De: Bobby Farelly. Com Woody Harrelson, Kaitlin Olson, Kevin Iannucci e Madison Tevlin. Comédia / Drama, EUA, 2023, 123 minutos.
Vamos combinar que dá pra contar nos dedos das mãos o número de produções que incluem pessoas reais com deficiência em seus elencos. Aliás, é mais fácil termos um ator ou atriz fazendo de conta que é um PCD - muitas vezes sendo até premiado por sua caracterização. Então, estou aqui para saudar o simpático Campeões (Champions), que é inspirado no espanhol Campeones (2018). É um filme previsível, eventualmente imperfeito e qua talvez seja apenas um bom passatempo? Sim, provavelmente é tudo isso. Mas devo confessar a vocês que achei a obra dirigida por Bobby Farelly extremamente carismática. Claro, na Era do Cancelamento em que vivemos não demorará para que o campo progressista e cirandeiro aponte, aqui e ali, o eventual capacitismo que pode emergir da presença do homem branco, hétero e bronco chegando pra salvar o dia na Apae estadunidense. Mas o que não são essas entidades do que instituições de suporte e de estímulo permanente a autonomia e à independência?
Sim, na hora de apontar dedos todo o mundo se horrorizou com a franqueza excruciante de O Filho Eterno de Cristóvão Tezza, mas atire a primeira pedra quem de nós é completamente livre de preconceitos - e de incertezas também, sobre como agir, como se comportar -, quando o assunto são pessoas com Síndrome de Down ou algum outro tipo de deficiência intelectual? Claro, são pessoas como todas as outras, os paladinos da moral se apressarão em dizer. Com suas complexidades, desejos e frustrações. E o que esse filme faz é nos lembrar, à sua maneira, exatamente disso. Óbvio que há todo um clima festivo e de "copo meio cheio" que certamente reduz a quase zero a maioria das dores vividas por quem sofre o preconceito diariamente - e essa sim pode ser uma crítica real ao filme. Esse tipo de apagamento. Mas e se ao invés de pesar a mão sobre isso, convertermos essa experiência em uma fábula otimista sobre a importância do respeito em relação aos PCDs?
Em resumo, a gente anda em círculos e pisa em ovos já que este não é um assunto fácil de ser abordado -, e novamente, ranço a parte que vocês podem ter com o Farelly, talvez por conta das inúmeras comédias de gosto meio duvidoso, é preciso saudar a sua iniciativa de levar essa história a um público maior (saindo do nicho alternativo europeu que, infelizmente, fica relegado a uma plateia menor e que muitas vezes tem preguiça de ler legenda). A ousadia de tentar. Talvez não acertar tanto. Mas tentar. Na trama, Woody Harrelson é o temperamental treinador assistente de basquete Marcus, que, após um bate boca com o técnico de sua equipe por divergências de ideias o empurra em plena quadra. Não bastasse a cena viralizar e a reputação do sujeito, famoso por ser uma figura intempestiva, ruir, a coisa piora quando ele colide seu carro com uma viatura de polícia. Bêbado. Na audiência, a juíza lhe sentencia: dezoito meses de prisão ou 90 dias de serviço comunitário treinando o time The Friends.
Marcus é aquele homem de meia idade meio básico, que não consegue permanecer em nenhuma relação - como comprova seu desastroso comportamento com Alex (Kaitlin Olson), com quem ele passa uma noite após conhecê-la no Tinder - e que não se importa com ninguém. Não procura ter interesse por ninguém - por suas vidas, suas existência para além dos limites da quadra (como ele compreenderá após a discussão com seu técnico principal). Nesse sentido, a obra terá aquela trajetória típica de filme esportivo dos anos 90 - estilo Jamaica Abaixo de Zero (1993) - de pessoas que parecem deslocadas, mas que superarão de forma conjunta as dificuldades. Não para serem campeões do ponto de vista do torneio - até porque será a jornada em si que se converterá na vitória alegórica. Mas para vencerem outros medos. Dando profundidade a personalidade a cada uma das estrelas do time - do bondoso Johnny (Kevin Iannucci), que, aliás, convenientemente é irmão de Alex, passando pela atrevida Cosentino (Madison Tevlin) até chegar ao imprevisível Showtime (Bradley Edens) e ao taciturno Darius (Joshua Felder) -, o filme, disponível na Netflix, tem luz própria e jamais utiliza os casos de deficiência para uma mera exploração sem sentido. É cativante.
Nota: 7,5