segunda-feira, 26 de abril de 2021

10 Considerações Sobre a Cerimônia do Oscar 2021

O Oscar 2021 passou e a aqui no Picanha a gente faz as nossas já tradicionais considerações sobre a maior premiação do cinema!

1) Sim, acreditem, as pessoas estão reclamando que a cerimônia desse ano foi anticlimática ou sem graça. Houve todo um esforço em fazer a premiação acontecer, em um ano de pandemia, em que há pouco espaço pra celebração. O que faltou exatamente? A pirotecnia? As intermináveis quase quatro horas, com apresentações ao vivo, piadas sem graça e homenagens desnecessárias? Eu confesso que gostei do foco ter sido praticamente total nos indicados e nos premiados. O clima intimista de poucos convidados também combinou. É uma adaptação que serve, inclusive, para honrar o momento triste que vivemos. Sem extravagâncias. Sem gastos exagerados. Com discrição.

2) Isso significa que a cerimônia foi irretocável? Não, longe disso. Ter dado o prêmio de Melhor Filme antes dos de Atriz e Ator foi pra desestimular o cinéfilo. Pior: quando soube que a premiação de Ator seria a última da noite, já desenhei o cenário para a conquista de Chadwick Boseman, por A Voz Suprema do Blues. Oscar póstumo. Comoção da família, dos amigos, dos pares de Hollywood. Mas não. Quem ganhou foi o Anthony Hopkins, que, em viagem na Europa, talvez só tenha ficado sabendo da vitória quando acordou. Em tempo, a vitória foi justa: sua caracterização em Meu Pai é comovente. Mas tudo se encaminhava para outra ideia, outro clima. Pegou todo mundo de surpresa, na real.

 

3) Um dos momentos mais altos da noite: o dinamarquês Thomas Vinterberg recebendo o prêmio pelo ótimo Druk: Mais Uma Rodada, na categoria Filme em Língua Estrangeira. A homenagem à filha Ida, morta em um acidente de trânsito no começo das filmagens, foi emocionante. "Se alguém acredita que ela está aqui conosco de alguma forma, vai poder vê-la celebrando e aplaudindo conosco", comentou, arrancando lágrimas do público.

4) Uma parte divertida da noite foi a vitória da Yuh-Jung Youn pela sua delicada caracterização em Minari. Ela falando da emoção de estar em uma premiação que ela sempre assistiu pela TV foi impagável!

5) Sim, Time, Collective e Crip Camp eram muuuuito mais relevantes do que Professor Polvo, o documentário vencedor. Mas eu admito que não me incomodou essa vitória. O Oscar foi democrático e importante no debate de questões políticas, sociais, raciais, de gênero em muitas outras categorias. Nas vitórias de Chloé Zhao e de Daniel Kaluuya. Na boa surpresa de Emerald Fenell. No próprio Nomadland. Nem tudo precisa ser militância o tempo todo, né?

6) Aliás, a própria distribuição de prêmios em si foi bastante democrática. Parecia festival de colégio, em que cada um ganha um prêmio pra ninguém ficar triste. Pra ser ter um exemplo desse espírito de "todo mundo ganha um pouco", Nomadland foi o grande vencedor ao faturar três estatuetas - Filme, Diretora (Chloé Zhao) e Atriz (Frances McDormand). Já os filmes Judas e O Messias Negro, O Som do Silêncio, Mank, A Voz Suprema do Blues, Soul e Meu Pai ficaram com duas estatuetas. Eu, particularmente, gosto assim. Muito melhor do que quando uma obra é consagrada com 10, 11 ou 12 estatuetas.

7) Em relação ás surpresas, fora Hopkins (que se tornou o ator mais velho da história ao vencer um Oscar aos 83 anos), também foi inesperada a vitória de O Som do Silêncio na categoria Edição. Todas as prévias indicavam que o carecão iria pra Meu Pai.

8) E não foi nesse ano que a Glenn Close venceu um Oscar. É que com uma carreira tão consagrada, seria no mínimo bizarro premiá-la com um filme tão estupidamente ruim quanto esse Era Uma Vez Um Sonho. A saga continua. E a torcida também.

 

9) Acho que o In Memorian desse ano mereceria mais tempo, mais respeito, mais discurso. Passou rápido demais, o que quase nos impede de reverenciar decentemente aqueles que nos deixaram. Ainda mais quando o quadro ocorre depois de uma bobagem envolvendo um quiz meio inexplicável, que ocupou looongos minutos.

10) Esperamos que ano que vem tudo volte ao normal. E que as coisas estranhas desse ano possam virar ótimas piadas nas mãos de Ricky Gervais.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Podcast do Picanha Cultural #2 (Segunda Temporada) - Nossas Apostas Para o Oscar 2021

O assunto de hoje no segundo episódio da temporada 2021 do Podcast do Picanha é o Oscar! Sim, acreditem, há um Oscar para ocorrer no próximo domingo (25/04) - ainda que tenhamos a impressão de que já vimos os filmes faz teeempo. Enfim, com a chegada da premiação máxima do cinema, o Bernardo e eu resolvemos repassar todas as 23 categorias, fazendo nossas apostas, analisando os indicados, as possíveis zebras e surpresas que possam ocorrer na noite. Há categorias em que é praticamente impossível definir o vencedor - e isso torna o bolão mais divertido. Já em outras tá barbada. Será que o Chadwick Boseman leva uma estatueta póstuma? E a Glenn Close? Sai da fila no mesmo ano em que disputa o Framboesa? Será que vai dar MESMO Nomadland? E Mank, sai de mãos abanando em um ano em que o streaming tem mais destaque do que nunca? Quem ganha o prêmio na categoria Documentário em Curta? Hein? São muitas dúvidas e a nossa intenção não é saná-las. E sim fazer uma grande discussão sobre esse evento que tanto amamos. Bora clicar que esse fim de semana promete!


quinta-feira, 22 de abril de 2021

Picanha.doc - Collective (Colectiv)

De: Alexander Nanau. Documentário, Luxemburgo / Romênia, 2019, 109 minutos.

O dia 30 de outubro de 2015 foi marcado por uma tragédia que abalou a população da Romênia: nessa data, um incêndio na boate Colectiv, na capital Bucareste, matou 27 pessoas, levando outras dezenas de vítimas para o hospital. Só que o que era pra ser o período de recuperação para muitos pacientes que sofreram queimaduras ou intoxicações com fumaça se tornou uma calamidade ainda maior, quando mais 38 pessoas vieram a óbito nos meses seguintes. O que esse pesado e mais do que necessário documentário mostra é como uma equipe do jornal Sports Gazette desvendou um esquema bilionário de corrupção envolvendo o precarizado sistema de saúde do País - com o descaso de governo, de representantes de hospitais e de empresas que deveriam fornecer materiais de limpeza, sendo determinantes para o desfecho trágico do fato. O resumo é que as pessoas jamais deveriam ter morrido após terem sido salvas da noite na boate. Mas morreram. E as circunstâncias são escabrosas. Revoltantes.

Aliás, é simplesmente impossível não pensar no Brasil, enquanto acompanhamos o desenrolar da narrativa, que começa com uma notícia bombástica envolvendo a empresa responsável por vender para o Governo o anti-séptico que auxiliaria os pacientes na manutenção de sua higiene, evitando infecções hospitalares e outras doenças. Só que o que a equipe de jornalismo do Sports Gazette descobre é que o produto que estava sendo adquirido para este propósito, vinha sendo diluído em uma proporção que o tornava apenas 10% eficaz. Resumo da ópera: os pacientes vindos da Colectiv não morreram pelos efeitos do incêndio. E sim por bactérias, larvas e outros microorganismos que se instalaram em seus corpos fragilizados, em meio ao período de convalescença, os levando ao óbito. Um escândalo que talvez não se assemelhe ao descaso do governo brasileiro no que diz respeito às medidas de contenção da pandemia de covid-19. Mas que chega perto.

Por que o que se vê a partir das revelações publicadas na imprensa é uma verdadeira enxurrada de notícias calamitosas, que tornam a situação ainda mais revoltante para quem acompanha. Lideranças que deveriam primar pela saúde e pelo bem-estar da população envolvidas em uma série de fraudes, como, hospitais com licença de operação, mas que não tinham condições para certos tratamentos (como o de queimados), propagandas enganosas sobre a excelência do sistema de saúde romeno e até políticos e outros líderes governamentais recebendo propinas e outros desvios financeiros de aplicações que deveriam ir para hospitais. No fim, o que o grupo de jornalistas vai desnovelando, conforme avança sobre a investigação, é um esquema histórico de negociatas, que remonta ao governo do socialista Nicolae Ceacescu. O sistema é podre. E está todo contaminado. E pessoas que não deveriam morrer, morrem. Vocês sabem como é (estamos no Brasil).

Trata-se ao cabo de um documentário super bem produzido e editado, intercalando passagens que envolvem o trabalho dos jornalistas - que fazem ligações, se aprofundam em documentos e buscam fontes, quase à moda de um Todos Os Homens do Presidente (1976) -, com sequências em gabinetes de políticos, como o Ministro da Saúde, que é trocado no meio do caminho, em meio a uma circunstância também trágica. Em paralelo, acompanhamos o esforço de superação da tragédia de uma sobrevivente, enquanto utiliza um braço mecânico, se recupera das queimaduras, e serve quase como uma espécie de "propaganda involuntária" do Governo. É uma obra completa que, não por acaso, recebeu duas indicações ao Oscar, nas categorias Documentário e Filme em Língua Estrangeira. O tom é pessimista, dolorido, desalentador. Mas o exercício de jornalismo de excelência é o que fica como lição, especialmente para o País que assiste, de forma meio letárgica, milhares de mortes por dia em meio à pandemia. Quantas dessas seriam evitáveis?

terça-feira, 20 de abril de 2021

Curta Um Curta - Dois Estranhos (Two Distant Strangers)

Se o uso do looping temporal não chega a ser uma ideia exatamente original em cinema - um alô para Feitiço do Tempo (1993) -, o uso do recurso como crítica ao racismo estrutural que persiste em nossa sociedade, é mais do que bem-vindo. Na trama do curta-metragem Dois Estranhos (Two Distant Strangers), o rapper Joey Bada$$ é Carter, um desenhista que está voltando para casa após um encontro e é abordado por um policial (Andrew Howard) que confunde o seu cigarro com maconha, o que o faz reagir com truculência. Sendo negro, Carter acaba morto após uma ação policial desastrosa (o típico episódio que alguns veículos de imprensa ainda insistem em chamar de "caso isolado"). Só que quando ele morre, ele acorda na mesma manhã, instantes antes da tragédia que lhe tira a vida. Pior, não importa o que ele faça para tentar modificar o seu destino, ele vai ser assassinado covardemente. Sim, negros morrem todos os dias. Gratuitamente. Pelas mãos daqueles que deveriam proteger os cidadãos. O curta disponível na Netflix e um dos indicados ao Oscar em sua categoria (aliás, é o favorito) nos lembra disso, com um toque de fantasia que não retira o impacto do que assistimos. Vale cada segundo.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Novidades no Now/VOD - Druk: Mais Uma Rodada (Druk)

De: Thomas Vinterberg. Com Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Magnus Millang e Lars Ranthe. Comédia dramática, Dinamarca, 2020, 117 minutos.

Um grande elogio à importância da bebedeira. Aliás, o subtítulo do indicado ao Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira pela Dinamarca Druk: Mais Uma Rodada (Druk) poderia ser algo do tipo. Ode ao tragoléu, talvez. Que seja. Bom, o caso é que enquanto assistia à obra do sempre ótimo Thomas Vinterberg - dos imperdíveis Festa de Família (1998) e A Caça (2010), era tomado por um sentimento de nostalgia em que rememorava os porres homéricos tomados, especialmente, na juventude. E acabei me dando conta de que eles ocorreram em grandes momentos de celebração: aniversários importantes, formaturas, festas de faculdade, casamentos. Ou até em alguma noite aleatória de jogatina ou de decisão futebolística. Condição que contribuía pra tornar a existência mais leve, ampliando a socialização, a desinibição. Beber, afinal de contas, torna a vida melhor? Mais divertida? Aumenta o "brilho"? Nos tira a chatice e nos faz encarar os problemas do mundo com menos letargia ou opacidade? Bom, a película não responde, em definitivo, essas questões. Mas dá algumas pistas.

Pra começo de conversa, a trama já parte de uma premissa no mínimo inusitada: instigados por uma curiosa teoria do psiquiatra norueguês Finn Skarderud, um grupo de quatro professores de Ensino Médio, que levam uma vida bastante ordinária, resolvem fazer um "experimento social". Skarderud concluiu, em suas pesquisas, que os humanos possuem um déficit permanente de 0,05% de álcool no sangue. E que a receita para a felicidade seria equilibrar essa equação, de alguma forma. Assim, adotando o empirismo como metodologia, os educadores Martin (Mads Mikkelsen), Thommy (Thomas Bo Larsen), Nikolaj (Magnus Millang) e Peter (Lars Ranthe) resolvem testar na prática as ideias do pesquisador. E, de saída, os benefícios são palpáveis, com o quarteto se saindo melhor tanto nas relações familiares, quanto na rotina com os alunos - que antes se apresentava como um grupo amorfo e desinteressado. Só que os problemas começam quando eles resolvem avançar para além dos limites. E, bom, não é preciso ser nenhum adivinho pra imaginar que as coisas sairão do controle.

Vinterberg, como é de praxe em sua filmografia, trata aqui de um tema mais sério, mas com boas doses (com o perdão do trocadilho), de humor. Foi assim quando abordou o fascínio armamentista em Querida Wendy (2005) ou o vazio completo da vida no existencialista Dogma do Amor (2003). Aqui, o diretor que surpreendeu ao ser indicado ao Oscar - desbancando nomes como como o de Aaron Sorkin (que poderia concorrer por Os 7 de Chicago) -, alterna momentos leves, como o da corrida dos jovens em volta do lago (que envolve muita bebedeira), com outros mais introspectivos (e a cena inicial, do jantar dos quatro amigos, é uma das mais comoventes). E, conforme a bebida vai entrando na história - sendo muitas vezes filmada em closes, ou com descrições detalhadas de suas composições, aromas e sabores (resista a tomar uma taça de vinho, que seja, após a experiência!) -, a obra vai descambando para a tragédia que envolve a falta de limites, quando o assunto é a bebida. Ainda que jamais soe excessivamente moralista, já que nunca deixa de reconhecer o "valor" do consumo moderado.

Tomando por base a dinâmica entre alunos e professores para fazer a história evoluir, a obra encontra na celebração alcoólica o ponto de "encontro" que quebra as diferenças geracionais. Não é por acaso que é num nível elevado de álcool no sangue, que Martin faz os estudantes compreenderem melhor aspectos da vida de Churchill, Roosevelt e Hitler. Ou que Tommy comemora um gol de um aluno de seu time, na escolinha, como se fosse uma final de campeonato. "É melhor morrer de vodka do que tédio" já diria o poeta russo Maiakovski e a gloriosa sequência em que líderes políticos completamente bêbados são exibidos (com destaque para Boris Yeltsin e Bill Clinton gargalhando inadiavelmente), talvez seja a prova de que talvez até as relações diplomáticas poderiam ser menos pesadas, se regadas a uma ou outra taça. Não há conclusão definitiva. Apenas a diversão, a inconsequência e a desinibição que faz com que um professor possa dançar livre e, espetacularmente, com os alunos, sem se preocupar com o entorno. E quem já bebeu com algum professor sabe do que estou falando. Aliás, alguém não bebeu com o professor?

Nota: 9,0

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Pérolas da Netflix - Eles Vivem (They Live)

De: John Carpenter. Com Roddy Piper, Keith David e Raymond St. Jacques. Ficção científica / Ação / Terror, EUA, 1988, 93 minutos.

É relativamente popular a história da primeira experiência com mensagens subliminares que se tem conhecimento. O ano era 1957 e o publicitário James Vicary resolveu comprovar a eficácia desse tipo propaganda ao inserir, durante uma exibição de cinema na cidade de Nova Jersey, as frases Drink Coke e Eat Popcorn durante a projeção de um filme. O resultado foi o aumento de 57,7% das vendas de pipocas e de 18,1% nas de Coca Cola, na saída da sessão. Subliminares são as mensagens que não são percebidas de forma consciente. No caso de Vicary, a exposição durante o filme ocorreu por meio de frames de 0,00033 segundos - algo completamente imperceptível pelo olho, mas que é capaz de atingir em cheio o subconsciente. Mas, e se algo tão poderoso assim fosse utilizado pelo Estado, por corporações ou por outros grupos para manipular a população? E se estivéssemos sendo bombardeados por esse tipo de mensagem o tempo todo, sem nem perceber?

De alguma forma é isso que propõe o divertidamente trash Eles Vivem (They Live), obra do diretor John Carpenter que finalmente está disponível no catálogo da Netflix. Nome por trás de clássicos cult como O Enigma de Outro Mundo (1982) e Os Aventureiros do Bairro Proibido (1986) Carpenter imagina aqui uma mistureba que faz jus ao tipo de ficção científica exoticamente kitsch que lhe tornou famoso. Na trama, John Nada (Roddy Piper) é o típico trabalhador braçal que chega a Los Angeles para se tornar operário da construção civil. Não demora para que uma excêntrica Igreja, que fica do outro lado da rua, comece a chamar a atenção pela curiosa movimentação do entorno. Tudo piora após um ato de violenta repressão policial, que destroi um quarteirão inteiro - inclusive a citada Igreja. Em meio ao caos, Nada encontra uma caixa de óculos escuros que parecem bem convencionais. Ao menos até o momento em que ele resolve colocá-los.

E é aí que ele perceberá que se trata de óculos especiais, que lhe permitem perceber que estamos cercados por centenas de criaturas alienígenas que se misturam em meio aos humanos, vivendo normalmente. Pior que isso: por todo o lado espalham palavras de ordem - Obedeça!, Conforme-se!, Compre!, Assista TV!, Não questione! -, que surgem por trás de propagandas em prédios, em outdoors, em meio às revistas ou em painéis publicitários. Nenhuma delas percebida num nível de consciência - tudo subliminar, sem que ninguém possa se defender. Mas quem estaria por trás de tal conspiração? E qual seria o objetivo disso tudo? É o que Nada vai tentar descobrir, enquanto foge de aliens fantasiados de humanos, briga com alienados que não percebem o que ocorre no entorno (a pancadaria beira o delírio, em alguns momentos) e mergulha num caos distópico que envolve conglomerados de mídia, representantes do Governo e, claro, como não poderia deixar de ser, a elite dos Estados Unidos.

Ao lado do amigo Frank (Keith David), Nada se envolverá com um grupo de resistência - tido como subversivo, terrorista e comunista (como não?) pela polícia, enquanto se empenha em elucidar as intenções dos alienígenas que já parecem bem adaptados a vida terrestre. Sim, mais de 30 anos depois de seu lançamento, Eles Vivem pode soar hoje meio ultrapassado, com seus efeitos especiais grosseiros, interpretações caricatas e outros exageros - fora os diálogos que, em alguns momentos, parecem implausíveis mesmo para um terror de baixo orçamento. Ainda assim a atmosfera climática dos anos 80, que se junta a uma trilha sonora persistente, sinuosa e tecnológica e a uma fotografia propositalmente amarelada, melancólica, dá o tom para uma narrativa que permanece mais do que atual. A ficção científica, afinal de contas, é uma forma de imaginarmos o futuro tomando por base o presente. E nesse sentido, essa pequena joia B acerta em cheio.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Pérolas da Netflix - O Tigre Branco (The White Tiger)

De: Ramin Bahrani. Com Adarsh Gouray, Priyanka Chopra, Rajkummar Rao e Kamlesh Gill. Drama / Policial, Índia, 2021, 127 minutos.

É uma Índia bastante estereotipada e cheia de contrastes aquela se vê em O Tigre Branco (The White Tiger), um dos recentes - e badalados - produtos da Netflix. Indicada ao Oscar na categoria Melhor Roteiro Adaptado, a obra, baseada no livro do escritor Aravind Adiga (que eu não li), parece estar sempre disposta a um tipo de "elogio" meio torto à selvageria capitalista, ao nos apresentar sujeitos tidos como vitoriosos, quão maior for seu grau de filhadaputice. Sim, aqui e ali há embutida uma relevante discussão social sobre luta de classes, sobre como o extrato mais rico exaure o mais pobre e sobre como as escolhas políticas influenciam a vida de todos. Mas, no mais, trata-se de um filme sobre a ascensão do sujeito comum, que sai do nada, usa algumas habilidades e um outro tanto de influência e enfrenta a corrupção generalizada do sistema para fazer fortuna em uma Índia naufragada na pobreza. Eu, sinceramente, não sei se comprei totalmente a ideia do filme. Mas, vá lá, ele tá aqui no Pérolas.

O protagonista é um jovem ambicioso de nome Balram (Adarsh Gouray). No preâmbulo do filme, enquanto a história volta no tempo pra narrar a sua juventude em flashbacks (bastante estilizados), nos deparamos com frases que parecem saídas de algum livro de autoajuda do universo do economês e que servirão de fio condutor. E a mais gritante dessas frases dialoga com o título da película, que lembra o espectador de que apenas uma vez, a cada geração, nasce um raro "tigre branco" - que servirá como metáfora para o único sujeito vencedor (especialmente no espectro financeiro), a cada temporada. Balram, então, se apresentará como essa figura, especialmente após utilizar a sua inegável astúcia para se tornar o motorista de Ashok (Rajkummar Rao) e Pinky (Priyanka Chopra), casal que integra as altas castas indianas. Só que em uma noite em que tudo sai errado, Balram percerberá as injustiças existentes no modelo que o coloca como serviçal de mestres ricos. O que o deixará tentado a "dar o troco".


É nesse clima meio Lei de Talião que as bastante cansativas mais de duas horas se desenrolam. Enquanto narra a sua história abusando de alguns clichês - acreditem, lá no meio alguém lembrará da frase de Buda que respondeu, quando perguntado sobre se era um homem ou um Deus, que era "apenas alguém que havia acordado, enquanto os outros dormiam" - Balram ganhará alguma consciência, ainda que na marra, enquanto lida com dificuldades familiares, problemas relacionados a um crime cometido e medos relacionados ao futuro. Há, entre uma cena de tensão e outra conforme o filme avança, alguma tentativa de tornar o roteiro mais leve (ou menos violento), com a inserção de uma ou outra piada sobre hábitos e costumes locais ou sobre comportamentos anacrônicos típicos da comunidade indiana. Ao falar sobre as castas existentes no País, Balram brinca de que existem apenas duas: as dos homens barrigudos (ricos) e a dos magros (pobres). E quando surge o temor de ser perseguido pela polícia, o protagonista debocha de que seria difícil encontrá-lo: "nós, indianos, somos todos iguais" (o que emula a antiga e xenófoba piada de tiozão que diz que "tudo igual é um caminhão cheio de japonês").

No combo geral até não é um filme ruim. Novamente: há uma tentativa válida aqui de se tentar colocar em discussão os absurdos políticos, sociais, culturais e até religiosos, que determinam o destino de milhares de pessoas em países de Terceiro Mundo. E de como muitas vezes os pobres apenas aceitam o seu destino porque, afinal de contas, é assim mesmo. Só que, quando "desperta", Balram o faz com um senso de moralidade meio questionável. Aliás, ele admite o fato de que, "para se vencer na vida só há dois caminhos possíveis: por meio da polícia ou pelo crime". É um filme estiloso, bem costurado, vivo. Tem boa montagem e uma fotografia e desenho de produção que contribuem para evocar o aspecto fervilhante e caótico do País de Mahatma Gandhi e Dhalsim. Mas dado o hype, confesso que esperava um pouco mais. Ou ao menos algumas lições mais "aproveitáveis" sobre o senso de justiça social. Por mais que a revolução pessoal e anárquica, diante de um sistema absurdamente fraudulento e desigual, possa parecer, ao menos naquele caso, o único caminho possível.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Podcast do Picanha Cultural #1 (Segunda Temporada) - Voltamos e Cheios de Dicas!

Sim, vocês nos pararam nas ruas para perguntar: "quando volta?" Lotaram nossas caixas de e-mail implorando o retorno. Enviaram TORPEDOS para a redação e cartas via correio exigindo uma nova temporada. E foi com a intenção de atender esses milhões de pedidos que resolvemos ouvir o clamor popular: está no ar a nossa Segunda Temporada do Podcast do Picanha Cultural! Após as merecidas férias - só que não - da nossa equipe, voltamos para falar de música, cinema, séries, livros, BBB e o que mais der na telha. Com algumas pequenas mudanças - os episódios passam a ser quinzenais, mas um pouquinho mais longos para compensar -, o retorno se dá em grande estilo, com um panorama daquilo que de melhor vimos, lemos e ouvimos nesse primeiro trimestre de 2021, que segue tão pandêmico quanto o de 2020. Aliás, as exigências de trabalho (o da vida real) farão com que estejamos desfalcados do querido amigo Henrique Oliveira. Mas o Bernardo Siqueira e este que vos tecla, pretendemos compensar essa sentida ausência. E vocês que nos acompanham sabem: a gente fala pra caceta. Bem-vindos de volta. A casa é de vocês!


quinta-feira, 8 de abril de 2021

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - Quo Vadis, Aida? (Bósnia-Herzegovina)

De: Jasmila Zbanic. Com Jasna Djuricic, Boris Isakovic e Joes Brauers. Drama, Bósnia-Herzegovina / Alemanha / Áustria / França / Noruega / Holanda / Romênia / Polônia / Turquia, 2020, 102 minutos.

Expressão latina que significa "Para onde vais?", Quo vadis refere-se a um evangelho apócrifo conhecido como Atos de Pedro. Nele, São Pedro está em fuga de uma provável crucificação em Roma quando encontra Jesus ressuscitado, ocasião em que faz a dita pergunta. Ao que Jesus responde Roman vado iterum crucifigi (Vou a Roma para ser crucificado de novo) - um sacrifício que será feito em nome da humanidade. Nesse sentido, talvez não seja por acaso que a diretora Jasmila Zbanic - do ótimo Em Segredo (2006) - tome a expressão emprestada para narrar a verdadeira via crúcis de Aida (Jasna Djuricic), uma tradutora que tenta, de todas as maneiras possíveis, salvar a sua família (marido e dois filhos), em meio ao trágico episódio que ficou conhecido no ano de 1995 como Genocídio da Bósnia (parte da Guerra das Balcãs), ocasião em que tropas sérvias avançaram sobre a cidade de Srebrenica com o intuito de realizar uma "limpeza étnica".

Militarismo, religião, preconceito, ódio, intolerância. Pra quem acha que polarização política é uma exclusividade do Brasil, uma obra como Quo Vadis, Aida? (Quo Vadis, Aida?) nos mostra um tipo de brutalidade quase inexplicável - um massacre que resultou no assassinato de mais de 8.300 bósnios pelo simples fato de serem muçulmanos. Homens, mulheres, idosos, crianças. Perpetrado pelo Exército Bósnio da Sérvia sob o comando do general Mladic (no filme, vivido por Boris Isakovic), o genocídio avançou sobre Srebrenica, a despeito dos esforços da Organização das Nações Unidas (ONU) em tornar esta uma área segura. É toda essa tensão, com a fuga de centenas de moradores e as tentativas frustradas de negociação de representantes da ONU - com uma série de equívocos estratégicos - que o filme, dolorosamente, nos mostra. É um contexto nem sempre fácil de entender e que talvez exija do cinéfilo a leitura de algum material complementar que esclareça o que acontecia naquele período.

 

Absolutamente naturalista, a obra acompanha as movimentações de Aida em meio ao quartel general da ONU com a câmera tão grudada em seu rosto, que temos a impressão de estar assistindo a um documentário. Não há muito espaço para respiro e confesso que a obra talvez não seja tão indicada para todos os paladares - dado o caráter desalentador, caótico e bélico da produção. Em meio a milhares de pessoas que se acotovelam junto ao complexo instalado pela ONU, Aida vai pra lá e pra cá em meio a traduções desesperadas, negociações frustradas e tentativas inúteis de manter seus familiares próximos. O desfecho absurdamente trágico do episódio - que mais tarde seria julgado pelo Tribunal Internacional de Haia - revela ainda a fragilidade de órgãos que deveriam trabalhar pela paz, no local, sendo bizarro perceber como representantes da ONU não apenas cederam as pressões do ditador Mladic, como ainda contribuíram, de forma indireta, para a execução de milhares de civis (e é difícil não ficar com o estômago embrulhado com aquilo que acompanhamos).

E por mais brutal que seja a reconstituição de um massacre como esse, acredito no poder das artes como veículo de transformação da sociedade - e para que estejamos atentos para que episódios desse tipo não se repitam. Aqui e ali, volta e meia, pode surgir algum novo candidato a ditador do novo milênio, pronto pra perpetrar um "genocídio" à sua maneira. No caso do filme, a dramatização é dolorida, traumática, tensa. É uma obra árida, claustrofóbica, pouco palatável. Mas que conta com um esforço exemplar de todos os envolvidos na produção - o que resulta em uma película totalmente realista e que retira dos livros de história esse traumático acontecimento. Talvez Quo Vadis, Ainda? não supere o favorito Druk, de Thomas Vinterberg, na luta pelo Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira. Mas ao chegar à final na premiação, a produção ganha força, chegando a mais pessoas e se tornando um verdadeiro documento de seu tempo.

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Tesouros Cinéfilos - Meu Pai (The Father)

De: Florian Zeller. Com Anthony Hopkins, Olivia Colman, Rufus Sewell e Imogen Poots. Drama, Reino Unido, 2020, 97 minutos.

Acho que uma palavra que define bem a experiência vivida pelo espectador ao acompanhar a narrativa do belíssimo e intrigante Meu Pai (The Father) é "imersão". Afinal de contas não foram poucos os filmes a abordarem distúrbios cerebrais como esquizofrenia, Mal de Alzheimer ou demência, mas poucos o fizeram de forma tão inventiva como na obra dirigida pelo estreante Florian Zeller. Aqui, pode-se dizer que a gente vivencia JUNTO com Anthony (Anthony Hopkins) suas inseguranças, hesitações, medos e dúvidas gerais sobre o entorno (e até mesmo sobre o que é real ou não), que lhe deixam completamente desorientado. Desnorteado. Octogenário que está sofrendo com a perda da memória, o protagonista se recusa a receber ajuda de qualquer enfermeira sugerida pela filha Anne (Olivia Colman), que está prestes a se mudar para Paris para se casar, tocar sua vida, etc. É nesse pequeno grande conflito que a narrativa se amarra: quais as melhores decisões, afinal?

Ao cabo trata-se de uma obra bastante intimista e que praticamente não sai do apartamento de Anthony - o que inevitavelmente amplia a sensação de desconforto, quase de claustrofobia, conforme a câmera vaga de um cômodo a outro, estando estes quase sempre vazios. Pontuado por sutilezas, a película tem nas atuações uma de suas maiores fortalezas, tanto que muitos críticos têm saudado a interpretação de Hopkins como uma das maiores de sua longa carreira - e, sinceramente, é impressionante a capacidade do astro de O Silêncio dos Inocentes (1991) de nos comover com um gestual econômico, um olhar apreensivo, uma lágrima insegura. Vagando pelos cômodos de seu apartamento, enquanto recebe visitas da filha, do genro Paul (Rufus Sewell) e de uma candidata a enfermeira que está prestes a ser contratada (vivida por Imogen Poots), Anthony é uma figura que esmaece como uma árvore que "perde suas folhas", pra usar uma figura utilizada pelo próprio personagem em certa altura.

Ainda no campo das interpretações, Olivia Colman faz o contraponto perfeito como a filha que está ao mesmo tempo preocupada e ansiosa - e que deseja o melhor para o pai, ainda que trafegue em um universo de incertezas. Não por acaso, sequências como aquelas em que ela tenta tocar o cotidiano com alguma normalidade, preparando o café, o jantar ou dizendo para seu genitor permanecer com o pijama, para no instante seguinte se ver confrontada com a dura realidade dos efeitos provocados por sua demência, são não menos do que assombrosas também pela composição que Olivia faz (uma figura que claramente carrega uma exaustão no olhar). Indicada ao Oscar, a dupla central utiliza todo o potencial dramático da narrativa - especialmente nos closes quase "pornográficos" de seus rostos doloridos, duros. Condição que torna o filme - econômico em cenários, em trilha sonora ou em outros recursos técnicos -, maior do que efetivamente é.

Mas é claro que não é só de interpretação que vive um filme e a obra aqui funciona por nos suscitar dúvidas o tempo inteiro sobre aquilo que assistimos. Com a realidade posta a prova, somos introduzidos o tempo todo a situações que se repetem, personagens aleatórios (e desconhecidos), cenários que se modificam de forma sutil (um quadro que estava lá e não está mais) e ocorrências estranhas. Nesse contexto, há também uma persistência quase comovedora de Anthony em "encontrar o seu relógio", numa metáfora tão óbvia quanto perfeita do tempo (e da memória) que se esvai - mais ou menos como aquilo que acontece com o protagonista de Morangos Silvestres (1957), de Ingmar Bergman. Belo, comovente e desalentador, Meu Pai é um filme que desnovela a dureza de uma assombrosa condição cerebral que limita as habilidades sociais e cognitivas, enquanto um idoso percebe, com algum grau de consciência, as consequências disso. Dolorido é pouco.