen, "The Boss", com aquele seu jeitão grandioso, como se aquela canção fosse seu último testamento em vida - e ela pode se esvair a qualquer momento. Talvez essa estação de rádio seja muito anacrônica e nem exista mais. Talvez a modernidade seja a salvação, e no seu mp3 player esteja tocando Get Hurt (2014), dos americanos do The Gaslight Anthem, uma atualização para os tempos remotos de sentimentos esquecidos.
Sobre o disco? Não há muito o que dizer, nem sempre há o que dizer. Que em alguns momentos o timbre do vocalista Brian Fallon lembre o do vocalista do The National é uma baita surpresa (e referência). Que é música tocada com paixão, garra, nos maiores moldes do rock americano de raiz, com guitarras no talo e vocais apaixonados não é preciso nem falar. Que nos traz de volta toda a nostalgia e vontade de percorrer novamente uma estrada sem saber onde vamos parar, já é uma obviedade. Que eu não vá procurar traduzir as letras 'nem a pau' é outra verdade - não pretendo me desconstruir tanto assim. Que talvez possa servir pra mais alguém provavelmente jamais saberei - resta um convite a se aventurar. Que tal agora?
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