Os Irmãos Coen ainda estavam no começo da carreira quando imaginaram essa fábula metalinguística e bizarra, meio que encarnando o modo David Lynch wannabe. Aliás, essa predileção pela estranheza que traz a tiracolo uma crítica ao modus operandi de Hollywood - em que a produção cultural deve, em muitos casos, vir acompanhada de cifras milionárias -, talvez tenha aberto o caminho para que Barton Fink: Delírios de Hollywood (Barton Fink) faturasse a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1991. E, ironia das ironias, tenha sido completamente esnobada no Oscar. A trama nos joga para a Nova York do começo dos anos 40, um espaço fervilhante onde o Barton Fink do título (John Turturro) é um roteirista badalado da Broadway, que teve seu mais recente espetáculo elogiado pela crítica e aclamado pelo público. Por conta de todo esse prestígio, ele é assediado por produtores de Hollywood para que escreva um roteiro para um filme de baixo orçamento sobre... luta livre.
Meio desconfiado e até inseguro sobre o destino da narrativa que deve conceber, Fink se instala em um hotel meio decrépito (o Earle, de Los Angeles) para se dedicar a seu ofício. Só que do recepcionista (Steve Buscemi), passando pelos papéis de parede melancólicos, até chegar aos ruídos meio incessantes e desconfortáveis das instalações, tudo na estalagem parece gerar incômodo. O quadro insípido de uma mulher na parede, em uma praia qualquer não ajuda muito. O calor é sufocante, quase palpável - o suor escorre por todos os poros. E ainda há um vizinho de quarto ainda mais esquisito, um certo Charlie Meadows (John Goodman), um vendedor de seguros de aparência amigável, mas que desperta desconfiança no protagonista. É um contexto em que nada ajuda. Ele não consegue se concentrar. E tudo só piora quando Barton se vê, de maneira meio inesperada, envolvido em um assassinato. O colapso parece quase inevitável!
Apostando na estranheza como uma espécie de recurso narrativo, aqui os Irmãos Coen transformam Fink em uma marionete, manipulada por produtores caricaturais, figurões da indústria, empresários e outras excêntricas personalidades que lhe orbitarão, sempre exercendo algum tipo de pressão. Da mesma forma, os diretores não parecem muito dispostos a oferecer respostas fáceis para o espectador, deixando muitos questões em aberto - qual seria o conteúdo, por exemplo, da caixa deixada por Meadows à Barton? E qual seria o significado do já citado quadro? Tudo isso parece ser o de menos, já que o parece estar em jogo é a promoção de uma reflexão sobre os mecanismos que envolvem a escrita narrativa. E eu, particularmente, adoro o contraste entre o tipo de abordagem pretendida pelo protagonista em seu suposto filme - algo mais cult, de "arte" - e sobre como suas intenções acabam soterradas pelo ideal de produção de um filme popular, que certamente garantirá bilheteria.
Ainda que não seja o filme mais badalado de Joel e Ethan Coen, Barton Fink certamente pavimentaria o caminho para que o expediente que mistura personagens caricaturais (ou excêntricos), violência engraçada e aleatória, ambientações pouco óbvias e narrativas cheias de surpresas fosse repetido - e basta lembrar de Fargo (1996), E Aí Meu Irmão Cadê Você? (2000) e Onde os Fracos Não Têm Vez (2007) para que tenhamos a certeza disso. Só que este filme também tem sua personalidade, trafegando da comédia ao drama, passando pela ficção existencial até chegar ao thriller, com naturalidade. Na realidade somos surpreendidos o tempo inteiro. Tomados pela dúvida. Assim como o papel de parede que se descola e exibe um líquido viscoso que se assemelha ao... sangue. Bom, pode ser que seja sangue. Vai saber. Ou pode ser que apenas estejamos alucinando. E com alguma dificuldade para lidar com os nossos "demônios" internos.