sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

30 Melhores Discos Nacionais de 2025

Vamos combinar que, se não foi fácil elaborar a lista dos discos internacionais, com os nacionais a situação não é diferente. Nossa música, afinal, nunca foi tão plural e diversificada - e eu admito que é simplesmente impossível conseguir acompanhar todos os lançamentos. Muita coisa fica fora do radar e tenho a mais absoluta certeza de que, ali adiante, vou escutar algum disco que poderia integrar essa lista (mas que não entrou a tempo porque simplesmente a coisa foi atropelada e não deu). Um levantamento desse tipo é, em muitos casos, um recorte do momento. Daquilo que foi possível. Ou que mesmo furou a bolha. 

 


Claro que, como responsável por um site sobre música e cinema, cabe a mim escavar, tentando sair do óbvio. Pesquisar bastante. Ver o que outras páginas estão comentando. Ou o que os selos nacionais estão lançando. E o caso é que, de fato, foi um ano muito bom - e talvez um dos melhores da safra recente. Foi tempo de refinamento e de indie pop mais cabeçudo (como no caso de Mateus Moura), mas também foi tempo de festa, celebração e brasilidade (sendo um dos maiores exemplos o álbum da Gaby Amarantos). Mas tem pra todos os gostos - rock, emo, R&B, MPB, jazz, rap, latinidade e até conga (você já ouviram falar do Congadar?). Enfim, a lista é longa, espero que gostem, comentem e compartilhem!

 

 

 

30) Jonas Sá (_MNSTR_): Um Jonas Sá bem menos debochado do que aquele visto, por exemplo, no divertido BLAM BLAM! (2015). Assim podemos considerar a experiência com o recente _MNSTR_, um álbum mais introspectivo, de atmosfera estranha e de maior densidade emocional. Afinal, se no registro lançado há dez anos havia toda uma energia de programa de auditório dos anos 80 - com toda uma teatralidade reforçada por um conjunto de canções pop sarcásticas, de humor cínico, com títulos que meio que entregam a proposta (Gigolô, Perdidos na Noite, Sexy Savannah e Chat Roulette) -, aqui temos um artista que aposta num tom mais direto, confessional e menos performático. Um bom exemplo nesse sentido pode ser percebido na faixa Musa, um rock soul meio gospel, de alta carga dramática, e que abre espaço para discussões de gênero de forma sensível e criativa (Eu me chamo Maria mas sou João / O meu corpo sabia / Mas eu não). Em meio a instantes existencialistas, o disco também debate política de forma mais franca, como em Quanto + Idiota Melhor, um bolero indie em que o artista critica a falta de memória do brasileiro, em meio a citações à Damares e ao Carluxo (64 está escrito e não vai se apagar / Meus filhos vão crescer sabendo em quem acreditar).

 

 

 

29) Vitoria Faria (Vacas Exaustas): "Sou mulher, muito prazer / E esse prazer é só meu / [...] Hoje ninguém vai dizer 'se apanhou mereceu'". É quase na conclusão de Vacas Exaustas, que Vitoria Faria parece condensar o conceito do seu disco de estreia - uma experiência catártica, que mistura rock, música eletrônica, jazz, tango e manguebeat. Em linhas gerais as mulheres estão cansadas. Do machismo. Da violência. Da misoginia e do controle de corpos. Da falta de reconhecimento ou de espaço. De estar onde quiser. De decidir sobre sua vida, seu corpo ou sexualidade - com o "prazer" exaltado não como alegoria, mas como grito, como verdade, o que também ocorre em Asas à Cobra (Tem coisa mais perigosa / Que a mulher que fala e goza?). Em entrevistas, a artista chegou a mencionar as dificuldades em ser mulher e imigrante em um País colonizador como Portugal, onde residiu por quatro anos. "Naquele momento eu entendi na pele a construção da sociedade patriarcal e capitalista que a gente vive", resumiu em entrevista ao site O Grito. Não por acaso, canções como Elefante pelo cano (um forró esquisito), Zap de Família, uma valsa debochada que alude à escrotidão familiar, ou a faixa título (Minhas tetas estão exaustas / Pra cada menino mal educado / Caíram meio metro quadrado), são tão corrosivas .

 

 

 

28) Viridiana (Coisas Frágeis): Uma Viridiana muito mais expansiva é o que encontramos em Coisas Frágeis, o segundo registro de inéditas da gaúcha. Se Transfusão (2021) parecia uma experiência mais econômica, aqui temos um projeto que espalha uma energia pop, dançante e oitentista que flui de forma orgânica, natural. Bebendo na fonte de artistas diversos como Marina Lima, Madonna, Rita Lee e Pet Shop Boys, a cantora encontra o equilíbrio perfeito entre as canções bem-humoradas como Final Feliz (Gato / Desculpa te falar assim / Mas é que uma moça que nem eu / Que tem algo a mais / Eu preciso de alguém / Que me satisfaz), com instantes contemplativos e de coração partido, como no caso de Você Puxou Meu Tapete (Que vontade / De te bloquear / Em tudo que é rede social). Há um clima soturno que prevalece no todo, com a dança funcionando como veículo de resistência e de pertencimento, especialmente para a comunidade LGBTQIA+. "Venho sendo DJ desde 2022 em festas queer de Porto Alegre, e observar a forma como as pessoas se movem, se olham, se apaixonam na pista, e como a música que tá tocando ali rege tudo isso, me deixou instigada pra cada vez mais me apropriar dessa música que faz mexer", resumiu em entrevista à Noize.

 

 

 

27) Seu Jorge (Baile à Baiana): Se existe alguém versátil no mundo da música essa pessoa é o Seu Jorge. Capaz de trafegar por estilos brasileiros variados, o artista jamais ignora o poder da conexão com públicos estrangeiros e as possibilidades de levar a sua arte para além dos limites geográficos do País - e basta pensar nas versões de David Bowie para a trilha sonora de A Vida Marinha com Steve Zissou (2003), para que essa certeza só aumente. Só que, ainda assim, talvez faltasse em sua discografia aquele registro que condensasse todas as possibilidades da nossa música. E que fosse capaz de representar toda a nossa diversidade e riqueza culturais. De essência festiva, mas sem ignorar as questões sociais que costumam perpassar as suas músicas, o disco se converte rapidamente em uma experiência de altíssima voltagem. A inspiração, de acordo com o artista, teria vindo depois de uma visita ao espaço cultural Galpão Cheio de Assunto, em Salvador, um local que abrigava música, exposições e outras expressões de convergência criativa. O resultado é uma mistura de soul, funk, afropop, carimbó, MPB e samba rock, que resultam em uma sonoridade harmônica e enérgica, sendo impossível resistir à joias como Sábado à Noite, Batuque, Lasqueira, Gente Boa se Atrai e Sete Prazeres

 

 


26) Raquel (Não Incendiei a Casa por Milagre): Ex-integrante do elogiado trio As Baías, Raquel não esconde as inspirações literárias e cinematográficas em sua estreia solo - o que pode ser percebido não apenas no título do trabalho, mas também em sua capa colorida, ambas influenciadas pelo livro de contos O Último Sonho, do diretor (e escritor) Pedro Almodóvar. Em linhas gerais há uma fúria teatral (no melhor sentido), que se espalha pelas sete faixas do registro - que se apoiam em um rock meio entortado, entre o indie, a MPB e o psicodélico, uma coisa meio Rita Lee com Ney Matogrosso -, pra tratar de paixões, dores e dilemas pessoais. "É um abismo, a gente fica em um limite psicológico e isso traz essas sensações de raiva, inveja e crises de comparação. Chega uma hora que da vontade de incendiar tudo. Por isso é um álbum de rock, porque só uma guitarra, uma bateria e um baixo bem rock são capazes de me esvaziar disso", explicou em entrevista à Rolling Stone. Um bom resumo desse contexto pode ser percebida na feroz Ao Vivo, um bolerão noventista sobre preconceitos, transfobia e relacionamentos "no sigilo" (Os beijos / Nas travestis são dados nos esconderijos, becos / Mas continuam ainda assim sendo deliciosos / Beijos). 

 

 


 

25) Lucas Grill (Grill o Rei do Deprê Chic): "Imagine Ziggy Stardust protagonizando a ‘Ópera do Malandro’, de Chico Buarque; adicione as noites exageradas de Cazuza; a melancolia de Cartola; o existencialismo de Belchior; a boemia de Nelson Gonçalves; as baladas de Roberto; o wild side de Lou Reed; a trova cool de Julian Casablancas, a loucura dos Beatniks; as estrelas de Oscar Wilde; a rima torta dos poetas malditos; um toque de Almodóvar, luzes de Wong Kar Wai; a praia, as noites do Rio de Janeiro, as garrafas, os cigarros e, por fim, os amores e os desamores. Pronto, temos ‘Grill O Rei o Deprê Chic’." Vamos combinar que a explicação dada pelo próprio Lucas Grill ao site Tracklist sobre o conceito de seu disco de estreia poderia soar petulante (em meio a referências nada modestas), mas ela é apenas perfeita. Da capa de tintas violeta noir às melodias soturnas e enevoadas, passando ainda pelas letras existencialistas, esperançosas e melancólicas, tristes mas festivas, iluminadas porém sombrias, tudo no álbum grita esse caldeirão que mescla pós punk, gótico, dream pop, MPB, bares e caminhadas na orla à noite. Não por acaso, canções como O Terror de Tudo, Loser, Poesia na Chuva e Moldura Quebrada passeiam com fluidez por esse ambiente onírico e um tanto cinematográfico.

 

 


24) Ebony (KM2): Quem acompanha a carreira da rapper Ebony percebe as diferenças entre seu disco de estreia, Visão Periférica (2021), e o álbum lançado nesse ano. Se naquele a artista soava comedida - talvez por tentar se enquadrar em uma caixinha que envolvia grande gravadora e mesmo incertezas sobre o futuro -, aqui ela parece muito mais solta, falando de forma íntima e livre de rótulos, a respeito daquilo que ela quer, e do jeito que ela quer. Sem medo de falar palavrões ou mesmo de ser mais explícita em relação a temas como identidade, fé, traumas do passado, sexualidade, sonhos, família, vivência periférica e outros. "Esse álbum vem da minha vontade de parar de me esconder. Não é um disco feliz. Mas também não é triste", comentou em entrevista à Rolling Stone, utilizando a metáfora do chocolate meio amargo na busca por esse equilíbrio. O resultado é uma coletânea de canções que misturam trap, R&B, jazz, funk, gospel e MPB e que versa sobre feridas do passado (Não Lembro da Minha Infância), orgulho, autoconfiança e resistência (Extraordinária), superficialidade e padrões de beleza artificiais (Festas e Manequins) e autoestima e ascensão financeira (KIA). "Eu tinha algo a dizer para além do que esperam de mim como mulher negra", comentou em bate-papo com a Rádio Quatro.

 

 


23) Guma (Virando Noite): Pode não ser tarefa fácil fazer aquele disco que tem um pé na música popular, outro no indie - e não deixa de ser interessante perceber como essa mistura flui de forma naturalmente orgânica, no trabalho do trio recifense Guma. Levemente empoeirado, mas de essência festiva, o segundo registro de inéditas da banda une tecnobrega, Jovem Guarda e sintetizadores oitentistas, com o dream pop, o jazz e o rock contemporâneo. Um bom exemplo nesse sentido, pode ser percebido na faixa Mozinho, em companhia da sempre ótima Bruna Alimonda - um roquinho de essência brega, com letra sobre encontros e desencontros amorosos e de como o afeto pode virar desapego e até certa decepção se, digamos, a coisa não bater (Se eu te descubro já não te amo, mozinho / Se você abre a boca já sofro um pouquinho / Se eu nadar nos teus olhos logo repenso, mozinho / Quando fico no raso tu é até bonitinho). A tentativa de fugir de certos sentimentos (Virando Noite), das dúvidas sobre o futuro (Tarde Demais) ou mesmo de inseguranças e desencontros (Se Eu Der Sorte) surgem aqui e ali, em disco que parece ter como lema o fato de que "amar dá trabalho, mas vale a pena". Divertida, romântica, kitsch, debochada. Essa é daquelas bandas que não tem erro.

 

 


22) Julia Mestre (Maravilhosamente Bem): "Por debaixo da pele / Sou loba, sou fera / Olhar de felina / Poder de pantera". Vamos combinar que, se ainda estivesse entre nós - ao menos do ponto de vista material (e não simbólico) -, Rita Lee estaria orgulhosa de ver onde chegou a sua "pupila". Sim, Julia Mestre nunca escondeu o fato de a ex-Mutantes ser uma das grandes inspirações de sua carreira e não são necessárias nem duas músicas do seu mais recente álbum para que adentremos novamente naquele espaço de paixões sensuais, de tesão misterioso, de desejo carnal e noturno, tão bem construído por Rita. Aliás, uma simples olhada nos títulos das canções - Vampira, Pra Lua, Veneno da Serpente, Sou Fera -, já parece evidenciar esse ideal que nunca descamba para a mera homenagem protocolar, já que a artista, ex-integrante do Bala Desejo, imprime personalidade em cada fragmento da obra. Sombrio, mas divertido, sexy mas onírico, esse é aquele tipo de registro que é direto, mas que vai crescendo a cada nova audição. Os refrãos estão lá, assim como as melodias sofisticadas, aconchegantes, havendo sempre um detalhezinho da produção polida que pode ser descoberto a cada reencontro - até mesmo pela força vocal da artista, que parece ser mais central (ainda) neste disco. 

 

 

 

21) Jadsa (Big Buraco): Vamos combinar que a figura da coisa grande, de tamanho maior (ou big), meio que funciona como um espectro onipresente no último registro da baiana Jadsa. Em meio à emanações oníricas e sofisticadas que fundem jazz, samba rock e MPB e que sempre foram marca de sua carreira, não são poucas as menções ao enorme, ao gigante - nem que seja um gigante simbólico, uma alegoria para tempos de grandes expectativas, especialmente no que diz respeito à arte e seu imediatismo. Dos títulos das canções - Big Luv, Big Bang, 1000 Sensations, Big Mama, Big Buraco (que também nomeia o disco), às letras provocativas e enigmáticas que parecem até maiores em sua simplicidade (As coisas acontecem quando querem / Quando crescem todo mundo vê / Não o caminho traçado a navalha / Mas o tamanho do bicho que é) - tudo remete a essa representação de profundidade, de intensidade. Talvez uma audição descompromissada não resulte nessa percepção de imediato, mas em meio a sopros bem encaixados, efeitos que se espalham e percussão levemente experimental, o que se tem é um trabalho caloroso, o que pode ser comprovado em faixas envolventes e brasileiríssimas como Tremedêra e Sob a Pele

 

 

 

20) Jonathan Ferr (LAR): O simbolismo do lar como um espaço de afeto, segurança e pertencimento - de memórias e de identidades pra chamar de suas - é quase óbvio no registro lançado neste ano pelo músico e pianista brasileiro Jonathan Ferr. Em entrevistas, o artista chegou a afirmar que, para ele, o conceito de lar vai para além do físico, "sendo um espaço ancestral e cultural de onde nós viemos, um local que se expande e que é feito de memórias que se formam ao longo da vida". À página Pretessências ele chegou a comentar que o álbum nasceu após a morte do seu pai, enquanto ele estava em turnê - o que intensificaria suas reflexões sobre identidade, pertencimento, perda e o que significa retornar para casa. Mas não necessariamente como um lugar, mas sim um sentimento de acolhimento e reconexão com raízes. Não é por acaso que as canções do disco - sofisticadas, minimalistas - se expandem criando uma atmosfera que vai ao encontro dessa ideia de coletividade e de afeto. Mesclando urban jazz, neosoul, hip hop e MPB, Ferr acerta ainda ao usar a sua voz, em detrimento de canções majoritariamente instrumentais, como na época do Cura (2021). O que faz com que o ouvinte se conecte mais, tornando as excelentes Tô Apaixonado, Casa e Infinito ainda melhores.

 

 


 

19) Ana Spalter (Coisas Vêm e Vão): Um registro que parece um pequeno tratado sobre vida em movimento, perda da inocência, idas e vindas emocionais e as complexidades que envolvem o ato de amadurecer. Assim pode ser percebido o primeiro registro de inéditas da cantora, arranjadora e multi-instrumentista paulista Ana Spalter. E basta um passeio pelas letras ao mesmo tempo nostálgicas, poéticas e existencialistas ("Me deixa só viver / Sou jovem vou aprender", "Ah quando eu era criança eu era tão mais velha / Dona lua aparecia sempre pra puxar conversa", "As crianças se abraçam sem saber o quão especial é viver"), para que essa impressão se amplie. Perfumado por melodias que unem jazz, samba, MPB, folk e até uma psicodelia suave, esse é um disco que estabelece uma ponte direta com o passado e com o trabalho de artistas diversos, como, Elis Regina, Aldir Blanc e Milton Nascimento, mas sem jamais parecer uma mera cópia sem personalidade. Lúdico, imaginativo, quase circense em certos momentos, o álbum tem um frescor reforçado pela voz de Ana - o que pode ser percebido em canções irresistíveis, como, Privilégio Meu, Café, Criança Poeta e Acrobata - esta última uma joia fantasiosa, descrita à perfeição pelo site Pop Fantasma como um "desenho animado musicado".

 

 

 

18) Bella e o Olmo da Bruxa (Afeto e Outros Esportes de Contato): Uma analogia perfeita entre a ternura e a luta, entre a afeição e o embate. É mais ou menos dessa forma que os gaúchos da Bella e o Olmo da Bruxa resumem a experiência com o segundo disco. Ao cabo, os "esportes de contato" podem estabelecer um paralelo direto entre as o sentimentalismo e a vulnerabilidade que emergem das relações afetivas, com a fisicalidade e a violência da queda - mais ou menos como naquele momento em que a gente se ferra emocionalmente, e precisa recolher os cacos para continuar. Mais maduros do que na estreia de 2020, o coletivo continua apostando na mistura de shoegaze, emo e indie pop, com um pouco mais de experimentação. Um bom exemplo nesse sentido, pode ser percebido em faixas como Nova Paixão, que fala de recomeços e de esperança (E eu sei / Que você vai falar / Que a gente tava mais amigo / No meio do ano passado), até mesmo como um contraste em relação à Bem no Seu Aniversário (a canção de abertura). Um outro belo instante é Mesmo Assim, em parceria com os simpáticos da Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, que serve como espécie de peça central no equilíbrio entre melancolia e honestidade. Ainda é uma banda nova, mas que vale conferir.

 

 

 

17) Joyce Moreno (O Mar é Mulher): A água como metáfora, como alegoria de placidez e de calmaria não parece estar apenas na capa acinzentada à beira de um cais repleto de embarcações e que marca o 44º registro da veterana Joyce Moreno. Está também nas letras inundadas - com o perdão do trocadilho - de referências sobre praias e mares e de outros elementos da natureza, que se conectam com a feminilidade de forma quase mitológica. Há uma fluidez de torrente que se espalha em faixas que unem jazz, samba e bossa nova de forma sofisticada, como que aludindo ao singrar das ondas e a sua alternância entre calmaria e tempestade, delicadeza e força. E talvez não seja por acaso que a faixa título, que abre o disco, com seu lirismo ao mesmo tempo suave e misterioso, seja justamente aquela que personifica o mar como mulher (Algum mistério pra quem se arriscar / E os que acreditam saber navegar / Podem até naufragar / O tempo dirá): refinado, cheio de camadas, evocativo. Essas ideias ressurgem em outros momentos como em Canção de Búzios, inspirada em poema de Ronaldo Bastos, com direito a recriação bucólica dos barulhos de uma praia deserta (Se eu passar por você e falar de estrelas / Não ligue não / São estrelas do mar), em um álbum recheado de participações especiais de nomes como Jards Macalé e João Donato.

 

 

 

16) Baianasystem (O Mundo Dá Voltas): O ano mal havia começado e, como se fosse uma prévia para o carnaval, o Baianasystem soltou O Mundo Dá Voltas, o quinto registro de estúdio de Russo Passapusso e companhia. Em linhas gerais, para quem acompanha de perto a carreira dos baianos, não há grandes mudanças, com a sonoridade encontrando um equilíbrio perfeito entre latinidade, batucada africana, manguebeat, reggae, samba, afoxé e dub. Um conjunto que, aliás, forma a base para as letras políticas a respeito de questões sociais, que se cruzam com temas ligados à ancestralidade, preconceitos (especialmente as raciais), lutas e identidade. Um bom exemplo dessa mescla pode ser percebido em A Laje, com participação de Emicida, em que os contrastes urbanos são, simbolicamente, vistos de cima da laje, reforçando críticas sobre desigualdade na distribuição de renda e falta de oportunidades (Quem vai vingar os oprimidos é o planeta / Sampa estampa quanta anta a pampa nessa treta / Quem leva as crianças não é o boi da cara preta, é o estado / Ouvindo: Vai pra Cuba, dos pateta). O expediente se repete em outros instantes de impacto, como Praia do Futuro, Balacobaco (com Anitta) e Porta-Retrato da Família Brasileira, levando ao limite a marca do coletivo.

 

 


15) Thiago Amud (Enseada Perdida): Quando ouvimos os acordes carnavalescos de Baía de Janeiro faixa que abre o quinto trabalho de inéditas do carioca Thiago Amud, é difícil não olhar com carinho para o passado. Para uma MPB mais esperançosa, de confete e de serpentina e de fim de ditadura, como em Vai Passar, de Chico Buarque. E isso não é por acaso, já que as referências não ficam apenas na homenagem, já que não apenas Chico gravou com o artista a festiva Cidade Possessa, como ainda Caetano Veloso participou da derradeira Cantiga de Ninar o Mar. "Aliás, foi o próprio Zeca Veloso (o filho de Caê), quem se movimentou pra que o disco acontecesse", explicou Amud no material de divulgação. E ainda que estabeleça diálogo com as tradições, a história e os ritmos brasileiros - do frevo à música ancestral, passando pelo jazz e pelo pop sofisticado -, o cantor, arranjador e compositor nunca deixa de imprimir a sua marca, a sua personalidade. O que pode ser comprovado, por exemplo, na sofisticada e bucólica Oração à Cobra Grande ou mesmo em Penteu, um samba estranho, de letra vertiginosa, inspirada na peça As Bacantes, de Eurípedes. Thiago Amud precisa furar a bolha. Esse disco pode ser o caminho.

 

 

 

14) Josyara (AVIA): Um disco sobre o mais universal dos assuntos e que nunca parece se esgotar: o amor. Assim é o terceiro registro de inéditas da sempre ótima Josyara. Sedutor, enigmático, minimalista mas intenso, esse é um álbum que trafega com naturalidade por todas as etapas da paixão, indo do fascínio inicial ao desencanto, passando no meio do caminho pelas possibilidades da solitude e, mais adiante, pelo entusiasmo de um novo amor. Nesse sentido, basta ouvir os versos que se encadeiam de forma homogênea em canções como Eu Gosto Assim (Sou bem fácil de acessar) - releitura de Anelis Assunção -, Festa Nada a Ver (Como pode me deixar / Nessa festa nada a ver), Corredeiras (Não, não preciso dessa mágoa) e De Samba em Samba (Não tem mais amor que te faça ficar / Não há mais nada que eu possa fazer), pra perceber como se estabelece esse conceito. Peça central do trabalho, a sensualíssima Seiva tem um violãozinho cadenciado, que se espalha em efeitos eletrônicos econômicos, que culminam em um dos melhores refrãos da temporada (Pra te beber em taça cheia / Aluar / Sonho teu sabor cereja / Quero provar / Dança mansa / Pé na areia / Te embalar / Me lambuzar na tua seiva / Quero gozar). Contemporâneo, mas sem perder a conexão com suas raízes ancestrais, este é um projeto que parece delicado em sua sonoridade, mas que é potente em suas entranhas. 

 

 

 

13) Gaby Amarantos (Rock Doido): "Eu vou sair para dançar / Eu vou curtir, e vou beber / Botar meu short beira cu / Um top, cropped, I love you". Vinte e duas faixas curtas, frenéticas, distribuídas em apenas 36 minutos de duração. A ordem em Rock Doido, quinto álbum de estúdio de Gaby Amarantos é direta: o negócio é curtir, farrear, se mexer até não poder mais. "Esse disco nasceu na batida frenética das periferias de Belém do Pará. É o som das festas de aparelhagem que me criaram, das batalhas de treme, da moda de quem não espera tendência, cria. É fogo, suor, brilho e cerveja voadora", resumiu a artista, no material de divulgação. O resultado é um projeto que surge meio que como uma extensão natural da trajetória de Gaby, em sua busca por explorar e valorizar suas raízes culturais, em eventos musicais de rua na região Norte. Divertido, caótico, sensual, vibrante e cheio de participações especiais (de Lauana Prado a Gang do Eletro), esse é um trabalho de celebração, e essencialmente brasileiro - sendo meio que impossível resistir à canções como Te Amo Fudido, Foguinho e Short Beira Cu (citada na abertura desse texto), que mesclam o tecnobrega, os ritmos latinos, o carimbó e as batidas eletrônicas levando o clima de rua, de suor e de paixão para o fone de ouvido. 

 

 

 

12) Mateus Moura (A Imitação do Vento): Bastam os primeiros versos de Orelha de Pau, faixa que inaugura a estreia do ex-integrante do coletivo Les Rita Pavone (que também lançou disco neste ano), para que sejamos transportados para um universo psicodélico, meditativo, folclórico, poético e existencial. Definida pelo artista como uma bossa nova um tanto mântrica, a canção de abertura parece fazer a conexão com outros ecossistemas ou ambientes, ao mesmo tempo em que presta homenagem ao pai marceneiro (Quando eu olho pra orelha de pau / Eu vejo uma invenção humana / Doce invenção humana), em uma metáfora mais do que perfeita para o violão tocado de forma plácida pelo artista. Esse é o ponto de partida de uma jornada de peregrinação de uma série de composições essencialmente poéticas, muitas delas cantadas em primeira pessoas, em um estilo musical que poderia ser chamado de MPB espiritual, dado seu apelo à memórias, infância e viagens nostálgicas. Simples mas sofisticado, o registro mistura baião celestial (Estrela D'Alva), salsa cintilante (Manhãzinha), samba cigano (Celeste) e xote ibérico (na ótima Marujo de Alto-Mar) - tudo concebido de forma coesa, com o violão, os sopros e percussão delicadas, fluindo de forma a permitir a música (e o ouvinte) o respiro.

 

 

 

11) Stefanie (BUNMI): De Mahmundi à Rodrigo Ogi, passando ainda por Daniel Ganjaman, Rashid, Luedji Luna, Emicida e Jonathan Ferr - basta uma olhada na riquíssima lista de participações do disco BUNMI, a "estreia" da rapper Stefanie, para se ter uma dimensão de sua relevância na cena. Com duas décadas de estrada, as aspas na palavra estreia não são por acaso, dada a trajetória da artista, um dos nomes mais relevantes do estilo, a potência de suas rimas e a impetuosidade de seu canto (que se alterna entre momentos de vulnerabilidade e de delicadeza, com instantes de pura crueza, visceralidade e de conexão com temas diversos, como, violência de gênero, racismo estrutural, luta de classes e desigualdades sociais). Um bom exemplo dessa tapeçaria que une rap e boom bap clássico (aquele estilo famoso nos anos 90), com algumas pitadas de soul, R&B e jazz, é o single Desconforto - um poderoso relato sobre preconceitos e violências (Nos tratam sempre como subalternos / Difícil aceitar ver um preto / Ocupando um cargo de liderança / Meu mano NP doutor / Evita usar terno no shopping / Pois sempre acham que ele é o segurança). Resistência, dor, perda, autocuidado, memórias, feridas, vitórias - tudo transformado em arte neste belo registro, que merece encontrar um público maior.

 

 


 

10) Congadar (Aprendi Com Meus Antepassados): "Dá licença sinhô / Com sua licença sinhá / Que o povo de Angola e de fé / Quer entrar na roda pra sambar / Peço pra chegar / Venho pisando devagar / Nesse terreiro de fé / Peço licença pra chegar". Como se fosse uma carta de apresentação, a comovente Dá licença, que abre o terceiro registro de inéditas dos mineiros do Congadar, resume o que encontraremos dali para frente no álbum. Espécie de manifesto cultural que une rock, psicodelia, samba e congada, a banda reforça, seja nas melodias, corais de vozes, batucadas ou nas letras, temas ligados à ancestralidade, afrofuturismo e espiritualidade. Melhor produzido do que o anterior, e mais cru, Chora N'Goma (2022), o disco valoriza as raízes negras e do terreiro, sem deixar de celebrar as conquistas. Especialmente em um cenário atual, de permanente luta e resistência. "E se a gente não pode falar, quem vai poder? É a gente que está com o microfone na mão e não é simplesmente levar um som pros outros. Não, não. A gente está com o microfone na mão para trazer todo mundo para perto", comentou Marcão Avellar em entrevista ao Scream & Yell. É música que não é só pra ouvir, mas também pra sentir - como comprovam as lindas Semente Raiz e Promessa ao Gantois.

 

 


 

9) YMA (Sentimental Palace): "Quero que as pessoas sintam o Sentimental Palace enquanto um lugar: a decadência do hotel, a umidade, as cortinas, os detalhes". A frase dita à Revista Noize pela paulistana YMA, resume o sentimento geral trazido pelo segundo registro de inéditas da artista. "É como no cinema: você está no escuro, diante de uma tela enorme, e de repente está vivendo aquela história. Por isso, penso o disco quase como uma espécie de filme sonoro", afirmaria na mesma entrevista. E basta dar play na faixa-título, que abre o álbum, para que sejamos transportados pra esse universo onírico, enfumaçado, de certa estranheza teatral - uma coisa meio de filme alternativo -, com a mistura de dream pop, psicodelia, eletrônica minimalista e rock experimental formando a imagem ideal para essa narrativa visual. Nada é óbvio aqui, com os estilos se alternando, bem como as melodias - guiadas por sopros, cordas, sintetizadores e efeitos diversos. Mágico (Fritar na Areia), suave (2001), vulnerável (Passageira S.), etéreo (Dentro de Mim), esse é aquele tipo de registro que, ao misturar Cate Le Bon, Mercury Rev, Kate Bush e David Bowie, desafia o ouvinte, ainda que fale com profunda sensibilidade de sentimentos demasiadamente humanos. 

 

 


8) Vanguart (Estação Liberdade): Vamos combinar que existem algumas bandas que nos acolhem de forma tão afetuosa, que parecem um velho amigo que já não vemos há algum tempo, mas que a gente sabe que estará ali para quando precisar. E esse parece ser o caso do Vanguart que, com mais de vinte anos de carreira, retornou após uma pausa pós-pandêmica para entregar aquilo que eles fazem melhor: uma coleção de canções pop, indie e folk de refrãos assobiáveis, unindo passado e futuro, e propondo reflexões existencialistas sobre amores (bem ou mal resolvidos), luto, amizades, recomeços, sonhos e a complexidade do dia a dia. Pode parecer simples, mas uma música como a comovente faixa-título, que abre o registro, funciona não apenas como a clássica história de paixão, dor e cura, mas como uma experiência nostálgica e primaveril sobre idas e vindas, começos e fins e chegadas e partidas (um tipo de alegoria que permeia todo o disco) - o que conecta o ouvinte de imediato, transformando feridas e inquietações em uma ponte para o movimento. O resultado são canções maduras e de títulos quase autoexplicativos, como, A Vida É Um Trem Cheio de Gente Dizendo Tchau, Rodo o Mundo Todo no Meu Quarto, Rua do Passado e Se Quiser Seguir Comigo. Todas ótimas, aliás.

 

 


 

7) Marina Sena (Coisas Naturais): Menos autotunes enfadonhos, efeitos eletrônicos previsíveis, forçação tiktoker e latinidade plastificada e mais brasilidade, mais bucolismo, mais interior e mais vida real. Vento batendo no rosto, estrelas nítidas no céu, uma varanda e o retorno às origens. Sim, desde o cru De Primeira (2021), Marina Sena nunca deixou de ser uma das mais autênticas artistas da atualidade, por mais que o trabalho seguinte, Vício Inerente (2023) parecesse um registro menos criativo. Só que qualquer incerteza se apaga no ótimo Coisas Naturais. Em entrevistas, a cantora explicou ter sentido falta dessa Marina mais sangue no olho, mais destemida, mais corajosa. Levando em conta o conceito de Florestania, cunhado por Ailton Krenak, a artista converte o disco em uma verdadeira coletânea de canções que mesclam estilos diversos, como MPB setentista, funk, reggae, brega, bedroom pop e reggaeton, preservando o contato com a natureza e com o místico. Peça central do trabalho, o single Numa Ilha, parece resumir a ideia já na abertura, com uma experiência sensorial de sonoridade misteriosa e letra calorosa (Descalça numa ilha, é tão mágico / Você dizendo que me ama / A Lua refletindo o mar, o seu cheiro / A gente junto na minha canga). Claro, há outros grandes instantes, como em Anjo, Mágico e Lua Cheia. Marina está na melhor fase.

 

 

 

6) Terno Rei (Nenhuma Estrela): Quem acompanha a carreira do Terno Rei já se acostumou com a sua música de ambientação urbana, cinzenta, de final de tarde em meio aos prédios altos e as calçadas ásperas - o tipo de sentimento palpável, que emana da sonoridade nostálgica e melancólica. Sim, a impressão que dá é a de já termos ouvido essas músicas antes - nas madrugadas das rádios alternativas ou em algum lugar na transição dos anos 80 e 90, pra quem viveu ali a juventude. As referências são quase óbvias, indo de Smiths e The Cure a Phil Collins e Radiohead -, sempre com uma guitarrinha pulsante e letras urgentes a respeito de dores cotidianas ou sofrimentos mal curados -, o que jamais significa falta de personalidade. Com um conjunto de canções perfumadas por sintetizadores enevoados, bateria frontal e refrãos nunca óbvios, o quarteto paulistano capitaneado por Ale Sater mostra maturidade e segurança neste quinto registro de inéditas, o que pode ser comprovado nas ótimas Nada Igual, Próxima Parada e Programação Normal. Já Casa Vazia brinca com a ideia por trás da solidão de um bicho de estimação - no caso um cãozinho e seu eterno estado de espera (Dessa casa vazia / Sou protetor / Isso é tudo que tenha pra dar). "Fico muito feliz em ver como nossa música consegue tocar as pessoas e acompanhar fases da vida delas", afirmou Ale. Os fãs agradecem. 

 

 


 

5) FBC (Assaltos e Batidas): "Está no ar, está no ar! A Voz da revolução!" É na quarta faixa de Assaltos e Batidas, o celebrado retorno de FBC ao rap, que parece estar parte da centralidade das ideias do disco. Sim, ainda que não haja nada em O Capital que verse sobre "realizar um boombap potente sobre luta armada, clandestinidade e resistência" a canção funciona não apenas como uma câmara de eco do atual momento político brasileiro - com a extrema direita sempre espreitando pelas frestas -, mas como uma lembrança de que as vozes marginalizadas ainda precisam brigar para serem ouvidas (Trabalhadores lutem!). As ideias sobre desigualdade social e de exploração se espalham por outros instantes do registro, e até na mesma música (A classe dominante no poder quer nos matar / Mas não vamos morrer, não vamos correr / Trabalhadores, o que vamos fazer? / Vamos tomar o poder!), com as batidas pesadas e secas, que foram marcantes na década de 90, formando a base perfeita para as rimas vigorosas e para o flow cheio de cadência. Os comentários sobre adoecimento no trabalho (Você Pra Mim É Lucro), vigilância constante (Estamos Te Vendo) e violência policial na "guerra às drogas" (Me Diga Quem Ganha) tornam o registro um manifesto urgente sobre exploração, alienação e crítica ao capitalismo.

 

 

 

4) Luedji Luna (Um Mar Pra Cada Um,): Vamos combinar que não é preciso nem concluir a audição da instrumental Gênesis - que abre o quarto disco da baiana Luedji Luna -, para que saibamos estar diante de algo que não é apenas música. A cacofonia que aparenta ser excessivamente caótica e que une de forma meio torta sopros, piano e baixo revela um paradoxo, já que reserva ao ouvinte um tipo de acolhimento - por mais estranha que a canção soe. Uma experiência sensorial que faz com que adentremos de forma lenta nesse universo complexo, sofisticado e íntimo, que nos absorverá pelos próximos quarenta e poucos minutos. "Eu percebi que o som é potente. O som mobiliza a gente de várias maneiras. Ele é transformador, ele é curativo, ele altera a consciência, ele altera a nossa psique. Ele, enfim, altera até questões mesmo físicas", explicou em entrevista para o Tenho Mais Discos Que Amigos, como que resumido o conceito do registro. O resultado são músicas preenchidas por metáforas oceânicas, aquáticas, em que memórias, encontros e lugares se espalham em instantes de vulnerabilidade, mas também de força. O que pode ser percebido em joias como Kyoto (Meu coração é uma bussola, me diz onde é que te encontro) ou na irresistível Harém (Na boca da noite o vento me trouxe notícia velha), que tem participação de Liniker. Pra colocar no repeat até dizer chega.  

 

 

 

3) Teago Oliveira (Canções do Velho Mundo): Que o Maglore é uma das melhores bandas nacionais da atualidade, não chega a ser novidade. Portanto, não há surpresa no fato de a carreira solo do vocalista Teago Oliveira preservar a capacidade de fazer música pop de qualidade, perfumada por melodias ensolaradas e um clima geral otimista. Mesmo quando as letras conectam passado e futuro, soando profundas, reflexivas, melancólicas ou nostálgicas, Canções do Velho Mundo funciona quase como um respiro em tempos tão apressados, tão tecnológicos e tão pautados por likes ou cliques. Caloroso e de sonoridade primaveril - às vezes soft rock, noutras MPB e eventualmente indie folk -, o álbum parece contemplativo em alguns instantes, como na sofisticada Desencontros, Despedidas (Diga que o tempo não volta e não dá pra parar / Diga que sente minha falta e não vai aguentar) e mais urgentes em outros, como na contemporânea e romântica Eu Nasci Pra Você (Os nossos chefes hoje são computadores / A ignorância está ficando imbatível). Há uma clara evolução em relação à estreia com Boa Sorte (2019). O leque parece mais amplo, ainda que artesanal, com o resultado sendo um sem fim de canções irresistíveis, como Spaceships, Vida de Bicho e Não Se Demore.

 

 

 

2) Negra Li (O Silêncio Que Grita): Basta uma passada de olhos não apenas na imagem de capa, mas também no título do álbum mais recente de Negra Li, para que saibamos: esse é mais um registro que busca dar voz a quem, muitas vezes, é silenciado. Aliás, esse costuma ser também parte do papel de artistas do gênero: o de ecoar vozes vulneráveis, marginalizadas, especialmente nesse caso o de mulheres pretas, pobres, de periferia. Em entrevistas, a própria paulistana afirmou que precisou se reinventar para buscar sua essência. O resultado é um conjunto de músicas de temas diversos, como, violência policial (Olha o Menino 2.0); hipocrisia e vidas de faz de conta (Fake); estupro, aborto e outros tipos de agressões sexuais (Uma Menina) e trabalho e direito ao lazer (Sambando). Claro que, para além dos assuntos políticos e sociais, o álbum também abre espaço para a celebração, como no caso de Abençoada, um afrobeat saboroso a respeito do poder da fé e da superação ou mesmo Amor Preto, essa com a participação da Liniker, e que também é embalada por ritmos africanos. Aliás, curioso notar como a segunda metade do registro é justamente aquela de tintas mais festivas, como no caso, por exemplo, de África, um reggae ondulante, de refrão pegajoso e cheio de referências culturais e de orgulho racial, que fecha com perfeição um dos grandes discos desse ano. 

 

 


1) Don L (Caro Vapor II - Qual a Forma de Pagamento?): Em entrevistas, Don L chegou à dizer que uma de suas influências é o cinema do diretor Wong Kar-Wai. E, por mais estranha que possa parecer essa referência frente a um som tão culturalmente diverso e brasileiro como o do artista, o estilo do realizador de Amores Expressos (1994) e Felizes Juntos (1997) - entre o urbano e o onírico, entre a dureza do concreto e o corre do dia em meio a sonhos cintilantes, distópicos, românticos e sensuais - parece fazer todo o sentido quando ouvimos canções engenhosas como saudade do Mar. Feita em parceria com Alice Caymmi e Iuri Rio Branco, a música evolui de forma ondulante, unindo rap com pitadas de reggae e MPB, enquanto a letra que contrasta cotidiano e desejo de fuga parece saída de algum filme exibido em festivais alternativos (A fumaça sangra pelas persianas contra a luz vermelha / Como num submarino em chamas / Entre um cabaré na estiva e a neblina de um céu alugado / Eu quero dizer te amo e no teu sonho ser canção de rádio). Recheando o registro de um sem fim de referências culturais, samples pouco conhecidos, participações, interpolações e uma energia enfumaçada, Don L constroi um mosaico tropical, que mescla samba, funk, soul e R&B de de forma inventiva, entre o profundo e o acessível, o original e o nostálgico. É música orgânica, real, um verdadeiro manifesto contra a mesmice, como atesta para Kendrick e Kanye. Pra ouvir várias vezes até conseguir assimilar tudo. De preferência com a aba "pesquisar" aberta.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

30 Melhores Discos Internacionais de 2025

Sério, não sei se eu que fiquei empolgado demais com esse 2025 musical, mas a meu ver talvez seja um dos melhores anos em matéria de lançamentos de discos, sei lá, da última década. O que torna a tarefa de selecionar os nossos 30 melhores - que nunca são os melhores, de fato, até porque esse é um conceito subjetivo -, ainda mais difícil. Teve um dia em que cheguei a enviar uma mensagem para um amigo, dizendo que até de bandas que não esperávamos nada, estavam entregando trabalhos de fôlego - como exemplo posso citar o caso do Lumineers, que sempre foi um grupinho meio insosso e que adicionou boa dose de qualidade ao seu folk pop com Automatic. O mesmo valendo para artistas que não davam as caras há décadas, e que retornaram não apenas para cumprir tabela, como no caso dos britânicos do Pulp, e de seu imperdível More.

 


No mais, as listas aqui do Picanha costumam se guiar muito pelo coração. Em como a música, enfim, nos toca - não apenas no que diz respeito às melodias, mas também no que se refere às letras. E, em muitos casos, pode ser um exercício um tanto complicado tirar o tempo para colocar os fones de ouvido, desconectar de todo o entorno, e ouvir o que a Rosalía ou o Nourished By Time têm a dizer (e eles têm muito, com certeza). Claro que entre artistas mais cabeçudos, como a Ethel Cain, e outros mais pop - que me perdoem os haters, mas o disco da loirinha tá um espetáculo -, o ano se encerra com aquele ar mais otimista, mesmo em meio à guerras, à crises ambientais e a uma sobrevida dessa extrema direita torpe. O que faz com que a gente possa ouvir álbuns como o ótimo Mayhem, da Lady Gaga, sem nenhuma culpa. Mas bora lá pro que interessa. Eis os nossos 30 mais...

 ...mas antes, o ano foi tão espetacular que resolvi abrir uma raríssima exceção de colocar vinte menções honrosas que, muito bem, poderia figurar na relação oficial. Até porque essa lista se modifica toda a semana, conforme vão os ventos e a vontade de ouvir este ou aquele artista. Mas vamos lá para os vinte álbuns que, por um milésimo, não estiveram no bolo final: Rochelle Jordan (Through The Wall), Sudan Archives (The BPM), Yaya Bey (Do It Afraid), Alex G (Headlights), Blood Orange (Essex Honey), Wednesday (Bleed), Lola Young (I'm Only F**king Myself), Laufey (A Matter Of Time), Cate Le Bon (Michelangelo Dying), Mamalarky (Hex Key), Quadeca (Vanisher, Horizon Scraper), Sigrid (There's Always More That I Could Say), Japanese Breakfast (For Melancholy Brunettes & Sad Women), Olivia Dean (The Art Of Loving), Addison Rae (Addison), Amaarae (BLACK STAR), Natalia Lafourcade (Cancionera), Viagra Boys (Viagra Boys), Maren Morris (D R E A M S I C L E) e Geese (Getting Killed).


 

30) The Lumineers (Automatic): Vamos combinar que nem o fã mais ardoroso da dupla Lumineers poderia imaginar que Automatic seria o melhor disco da carreira. Mas o caso é que talvez seja. Em entrevistas, a banda chegou a comentar de que as pessoas se surpreenderiam com o novo trabalho - e com o novo direcionamento, que dá as canções um maior preenchimento, um volume que não parecia tão presente no passado. Claro, não há nenhuma reinvenção da roda e sim um acréscimo de elementos que parecem dar mais cor para o folk pop do duo. Um bom exemplo pode ser percebido em Plasticine, uma canção cheia de camadas, que não faria feio em um disco do Travis da fase The Boy With No Name. Em geral, as músicas são construídas tendo como centro o refrão, que quase sempre permite ao fã cantar junto. Já os temas costumam variar de reflexões sobre rotina e vazio (Automatic), passando pela dependência emocional (Keys and the Table) até chegar as inseguranças envolvendo as relações e a aceitação das próprias falhas (Asshole). Perdas, conexões, dilemas cotidianos. A gente parece meio anestesiado. E um trabalho como esse, tão cheio de vulnerabilidade e beleza, nos ajuda a reconectar.

 

 


29) Nao (Jupiter): Basta uma olhada rápida nos títulos de algumas das faixas do quarto álbum de inéditas da britânica Nao - Happy People, Light Years, Better Days, We All Win -, para que tenhamos certeza: os tempos mais sombrios e desesperançosos talvez tenham ficado para trás. E não é que a artista, que faz aquela mescla sensual da R&B, pop e eletrônica, fosse excessivamente soturna antes, mas o caso é que Jupiter é mais solar do que nunca. É como uma luz no fim do túnel. Diagnosticada com Síndrome da Fadiga Crônica e sofrendo com um rompimento amoroso na época de Saturn (2018), a cantora ainda teve de reunir forças para lançar And Then Life Was Beautiful (2021), na esteira da pandemia. Nesse sentido, o recente registro mira (e acerta) na esperança. Nostálgico e cheio de personalidade, o trabalho de essência dançante aposta em sintetizadores divertidos e batidas iluminadas, que servem de base para canções eufóricas, como Wildflowers, além da já citada Happy People, que bebe na fonte do afrobeat, enquanto versa sobre o valor do senso de comunidade e a respeito de conexões com aqueles que importam (Eu encontrei meu povo / Vivendo como pessoas felizes). Sério, vale a pena prestar atenção.

 

 


28) Ethel Cain (Willoughby Tucker, I'll Always Love You): Vamos combinar que existem alguns discos que demoram pra ser absorvidos em sua totalidade. Que exigem mais de uma audição - em muitos casos cinco, seis, oito repetições. Até mais. E, ainda assim, a cada novo encontro será uma descoberta. É algo que vai meio que na contramão do consumo moderno de música, pautado por canções curtas que possam render dancinhas viralizantes no Tik Tok. E esse é justamente o caso de Ethel Cain com esse panegírico intitulado Willoughby Tucker, I'll Always Love YouFuncionando como uma continuação de Preacher's Daughter (2022), Willoughby adota o mesmo estilo elegíaco, quase etéreo, ao contar uma história ficcional e trágica de amor, que percorre cada fragmento do álbum. Alternando momentos de versos profundamente emocionais e de grande vulnerabilidade, como em Nettles, com instantes de puro deleite instrumental, caso de Radio Towers, Cain entrega um registro flutuante, cru e vertiginoso sobre a sensação nauseante de se apaixonar. É um disco de vibrações sombrias que emergem de cordas e pianos atmosféricos. Mas também de estranho acolhimento em meio à dor. 

 

 


27) Lily Allen (West End Girl): De Mariah Carey, com Butterfly (1997) à Beyoncé, com Lemonade (2016), passando, claro, pela Taylor Swift, com Red (2012), não foram poucas as artistas que buscaram uma espécie de catarse emocional em formato de disco, na hora de lidar com términos, traições ou relações turbulentas. E, vamos combinar que, se não for um trabalho bem pensado, o resultado pode ser apenas cringe - o que, definitivamente, não é o caso da Lily Allen, com o espetacular West End Girl. Aqui, a artista não apenas utiliza seus versos cheios de ironia e deboche como uma forma de exorcismo em relação ao tumultuado relacionamento com o ator David Harbour (sim, o policial de Stranger Things), como ainda converte a experiência em uma verdadeira coletânea de música pop vibrante, magnética e calorosa - como no caso de Ruminating ou Tennis. Aliás, essa última uma faixa sobre algo muito mais íntimo do que o sexo em si - onde já viu jogar tênis com a outra? Com uma capacidade única de tornar bela a dor, Allen abusa de duplos sentidos e de frases de impacto em canções como Relapse (que poderia ser sobre vícios ou relacionamentos) e Pussy Palace que, com seu inacreditável e autoexplicativo título, é uma experiência onírica, quase celestial sobre um sujeito viciado em sexo. Sério, é tudo muito bom.

 

 


26) Dijon (Baby): Se tem uma coisa que nunca deixa de impressionar no segundo disco de inéditas do compositor, produtor e multi-instrumentista Dijon, é o quanto o registro parece de expandir a cada nova audição - ao mesmo tempo em que também se apresenta como um trabalho bastante íntimo, caseiro e carregado de afeto. Aliás, o título Baby não é por acaso, já que o álbum tem a ver sim com as mudanças em sua própria vida pessoal com a paternidade e, consequentemente, com as novas responsabilidades da vida doméstica - o que já pode ser percebido na sinuosa faixa título, em que ele entoa os versos num estilo vocal que soa como um Lenny Kravitz do mundo alternativo (Então eu toco sua barriga / Cerca de um milhão de vezes / Quanto tempo até você chegar?). O expediente se repete em outros momentos onde o cantor consegue soar experimental e pop em igual medida, nunca tornando suas melodias óbvias. O resultado é uma sonoridade que empurra o R&B e o soul para os limites da distorção, alternando momentos de vulnerabilidade (HIGHER!), sensualidade (Freak It) e de temores em relação ao futuro (Rewind). Dijon constroi aqui uma tapeçaria ruidosa mas sofisticada, íntima porém universal - ao mesmo tempo de impulsiva, prazerosa e intensa (como na ótima Yamaha).

 

 

 

25) Little Simz (Lotus): Vamos combinar que o título do sexto disco de inéditas da britânica Little Simz, meio que dá a dica, já que a flor de lótus costuma estar associada ao renascimento e à renovação. E, após um período turbulento que envolveu não apenas de certa fadiga criativa, mas também a ruptura com o produtor Inflo - seu colaborador de longa data -, a alegoria dessa planta resiliente, que desabrocha até mesmo em locais inóspitos, parece mais do que perfeita. O que pode ser percebido na ferocidade das melodias, dos versos e do vocal cheio de intensidade - que convertem dor, frustração e sentimento de traição, em arte. Nesse sentido, canções como a inaugural Thief (Me fazendo sentir que eu era a convidada / Mas fui eu quem pagou pelo gato) e a sequência com Flood (Não confie em todas as mãos que você aperta) funcionam como uma espécie de carta de apresentação que expressa com absoluta sinceridade sentimentos como raiva e indignação. Misturando hip hop, jazz, soul, funk e R&B, a artista converte Lotus em uma experiência catártica tão vulnerável quanto esperançosa - o que pode ser percebido em momentos aconchegantes, como na sequência que envolve Peace e Free (esta última uma joia sofisticada a respeito do poder do amor como caminho para a libertação).

 

 


24) Sam Fender (People Watching): Em uma passada rápida em fóruns de discussão online sobre a obra do britânico Sam Fender, não é incomum encontrar comentários no estilo "essa é a melhor música do Bruce Springsteen já feita". Em linhas gerais essa análise poderia minimizar o impacto do artista, mas a verdade é que se trata de um grande elogio. Afinal, replicar o Boss naquilo que ele tem de melhor, que é trazer o cidadão comum pro centro da narrativa, com suas lutas diárias, dificuldades econômicas, aspirações frustradas e uma falta de esperança meio generalizada, e ainda fazer tudo isso com uma dose cavalar de personalidade, não é pra qualquer um. Em seu terceiro disco de inéditas, Fender pareceu condensar todas essas angústias da era moderna - com guerras, crises migratórias, tecnologia desenfreada e avanço da extrema direita -, em um registro quase cinematográfico da pequena cidade, tudo com aquela pegada de rock mais direto, de guitarras limpas e um tom épico meio geral (pra todo mundo cantar junto). O resultado são verdadeiros hinos políticos, como, por exemplo, a linda Crumbling Empire, que utiliza a imagem de uma cidade decadente, como uma alegoria para os anos privatizantes e de cortes do governo Thatcher, que até hoje massacram as classes mais baixas. Essencial.

 

 


23) Perfume Genius (Glory): Aparentemente a "temporada da feiura" ficou pra trás. Ao menos em tese, já que o sétimo registro de inéditas de Mike Hadreas como Perfume Genius, pouco lembra o hermético e pouco palatável Ugly Season, de 2022 - e que interromperia, ao menos de forma momentânea, a gradual aproximação do artista de uma sonoridade mais acessível, nostálgica e primaveril. É claro que neste trabalho os temas recorrentes do compositor - medos pós pandêmicos, isolamento e identidade queer - surgem iluminados por sintetizadores suaves e um certo minimalismo no todo, que parecem jogar algum tipo de luz sobre a escuridão. Um bom exemplo nesse sentido pode ser percebido justamente na inaugural It's a Mirror, que abre o registro. "Essa é uma canção sobre se sentir sobrecarregado, ou se sentir verdadeiramente mortal ou frágil" resumiu à Stereogum. Em outras faixas, como no single Clean Heart, o medo das mudanças e o senso de finitude dão o tom (O tempo, ele faz um coração limpo / Quando você está a quilômetros de distância de tudo). Soturno, delicado, melancólico, sobrenatural, grandioso. O Perfume Genius segue colocando beleza na esquisitice do mundo. 

 

 


22) TOPS (Bury the Key): Vamos combinar que esse ano foi tão impressionante do ponto de vista musical, que até aquelas bandas que não chamam muito a atenção, pareciam empenhadas em entregar o seu melhor lançamento em anos. E foi justamente esse o caso do TOPS e de seu quinto registro de inéditas. A capa, de tintas meio sombrias, pode até enganar os ouvintes desavisados, mas o que o grupo capitaneado por Jane Penny faz, aqui, é arredondar ainda mais o seu sophisti-pop etéreo, deixando-o ainda mais limpo, mais acessível. Claro que os trabalhos anteriores nunca foram aquele exemplar de som garageiro, mas aqui temos uma banda tão iluminada, que singles como ICU2 não fariam feio em algum disco do The New Pornographers. Em linhas gerais é até meio divertido ver canções de títulos potentes como Falling on My Sword - que parece saída de algum disco de love metal dos anos 80 -, fazendo de conta que há um peso a mais de guitarra, que nunca chega a se converter em um abalo roqueiro de fato. Até mesmo porque a natureza do TOPS sempre foram as canções pegajosas, de sintetizadores primaveris e guitarras arejadas, como no caso de Chlorine e Mean Streak.

 

 


21) Bon Iver (SABLE, fABLE): Desde que entregou ao mundo o elogiado Bon Iver, Bon Iver (2011), Justin Vernon estabeleceu sua sonoridade como uma espécie de sinônimo para melodias invernais (mas calorosas), de tintas introspectivas, delicadas, que pareciam crescer mesmo em um cenário minimalista. Elogiado pela crítica, o artista se viu estimulado a expandir sua música para além dos limites do folk econômico, que parecia saído de uma temporada de solidão no meio da floresta. O que não mudou? O desejo de construir canções sofisticadas, de arranjos sublimes e letras repletas de divagações fantasmagóricas, que nem sempre são facilmente compreensíveis. Talvez um pouco mais expansivo do que em outros trabalhos, o artista conecta pontos geográficos, estradas e espaços para uma série de reflexões sobre a necessidade de aceitar mudanças (AWARDS SEASON), a respeito da alegria de estar vivo (Everything Is Peaceful of Love) ou mesmo sobre o simples fato de chegar em casa e ter alguém pra amar (Walk Home). Há um aconchego no todo, mesmo quando há alguma estranheza. O peso emocional e a vulnerabilidade seguem como marcas. Mas há espaço para que os raios de sol apareçam. 

 

 

20) The Beaches (No Hard Feelings): Vamos combinar que, até pra fazer música bobinha, é preciso ter personalidade. Sim, porque se relacionamentos falhos, incertezas românticas ou paixões arrependidas costumam ser a matéria-prima ideal para uma banda de power pop festivo ainda na flor da idade, não tem porque ela ser apenas óbvia. Afinal, a gente pode até já ter ouvido essa guitarrinha acelerada antes, a bateria urgente e o estilo vocal meio Sleater Kinney tomando uma ducha de doçura, mas em 2025 ainda dá pra ser descolado, divertido e levemente anárquico dentro do estilo - como comprovam as meninas do The Beaches em seu terceiro registro de inéditas.Talvez esse seja mais um disco que não recebeu a devida atenção nesse ano. Mas quem se aventurar, dificilmente não abrirá um sorriso nostálgico frente a músicas envolventes e cheias de refrãos, como, Fine, Let's Get Married, Touch Myself ou Can I Call You In the Morning? - está última uma peça mal humorada, mas engraçadíssima, a respeito de uma relação tóxica em que os sentimentos de amor e ódio parecem andar lado a lado (Eu gostava da sua antiga banda, mas não das novas músicas / Devemos terminar então?).

 

 

19) Amber Mark (Pretty Idea): Em seu segundo registro de inéditas depois do espetacular Three Dimensions Deep, nosso primeiro colocado na lista de 2022, Amber Mark retorna com certa confiança suave, que só quem já entendeu os próprios limites (da era e do corpo) consegue entregar. O disco parece caminhar numa linha tênue entre o hedonismo das pistas e a introspecção do fim da noite, sem nunca deixar a sensação de que há algo profundamente humano costurando tudo. É pop, R&B e soul dançante, com tudo soando como um abraço daqueles que a gente aceita sem pensar muito. O que mais chama a atenção aqui é o modo como a artista organiza texturas: batidas elegantes, linhas de baixo que serpenteiam e uma produção que nunca tenta se impor. Faixas essenciais como Let Me Love You, Sweet Serotonin e ooo (a melhor do registro) fluem sem pressa, entre o calor e o aconchego. Há sempre um detalhe, seja um vocal sussurrado ou um sintetizador que entra só na metade, que segura o ouvido e acende aquele sorriso discreto de quem percebe que está ouvindo alguém no auge criativo. No fim, Pretty Idea é justamente isso: uma ideia bonita que se transforma em carne, ritmo e corpo. Um disco que não tem medo de ser delicado, mas também não teme o brilho. 

 

 

18) The Loft (Evertything Changes Everything Stays the Same): Vamos combinar que a gente chegou num ponto do consumo cultural que é tanta oferta que se torna meio que impossível não pensar que estamos deixando escapar algo. Sim, da série hypada ou da trend do Tik Tok do momento, passando pelo disco mais aguardado da estrela pop, muita coisa fica pelo caminho - e acho que esse é justamente o caso dessa estreia (!) carismática dos britânicos do The Loft, que me encantaram com as guitarrinhas perfumadas, os refrãos grudentos e as letras bem humoradas e irônicas, num estilo que mais parece uma mistura de Spoon com Real Estate. Apesar de serem anteriores a esses - o grupo existe há mais de quatro décadas e, sabe-se lá por quê, nunca tinha tido um álbum pra chamar de seu (e vai ver em 1985 isso aqui pareceria meio deslocado mesmo). Bom, o álbum chega anos depois em um período em que toda a música do planeta já parece ter sido feita. Nesse sentido, como emergir da bolhazinha alternativa para alcançar um nicho maior? Talvez o The Loft nem saiba direito. Mas enquanto isso, eles nos divertem com essa sonoridade pop retrô, primaveril e grudenta que embala as candidatas a hit Feel Good Now, Dr. Clarke, Somersaults e The Elephant. Vale o play.

 

 

17) Annahstasia (Tether): "Talvez eu seja uma moralista / Uma anticapitalista / Que vende seus sonhos por grana / Pra comprar seda e veludo". Pesquisando um pouco sobre a história da Annahstasia eu achei curioso que, próxima dos 30 anos de idade, e com essa voz de veludo de Tracy Chapman moderna, ela estivesse lançando apenas o seu primeiro disco. Mas as coisas logo ficaram claras: assim que surgiu para o mundo ainda adolescente, ensaiando as primeiras canções, não demorou para que um grupo de empresários quisesse transformá-la meio que na marra na mais nova estrela da temporada. Uma daquelas cantoras de pop e R&B insípidas, que existem a rodo por aí, ideais para o consumo rápido - e para o esquecimento idem. Mas a artista tinha outros objetivos. Que parecem ficar evidentes nas letras bastante íntimas e quase explícitas, como no caso da ótima Silk and Velvet, que abre esse pequeno texto. Bater de frente teve seu ônus, mas também seu bônus, como parece ficar evidente na audição de Tether. Esse é um daqueles discos com alma, que pega o folk e o rock e converte-o em algo quase espiritual, meio místico.  Para colocar no repeat. E ir absorvendo aos poucos. 

 


16) Blondshell (If You Asked for a Picture): Admito, pra eu gostar de um disco de arrancada, preciso me conectar rápido. Duas ou três audições e já tem que surgir algo - um refrão pegajoso, uma letra certeira, uma melodia que cola. Talvez por isso o debut autointitulado da Blondshell não tenha me fisgado de imediato. Não que fosse fraco, como provam faixas ótimas como Salad e Sepsis, mas Sabrina Teitelbaum ainda parecia acuada e menos feroz, marcada pelos anos pós-pandemia e por traumas que carregava. Bom, o tempo passou e com If You Asked for a Picture, é como se a artista tivesse, enfim, desabrochado, soando mais madura, mais segura, o que reflete na sonoridade que se abre para além daquele rock country noventista. A cantora continua afiada ao falar de sexo, relacionamentos, pressões sociais e misoginia, mas com agora com mais estrada, como quem finalmente se reconhece no processo, cria essa ponte imediata com quem a escuta. Nesse sentido, músicas como What's Fair, Two Times - que parecem uma mescla de Best Coast com Cranberries - e, especialmente, 23's A Baby exalam personalidade com sua poesia torta e provocativa, que parecem sutis apenas nas aparências. Riqueza pura.

 

 


15) Pulp (More): Só o Pulp pra lançar um disco tão... Pulp em pleno 2025. E eu confesso que eu não estava preparado pra simplesmente gostar do álbum. Sabe aquele retorno que tu nem ouviu e já não gostou? A minha energia tava meio que nessas até o momento de ouvir More a primeira vez. A segunda. A terceira. Nesse momento eu já tava cantando junto o refrão grudento de Grown Ups, uma canção longa e gloriosa sobre amadurecimento, cheia de citações culturais e uma poesia que faz a gente navegar diretamente praquele climinha brit pop 90. Vinte e quatro anos se passaram desde o último registro de Jarvis Cocker e companhia e, bem, eles soam como se estivessem nisso há décadas (e a real é que estão). Mesclando a possibilidade de dar uns passinhos animados nos inferninhos alternativos, mas sem deixar de lado as letras provocativas e cheias de ironias sobre temas sérios como fanatismo religioso (Slow Jam), ou mundanos como amores platônicos e perturbados (Tina), a banda constroi um disco que surpreende pela vitalidade. Aliás, Got to Have Love tem uma das melhores frases do trabalho: Sem amor você está apenas se masturbando dentro de outra pessoa. O homem sabe das coisas.

 

 

14) Lorde (Virgin): Quando Lorde lançou o Solar Power (2021), a opinião da crítica e do público foi meio que unânime: o terceiro disco da neozelandesa parecia deslocado do seu tempo. Ainda mais depois do impacto de Melodrama (2017), nosso primeiro colocado na lista daquele ano, que permanece, com seu apelo à dança solitária e frenética no escuro, como um dos registros mais importantes da década anterior. E, bom, passado todo esse tempo chegamos à Virgin que é, com seus sintetizadores sombrios e letras bastante confessionais, um retorno às origens. Por mais batido que possa parecer esse conceito. E esse tipo de renascimento observado nas canções - cheias daquela melancolia movimentada, que funciona com fones de ouvido na madrugada do quarto, mas também em danças hipnóticas nos inferninhos da vida -, também dialoga com uma série de aspectos da vida pessoal da artista. O resultado é uma coleção de canções que já nascem com aquela cara de hino com refrãos pegajosos, como no caso de Man of The Year,  Favourite Daughter e Broken Glass. Visceral, sexy, adulto, mundano e totalmente conectado com os dilemas contemporâneos. Lorde sendo Lorde era só o que precisávamos nesse 2025.

 

 


13) tUnE-yArDs (Better Dreaming): Talvez um pouquinho menos agitado como no anterior sketchy. (2021), mas ainda o Tune-Yards que conhecemos bem. Aliás, taí uma banda que faz o seu trabalho direitinho e, em muitos casos, acaba passando meio fora do radar, sempre mesclando folk psicodélico e pop experimental, com influências de afrobeat, hip hop e eletrônica. Tudo a serviço das letras políticas, eventualmente alegóricas, em que os temas mais íntimos servem como metáfora para questões mais amplas. O que pode ser comprovado no ótimo single Limelight, canção de letra ambígua (O bebê está bem, as crianças estão bem), que conduz o ouvinte em meio a uma sonoridade sessentista, funky e quente, com batidas hipnóticas, vocais em loop e percussão pontuada por barulhinhos bem encaixados. Aliás, esse contraste entre as melodias festivas, primaveris e os versos potentes é uma marca registrada, como comprovam outros momentos de brilho no registro, casos de Heartbreak e Get Through, forte candidata a ser uma das músicas do ano. Provavelmente Better Dreaming passará batido em outras listas de final de ano. Mas faça um favor a você mesmo: não o ignore.

 

 

12) Taylor Swift (The Life of a Showgirl): Apenas por curiosidade resolvi abrir alguns fóruns online pra ver o que os ouvintes estavam falando sobre o décimo segundo disco da Taylor e confesso a vocês que fiquei impactado em como as pessoas levam a sério o trabalho da loirinha! De comentários maldosos sobre ela estar sendo uma paródia de si própria, passando por discursos moralistas a respeito das letras tardiamente safadas da artista (como em Honey) e críticas a um certo cansaço da imagem, até chegar ao auge de alguém dizer que ela só faz música pra atender o seu público, não seguindo seu coração, aparentemente tudo está em julgamento. Com o público, aparentemente, esperando que a artista seja uma espécie de baluarte da salvação da música em 2025. Mas, vamos combinar que talvez ela só esteja feliz, convertendo essa alegria de um novo amor em um disco cheio de petardos brilhosos pra cantar junto, como as ótimas Opalite, Father Figure e The Fate of Ophelia (esta última com citações à Shakespeare, pra quem tá sedento por profundidade). Não é todo o dia que a gente precisa de uma dissertação de Mestrado musical. Às vezes só queremos boa música pra lavar a louça em paz. É é o que temos aqui. 

 

 

11) Wolf Alice (The Clearing): Vamos combinar que, quando o assunto é a música alternativa, existem algumas bandas que são apostas certeiras. Daquelas que praticamente não têm como dar errado. E esse é justamente o caso dos ingleses do Wolf Alice. Mais maduros e, consequentemente mais preocupados com questões que dizem respeito aos trinta mais, o grupo capitaneado por Ellie Rowsell, nunca soou tão limpo. É como se o seu soft rock psicodélico, antes diluído em algum tipo de plasma que o deixava mais garageiro, mais sujo, agora tivesse passado por um polimento. Uma vontade pessoal de se aproximar de um público mais amplo? Talvez. Um bom exemplo desse expediente pode ser percebido na pegajosa Just Two Girls, que não apenas tem aquela pegada mais setentista e estrutura clássica de  estrofe e refrão, como ainda possui uma letra comovente sobre amizade entre duas mulheres, ecoando sentimentos de vulnerabilidade, julgamentos e inseguranças (Apenas duas garotas / Como duas crianças no parque / Aqui está o palco, você é a estrela). Mas há outros instantes de brilho, como em Play It Out Thorns, Bloom Baby Bloom ou White Horses, que crescem a cada audição.

 

 


10) FKA Twigs (EUSEXUA): Pode parecer meio estranho pensar que na mesma semana em que FKA Twigs recebeu a indicação ao Framboesa de Ouro por sua participação na releitura cinematográfica de O Corvo, ela lançou um dos melhores discos do ano - e que ambas as obras estão conectadas de alguma forma. Afinal, foi durante as filmagens da obra em Praga, que a artista passou a frequentar casas noturnas da capital da República Tcheca, com a vida da madrugada servindo de inspiração para um disco etéreo e hipnótico, com uma mistura moderníssima, enigmática e sensual de techno, trip hop, psicodelia, R&B e popEusexua, de acordo com a cantora, é um neologismo que descreve uma sensação de euforia tão intensa que transcenderia a forma humana. Estado de espírito palpável seja nas letras ambíguas e excitantes, como em Girl Feels Good (Quando uma garota se sente bem / Isso faz o mundo girar), nos vocais sussurrados e arfantes (Striptease) ou na produção limpíssima. Ao cabo, é sempre bom ouvir artistas que fogem do óbvio. E que não tem vergonha de misturar sexo, niilismo, vagabundagem, diversão, Ray of Light, Björk e violência no mesmo conjunto. É tesão, suor e lágrimas enquanto o mundo se despedaça.  

 

 

9) Billy Woods (GOLLIWOG): Uma espécie de "estética do desconforto", que visa tensionar questões de identidade, diáspora, trauma e sobrevivência - estabelecendo, ainda, diálogo direto com a herança colonial e com o uso de representações racistas como instrumento de poder, violência simbólica e apagamento cultural. Se fosse possível resumir (e não é) o denso trabalho do enigmático rapper Billy Woods ele iria mais ou menos por esse caminho. - e não é diferente com Golliwog, o nono disco de estúdio do artista. Como se fosse uma espécie de conto cinematográfico e surrealista ao mesmo tempo de horror e de humor, o álbum funciona como uma metáfora mais do que certeira do olhar distorcido que a sociedade projeta sobre corpos negros. Em resumo, uma crítica incisiva ao modo como esses estereótipos persistem nos tempos atuais - de avanço da extrema direita -, mesmo que de formas sutis. Violência doméstica (Waterproof Mascara, que ecoa o som de uma mulher chorando), distopias religiosas (Corinthians), afrofuturismo (Jumpscare) e tantos outros temas explodem em uma sonoridade fantasmagórica e sombria, com os versos espalhados surgindo lentos, mas cheios de potência. Tente ficar alheio à profusão de sentimentos evocados por STAR87. Difícil sair ileso.

 

 

8) Big Thief (Double Infinity): "Essa música surgiu como tantas outras, sem pensar muito". Vamos combinar que se fosse outra artista falando essa frase, que não a Adrianne Lenker, e ela poderia soar apenas presunçosa. Mas não é o caso da vocalista do Big Thief, porque é impressionante a capacidade dela - e de sua banda - de simplesmente produzirem grandes canções, sem que haja um grande esforço. Com o resultado sempre sendo uma coleção impecável de discos, que tem por marca aquele indie folk encharcado, meio diluído em névoa, que se torna gigante não pelo grande aparato tecnológico, mas sim pela sua total discrição. Tudo soa moderado, mas rigoroso. "É uma canção espiritual sobre fazer amor. É sobre tirar essa vergonha dos nossos corpos, do nosso sexo, da nossa cultura", comentou ao site inglês INews, a respeito de All Night All Day, a tal canção feita sem "muito pensar", que integra o Double Infinity. Ainda assim, é importante reiterar que simplicidade, nunca significa falta de brilho ou personalidade, como comprovam a ótima Incomprehensible (sobre o medo de envelhecer e a efemeridade da juventude) e a melodiosa Grandmother, que fica mais poética com a presença da cítara. 

 

 

7) Kali Uchis (Sincerely,): Sinceramente, Kali Uchis, te amamos. Acho que não há nada mais pra falar quando uma artista produz tanto e tão bem. Lançado um ano e meio depois do ótimo Orquídeas - nosso 12º colocado na relação de grandes discos de 2024 -, Sincerely, se apresenta como uma experiência evocativa, entre o cósmico, o onírico e o primaveril, numa mistura cheia de personalidade em que o R&B nunca parece óbvio, o soul é permanentemente sofisticado, o pop oitentista é refrescante e as tintas latinas se espalham pelas franjas com economia. Tudo executado com uma produção soberba, limpa, que se aproveita do vocal celestial de Uchis, para levar suas canções a um patamar mais alto, como se cantadas de cima, gerando uma sensação de conforto poucas vezes experimentada. Uchis foi mãe recentemente. E perdeu a sua própria mãe no começo desse ano, num desses paradoxos que parecem ideias para a arte. Nesse sentido, os temas de memória, dores, amores e incertezas existenciais se convertem na matéria-prima perfeita para um álbum que soa meditativo, e que vai crescendo a cada nova audição, como comprovam às belíssimas Heaven is Home..., Territorial, All I Can Say ou ILYSMIH

 

 

6) CMAT (Euro-Country): Já faz umas três temporadas que sempre que a CMAT lança um novo disco, ele vai imediatamente pras cabeças. Ninguém por aqui deu muita bola quando ela entregou, em 2022, o segundo melhor álbum daquele ano, mas agora tá com cara de que ela furou a bolha. Até porque na lista de melhores artistas da última semana que ninguém ouviu (mas já deveriam ter ouvido), poucos terão a capacidade única de unir letras debochadas - pontuadas por uma série de críticas e comentários sociais e políticos ácidos e cínicos -, com violões country e arranjos pop perfeitos como ela. Como em seus registros anteriores, esse é um disco de dor e de humor, que ri de si, mas que também examina as crises atuais com sincera confiança. Um bom exemplo dessa mistura pode ser percebido no sofisticado single Take A Sexy Picture of Me, que discute imagem e aceitação, a partir de uma experiência pessoal, em que a irlandesa sofreu uma onda de hate após um vídeo. Político mas cintilante, reflexivo mas agridoce, esse é um álbum que parece se expandir a cada nova audição. O que faz com que ótimas músicas como When a Good Man Cries ou  Running/Planning se tornem melhores a cada repetição! 

 

 

5) Lady Gaga (MAYHEM): Um disco de inéditas que mais parece uma coletânea que condensa tudo aquilo que a Lady Gaga entregou para os fãs ao longo de sua carreira: assim pode ser resumida a experiência com esse sensacional MAYHEM. Sim, a gente sabe que na era do "sou fã quero service" é meio chato o público ficar meio que ditando aquilo que o artista deve ou não fazer, mas o caso é que basta chegar na metade do hipnótico single Abracadadra, para nos sentirmos diante da Lady Gaga raiz. Gaga, que se apresentou no Brasil em maio, sabe fazer música pop dançante como ninguém afinal. Só que é importante dizer: esse aceno ao passado jamais significa obviedade. A artista nos convida pra dança, mas mostra a personalidade de sempre em faixas que flertam como outros estilos e subgêneros como o grunge eletrônico (Perfect Celebrity), o rock das rrriot girls (Garden of Eden), o funk de levada noventista (Killah), a inspiração na Taylor (How Bad do U Want Me, a minha preferida), o gótico (The Beast), a baladona romântica (Blade of Grass). Empoderado e celebratório, é um registro que só cresce conforme o ano se aproxima do final.

 

 


4) Benjamin Booker (Lower): Alguns discos são tão prazerosos de se ouvir, que mais parecem um abraço de alguém que a gente gosta. É uma sensação de conforto. De acalento. E essa pluralidade de sentimentos é exatamente o que ocorre quando escutamos o lindo Lower. Ao cabo, tudo é perfeito nesse trabalho, que inicialmente se destaca pelo estilo vocal sedutor e aveludado do artista - que funcionará como uma espécie de fio condutor de canções que se espalham em histórias suburbanas (e violentas), devaneios existencialistas e alegorias desconfortáveis e cômicas de uma forma meio torta. Sim, cômicas, como no caso de Rebecca Latimer Felton Takes a BBC, canção sobre sexualidade e racismo, que coloca o dedo na ferida da hipocrisia dos conservadores. Em linhas gerais as entrevistas de Booker e as próprias explicações sobre o significado de suas canções são pontuadas por tiradas bem humoradas, ainda que jamais ignorem a complexidade do fazer artístico - como no caso da perfeita Same Kind of Lonely, que é meio que a melhor canção do ano sobre solidão e o desejo de recomeçar em um outro lugar Neo soul, psicodelia sessentista, art rock e até bedroom pop. Está tudo lá, redondinho e irresistível.

 

 

3) Rosalía (LUX): Vamos combinar que, assim como ocorreu com o BRAT, em 2024, nesse ano o evento musical mais aguardado, comentado, viralizado foi o LUX, da Rosalía. Mas, preciso ser honesto com vocês: talvez o quarto registro de inéditas da artista espanhola não tenha o mesmo potencial de difusão rede afora, como no caso do disco da Charli XCX, mas, musicalmente, meus amigos, aí é AULAS! Porque, aqui, não temos apenas música pop contemporânea. É multiplicidade de gêneros, de estilos, de ideias, de culturas e até de mundos - físico e espiritual, terreno e divino, concreto e abstrato (numa dualidade que parece estar no conceito). Um pouco ópera ao piano, um tanto de cordas épicas e elevadas. Uma pitada de flamenco, outra de rap japonês, uma dose de uma eletrônica meio mística, que se junta a orquestração da música clássica - com todo esse conjunto funcionando muito bem no single Reliquia. Tudo no limite entre o divino e o profano, a fé e a carne. Quase como um ritual onde a música é muito mais trajetória do que chegada. Sim, honestamente é até difícil resumir, que não seja no modo "apenas ouça pra entender". Na dúvida comece pela divertidíssima La Perla, talvez a melhor música do ano.

 

 

2) Nourished By Time (The Passionate Ones): Paixão, fé, revolta política, falta de dinheiro, guerra, consumismo, lavagem cerebral. Vamos combinar que poucos artistas da atualidade mesclam tão bem as experiências pessoais - que envolvem dificuldades financeiras, incertezas sobre o futuro e até a análise do poder transformador da arte -, com questões mais amplas sobre as falhas do capitalismo tardio e sobre ser uma minoria nos Estados Unidos, como o Nourished by Time. Com um elogiado disco de estreia na bagagem, Erotic Probiotic 2 (2023), Marcus Brown evolui ainda mais na coesão entre R&B experimental, bedroom pop e neo soul, em um projeto cheio de vigor, com seu vocal espectral se mesclando à sintetizadores sedutores, pianos levemente caóticos e cordas estranhas. Em linhas gerais é um tipo de som até meio difícil de definir. A um amigo, comentei que a coisa toda lembrava uma junção do TV on the Radio com o Jamie XX - especialmente no componente da estranheza, com melodias que olham para o futuro, mas também honram o passado, como no caso da sofisticada 9 2 5, que tem um quê meio Chaka Khan. Enfim, um discaço de um artista com alma, que veio para ficar.

 

 

1) Joy Crookes (Junipero): Acho que o disco que mais me impactou na lista daqueles que ninguém ouviu em 2025 foi esse Junipero da Joy Crookes. Sabe aquele álbum que é exatamente aquilo que você precisa em certo momento? Que conecta imediatamente com, sei lá, a alma? Foi o que me ocorreu quando ouvi esse desfile de canções sofisticadas, que fundem R&B, jazz e pop adulto contemporâneo, com um pezinho no trip hop. Tudo empacotado pela voz aconchegante da artista, que parece ficar perfeita não apenas como trilha sonora noturna, daquelas que percorre os bares mais interessantes, mas também para o dia levemente ensolarado, talvez à beira de uma piscina, com um drink à mão. O resultado são verdadeiras obras-primas da música moderna, como a irresistível e acetinada Pass the Salt, feita em parceria com Vince Staples. Já a deliciosa Carmen, interpola Bennie & The Jets, do Elton John. Mas, sinceramente, pessoal, aqui é até difícil falar de músicas em específico, porque tudo é perfeito demais. First Last Dance, Somebody to You, Mathematics, House With a Pool, Mother, enfim, é até complicado selecionar aquela que se destaca. Tudo é destaque, afinal. Só dê o play. De nada.