De: Emerald Fennell. Com Carey Mulligan, Ryan Cooper, Laverne Cox, Molly Shannon, Alison Brie e Alfred Molina. Comédia / Drama, EUA, 2020, 113 minutos.
Um filme em que uma jovem se finge de bêbada em baladas, com a intenção de se vingar de homens assediadores é mais do que necessário nos tempos em que vivemos - e só esse fato já justifica a existência deste Bela Vingança (Promising Young Woman). Mistura de comédia com ares românticos e drama de humor negro, a obra aproveita o vigor de sua temática para construir uma narrativa cheia de virtuosismo, em que o visual de um colorido quase circense, se junta a trilha sonora vibrante e a maquiagem e o figurino carregados de sua protagonista, para formar o combo de uma trama de vendeta que, ainda que não seja tão sangrenta assim como se supunha imaginar, deixa uma importante lição. Na tela, Carey Mulligan surge improvavelmente aterradora como Cassie, uma garota de 30 anos que ainda mora com os pais, trabalha em uma cafeteria e ocupa seus dias infernizando sujeitos que acreditam que vão leva-la para a cama a força, sendo surpreendidos com invertidas que os fazem colocar o "rabinho entre as pernas".
Aliás, o filme da diretora Emerald Fennell (a Camilla de The Crown) já abre com a apresentação do modus operandi de Cassie: sozinha em uma boate, finge estar passando mal depois de um trago, atraindo um hétero qualquer que se oferece para leva-la para casa. Não demora para que a suposta cortesia inicial, se torne o comportamento impertinente: com o contragolpe aplicado, a jovem retorna para casa, onde atualiza um longo caderninho em que mantém anotados quais os assediadores que foram vítimas de sua "lição". Em meio a uma ou outra vingança, Cassie passa seus dias na cafeteria - e é lá que ela estabelece contato com um certo Ryan Cooper (vivido pelo comediante Bo Burnham), um antigo colega de faculdade, que se torna interesse romântico, ao mesmo tempo em que é esquadrinhado pelo ímpeto vingativo da jovem. Será ele também um abusador pronto a se aproveitar dela? Ou será alguém genuinamente interessado em seu amor?
Alternando estilos com uma forma absolutamente orgânica, o filme é capaz de saltar da narrativa de vingança à moda de um Kill Bill, para a comédia romântica açucarada em questão de minutos. Nesse sentido, a inclusão de rimas visuais como aquela em que a protagonista surge comendo uma espécie de doce com recheio de framboesa (que emula o "sangue" de suas vítimas), ou instantes em que Cassie e Ryan dançam em uma farmácia (!) ao som de Stars Are Blind da Paris Hilton funcionam muito bem. Aliás, a obra é pródiga ao apostar no senso de humor como forma de colocar o dedo na ferida a respeito de temas tão atuais e relevantes, como o estupro, a misoginia e o machismo. Enquanto personagens como o de Christopher Mintz-Plasse encarnam o mais patético hétero, branco, com uma autoestima da porra, o filme também dá dicas do que poderia ser o ideal de um comportamento masculino mais aceitável dentro de uma sociedade em que tantas mudanças ocorrem.
Cheio de participações especiais e de atores e atrizes carismáticos - além dos já citados, a obra conta com a presença de Laverne Cox, Molly Shannon, Alison Brie e Alfred Molina -, o filme vai ganhando força conforme se encaminha para o seu pouco previsível final, que conta com uma atitude extrema da protagonista, que alterará definitivamente o curso da história dos envolvidos. Com boas chances de indicações ao Oscar - Mulligan é aposta quase certa, não sendo surpresa também as nominações em categorias como Filme, Roteiro Original e até Diretora -, a película é daquelas que marca a sua posição, mas sem forçar a barra ou soar excessivamente panfletária. Isso não significa que o filme não tome partido. Mas em um País como o nosso, em que uma mulher é violentada a cada onze minutos - sim, acredite -, filmes como Bela Vingança servem, no mínimo, para fazer pensar. E isso não deixa de ser um mérito.