terça-feira, 30 de maio de 2023
Cine Baú - O Desprezo (Le Mépris)
segunda-feira, 29 de maio de 2023
Novidades em Streaming - Unclenching the Fists
quinta-feira, 25 de maio de 2023
Picanha.doc - Still: A História de Michael J. Fox (Still: A Michael J. Fox Movie)
terça-feira, 23 de maio de 2023
Na Espera - Killers of the Flower Moon (Filme)
Vamos combinar que quando o assunto são os filmes estreando em festivais, nós, os meros mortais, precisamos dar uma segurada na ansiedade. Mais ainda quando estamos falando do novo de Martin Scorsese. Sim, Killers of the Flower Moon mal recebeu o seu primeiro trailer oficial - a obra estreia no Brasil em 20 de outubro, se não houver atraso, devendo ser disponibilizada posteriormente na plataforma da Apple TV. Mas a exibição no Festival de Cannes arrancou elogios fervorosos, além de demorados aplausos - o que fez com que a expectativa fosse arremessada lá para o alto! E o que dizer das notas em condensadores como o Metacritic? Atualmente com 91 pontos somados, a impressão que temos é a de estar diante de uma unanimidade: será que, aos 80 anos, o diretor de tantos clássicos terá atingido um de seus auges criativos?
Bom, ainda é cedo pra saber, mas o que já dá pra cravar sem erro é que a obra larga na frente quando o assunto é o Oscar 2024, dada como praticamente certa em categorias como Ator (Leonardo DiCaprio), Ator Coadjuvante (Jesse Plemons), Roteiro Adaptado (do livro de David Grann), além de Edição, Fotografia e, claro, Filme. A trama, é bom lembrar, retorna pra virada do Século 20, em um período em que o petróleo é descoberto em uma região de Oklahoma, o que tornará os membros da tribo indígena Osage os mais ricos do mundo (praticamente da noite pro dia). Só que toda essa riqueza atrairá intrusos brancos que irão manipular, extorquir, roubar e matar os nativos, com os assassinatos em série sendo investigados pelo recém-criado FBI.Um faroeste de 206 minutos dirigido por Scorsese e estrelado por DiCaprio e Robert De Niro, com todo o peso político, social, histórico e cultural que parece emanar desse épico. Definitivamente não tem como dar errado.
Novidades em Streaming - Noites Alienígenas
De: Sérgio de Carvalho. Com Gabriel Knoxx, Chico Diaz, Gleici Damasceno, Joana Gatis e Adanilo Reis. Drama, Brasil, 2022, 89 minutos.
Primeiro filme do Acre a ser distribuído para o País, Noites Alienígenas mostra, de forma sutil, uma história de violência que avança sem muito controle, em uma região repleta de contrastes. Até os letreiros que surgem antes dos créditos finais - que citam o aumento assombroso de casos de assassinato de jovens no Estado, a partir do avanço de facções ligadas ao tráfico de drogas vindas da região Sudeste - a gente fica meio que "caçando" um sentido a mais para aquilo que assistimos. De alguma maneira trata-se de um painel que evidencia a complexidade das relações no Norte, fazendo colidir hábitos e costumes de povos originários com o enfrentamento da violência urbana que parece bordejar o cotidiano de todos ali. Na trama dirigida por Sérgio de Carvalho são três os personagens centrais: Rivelino (Gabriel Knoxx), Sandra (Gleici Damasceno) e Paulo (Adanilo Reis), três amigos de infância que residem na capital Rio Branco.
Criativo do ponto de vista artístico, Rivelino é um postulante a rapper apaixonado por grafite que ganha a vida vendendo drogas na boca mantida por Alê (o veterano Chico Diaz). As perspectivas são absurdamente poucas, a ponto de o jovem procurar os integrantes de um grupo criminoso mais bem organizado para tentar ampliar seus negócios. O que dá uma dimensão do baixíssimo senso de oportunidade do local. Nas ruas, entre idas e vindas, parece haver um saudável apelo para as artes - com os desenhos do jovem sendo espalhados de forma quase amadora, assim como são os encontros de hip hop. Quais os caminhos então? Para Paulo, um viciado em drogas, a situação é ainda pior já que ele parece estar sempre na "fissura". Pai de um filho de Sandra, vive na dependência química zanzando pela vila em maio a súplicas por dinheiro ou empreendendo pequenos furtos que sustentem seu vício.
Já Sandra, a jovem mãe negra que parece a única disposta a uma vida mais regrada - sonha em ser estudante de medicina enquanto se ocupa como caixa de um supermercado - encontra uma espécie de refúgio nas batalhas poéticas conhecidas como slam. De alguma maneira esse é um filme sobre complexidades, contrastes, potências e choques. Paulo, por exemplo, parece renegar a sua ancestralidade ao funcionar quase como uma caricatura do viciado. Por outro lado, Rivelino parece viver às turras com a mãe Beatriz (Joana Gatis), ao mesmo tempo em que sonha com uma vida melhor. Ao cabo essa é uma experiência sobre incertezas e sobre realidades fragmentadas - são muitos os personagens, inúmeras as vivências e uma carga emocional forte que parece colocar frente à frente ancestralidade e o progresso. Progresso mesmo? É um tipo de complexidade meio diluída em nuances.
Noites Alienígenas venceria cinco prêmios Kikito no Festival de Gramado do ano passado - além de Filme Brasileiro (batendo Marte Um, 2022), Melhor Ator para Gabriel Knoxx, Melhor Ator Coadjuvente para Chico Diaz, Melhor Atriz Coadjuvante para Joana Gatis e prêmio da crítica, além de uma Menção Honrosa para Adanilo. E para além do "filme-favela" essa é uma experiência que flerta com o realismo fantástico, ao colocar a suposta invasão alienígena como uma espécie de alegoria para a submissão das minorias, muitas vezes subjugadas e até escravizadas em contextos de opressão. Os povos indígenas estão ali, funcionando como um espectro que delimita - com seus hábitos, costumes, tradições. Sendo invadidos não apenas pelas facções do crime, mas também pelas igrejas evangélicas que avançam como um câncer especialmente em épocas de bolsonarismo. Nesse sentido, a cobra que se instala lentamente ainda no começo do filme talvez não esteja ali por acaso: ela é um símbolo. Uma metáfora pra esse cenário de tensionamento. E de disputas de poder.
Nota: 7,5
segunda-feira, 22 de maio de 2023
A Volta ao Mundo em 80 Filmes - A Copa (Butão)
De: Jamyang Lodro, Orgyen Tobgya, Lama Chonjor e Nethen Chokling. Comédia, Butão / Austrália, 1999, 89 minutos.
"O futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes", já diria a frase atribuída ao ex-treinador da seleção italiana Arrigo Sacchi. Mas talvez para um grupo de monges isolados em um monastério tibetano talvez ela seja a mais importante mesmo. De todas. Ou ao menos é assim quando o assunto é a Copa do Mundo. E na realidade pouco importa se o Butão, o Nepal ou mesmo a Índia não estão na disputa. Para os protagonistas de A Copa (Phörpa), essa saborosa comédia butanesa tida como o primeiro filme gravado no país asiático na história, o que vale é conseguir assistir as partidas de futebol. Ver Ronaldo, Zidane, Roberto Baggio e outros ídolos da época. O ano é 1998 e a efervescência do maior torneio parece estar por toda a parte. Sensação amplificada pelo sem fim de pôsteres dos ídolos do futebol, que estão espalhados pelo quarto do jovem noviço Orgyen (Jamyang Lodro).
Na obra dirigida por Khyentse Norbu - que foi assistente de direção de Bernardo Bertolucci na época que o italiano gravou O Pequeno Buda (1993) e que é um respeitado lama - acompanhamos as peripécias de Orgyen, que sempre dá um jeito de fugir da abadia a noite, para tentar conseguir assistir ao máximo de jogos possíveis. Durante as longas sessões de orações na eterna busca por elevação, o pequeno parece mais interessado em saber quem joga, os horários e outros detalhes, o que ele faz em troca de bilhetes com outros interessados. Sendo sempre observados com certo distanciamento por Geko (Orgyen Tobgyal), que espera que os noviços possam se preocupar com assuntos mais espiritualizados do que banalidades como o futebol (e eu que sou colorado deveria seguir pelo mesmo caminho). Como forma de ampliar o senso de compromisso do pupilo, Geko coloca em suas mãos outros dois meninos, que chegam refugiados do Tibete. Mas como não ser contagiado pela febre?
O caso é que num filme como esse a gente não leva em conta apenas a paixão pelo futebol, mas também o amor pelo cinema. O Butão, tido tantas vezes como um dos países mais felizes do mundo, levaria 104 anos produzir o seu primeiro filme. E a gente nota, aqui e ali, uma e outra inevitável imperfeição - de olhadas pra câmera que não eram pra ocorrer até posicionamentos incorretos na hora da tomada. Mas tudo é absolutamente superado pelo carisma do elenco central. Lodro, com suas caretas expressivas, é simplesmente cativante, e no terço final da obra a gente já está numa torcida alucinada para que ele não apenas consiga realizar o sonho de assistir à final da Copa - após um desdobre em Geko (que, ao cabo, também guarda em segredo certo fanatismo pelo esporte) -, como ainda desejamos que tudo dê certo em relação a promessa de reaver um relógio empenhado, que é parte de uma negociação tensa para que uma simples TV com antena parabólica enferrujada possa ser obtida para ver o jogo.
É uma obra tão simples, tão econômica, como costumam ser as obras asiáticas, com seus fiapinhos de história cheios de sentido, que a coisa toda quase pende pra ingenuidade. Mas é meio difícil ficar alheio. Ou não se comover. Há um instante em que Orgyen toma um banho de banheira e, sob suas vestes, está uma camiseta canarinho com o número nove e o nome de Ronaldo. Em épocas tão equivocadas no que diz respeito ao senso de patriotismo, não deixa de nos dar uma pontinha de orgulho saber que naqueles anos 90 agora tão distantes, o futebol brasileiro gerava tamanha euforia. A propósito do contexto político, social e cultural da região, Norbu não deixa de fazer um aceno, especialmente na abordagem indireta que envolve a ocupação chinesa dos países do entorno. De alguma forma o destemido esforço de Orgyen na tentativa de quebrar o status quo ou a ordem dominante, talvez funcione ainda como uma alegoria que coloca frente a frente tradição e modernidade, obsolescência e contemporaneidade. Ou mesmo a ponta fraca enfrentando destemidamente a mais forte. Tá no Mubi. E vale conferir.
sexta-feira, 19 de maio de 2023
Novidades em Streaming - Os Cinco Diabos (Les Cinq Diables)
De: Léa Mysius. Com Adèle Exarchopoulos, Sally Dramé, Swala Emati, Moustapha Mbengue e Daphné Patakia. Drama / Suspense, França, 2022, 104 minutos.
Vicky (Sally Dramé) é uma menininha de oito anos com uma habilidade especial: por meio de cheiros, de aromas, ela consegue viajar no tempo. E assim vivenciar experiências do passado de uma forma meio mágica. Quase mística. É como se o conceito de memória olfativa fosse ampliado algumas vezes. E, não bastasse esse dom, ela tem um comportamento de verdadeira devoção quando o assunto é a sua mãe Joanne (Adèle Exarchopoulos), uma instrutora de natação. A premissa de Os Cinco Diabos (Les Cinq Diables) não dá pra negar, é curiosa. E te captura de uma forma quase instantânea. Na trama, mãe e filha residem em uma pequena cidade montanhosa que está ao redor de um enorme lago gelado (o Les Cinq Diables do título original). E é nele que Joanne, acompanhada da filha, tem o hábito de nadar. Mas não por muito tempo, pra não sofrer de hipotermia - Vicky fica a seu lado, fazendo soar um apito após vinte minutos.
Para conter os efeitos do frio na pele, a professora utiliza um produto - uma espécie de creme selante. Que é espalhado no corpo da mãe pela filha. A sobra dessa pasta, Vicky coloca dentro de um vidro (uma etiqueta indica que aquele é o frasco com os cheiros da mãe). Após mais algumas alquimias, que envolvem outras misturas, a pequena inala o conteúdo do pote. E desmaia. Sendo justamente esse o instante em que ela consegue viajar para o passado. E será em meio a esses sonhos bastante realistas, que Vicky descobrirá como uma tragédia abalaria a vida não apenas de sua própria mãe, mas também de seu pai, o o bombeiro Jimmy (Moustapha Mbengue), e também da irmã deste, a tia Julia (Swala Emati). E tudo piorará quando Julia chega, depois de um longuíssimo hiato, para uma visita à família. O que ocorrerá a contragosto de Joanne. Com uma série de segredos vindo paulatinamente à tona, a cada nova viagem no tempo da menina. Que andará pra lá e pra cá com sua coleção de aromas.
Claro, a tragédia familiar está no cerne da narrativa. Mas, nas entrelinhas, a diretora Léa Mysius aproveita o seu bem costurado roteiro para jogar alguma luz em temas que envolvem preconceitos diversos relacionados à gênero ou a raça. Jimmy é um homem negro ao passo que Joanne é branca. E Vicky endeusa a mãe de uma forma quase comovente - o que pode ser visto já nas primeiras sequências, onde ela repete os movimentos da mãe na beira da piscina. Na escola, a garotinha sofre bullying dos colegas, por conta de seu cabelo e de seu tom de pele. "Cabelo de bombril" gritos os outros estudantes, enquanto lhe agridem. Com tudo ficando ainda mais difícil quando Vicky descobre que a mãe tem uma espécie de paixão mal resolvida no passado. E que não era bem vista pelo pai de Joanne, Jean-Yvon (Patrick Bouchitey). E há ainda a misteriosa Nadine (Daphné Patakia), que trabalha com Joanne, e que possui uma deformação no rosto. O que teria ocorrido no passado envolvendo a todos ali? Parece complexo, mas não é.
Sem muita pressa, Mysius utiliza sua câmera contemplativa em meio a idas e vindas no tempo, e paisagens deslumbrantes e etéreas, que fazem com que a jornada jamais seja cansativa - ainda que a ambientação como um todo seja mais vagarosa. Há um ponto positivo na trilha sonora que, ao mesmo tempo em que é econômica, é efetiva (sendo ainda o ponto alto o uso da canção Total Eclipse of the Heart, da Bonnie Tyler, que dá aquele quezinho de nostalgia que a gente sempre adora e que desde já se insere como uma das grandes sequências de karaokê dos últimos anos). São contrastes interessantes que vão para além do óbvio elementar do fogo x água, que grita pelos cantos. Em linhas gerais trata-se de uma experiência que quase clama por uma revisão assim que sobem os créditos finais - e que pode ser eventualmente frustrante para aqueles que preferem as coisas mais bem explicadinhas. Mas esse é daqueles projetos que são como aromas que nos remetem ao passado: e que nos fazem viajar sem nem saber direito pra onde.
Nota: 8,5
terça-feira, 16 de maio de 2023
Pitaquinho Musical - Mahmundi (Amor Fati)
Se há algo que podemos perceber no quarto trabalho da cantora e compositora Mahmundi é a existência cada vez mais clara de uma personalidade própria - uma espécie de "cara" pra sua música. Que faz com que o material seja de fácil identificação. Quem acompanha a artista desde o começo da carreira talvez já esteja habituado com as suas melodias aconchegantes, que alternam instantes solares e otimistas com momentos mais poéticos e profundos. Aqueles que aguardam insistentemente por grandes novidades ou revoluções a cada novo disco desse ou daquele artista talvez não vejam nada de mais nessa nova leva de canções que misturam, como de praxe, MPB, pop, rock, soul e jazz. Mas ao mesmo tempo parece ser esse mesmo sentimento de familiaridade que torne a experiência com Amor Fati tão agradável. Não há grandes invenções. Apenas música boa.
E quando apertamos o play não são necessárias muitas curvas para que já estejamos ambientados ao novo projeto - com todo o estoicismo evocado pelo título. Como se fosse uma carta de apresentação, Amanhã é Mahmundi raiz, com toda a sofisticação, efeitos eletrônicos econômicos, guitarrinha primaveril, refrão grudento (Amanhã quando a gente acordar / Me pergunto como é que vai ser / Ela me levou pro céu / Eu não quero mais descer). Misturando a filosofia de Nietzsche, com David Lynch e comédias românticas noventistas - como ela revelou em entrevista à Revista Noize - a cantora explica que o conceito de amor ao destino parece ser uma espécie de linha guia do disco. Um bom exemplo que resume esse expediente pode ser encontrado em Sem Necessidade - parceria com o gaúcho Taguá Taguá. É o tipo de música que flui redondinha, que flerta com a psicoldelia e que nos faz abrir aquele sorriso.
Nota: 8,0
Novidades em Streaming - Air: A História por Trás do Logo (Air)
De: Ben Affleck. Com Matt Damon, Ben Affleck, Jason Bateman, Viola Davis e Chris Tucker. Drama, EUA, 2023, 115 minutos.
Sim, esse é aquele tipo de filme que muito provavelmente vai cair nas graças de marqueteiros, coaches e de empreendedores que acordam às cinco da manhã para trabalhar enquanto os outros dormem. Será citado nas palestras de influenciadores que incentivam a meritocracia. Que defendem que o sucesso só depende de você. Mas fora tudo isso não dá pra negar: Air: A História por Trás do Logo (Air) é um excelente entretenimento! A obra dirigida por Ben Affleck - que pode até não ser lá grandes coisas como ator, mas que como diretor até que se sai (já tem até Oscar em categoria principal no currículo) - está disponível na Amazon Prime e conta a história de como a Nike saiu de uma marca bastante modesta no segmento de tênis para praticantes de basquete, para simplesmente a maior do ramo. Deixando a Converse e a Adidas no chinelo. A cartada? Um contrato polpudo com um certo Michael Jordan que, no começo dos anos 80, dava mostras que ia ser o maior de todos no esporte. Talvez em qualquer esporte.
Até o ano de 1984, a Nike era apenas a terceira colocada no mercado de calçados para basquete - sua marca estava muito mais atrelada aos praticantes de corrida. Na época já existia o famoso logo - de forma muito rápida Phil Knight (o próprio Affleck) explica que ele funcionava como uma espécie de "onomatopeia visual" para o som. O Just do it já era o slogan, com todas as suas controvérsias e ambiguidades. Mas ainda faltava um movimento mais ousado. Que evitasse, inclusive o fechamento da Divisão de Basquete. E que, ao cabo, pudesse elevar a marca a um outro patamar. Na trama acompanhamos um caçador de talentos do esporte chamado Sonny Vaccaro (Matt Damon), que é incumbido pelo diretor de marketing Rob Strasser (Jason Bateman) a localizar aquele que possa ser o novo porta-voz dos tênis do segmento de basquete da Nike. Uma tarefa inegavelmente complicada.
O draft de 1984 apontava para Jordan como uma opção, mas havia um problema: apaixonado pela Adidas, o atleta parecia já estar com os dois pés na marca alemã. E, pior do que isso, como lembra um dos diretores (e atual vice-presidente da empresa) à época Howard White (Chris Tucker, num retorno afetuoso, já que ele é amigo pessoal de White), "homens negros não praticam corrida". Ou ao menos não praticavam naquele época. O que também baixava as expectativas quanto a possibilidade de contar com o futuro astro. E ainda havia, naturalmente, um terceiro ponto: em baixa na Divisão de Basquete, como poder contar com um futuro atleta de ponta com um orçamento modesto. Claro que a estratégia elaborada por Sonny e seus companheiros - com suas idas e vindas e discussões de bastidores em salas de escritório fechadas - será um dos atrativos. O que envolverá a aproximação, especialmente da mãe de Jordan, Deloris (Viola Davis, com aquela cara de possível nominada como Atriz Coadjuvante no próximo Oscar).
Recheado de citações culturais ligadas à época, a obra é um deleite em matéria de desenho de produção, com telefones "móveis" gigantescos, carros e figurinos com o DNA dos anos 80 (que Matt Damon parece vestir com uma pontinha de orgulho, inclusive no que diz respeito à barriga levemente saliente). A trilha sonora, então, é um espetáculo a parte, indo do kitsch nostálgico com ZZ Top e REO Speedwagon, passando por clássicos da época como Money for Nothing do Dire Straits (aliás, a abertura do filme é sensacional!) e Born in the USA, do Bruce Springsteen, até chegar a alternativos meio inesperados, como o Violent Femmes (e Blister in the Sun era figurinha fácil nas rádios descoladas da época). Divertida e com um carisma sem fim, a obra explora um pouco mais da figura considerada, até bem pouco tempo atrás, bastante misteriosa de Knight, um dos fundadores da corporação. Prestando ainda uma linda homenagem à Jordan e a seus familiares que, com a criação de um verdadeiro ícone do estilo, viriam a contribuir com centenas de crianças e jovens que sonham em seguir os passos do ídolo.
Nota: 8,0
segunda-feira, 15 de maio de 2023
Tesouros Cinéfilos - Lucky
De: John Carrol Lynch. Com Harry Dean Stanton, David Lynch, Tom Skerritt, Ed Begley Jr. e Yvonne Huff. Drama, EUA, 2017, 88 minutos.
- As amizades são essenciais para a alma.
- Mas elas não existem.
- Amizades?
- Não. Almas.
Uma homenagem em vida, que quase funciona como um justo obituário. É mais ou menos esse o sentimento quando assistimos Lucky - único filme até hoje dirigido por John Carrol Lynch e que está disponível na Mubi. Estrelada por Harry Dean Stanton na borda dos 90 anos a obra possibilita, sem apelar para sentimentalismos ou excessos, uma reflexão sobre a finitude. Ao cabo, o fato de que vamos morrer talvez seja a nossa única certeza. E como se lida com isso quando já vivemos o bastante? Como encaramos de frente o inevitável ocaso de nossa existência? Para Lucky, o protagonista dessa pequena joia do cinema alternativo, a resposta talvez esteja em sessões de ioga matinais, palavras cruzadas para exercitar o cérebro e programas de variedades na TV. Mente sã em corpo são? Talvez, já que Lucky fuma uma carteira de cigarros por dia desde a juventude e não abre mão de sua dose diária do drink Bloody Mary no boteco local, onde ele coloca as conversas em dia com os amigos.
Só que em certa manhã, essa rotina cheia de afeto consigo mesmo - Lucky é um solteirão solitário, afinal, como muitas vezes lembra no decorrer da história (o que não significa que não tenha se apaixonado) - é quebrada, quando o protagonista, de forma meio inesperada, desmaia. O médico lhe prescreve uma bateria de exames que lhe fazem constatar: a saúde não poderia estar mais em dia. "Aliás, para alguém que fuma aos 90 anos e há tanto tempo, é uma surpresa que o seu pulmão esteja intacto", afirma o Dr. Christian (Ed Begley Jr.). Coração? Qual nada, se fosse pra ter um infarto, ele já teria acontecido quando mais novo. Pressão arterial? De um guri. O caso é que Lucky, um veterano de guerra, está apenas ficando velho. Cada vez mais velho. E algumas funções poderão falhar aqui e ali. E, é isso mesmo. Não tem muito o que fazer que não seja aceitar esse diagnóstico. Essa sina.
A meu ver esse não deixa de ser um dos aspectos mais criativos da obra de Lynch - que mesmo não tendo nenhum parentesco com David Lynch (Veludo Azul, 1986) recrutou o segundo, que dirigiu Stanton em Twin Peaks, para integrar o elenco da obra -, já que poucas vezes se assistiu a um filme sobre a perspectiva da morte não por doença, por tragédia ou por qualquer outro colapso. E sim da morte pela morte, porque, ao cabo, ela vai acontecer. E a Lucky restará viver enquanto é tempo, fazendo aquilo que lhe dá prazer - sejam às conversas jogadas fora no bar, as longas caminhadas em direção ao mercado e até os atos de impaciência que são legítimos para um idoso um tanto ranzinza. Simples em sua estrutura, tecnicamente econômica, direta em sua mensagem, a produção não pretende nenhum tipo maior de revolução. Há aqui e ali metáforas sobre a longevidade das tartarugas (ou cágados?) ou sobre a solidão na terceira idade. Pequenas alegorias que reforçam aquilo que está sendo dito (sem dizer).
Com mais de 100 obras no currículo, entre filmes e séries, Stanton talvez não tivesse a fama de outros gigantes contemporâneos octogenários ou nonagenários. Mas sempre representou, para quem lhe dirigiu, uma presença sólida de elenco - com suas feições rudes, sua polidez seca, seu comportamento imprevisível, enigmático. De Alien: O Oitavo Passageiro (1979), a Paris, Texas (1984), passando ainda por um sem fim de faroestes de início de carreira, o ator viria a falecer, numa daquelas coincidências do destino, poucos dias antes de Lucky estrear nos cinemas. Há um quê de comovente naquilo tudo, que se amplia quando ele dá uma espiadinha final para o público, numa inesperada quebra de quarta parece nos últimos segundos. Sentimento que é ampliado conforme se espalham os melodiosos acordes de I See a Darkness, de Johnny Cash, que estabelecem um diálogo orgânico com a trama. Profundo, delicado, debochado, até comovente. Esse filme é diminuto apenas no tamanho. Por que ele é maior do que parece.
terça-feira, 9 de maio de 2023
Tesouros Cinéfilos - O Piano (The Piano)
segunda-feira, 8 de maio de 2023
Tesouros Cinéfilos - Dogville
sexta-feira, 5 de maio de 2023
Pitaquinho Musical - Everything But The Girl (Fuse)
"Você canta para curar o coração partido? / Ou você canta para começar a festa?". Sim, a letra de Karaokê, canção que fecha Fuse do Everything But the Girl, pode até aludir a uma noite aleatória de um bar de São Francisco, onde os clientes se alternam entre a energia vigorosa de Elvis Presley e a sutileza poética de Bob Dylan. Ainda assim não deixa de ser interessante notar como os versos combinam direitinho com aquilo que encontramos desde sempre nas entranhas da música proposta pelo duo britânico Tracey Thorn e Ben Watt. Inferninhos lotados que contrastam com as esquinas solitárias, uma festa fritada às 17h com o sol a pino paradoxalmente alto, ter alguém em casa pra amar mesmo após uma madrugada intensa e hedonista. Há, ao cabo, um quê de orgânico e tecnológico em igual medida na coisa toda.
Nesse sentido, é possível afirmar que as canções da banda evocam justamente essa paisagem contrastante em que a festa acontece, enquanto os instantes de introspecção ecoam internamente. "Eu gosto do escuro / Eu gosto do humor" lembra Thorn nos versos da já citada Karaokê. "Eu sinto sua falta / Como os desertos sentem falta da chuva" já cantava a dupla na dançante (dançante?) e triste (triste?) Missing, seu maior hit. É a escuridão que se une às melodias hipnóticas. É o movimento e a contemplação. É cantar para sarar as feridas. Ou para celebrar. O EBTG ficou 24 anos sem lançar um novo trabalho - o último havia sido Temperamental (1999). E quando voltou, voltou como se nunca houvesse saído. Sem afetações. Sem invencionices. Sem forçar a barra tentando soar como algo que eles nunca foram. Apenas fazendo música. Mesclando gêneros. De forma orgânica. Fluída. Linda como sempre. Os fãs agradecem.
Nota: 8,5
Cine Baú - A Noite (La Notte)
De: Michelangelo Antonionni. Com Jeanne Moreau, Marcelo Mastroianni, Monica Vitti e Vincenzo Corbella. Romance / Drama, Itália / França, 1961, 122 minutos.
Vamos combinar que se há um sentimento que pode ser bastante incômodo quando o assunto são os relacionamentos, este é a indiferença. É a gente simplesmente não se importar mais com o outro, independente do que aconteça. E esse parece, ao cabo, ser o trágico destino do casal central que protagoniza o clássico de Michelangelo Antonioni, A Noite (La Notte), que estreou recentemente na Mubi. Segunda parte daquela que se tornaria conhecida como a Trilogia da Incomunicabilidade Humana - completada por A Aventura (1960) e O Eclipse (1962) -, a obra ampliaria o aspecto agonizante de uma relação amorosa desgastada. Condição reforçada pelos silêncios doloridos, pelos desencontros permanentes e pela tentativa desesperada de se reconectar a uma paixão que parece ter se perdido na rotina, no tédio e no vazio existencial. Mais difícil do que encerrar etapas talvez seja persistir em algo que, intimamente, todos sabem já ter chegado ao fim.
E é por isso que a obra de Antonioni talvez seja tão comovente. E tão incômoda. Quem já conviveu com algum casal que já acabou mas ainda não percebeu - daqueles que insistem em ficar juntos, mesmo sabendo que separados talvez fossem mais felizes - sabe como é. Pode ser que você mesmo seja essa pessoa. Que tentou até onde foi possível, sendo infeliz na companhia de alguém. Aqui o casal central é vivido por Marcelo Mastroianni e Jeanne Moreau. Ele, um escritor de certo renome chamado Giovani Pontanno, que está lançando um novo romance, que parece ter sido bem recebido pela crítica. Ela, a filha de um sujeito abastado, uma enigmática mulher chamada Lidia, que lhe acompanha em sessões de autógrafos enfadonhas e em outras atividades intelectuais. E conforme os eventos do filme - muitos deles pequenos, fortuitos - forem se descortinando, perceberemos cada vez mais a falta de conexão. O que os afasta de forma irremediável.
Lídia, por exemplo, não consegue sentir prazer genuíno em apenas acompanhar Giovani em seus compromissos. Num deles foge e, após vagar meio aleatoriamente pelas ruas, vai parar no bairro de Milão onde moravam como recém-casados. O silêncio é interrompido quando ela presencia uma briga sangrenta de gangues. Que é seguida por uma série de lançamentos de pequenos foguetes em um campo. É tudo bastante alegórico, sendo possível estabelecer nessas ocorrências ocaionais, uma correlação com o que a jovem sente. Onde ela busca algum tipo de fiapo de nostalgia, talvez estejam apenas os sentimentos conflitantes. Não há mais nada ali. O dia prossegue com o casal indo parar em um bordel onde assistem a uma hipnotizante performance erótica. Mas não há tesão que una os dois. Não há aquela conversinha safada que poderia derivar da experiência. Alguma promessa de calor que avance pela madrugada. Há apenas o enfado, a melancolia, a monotonia e o aborrecimento.
Na tentativa de conferir algum movimento a sua noite, a dupla vai parar em uma festa de um ricaço, um certo senhor Gherardini (Vincenzo Corbella). Afastados, cada um vai para um lado. Giovani se aproxima da insinuante filha do anfitrião, no caso a jovem Valentina (Monica Vitti) - ambos flertarão sobre um enorme tabuleiro de xadrez improvisado, em mais uma daquelas metáforas quase óbvias que envolvem o jogo das paixões. Em outro ponto, Lídia, talvez meio oprimida pela solidão vagueia como um espectro, se aproximando aqui e ali de outros convidados, dançando, tomando banho de chuva, vivendo. O beijo de Giovani em Valentina pouco lhe mobilizará - ela o flagra de uma estrutura elevada da casa. Ela mesma parece ter segredos que envolvem um homem moribundo em um hospital (que talvez fosse seu amante). De alguma maneira muita coisa acontece, com os personagens saltando de eventos em eventos, de encontro em encontro, como se estivéssemos em uma espécie de A Doce Vida (1960) - com toda a mesquinharia das elites -, só que num espectro muito mais sombrio.
Paradoxalmente charmosa e sexy, esta é uma obra sobre um casamento próximo do fim, que aposta muito mais no não dito do que no dito. A chave está nas sutilezas, nos olhares discretos, nos movimentos de corpo econômicos, ondulantes, pouco expansivos. Tudo parece comunicar nesse universo de incertezas que só será plenamente revelado quando do raiar do dia, na clássica sequência no campo de golfe. A banda toca um sinuoso jazz à distância que preenche todo o ambiente. "Tenho vontade de morrer porque já não te amo mais", comenta uma Lídia suplicante, antes de iniciar a leitura de uma carta de amor em voz alta. "Quem escreveu?" pergunta Giovani. "Você", responde Lídia consternada, naquele instante que eternizaria a dor de um casal sôfrego que passa uma madrugada de prazer hedonista, estando quilômetros de distância separados. Esnobado em premiações como o Oscar ou o Festival de Cannes, o filme ressurgiria mais tarde como a ponte perfeita entre A Aventura e O Eclipse, inclusive antecipando temas atualíssimos, que envolvem desde a fugacidade do amor, passando pelo sentimento de solidão (mesmo acompanhado) até mesmo a futilidade da burguesia. É impecável.
quinta-feira, 4 de maio de 2023
Cine Baú - Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos (Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios)
De: Pedro Almodóvar. Com Carmen Maura, Antonio Banderas, María Barranco, Rossy de Palma e Julieta Serrano. Comédia dramática, Espanha, 1988, 89 minutos.
O estilo multicolorido, histriônico e farsesco de Pedro Almodóvar talvez tenha tido o seu primeiro grande ato com o clássico moderno Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos (Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios). A obra, afinal, com sua narrativa novelesca e verborrágica, pendendo para o absurdo, daria fama internacional ao espanhol - especialmente após a indicação ao Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira, na cerimônia de 1989. Ok, o filme até não faturaria a estatueta dourada - naquele ano havia um certo Pelle, O Conquistador (1988), melodrama que estava cativando o mundo -, mas pavimentaria o caminho para que Almodóvar se estabelecesse como um dos mais originais realizadores do cinema. Suas produções, atualmente, são aguardadas, comentadas. Atraem fãs no mundo todo. Costumam ser pontos altos em festivais. Aqui no Picanha mesmo esse já é o sexto texto sobre um filme do diretor. Um dos favoritos da vida, enfim.
Mulheres... é baseada, como não poderia deixar de ser, em uma peça de teatro - no caso, A Voz Humana, de Jean Cocteau. E isso explica também os motivos de grande parte da ação se passar no espaço imenso da luxuosa cobertura onde reside Pepa (Carmen Maura, que trabalharia um sem fim de vezes com Almodóvar). Na obra, Pepa atua como dubladora de filmes estrangeiros - é mais ou menos famosa no seu meio, a ponto de ser reconhecida nas ruas. Ainda no começo do filme, ela recebe um recado por telefone do seu amante Ivan (Fernando Guillén), que é seu colega de trabalho. Ele a está abandonando, pede para que ela arrume as malas dele, sem muita explicação. O que fará com que ela se desespere e tente, de todas as maneiras, descobrir os motivos disso. O que envolverá um sem fim de esforços entre ligações telefônicas, andanças pela cidade, recados e outras tentativas. Todas elas frustradas, em alguma medida.
E como se já não bastasse a tragédia particular que envolve a vida de Pepa, ela ainda receberá em sua casa a visita de sua amiga Candela (María Barranco), que está em fuga após ter descoberto que seu namorado teria ligações com grupos terroristas xiitas. Temendo ser presa ela pede asilo. Só que Pepa está colocando o apartamento à venda. Sendo que um dos interessados é justamente Carlos (um jovem Antônio Banderas), filho de Ivan, que aparece acompanhado de Marisa (Rossy de Palma, outra colaboradora habitual do diretor). O rebu todo se torna ainda maior quando a protagonista descobre a existência de uma terceira mulher na vida de Ivan, no caso a advogada Paulina (Kiti Manver), sendo que é com ela que o sujeito pretende fugir para Estocolmo. Com o caos sendo completo com o surgimento de Lucía (Julieta Serrano), ex-mulher de Ivan que está em um hospital psiquiátrico e, bem, aparentemente planeja matá-lo.
Bom, é claro que todos esse contexto bizarro de idas e vindas e de uma profusão imensa de personagens e de personalidades são apenas uma boa desculpa pra um sem fim de situações bizarras, excêntricas e engraçadas envolvendo todos ali. Apostando em coincidências como forma de unir os pontos - pessoas que se conhecem, eventos aleatórios que aproximam uns aos outros -, Almodóvar converte a obra em uma experiência tão anárquica quanto humana. De uma entediada Marisa que descobre um gaspacho na geladeira e resolve beber o produto - sem saber que ele está "batizado" com soníferos -, chegando ao instante em que um técnico que conserta telefones e um policial se confrontam, nada parece apenas jogado no roteiro, sem que haja um propósito. E é justamente esse senso de organização da narrativa que a torna tão única, bem ao estilo intenso que marcaria a obra do diretor. Pra quem ainda não está tão familiarizado com a filmografia do espanhol, esta pode ser uma bela porta de entrada. Só que se prepare: uma vez acessada essa porta, não haverá mais volta!