quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

7 Considerações Sobre os Indicados ao Oscar 2025

Bom, como vocês já sabem, a Academia divulgou na manhã desta quinta-feira os indicados ao Oscar 2025 - a premiação ocorre no dia 02 de março e, para nós brasileiros, promete ser o maior evento cinematográfico da história recente. Tanto que ainda estamos aqui e emocionados, pra elaborar essa rápida listinha com as nossas considerações sobre indicados, esquecidos, surpresas e tudo o mais!

1) Antes de mais nada PARA TUDO que Ainda Estou Aqui fez história ao ser indicado não apenas na categoria Filme em Língua Estrangeira - e até havia alguma dúvida de que alcançaríamos esse feito, dada a qualidade natural dos nominados (quase sempre a melhor produção do País naquele ano, ou a que mais merece reconhecimento) -, mas também na de Melhor Filme! MELHOR FILME! Em quase 100 edições do Oscar essa é a primeira vez que isso acontece - de um filme brasileiro ser lembrado na categoria máxima, o que aumento E MUITO as nossas chances. 

 


 

2) E a cereja do bolo é a indicação da Fernanda Torres como Atriz, aumentando a visibilidade e as expectativas, após a conquista do Globo de Ouro! A maior "rival" na categoria segue sendo a Demi Moore pelo trabalho espetacular em A Substância - o que comprova que nesse quesito o carecão de ouro vai estar em boas mãos. Claro que a gente vai estar na torcida pela nossa Fernanda totalmente INDICADA! Mas o que vier daqui pra frente, é lucro. Em tempo, fecham a categoria de Melhor Atriz Cynthia Erivo por Wicked, Mikey Madison por Anora e Karla Sofía Gascón por Emilia Perez.

3) Aliás, falando em Emilia Pérez ele é a nossa verdadeira pedrinha no sapato para a premiação desse ano. O filme, que ainda não assistimos, tem sido divisivo, gerado polêmica e uma sensação de ame ou odeie - o que nesse meio também pode ser positivo (para ele), por conta do buzz gerado. O filme que representa a França - mas se passa no México -, foi lembrado em 13 categorias. Claro que isso não significa vitória, ainda mais em um cenário de incerteza, como parece ser o desse ano. De acordo com o Dalenogare, no canal dele, o fato de Ainda Estou Aqui ter sido lembrado a Melhor Filme aumentas as chances nas outras duas categorias, já que tudo daqui pra frente, nesse mês todo, é um novo jogo.

4) Em tempo, O Brutalista, um épico histórico sobre a experiência imigrante, que ainda não conferimos, e Wicked, a versão cinematográfica de sucesso da Broadway - que estamos com ZERO ÂNIMO de conferir - receberam 10 indicações. Conclave, ótima surpresa do começo do ano sobre os bastidores da eleição do Papa - resenha em breve -, e Um Completo Desconhecido -, um olhar sobre os primeiros anos do Bob Dylan, foram lembrados em oito categorias, sendo esses os principais filmes na disputa. 

 


 

5) Claro que por mais emocionados que estejamos, não é difícil perceber que esse parece um ano meio fraco cinematograficamente falando, com poucas obras que se sobressaem ou que são unanimidade. A parte boa é que isso torna tudo ainda mais imprevisível - o que é bom para nós e para a nossa torcida.

6) Em relação às surpresas, vale comentar que o próprio A Substância é uma ótima surpresa na categoria máxima - um body horror exagerado, maravilhoso e repulsivo, que é um tipo de filme que não costuma ser atrativo entre os votantes. Talvez para os americanos e para alguns de nós, a Fernanda chegar à Atriz também seja surpreendente, por mais que o nosso patriotismo (o nosso, não o daqueles que batem continência pra bandeira estadunidense) estivesse em alta. E, bom, nem precisamos dizer no quão surpreendente foi a obra de Walter Salles chegar à categoria máxima!

7) Sobre os esnobados, penso que havia algumas certezas que parecem não ter se confirmado - caso das atrizes Pamela Anderson, por The Last Showgirl e Nicole Kidman, por Babygirl, além da Angelina Jolie por seu trabalho tão elogiado em María.  A ausência de Rivais, em Trilha Sonora, também surpreende, dada a ótima receptividade do trabalho de Trent Reznor e Atticuss Ross, premiados mundo afora. Aliás, Rivais acabou por ser uma decepção como um todo e a campanha de lembrança parece não ter funcionado. No mais, fora o esquecimento de diretores como Edward Berger por Conclave, numa categoria disputadíssima, não há grandes esnobadas a serem destacadas, ao menos inicialmente.

E, bom, que venha o Oscar!

 

Melhor Filme

    Anora
    O Brutalista
    Um Completo Desconhecido
    Conclave
    Duna: Parte Dois
    Emilia Pérez
    Ainda Estou Aqui
    Nickel Boys
    A Substância
    Wicked



Melhor Atriz

    Cynthia Erivo - Wicked
    Karla Sofia Gascón - Emilia Pérez
    Mikey Madson - Anora
    Demi Moore - A Substância
    Fernanda Torres - Ainda Estou Aqui

 

Melhor Ator

    Adrien Brody - O Brutalista
    Timothée Chalamet - Um Completo Desconhecido
    Colman Domingo - Sing Sing
    Ralph Fiennes - Conclave
    Sebastian Stan - O Aprendiz

 

Melhor Direção

    Sean Baker - Anora
    Brady Corbet - O Brutalista
    James Mangold - Um Completo Deconhecido
    Coralie Fargeat - A Substância
    Jacques Audiard - Emilia Pérez



Melhor Filme Internacional

    Ainda Estou Aqui
    A Garota da Agulha
    Emilia Pérez
    A Semente do Fruto Sagrado
    Flow



Melhor Atriz Coadjuvante

    Monica Barbaro - Um Completo Desconhecido
    Ariana Grande - Wicked
    Felicity Jones - Brutalista
    Isabella Rossellini - Conclave
    Zoe Saldaña - Emilia Pérez



Melhor Ator Coadjuvante

    Yura Borisov - Anora
    Kieran Culkin - A Verdadeira Dor
    Guy Pearce - Brutalista
    Jeremy Strong - O Aprendiz
    Edward Norton - Um Completo Desconhecido



Melhor Roteiro Original

    Anora
    Brutalista
    A Verdadeira Dor
    Setembro 5
    A Substância



Melhor Roteiro Adaptado

    Um Completo Desconhecido
    Conclave
    Emilia Pérez
    Nickel Boys
    Sing Sing 



Melhor Animação

    Robô Selvagem
    Divertida Mente 2
    Flow
    Wallace & Gromit: Avengança
    Memoir of a Snail



Melhor Documentário

    Black Box Diaries
    No Other Land
    Porcelain War
    Trilha Sonora Para um Golpe de Estado
    Sugarcane



Melhor Trilha Sonora Original

    O Brutalista
    Conclave
    Emilia Pérez
    Wicked
    Robô Selvagem



Melhor Fotografia

    O Brutalista
    Duna: Parte Dois
    Emilia Pérez
    Maria
    Nosferatu



Melhor Montagem

    Anora
    O Brutalista
    Conclave
    Emilia Pérez
    Wicked



Melhores Efeitos Especiais

    Alien: Romulus
    Better Man
    Duna: Parte Dois
    Kingdom of Planet of the Apes



Melhor Figurino

    Conclave
    Wicked
    Nosferatu
    Um Completo Desconhecido
    Gladiador II



Melhor Maquiagem e Penteado

    Um Homem Diferente
    Emilia Pérez
    Nosferatu
    A Substância
    Wicked



Melhor Direção de Arte

    Duna: Parte Dois
    Wicked
    O Brutalista
    Nosferatu
    Conclave



Melhor Som

    Um Completo Desconhecido
    Duna: Parte Dois
    Emilia Pérez
    Wicked
    Robô Selvagem



Melhor Curta-Metragem

    ALien
    Anuja
    I'm Not a Robot
    The Last Ranger
    The Man Who Could Not Remain Silent



Melhor Curta Animado

    Beatuitul Men
    In the Shadow of the Cyrpess
    Magic Candles
    Wander to Wonder
    Yuck!


Melhor Curta Documentário

    Death by Numbers
    I am Ready, Warden
    Incident
    Instruments of a Beating Heart
    The Only Girl in the Orchestra



Melhor Canção Original

    "El Mal" - Emilia Pérez
    "The Journey" - The Six Triple Eight
    "Like a Bird" = Sing Sing
    "Mi Camino" - Emilia Pérez
    "Never Too Late" - Elton John: Never Too Late


terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Novidades em Streaming - A Besta (La Bête)

De: Bertrand Bonello. Com Léa Seydoux, George Mackay e Guslagie Malanda. Ficção científica / Drama / Romance, França, 2023, 146 minutos.

Existe uma frase meio de autoajuda que diz que se pensarmos (ou nos preocuparmos) demais com o futuro, acabamos por não viver o presente. E, em alguma medida, talvez essa sentença dialogue com a ficção científica existencialista A Besta (La Bête), que estreou na Mubi há algumas semanas. Na trama, passado, presente e futuro se entrelaçam para compor uma distopia onde as pessoas buscam, a cada dia, formas de refrear as suas emoções. Afinal, em um mundo tão individualista, hedonista e tecnológico, os sentimentos - quaisquer que sejam -, podem ser um problema. Amor? Raiva? Tristeza? Tesão? Melhor evitar e se tornar um ser domesticado, que se ajusta a esse ambiente insípido, cada vez mais distante da experiência humana. O ano é 2044 e é nesse contexto que Gabrielle (Léa Seydoux) aceita fazer parte de um experimento que lhe promete a purificação do DNA.

A ideia é conseguir um emprego em um cenário de dominação da inteligência artificial, com mais de 60% de população ociosa. Em uma grande banheira inundada por um líquido preto - algo viscoso, parecido com petróleo -, a protagonista recebe uma injeção no ouvido. A picada - feita, aliás, com uma agulha gigantesca -, lhe permitirá viajar para o passado. E para vidas anteriores. Na primeira, em 1910, a jovem é uma proeminente pianista, que frequenta festas chiques acompanhada de seu marido, um rico fabricante de bonecas. Na segunda, em 2014, ela é uma modelo e atriz participando de uma série de entrevistas de emprego. Em cada uma dessas eras, um ponto em comum: os encontros recorrentes com Louis Lewanski (George Mackay), que pode ser um charmoso aristocrata no período antigo ou um incel incapaz de se relacionar com mulheres, permanecendo virgem aos 30 anos.

 

 

Olhando assim tudo parece meio simples de entender, mas esse é aquele tipo de obra que exige do espectador a atenção aos detalhes. No centro da narrativa está uma espécie de exame da mente humana, envolta em medos onipresentes, às vezes escondidos, noutros mais evidentes. Parece que sempre temos receio de que algo muito ruim vai acontecer. Guerras, pandemias, enxurradas, destruição do meio ambiente, dominação tecnológica, violências de todos os tipos, de onde menos se espera. Se a gente deveria jogar luz para o passado para não repetir erros no futuro, talvez não estejamos fazendo a coisa da maneira correta. Simbolizada por um pombo invasor, a maldade pode ser inesperada ou premeditada, com resultados fatais independente da época (e não deixa de ser interessante notar como o sempre provocativo diretor Bertrand Bonello se utiliza de eventos reais para ilustrar seu ponto, seja uma enchente terrível ocorrida em 1910 ou um massacre perpetrado por um misógino desesperado em 2014).

Simbólica, excêntrica e alegórica, essa é uma experiência que pode ser meio complicada em um primeiro momento. Um quebra-cabeças fragmentado e cíclico que parece funcionar como um alerta para o estado das coisas. Se em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), os protagonistas procuram um procedimento para deletar a pessoa amada de suas mentes, após a dor de um rompimento amoroso, aqui temos a a ampliação desse conceito - como se o excesso de medicamentos para os mais variados distúrbios psicológicos já não fosse mais do que suficiente. É preciso extirpar da alma essa consciência, que nos torna vivos. E que nos faz sentir. Eliminar traumas passados, herdados por séculos. Que infectam o inconsciente. Talvez um estoicismo forçado. Que nos torne apáticos, alheios. E bastante ajustados a um futuro em que seremos atendidos por robôs e por máquinas, enquanto checamos mecanicamente a temperatura de placas aparentemente inúteis. Estéreis. No mínimo pra nos fazer pensar.

Nota: 8,0


segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Tesouros Cinéfilos - Inverno da Alma (Winter's Bone)

De: Debra Granik. Com Jennifer Lawrence, John Hawkes e Dale Dickey. Drama / Suspense, EUA, 2010, 100 minutos.

O famoso frio de renguear cusco, como dizemos aqui no Sul do mundo, é uma sensação absolutamente palpável no melancólico Inverno da Alma (Winter's Bone), filme dirigido por Debra Granik, que completa quinze anos de lançamento em 2025. Em alguma medida, essa é uma obra simples, que versa sobre amadurecimento mas em um contexto bem diferente daquele que assistimos em produções indie sobre adolescentes classe média sofrendo bullying ou se esforçando para um primeiro beijo (que, dada a timidez galopante e a falta de qualquer traquejo social eles sequer merecem). Aqui, o cenário é a zona rural do Missouri, onde a jovem de 17 anos Ree Dolly (Jennifer Lawrence, em seu primeiro papel de destaque), se esforça para cuidar dos seus dois irmãos pequenos e da mãe que sofre com demência, em um cenário de precariedade e de todo o tipo de ausência (inclusive de alimento).

Ajudada aqui e ali por uma afável vizinha, que cria animais e parece ter um pouco mais de recursos - mesmo em um espaço isolado e inóspito (sim, a sensação de frio parece saltar da tela, seja pela neve ou pela floresta discreta e cinza) -, Ree recebe uma notícia que piora tudo, quando um delegado de polícia bate a sua porta. Ou ela localiza o pai, um traficante de metanfetamina (seu nome é Jessup) que descumpriu a liberdade condicional e está foragido, ou ela e a sua família precisarão entregar a casa - o único bem que resta e que está alienado à justiça. Há uma data de limite para isso e que envolve o comparecimento do pai à corte local. Sendo seu paradeiro desconhecido, Ree empreenderá uma verdadeira via crúcis em casas da vizinhança, percorrendo estradas e terrenos e encontrando, aqui e ali, figuras que possam saber qualquer notícia sobre o genitor. O relógio está correndo e é contra ele que Ree está brigando.


 

No meio do caminho, ela estabelecerá contato com Teardrop (o ótimo John Hawkes), um viciado em metanfetamina, que talvez possa saber algo. Além dele, Ree confronta o chefão do tráfico local, um certo Thump Milton (Ronnie Hall) e não é preciso dizer que toda essa movimentação chamará a atenção - também da bandidagem. Como não poderia deixar de ser, a violência parece rondar esse espectro provinciano que parece parado no tempo. Ree avança, aos trancos e barrancos, cruzando cercas e lugares, mas sem ter a certeza de que faz qualquer avanço. Aliás, como espectadores, a impressão de que temos em certa altura é a de fazermos voltas no mesmo lugar, junto da protagonista. O pai, sequer sabemos se está vivo. Talvez nem esteja. E algumas pessoas, mais adiante, talvez desejem ver Ree morta. Especialmente por chafurdar onde não devia.

Indicado à Melhor Filme e à Roteiro Adaptado no Oscar 2011, a produção também levaria Jennifer Lawrence e John Hawkes à nominação, sendo lembrados pela Academia nas categorias Atriz e Ator Coadjuvante. Aliás, uma obra pequena em tamanho e que depende muito dos diálogos (bem como dos silêncios e olhares), tem como destaque justamente as atuações - críveis e potentes. Lawrence, por sinal, é convincente como a jovem interiorana de perfil embrutecido e expressão severa, que encontra pouco espaço pra respiro em meio ao jogo de mentiras e às ameaças que lhe rondam. É quase raro vê-la sorrir, o que só ocorre perto do esperançoso final. Já Hawkes converte Teardrop em uma figura complexa e ambígua, que faz com que desconfiemos e nos afeiçoemos de suas atitudes em igual medida. Tecnicamente bem executada, essa segue sendo uma experiência sombria e  amarga, que apresenta um outro lado do sonho americano. Que, na realidade, mais parece um pesadelo.


Novidades em Streaming - Kneecap: Música e Liberdade (Kneecap)

De: Rich Peppiatt. Com Liam Óg Mo Chara Ó Hannaidh, Naoise Móglaí Bap Ó Cairealláin, JJ Ó Dochartaigh e Michael Fassbender. Drama / Comédia, Irlanda, 2024, 90 minutos.

Não fosse a vida real e talvez um trio de rap de Belfast, cantando músicas provocativas e iconoclastas na língua irlandesa, conquistando o público com seu flow envolvente, talvez só fosse possível na ficção. Mas o caso é que a banda Kneecap não apenas existe de verdade, como lançou seu primeiro (e elogiado) álbum em 2024 - se chama Fine Art. E como a história é, de fato, muito boa, o trio formado por Liam Óg Mo Chara Ó Hannaidh, Naoise Móglaí Bap Ó Cairealláin e DJ Próvai, ainda foi tema do filme de mesmo nome - uma narrativa ficcional sobre como eles se conheceram (de uma forma quase aleatória) para, mais tarde, atrair multidões para suas energéticas apresentações. Movidos pelo nacionalismo - reforçado pela manutenção de seu idioma -, os músicos desenvolveriam uma predileção por temas sociais, políticos e religiosos, convertendo sua arte em veículo de combate ao domínio britânico e de exaltação a uma identidade irlandesa.

Sim, talvez não seja muito simples compreender os bastidores dessas disputas centenárias que envolvem os países do Reino Unido - o que só é possível com um bom material de apoio. Ainda assim devo dizer que essas disputas entre católicos e protestantes, entre nacionalistas irlandeses e unionistas quase fica em segundo plano, perante o poder da música e do impacto cultural como um todo. Claro que no cerne do debate está o soft power que só a arte possibilita - o que torna a experiência ainda mais irresistível. "Em todo o mundo uma língua indígena morre a cada 40 dias", recorda um letreiro, antes dos créditos finais. A luta de Mo Chara, Móglai Bap e DJ Próvai é contra esse apagamento. Afinal seria muito cômodo fazer parte da cultura hip hop tendo como base a língua do colonizador. Muito mais fácil de furar a bolha, vamos combinar, e basta pensar nos nossos artistas e de como eles alcançam outros públicos ao adotar o inglês.

 

 

Certo ou não, o fato é que a divertida e corrosiva obra do diretor Rich Peppiatt - que é o enviado da Irlanda ao Oscar, na categoria Filme em Língua Estrangeira -, nos faz pensar sobre todas essas questões. Com muito senso de humor e sem muito espaço para o mero autoelogio. Sim, a banda pode até ter talento e ter demorado para emplacar, dados os preconceitos, mas Mo Chara e Móglai Bap, que são irmãos, são retratados como dois jovens rebeldes, cooptados pelo tráfico de drogas. Aliás, é justamente a prisão de Mo Chara, em uma noite de batida policial em uma boate de Belfast, que faz com que ele conheça o futuro DJ Próvai - até aquele momento, apenas um professor de música e de linguística, de nome JJ Dochartaigh. Mo Chara se recusa a falar em inglês, durante o interrogatório, sendo JJ acionado, em plena madrugada, para ser seu intérprete.

O furto improvisado do bloquinho de anotações do jovem será a deixa para que JJ descubra o potencial das letras rabiscadas na caderneta. Impressionado, ele coloca uma base sonora em cima. E, bom, o resto é história. Da criação do nome do grupo, passando pelos amores improvisados (como no caso de Georgia) e os preconceitos vividos pelo trio, especialmente pelo professor, que prefere preservar sua identidade com medo de retaliações, tudo é descortinado com uma dinâmica descolada, fluída, com a edição recheada de efeitos cômicos e interessantes e um sem fim de instantes tão poéticos quanto violentos (como no momento em que a dupla central confronta os rivais do coletivo Republicanos Radicais Contra as Drogas). Importante ainda mencionar a presença do pai de Chara e Bap, um ex-paramilitar republicano, que finge a sua morte para fugir do exército britânico e que ressurge, aqui e ali, como um espectro a influenciar as decisões de todos ali. Tem impacto. E vale dar atenção.

Nota: 8,0


quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Cinema - Meu Bolo Favorito (Keyk-e Mahbub-e Man)

De: Behtash Sanaeeha e Maryam Moghadam. Com Lili Farhadpour e Esmaeel Mehrabi. Drama / Romance, Irã / Suécia / França / Alemanha, 2024, 97 minutos.

Se realizado em qualquer outro País do mundo - especialmente aqueles com democracias mais sólidas -, um filme como Meu Bolo Favorito (Keyk-e Mahbub-e Man) já seria relevante, dado o pertinente debate sobre solidão na terceira idade, medo da morte ou invisibilidade dos idosos (um tema nem sempre abordado adequadamente, no cinema). Mas essa é uma obra iraniana e, em uma nação com uma política tão restritiva e cheia de códigos de conduta questionáveis (pra dizer o mínimo), tudo se torna ainda mais complexo, comovente e, à sua maneira, subversivo. No Irã, por exemplo, existe um aparato do Estado, chamado de Polícia da Moralidade, uma bizarrice instituída em 2005 em decorrência da Revolução Islâmica, e que tem como objetivo central prender mulheres que não estejam usando o hijab, aquele tecido que cobre a cabeça e os cabelos, de forma adequada.

Sim, acredite, por lá existe uma patrulha que circula em uma espécie de van por locais públicos, com a intenção de oprimir mulheres que estejam com o cabelo à mostra. Em uma das cenas da produção dirigida com delicadeza e senso de humor por Behtash Sanaeeha e Maryam Moghadam a protagonista Mahin (Lili Farhadpour) confronta esses agentes, após uma abordagem a um grupo de jovens em plena luz do dia. É um instante bonito que evidencia a força de uma mulher já idosa que, após anos de brutalidades e violências diversas, parece cansada de tanta submissão. "Você as mataria por uns fios de cabelos?", questiona a um raivoso policial que esbofeteia e empurra as adolescentes. A jovem a agradece, mas o tom resignado de Mahin entrega. Talvez ela só quisesse uma vida tranquila e feliz perto do ocaso. De preferência com alguém para amar e compartilhar esses anos finais.

 

 

Sim, tudo pode soar bastante melancólico nesse conjunto, mas a obra, vencedora do prêmio da Federação dos Críticos do Festival de Berlim, jamais pende para a lamentação excessiva. Mahin é uma viúva já há 30 anos, e que se sente bastante só depois que seus dois filhos foram morar na Europa. A casa com um belo jardim - herança deixada pelo marido militar -, parece bastante grande e vazia. Os encontros com as amigas, antes mensais, agora rarearam: ocorrem uma vez por ano. Com os assuntos variando entre crises de hipertensão, joelhos enfraquecidos e tumores que podem ser fatais - além de traumas, dores e outros. Só que nessa mesma conversa, uma das amigas provoca: talvez fosse o caso de a protagonista arranjar um novo companheiro. Ela, uma senhora de 70 anos. Em um País moralista, que vigia, para além das vestes, as confraternizações, a música ouvida e até os casais de namorados. Sim, ninguém pode andar de mãos dadas ou expressar qualquer amor em público. A van tá sempre circulando, mais ou menos e, guardadas as proporções, como um extremista de direita vigilante do nosso evangelistão.

Só que, ainda assim, Mahin resolve dar os pulos dela. Determinada a encontrar um novo companheiro, vai a um restaurante frequentado por veteranos de conflitos armados. E lá descobre a existência de um carismático taxista de olhos tristes - seu nome é Faramarz (Esmaeel Mahrabi) -, que também parece sofrer de uma severa solidão. A conversa fluirá no seu próprio tempo - econômica, jamais invasiva. A forma será educada, convidativa, como poucas vezes se vê nos dias de hoje, sempre tão apressados, tão urgentes. Toda a maldade que percorre as ruas dessa Teerã tão conservadora quanto patriarcal ficará do lado de fora, quando eles adentrarem a casa de Mahin. Jardinagem, música, dança, uma foto carinhosa, um pouco de luz - metafórica ou não - em um cenário tão sombrio. Uma conversa regada à vinho e boa gastronomia. Uma parceria que parecerá eterna dali pra frente. Ou eterna enquanto dure. Já que nesse Irã tão pesado, tão difícil, capaz de perseguir politicamente os próprios realizadores do filme, a morte parece sempre rondar. Dá um gosto amargo. E faz pensar.

Nota: 8,5


terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Cinema - Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra (Lahn Mah)

De: Pat Boonnitipat. Com Billkin Putthipong Assaratanakul, Usha Seamkhum e Tontawan Tantivejakul. Comédia / Drama, Tailândia, 2024, 125 minutos.

"Quero um milhão. O que você vai fazer com um milhão? Te dar uma casa nova." Em geral é possível compreender os motivos de o público estar simpatizando tanto com Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra (Lahn Mah) - o enviado da Tailândia ao Oscar 2025, e que está na short list da categoria Filme em Língua Estrangeira. Afinal, trata-se de uma experiência bonita e afetuosa sobre laços familiares, memória, legado e senso de finitude. Tudo feito com uma boa dose de humor, que é reforçado pelo carisma dos personagens, especialmente a vozinha octogenária Amah, vivida por Usha Seamkhum. Diagnosticada com um câncer terminal no intestino, ela percebe, não sem certa irritação, uma certa aproximação da parentada nos seus meses finais - muitos deles provavelmente interessados na herança, o que inclui uma modesta casa e algum valor na poupança. Entre esses familiares ambiciosos, está o neto M (Billkin Putthipong Assaratanakul), que sonha, sem muito sucesso, em ser um streamer de jogos online.

A grande verdade é que a ficha para o grande potencial desse negócio de se aproximar, como quem não quer nada, de parentes já próximos do ocaso da existência - o que poderia render no "mercado dos testamentos" -, não cai imediatamente para M. Ao menos não até uma visita à prima Mui (Tontawan Tantivejakul), que está cuidando do avô - um idoso que mal consegue se comunicar. Com dedicação praticamente integral, a jovem auxilia em tarefas prosaicas, como trocar um canal de TV (ou mesmo chamar o conserto do equipamento), e outras de maior complexidade, como a substituição das fraldas geriátricas. Quando o senhorzinho vai de arrasta, quem herda a sua bela casa? Mui. Quando perguntada pelo primo sobre os motivos de ela não buscar um emprego "fácil e bem remunerado", ela responde, com um olhar maroto: "é exatamente o que estou fazendo".

 

 

E, assim, quando pipoca entre familiares a notícia da doença da avó do protagonista - após uma bateria de exames feita após uma queda -, ele praticamente se muda para a casa da Amah. O que resultará em uma relação complexa, turbulenta e repleta de sequências engraçadinhas, que evidenciam o abismo geracional de ambos. Em uma dessas partes, M oferece ajuda a idosa para aquecer a água para a elaboração de um chá destinado aos deuses - que ficam em uma espécie de altar da casa da senhora. Só que o rito é interrompido depois que o rapaz admite que a água foi aquecida, de forma prática, no microondas. Entre idas e vindas eles se conectarão de forma meio aleatória, seja na hora de comercializar o congee - uma espécie de sopa de arroz oriental -, ou na aquisição de um novo sapato, que melhorará o conforto dos pés de Amah.

Claro que serão os pequenos atritos que darão vida à experiência, como em uma ida ao banco, em que a avó pede pro jovem ficar do lado de fora - "fique aqui que você vai usar meus dados pelas costas". E mesmo os supostos momentos de desconfiança servem mais como um gracejo, já que a idosa parece bastante consciente das intenções de M, jamais o repreendendo ou recriminando por sua ambição (já que, ao menos, o seu comportamento é mais honesto do que o dos filhos dela, que aparecem, aqui e ali, só pra fazer média e, quem sabe, garantir uma boquinha). Evidentemente que não precisa ser um Sherlock Holmes para saber onde essa história vai desembocar. Não há uma grande surpresa, ou uma reviravolta inesquecível. Mas ao construir sua fábula como um retrato moderno do impacto das relações humanas em tempos tão frios e de tanto individualismo, Boonnitipat converte esta em uma experiência comovente, agridoce, poética e gentil.

Nota: 8,0

 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Novidades em Streaming - Jurado Nº2 (Juror #2)

De: Clint Eastwood. Com Nicholas Hoult, Toni Collette, Chris Messina, Gabriel Basso e J.K. Simmons. Drama / Policial, EUA, 2024, 114 minutos.

[ATENÇÃO: ESSE TEXTO TEM SPOILERS]

Pode ser apenas uma impressão, mas penso que se Jurado Nº 2 (Juror #2) fosse lançado nos anos 90, ele seria figurinha fácil no Oscar. Com o DNA das obras daquela década, o filme - propagado como o último a ser dirigido por Clint Eastwood, mas, vai saber - consiste em um drama de tribunal envolvente, daquele que nos deixa absolutamente vidrados. Ainda mais por conta do dilema moral apresentado, e que funciona como fio condutor para discussões acerca da efetividade dos sistemas jurídicos e sobre como certos preconceitos podem limitar o nosso campo de visão. Um sujeito discutindo rispidamente com a sua namorada em um bar de beira de estrada, após alguns copos de cerveja, não o converte automaticamente em um assassino. Mesmo que o corpo da jovem tenha sido encontrado sem vida, em um matagal próximo ao estabelecimento, na manhã seguinte. Ou ao menos assim não deveria ser - especialmente em um julgamento em que as provas não pareçam tão sólidas.

Como manda a tradição das obras sobre advogados e promotores decidindo sobre o futuro de réus, aqui temos uma série de idas e vindas no tempo que nos auxiliarão a compreender o que, de fato, teria ocorrido na fatídica noite em que Kendall Carter (Francesca Eastwood) morreu, com o namorado James Sythe (Gabriel Basso) se tornando o principal suspeito do crime. Imagens gravadas por uma outra jovem, que jogava sinuca no local, mostram a briga. Que leva os dois para a rua. Insatisfeita com o comportamento agressivo (e pouco amoroso) de Sythe, Kendall sai caminhando pela madrugada chuvosa. Torrencialmente chuvosa. Sythe entra no carro, vai atrás dela, um vizinho parece ter visto alguém em um carro, próximo do local do ocorrido. Para a promotora distrital Faith Killebrew (Toni Collette), não parece haver dúvidas: o júri está na presença de um assassino ardiloso, cabendo ao defensor público Eric Resnick (Chris Messina), a tentativa de mostrar o outro lado.

 

 

Tensa e envolvente, a produção recebe uma pimenta a mais, ainda no primeiro terço, quando descobrimos que o jornalista Justin Kemp (Nicholas Hoult) estava presente no local do ocorrido. Consternado pela perda prematura dos filhos gêmeos em um aborto não desejado, Justin, um ex-alcoólatra em recuperação, teria parado no bar para afogar às mágoas. Só que ele desiste de beber, pega o carro e sai pela estrada, em meio a chuva torrencial. Até o momento em que, no escuro, e em um instante de desatenção, ele bate em um cervo. Ou no que parece ser um cervo, já que ele não enxerga nada, junto à ponte em que o acidente ocorre. Sua vida segue normalmente, até o dia em que ele é convocado para participar de um júri, em sua cidade, na Geórgia. Um acontecimento de rotina, não fosse o fato de a esposa de Justin, Allison (Zoey Deutch), estar em uma gravidez já avançada. E o caso também guardar algumas inusitadas "coincidências".

Em linhas gerais, não deixa de surpreender como Eastwood converte o drama policial em uma experiência ao mesmo tempo simples, mas engenhosa. Conforme os acontecimentos vão sendo descortinados, mais difícil para Kemp tomar qualquer decisão. Sythe claramente não é culpado. O casal pode brigar, mas é isso. O cervo morto, bom, não era um cervo. E se ele se entregar, corre o risco de ser condenado a três décadas de cadeia - especialmente pelo histórico envolvendo a bebida, havendo brecha para que uma acusação de homicídio seja aberta. Os pais de Kendall querem justiça. Faith quer um cargo mais alto na hierarquia jurídica e acredita que a visibilidade do caso pode ajudá-la. As pessoas podem ser boas, ruins, imperfeitas, ambiciosas. Terem sonhos, planos, famílias, desejos para o futuro. O veredito não é fácil. Há distorções por todos os lados, argumentos aqui e ali. E, bebendo na fonte de clássicos como 12 Homens e Uma Sentença (1957), Eastwood converte este em seu melhor filme das últimas décadas. Uma premissa simples e sedutora, que nos conecta imediatamente. E que joga os holofotes para estruturas e instituições que parecem infalíveis. É muito bom.

Nota: 9,0


Picanha.doc - Frida

De: Carla Gutiérrez. Com Fernanda Echevarría del Rivero. Documentário / Animação / Drama, EUA, 2024, 87 minutos.

Frida Kahlo pode ser uma figura paradoxalmente pop nos dias de hoje - com suas feições severas, reforçadas pelas sobrancelhas grossas e sorriso ambíguo -, estampando réplicas de quadros, camisetas, toalhas, bolsas e outros adereços. Quase como um ícone da comunidade LGBTQIA+ e das feministas, sendo convertida ainda em tatuagens de jovens revolucionários de sofá, que ainda não foram cooptados pela extrema direita. Só que, muitas vezes, a gente esquece detalhes da movimentada (e trágica) vida dela - que não recebem tanta atenção. Uma delas envolve um desejo de juventude da artista ainda embrionária: na adolescência ela sonhava em ser médica. Carreira interrompida porque ela mesma se tornaria uma espécie de paciente eterna, após o famoso acidente de ônibus ocorrido em setembro de 1925, que lhe perfuraria as costas - e o abdômen e o útero -, causando ainda uma grave fratura pélvica, e uma série de fraturas nas costas ou nos pés.

Ter sobrevivido a esse episódio, foi quase como um milagre. Mas que impossibilitou Frida de alcançar seu intento. Parece irônico e estranho pensar que a artista plástica Frida Kahlo, talvez só tenha existido por causa desse trauma. Acoplada durante um ano em sua cama, lhe restou pintar - algo que ela já fazia, mais como uma distração do que como um ofício. Sua mãe teve papel fundamental nesse processo. E foi dali, também, que muitos dos seus famosos autorretratos foram concebidos. Como presentes para amigos, para amantes, para pessoas que, em seu íntimo, ela desejava que não lhe esquecessem. Tudo isso é parte do poético e fascinante documentário Frida, que está disponível na Amazon Prime. Dirigida por Carla Gutiérrez, a produção toma por base uma série de diários e cartas ilustradas da própria pintora - narrados por Fernanda Echevarría del Rivero -, além de uma seleção de fotografias, filmagens e transcrições de entrevistas com pessoas próximas, organizadas pelo biógrafo Hayden Herrera, cujo livro de 1983 foi base para o filme de 2002.


 

Ok, a gente esquece que Frida queria ser médica, assim como a memória fica meio borrada, na hora de recordar como se deu a construção de sua fama - o que ocorreria após a sua morte. Tanto que, inicialmente, ela se tornaria (apenas) a destemida companheira do muralista Diego Rivera, à quem apresentou alguns de seus quadros, sendo também influenciada por ele. Em comum entre os dois, o apreço à revolução e à identidade mexicana - ambos integraram o Partido Comunista local. Com os murais de Rivera representando, em diversas vezes, as lutas de trabalhadores, de indígenas e de outras figuras em vulnerabilidade. Acompanhando o marido ao Estados Unidos para uma série de trabalhos, Frida era apenas a mulher por trás do homem aclamado. Acompanhando-o em Nova York, pelo Harlem ou por Chinatown, em experiências vívidas e palpáveis de união entre arte, cultura e revolução, que forneciam um contraste para o vazio existencial dos ricaços que contratavam Rivera, com suas vidas fúteis e de aparências, como no caso da família Ford (do industriário).

Todo esse conjunto é apresentado não apenas como uma mera transcrição, mas como uma experiência vívida e kitsch, de cores vibrantes e modernas em contraste com o preto e branco das cenas de arquivo. Como uma espécie de imersão, o futuro ícone da artes plásticas é apresentado entre altos e baixos, dores e alegrias, com suas pinturas enigmáticas, quase surrealistas funcionando como ponto de união entre acontecimentos (e aqui merece ser citado o lindo trabalho de "animação" de Sofía Inés Cázares e Renata Galindo, que adicionam movimento aos quadros de Frida, o que resulta em folhas que se mexem, animais em movimento, olhos que se reviram, sangue que verte e outras representações engenhosas, fluídas e poderosas, que reforçam o impacto daquilo que é dito). Não que fosse necessário qualquer complemento, dada a potência das pinturas de Frida em si. Mas o recurso estético fornece ao espectador um mergulho visual pelo inconsciente da protagonista. O resultado é um projeto inebriante, que nos conduz da infância curiosa à morte prematura da pintora, de forma ágil, dramática e comovente.