segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Cinema - Jogos Vorazes: A Esperança - O Final

De: Francis Lawrence. Com Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Donald Sutherland, Woody Harrelson, Juliane Moore, Philip Seymour Hoffman, Elizabeth Banks, Donald Sutherland e Stanley Tucci. Aventura / Ficção Científica / Guerra. EUA, 2015, 137 minutos.

Antes que se debata a qualidade de Jogos Vorazes: A Esperança - O Final (The Hunger Games: Mockingjay - Part 2) enquanto filme - e todas as escolhas relacionadas ao capítulo derradeiro da saga - é preciso que se diga que a autora Suzanne Collins criou uma baita história. Não li os livros e não faço a mínima ideia se são bons ou ruins. Se são bem escritos ou apenas se aproveitam de um grande argumento. Mas só o fato de ter pensado a sua distopia não apenas como uma veemente crítica aos reality shows - e somente o nosso ímpeto voyeuristico para explicar o surgimento de dezenas de programas no formato nos últimos anos - mas também como uma excelente trama de ação, com personagens divertidos e interessantes e algum romance, já formaria um conjunto digno de nota.

Some-se a isso uma protagonista - no caso a engajada Katniss Everdeen (Lawrence) - que mostra força na hora de ser o símbolo de uma revolução que busca derrubar um governo totalitário (outro ponto positivo da metáfora criada por Collins) e, bom, tá ganho o jogo. Após 75 anos dos infames Jogos Vorazes, que resultaram em centenas de jovens mortos entre os 12 distritos da fictícia Panem - e que serviram apenas para o regozijo da plateia moradora da "capital", que se manteve alheia ao drama de cada família que via a participação no cruel reality como um prenúncio de sofrimento - é a hora de a protagonista vingar todos esses anos de injustiças cometidas, libertando o povo das garras do ditador Snow (Sutherland).




O filme começa com Katniss ainda se recuperando do choque de ver Peeta (Hutcherson) contra ela, após o jovem passar por um processo de lavagem cerebral orquestrado por Snow. Nesse momento, a presidente Coin (Moore) envia a protagonista ao Distrito 2 com a intenção de convencer os relutantes moradores a se rebelarem contra a capital, já que, somente com a união de todos os distritos poderá ser possível derrubar o ditador. Coin não quer que Katniss esteja na linha de frente da batalha contra Snow, preferindo que ela seja apenas um símbolo da revolução - o tal "tordo" que tanto é mencionado na série. Não à toa, ela segue sendo usada como "modelo" para vídeos e propagandas que têm a intenção de ampliar o número de adeptos da revolução. E o papel da mídia, especialmente em tempos de guerra, acaba sendo fundamental no processo de construção da obra, não sendo menos importante (e até impactante) a única aparição do apresentador Ceasar Flickermann (Tucci) - o João Kléber de Panem - que serve como a cara e a voz da mídia "estatal" que, com seu caráter oficial, procura doutrinar e reprimir os moradores locais.

Ao adotar uma paleta de cores ainda mais acinzentada e empoeirada (e consequentemente sombria) do que nos filmes anteriores, Lawrence abraça de vez o caráter melancólico do último episódio, em que apenas a guerra será capaz de libertar um povo. Katniss, ao lado de outros soldados recrutados por Coin, tentará entrar na capital. Mas para chegar em Snow deverá enfrentar um último e sádico jogo particular promovido pelo vilão: a inclusão de milhares de casulos (tipos de minas que podem se transformar em todo o tipo de armadilha) espalhados pelas ruas caóticas e opressivas da capital. Não é preciso ser nenhum adivinho para saber que o trajeto por entre as ruas da capital será o que renderá as melhores sequências de ação - com destaque para dois momentos: o primeiro, quando o grupo é atacado por uma espécie de maremoto de óleo e o segundo, em meio aos túneis escuros e claustrofóbicos da cidade, quando os tais "limpadores" aparecem. Os fãs de games, por sinal, certamente ficarão extasiados.

Ainda que o triângulo amoroso entre Katniss, Peeta e Gale (Hemswtorth) - somadas as insistentes alucinações do segundo - quase comprometa a regularidade da obra, o saldo final é positivo. As boas interpretações de todo o elenco, com destaque para Lawrence, que se consolida a cada dia como uma das mais importantes atrizes de sua geração, e Sutherland, capaz de deixar os cabelos arrepiados com sua voz calma e modos tranquilos (que apenas servem para encobrir um comportamento beligerante), também não deixam de ser um ponto de destaque. Philip Seymour Hoffmann acaba tendo um "final" digno em seu último papel sendo peça chave, apenas com o seu olhar e modos insinuantes, para a percepção de Katnis a respeito do perigo de uma ditadura deposta dar lugar a outra logo em seguida. Agora, o que deixa a desejar MESMO é o epílogo, que, ao "forçar a barra", quase coloca por água abaixo uma série que mobilizou e conquistou tantos fãs mundo afora. Mas a gente perdoa o deslize.

Nota: 7,3


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Encontro com a Professora - O Adversário (Filme)

A amiga e professora Rosane Cardoso talvez ainda não saiba, mas nós já contratamos ela. Na hora de fechar os termos do documento que a tornaria nossa colunista, explicamos a ela que não poderíamos pagá-la. Mas que, em contrapartida, o "trabalho" no Picanha lhe daria grande visibilidade. Brincadeiras a parte, a nossa querida Rô - como carinhosamente a chamamos, mesmo que nessa altura do campeonato não precisemos mais de nota - elaborou mais um de seus textos fantásticos. O filme escolhido para estrear no quadro Encontros com a Professora - somos ou não somos criativos? - é o espetacular O Adversário. Nele, os motivos que tornam esse filme tão fundamental. Boa leitura!

O adversário de si mesmo

Até onde somos capazes de ir por uma mentira? Ou, como começamos a construir uma mentira? Esta pergunta se multiplica indefinidamente em O adversário (L´adversaire), filme de Nicole Garcia, seleção oficial de Cannes em 2002.

Jean-Marc Faure, personagem interpretado com verve por Daniel Auteuil, é um médico bem-sucedido que vive em uma casa luxuosa, tem uma esposa linda, uma amante sexy, filhos perfeitos. Está sempre disponível para a família e é motivo de orgulho para pais, sogro e amigos. Então, o espectador o acompanha saindo de casa para um dia de trabalho. Estamos prontos para vê-lo adentrar um hospital, ser cumprimentado por colegas e funcionários, atender a pacientes agradecidos. No entanto, nada disso acontece: ele para em um ponto da estrada e ali fica, comendo sanduíches, ouvindo rádio, cochilando e esperando o tempo passar.

Acontece que o médico não existe.  Faz 20 anos que Jean-Marc inventou uma vida para si.




Claro que este mundo começa a desmoronar. Ao longo de duas décadas, sugou as rendas de seus pais e do sogro rico, fez investimentos equivocados e nunca pensou em limites na hora de oferecer o melhor à família e à amante. Agora que começam a lhe cobrar retorno das aplicações financeiras que supostamente fizera, ele precisa resolver tudo da melhor maneira possível. Infelizmente, isso corresponde, na concepção dele, a assassinar a todos que atravessem seu caminho. E a tragédia dantesca, anunciada no momento em que descobrimos a farsa, começa a se concretizar.

É assustador dar-se conta que, em primeiro lugar, trata-se de um filme baseado em uma história real que abalou a França nos anos de 1990. Em segundo lugar, voltando ao filme – mas sem deixar de relacionar com o que realmente ocorreu – a farsa se sustentou por 20 anos sem que a família se apercebesse minimamente do fato, assim como os amigos médicos com quem Jean-Marc discutia casos de medicina.


Na medida em que as máscaras vão caindo, juntamente com os corpos, o enquadramento das cenas vai se fechando e cria uma angústia insuportável neste mundo inventado e doentio. Mas a doença de Jean-Marc Faure assusta mais porque está pautada pela possibilidade de que se pode construir uma mentira participativa. Sobretudo, ressalta que a mentira, por pequena que seja, exige ser alimentada. Com o tempo, torna-se tão grande que agrega cúmplices e cobra a própria identidade dos sujeitos, tornando o “eu” um adversário poderoso.

O filme bem poderia se chamar Dr. Jekyll and Mr. Hyde. A diferença é que, por trás do monstro, não existe um médico atormentado pelo que esconde. Faure, na sua rotina escondida, é uma imagem patética e assustada. Então, volta para casa, assume a mentira e se sente alguém. O monstro não o atormenta. É a si mesmo que o protagonista não consegue suportar.

Recomendo que se assista ao filme com cautela. Bastante cautela.


Texto: Rosane Cardoso

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Picanha.doc - Going Clear: Scientology and the Prison of Belief

Hoje é dia de quadro novo aqui no Picanha!

No Picanha.doc estaremos falando brevemente sobre filmes de um gênero nem sempre tão valorizado no cinema: o documentário. A arte de registrar histórias reais, com entrevistas, narrações, imagens de arquivo, gerou películas fabulosas que retrataram acontecimentos tão extraordinários que, se fossem ficção, pouca gente acreditaria - vide a história de Pablo Escobar mostrada de forma dramatizada na recente série Narcos (escrevemos sobre ela aqui).

E para iniciar este novo quadro vamos recomendar o doc Going Clear: Scientology and the Prison of Belief. O filme de 2015, disponível no Netflix e na corrida pela indicação do Oscar de Melhor Documentário, mostra os bastidores da Cientologia, controversa igreja formada nos Estados Unidos no início dos anos 50 por L. Ron Hubbard (1911-1986) e que tem entre seus entusiastas os astros Tom Cruise e John Travolta. Dirigido por Alex Gibney, o documentário mostra alguns conceitos e o modus operandi da instituição, bem como os abusos por ela perpetrados. Ex-cientólogos, como o diretor de cinema Paul Haggis (do oscarizado Crash - No Limite), endossam com seus depoimentos o coro dos atuais críticos à seita que movimenta milhões de dólares e influencia a vida de milhares de americanos.


A Cientologia se baseia na Dianética, nome do livro escrito por Hubbard, uma espécie de bíblia da auto-ajuda que se declara como ciência - embora nunca tenha sido aceita no meio científico. E por falar em livro, o presente documentário foi baseado na obra Prisão da Fé: Cientologia, Celebridades e Hollywood de Lawrene Wright, vencedor do Prêmio Pulitzer. O filme causou furor nos EUA após seu lançamento na rede HBO, sendo repreendido veementemente pelos membros da igreja devido ao teor de suas denúncias. O tema já havia sido explorado anteriormente em 2012 na ficção O Mestre, de Paul Thomas Anderson, onde Philip Seymour Hoffman interpretou um personagem claramente inspirado em Hubbard. Polêmico, chocante e provocador, Going Clear é um doc que merece ser visto e apreciado não só por cinéfilos, mas por qualquer pessoa que queira conhecer mais sobre um assunto até então pouco explorado e cheio de segredos nem tão agradáveis.

E você, tem algum documentário marcante pra compartilhar conosco?

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Picanha Cast 19/11/2015

Está no ar mais um Picanha Cast, que ocorreu na última quinta-feira no programa Enciclopédia da Rádio Univates 95&1 FM.

A Pérola do Netflix "Minhas Tardes com Margueritte", a banda baiana Maglore, o disco "Art Angels" do Grimes e o filme brasileiro "Que Horas Ela Volta" foram alguns dos assuntos abordados.

É só clicar e curtir!

Apresentação: Tiago Segabinazzi.


terça-feira, 24 de novembro de 2015

Cinema - Aliança do Crime

De: Scott Cooper. Com Johnny Depp, Benedict Cumberbatch, Dakota Johnson, Kevin Bacon e Peter Sarsgaard. Policial / Suspense, EUA, 2015, 122 minutos.

Quem acompanha a carreira do astro Johnny Depp sabe que a galeria de personagens excêntricos interpretados por ele parece não ter fim. Basta lembrar de personagens como Jack Sparrow (Piratas do Caribe), Willy Wonka (na refilmagem de A Fantástica Fábrica de Chocolates), Ichabod Crane (A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça) ou Mort Rainey (Janela Secreta) - isso só pra citar alguns -, para ter certeza de que o ator nasceu para viver sujeitos esquisitos, extravagantes, enfim, singulares! Nesse sentido não deixa de ser uma gratíssima surpresa a volta de Depp aos personagens mais sérios, em Aliança do Crime (Black Mass). E não apenas com uma interpretação convencional do criminoso Jimmy "Whitey" Bulger - um dos mais famosos do sul de Boston nos anos 70 -, mas com a entrega de uma composição dramática visceral de um sujeito capaz de fazer qualquer coisa para atingir o topo no submundo do crime.

Como ocorre em muitos casos, Whitey - que abolia o apelido que ganhou por ser loiro e branquelo, preferindo ser chamado de Jimmy - começa como uma espécie de "peixe pequeno" realizando pequenas contravenções na região conhecida como Southie. O poder de fato estava na mão da famosa Cosa Nostra, a máfia italiana, que dominava as ações, especialmente na parte norte da cidade. A chegada de John Conolly (Joel Edgerton), um antigo amigo de infância de Billy que se tornou agente do FBI será o ponto de partida para uma curiosa parceria, com Conolly convencendo Jimmy a se tornar informante com o objetivo de derrubar os mafiosos italianos. Bom, não é difícil adivinhar que a derrocada da Cosa Nostra representará o fortalecimento de Jimmy, que passará de um mero estelionatário para um dos piores bandidos da época, consolidando seu poder - agora de forma impune, dada a sua nova "atividade" - gerando um rastro de violência ligada ao tráfico (de drogas e de informações), a prostituição, aos jogos de azar, a lavagem de dinheiro e as mortes, claro.




A situação se torna pior pelo fato de Jimmy ser irmão de Billy Burger (Benedict Cumberbatch), um proeminente senador da época - o que confere a história, baseada em fatos reais, um ar quase surreal. Completam o elenco o investigador Charles McGuire (Kevin Bacon), a esposa de Jimmy, Lindsay (Dakota Johnson) e o parceiro de crime Brian Halloran (Peter Sarsgaard). Scott Cooper - do insosso Coração Louco - dirige o filme baseado no livro dos jornalistas Dick Lehr e Geral O'Neill Black Mass: Whitey Bulger, the FBI and a Devil's Deal - sem tradução. Os cuidados com a produção, toda rodada nos locais verdadeiros em que os eventos ocorreram, conferem a película um charme a mais. Sensação que a aumenta com a adoção de uma fotografia em tons pasteis, com figurino de época e trilha sonora com artistas que faziam sucesso entre o final dos anos 70 e o início dos 80. E que se configuram como excelentes escolhas dentro do contexto da obra.

Mas é a interpretação absolutamente carismática, sedutora e cativante de Depp, o ponto alto da história. O astro recria Jimmy como um sujeito tido ao mesmo tempo como uma espécie de Robin Hood da vizinhança, mas que não hesitaria em dar fim a qualquer pessoa que pudesse representar um entrave para os seus negócios. A maquiagem carregada, os olhos azuis brilhantes, os dentes podres, a pele e os cabelos oleosos, quase transformam o Jimmy de Depp em uma espécie de vampiro local, pronto pra sugar o sangue de suas vítimas - o que não deixaria de ser um curioso paradoxo, uma vez que o ator tem predileção por viver sujeitos a margem da sociedade, como já falamos no começo dessa pequena resenha. Não será surpresa, portanto, se o ator aparecer entre os indicados na corrida por uma famosa estatueta dourada - seria sua quarta nominação. Que o ator ainda não faturou, a despeito da inegável qualidade de suas composições. É aguardar!

Nota: 7,7


Lançamento de Videoclipe - Dingo Bells (Mistério dos 30)

Em meio a tantos bons discos nacionais que chegaram ao mercado no ano de 2015, um dos que mais têm chamado a atenção tanto de público como de crítica é o Maravilhas da Vida Moderna, do trio gaúcho Dingo Bells. Em plena campanha de divulgação do trabalho - apenas o primeiro da carreira, ainda que o trio formado pelos músicos Diogo Brochmann (guitarra), Felipe Kautz (baixo) e Rodrigo Fischmann (bateria) já tenha cerca de 10 anos de estrada -, o grupo liberou nessa semana o segundo videoclipe relativo ao álbum, sendo Mistério dos 30 a música escolhida. Com belíssima produção, o vídeo, comandado pelo diretor Martino Piccinini, convoca o espectador a refletir sobre uma das mais importantes fases de nossas vidas - e o que fazer nesse meio do caminho entre a juventude e a vida adulta. A música, uma das melhores do registro, mistura na medida certa soul music, MPB e rock. Pra ver o resultado, é só clicar!



segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Disco da Semana - Silva (Júpiter)

Para aqueles que acreditam que a evolução natural de um músico está diretamente relacionada ao alcance de uma certa complexidade nos versos e de algum requinte na parte instrumental, temos uma má notícia relacionada ao novo disco do capixaba Silva: ele nunca foi tão simples. Tão direto. Tão descomplicado e pouco enfeitado como no recém lançado Júpiter - terceiro trabalho, após os elogiados Claridão (2012) e Vista Pro Mar (2014). Se nos dois primeiros álbuns, o cantor, compositor e multi-instrumentista brincava com as possibilidades trazidas pelo uso de sintetizadores ensolarados e bem elaborados, que serviam de base para versos mais sutis e que eram capazes de dizer muito sem dizer, agora o que vale é o alcance universal a partir de uma coleção de canções (ainda mais) pop e românticas, repletas de refrãos cantaroláveis e rimas simples.

Mas o mais legal de tudo é que há sinceridade e honestidade no material que o artista lança. O que pode ser percebido, inclusive, na carta de apresentação que Silva publicou, assim que lançou o trabalho. Nela, o cantor admite ter viajado muito nos últimos quatro anos, tendo conhecido muitas pessoas e culturas que contribuíram para a sua formação musical. "Nunca parei de produzir música, é a minha vida. [..] E toda a mudança, nesse período, certamente está mais clara agora, com Júpiter", garante. Em outra parte da carta, o capixaba explica que, sim, a ideia foi a de ser o mais minimalista possível e que elaborou as canções a partir de esboços feitos desde 2014 "na estrada, entre voos, quarto de hoteis e ideias gravados no celular, em meio a festas ou conversas com os amigos".



A consequência dessa proposta vai ao encontro daquela que percebemos no álbum, muito mais direto, sem firulas, palatável, se tornando ainda mais simples daquilo que já possa ter sido entregue anteriormente. O que pode ser notado, inclusive, na capa de poucos elementos (e até meio brega) e na curtíssima duração do registro - que mal e mal ultrapassa os 35 minutos.  Ainda assim, é preciso que se diga, Silva, em seu emaranhado pop conciso, em que a sua voz se sobrepõe a parte sonora, transforma Júpiter, no caso maior planeta do sistema solar, como uma espécie de cenário idílico e alternativo para uma espécie de fuga para um mundo cheio de preconceito, de intolerância e de violência em que vivemos hoje. Algo que pode ser percebido, por exemplo, na faixa título (Júpiter pode ser/ Começar de novo/ Se por lá não houver/ Esse mesmo povo/ Que só quer controlar/ O que a gente quer).

Mas é, definitivamente, nas composições recheadas de alta carga romântica que a simplicidade transparece de forma ainda mais clara, com os versos e batidas que não fariam feio no catálogo de sucessos pegajosos de artistas tão distintos como Sampa Crew, Twister ou Lulu Santos, ficando a critério de cada ouvinte a decisão sobre isso ser bom ou ruim. Não é do jeito que você pensou/ Não é tão perfeito/É só como sou canta Silva de forma honesta na ótima Sou Desse Jeito. O expediente é repetido em Nas Horas (A gente faz tudo ser real/ Você eu noite a clarear / Há quem duvide do verbo amar/ Eu já rezo o verbo todo), Feliz e Ponto (Eu quis tanto ter você/ Quando você não me quis/ E agora a gente é/ Feliz e ponto) e Se Ela Volta (Se ela voltar/ Vou dizer te amo/ Se ela não voltar/ Penso em outro plano). Sim, Silva está simples. Talvez para alguns até repetitivo em seus temas. Mas segue ótimo de ouvir.

Nota: 7,7

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Pérolas do Netflix - Minhas Tardes com Margueritte

De: Jean Becker. Com Gérard Depardieu, Gisèle Casadeus, Jean-François Stévenin e Claire Maurer. Comédia dramática, França, 2010, 82 minutos.

Essas pequenas pérolas que temos sugeridos a vocês, queridos leitores do Picanha, têm servido para comprovar a tese de que um filme, para ser bom, não necessita de efeitos especiais extraordinários, cenários grandiosos, estrelas de Hollywood e reviravoltas impactantes. Bastam as boas histórias, que, ainda que simples, sejam capazes de nos tocar de alguma forma. Que tenham algum significado. Enfim, que sejam representativas dos valores que carregamos conosco. O caso do singelo Minhas Tardes com Margueritte (La Tête en Friche), do diretor Jean Becker, é exatamente este: um filme simples, pequeno, de orçamento modesto. Mas com uma trama admirável.

Gérard Depardieu é Germain, um cinquentão semianalfabeto que vive de bicos e de animados encontros com os amigos em um bar italiano. Quando criança, Germain era maltratado pela mãe problemática, que o tratava como um estorvo - "isso aí só come e dá prejuízo", diz ela em uma das cenas. Na escola não era diferente. Problemas de dislexia, aliados a obesidade infantil tornavam-no alvo fácil do bullying dos colegas, que não perdiam a oportunidade de rir de suas dificuldades. Resultado: Germain cresceu com um certo bloqueio intelectual. E que, atualmente, se reflete em grande dificuldade de ler e, principalmente, de compreender aquilo que é lido. Será o encontro com a Margueritte (a veteraníssima Gisèle Casadeus) do título - educada senhora de quase 100 anos de idade que, a despeito da fragilidade física, possui grande conhecimento das letras -, que começará a modificar esse cenário.


Após um primeiro contato em que ambos conversam amenidades sobre os pombos da praça, Margueritte resolve ler a ele um trecho de A Peste de Albert Camus - sem soar pedante, mas é um dos meus livros preferidos. O exercício mexe com a imaginação de Germain - sujeito desajeitado e com mais de 100 quilos, mas de grande coração - que passa a adotar as idas a praça para o encontro com a sua nova amiga, como uma espécie de segunda escola tardia. O aumento do interesse pelas letras e a consequente ampliação dos conhecimentos são sentidos por todos a sua volta - sendo absolutamente divertidas (e ao mesmo tempo tocantes) as cenas em que Germain apresenta certa melhora de vocabulário e mesmo de entendimento geral global sobre as coisas, em seu encontro com os amigos da "bodega".

A despeito de apresentar Germain como um sujeito ignorante do ponto de vista intelectual, o filme não deixa de prestar certa homenagem ao conhecimento empírico, existente nos mais variados meios. Germain não sabe ler e escrever. Mas produz em sua horta vegetais que fazem brilhar os olhos da pequena senhora, quando esta recebe do novo amigo uma cesta repleta de tomates, alfaces, alho-poró e rabanetes, cultivados pelo sujeito com carinho e de forma limpa - "uma terra fértil sempre dará de volta o seu melhor", filosofa. Quando o mesmo Germain presenteia Margueritte com uma bengala lixada, polida e envernizada pelo próprio vale a mesma lógica: o que significa o conhecimento? No caso do filme o que vale é a troca. E essa reflexão por si só já seria suficiente para essa pequena obra-prima valer a pena. Mas a película é muito mais. Com ótimas interpretações e elenco de apoio absolutamente valioso - sejam os animados amigos do miscigenado bar, seja a amorosa esposa de Germain, Anette (a apaixonante Sophie Guillemin), o filme, com o seu inesperado desfecho, é daqueles que nos faz refletir obre uma série de temas, seja ele o respeito as diferenças ou a importância de uma amizade. O que, definitivamente, não é pouco.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Espaço do Leitor - Filme (Garota Exemplar)

Acho que vamos mudar o nome desse quadro para Coluna da Rosane ou algo com algum outro título tão criativo quanto este! Bom, o fato é que a professora e querida amiga Rosane Cardoso mandou mais um daqueles textos absolutamente f**** (dá pra falar palavrão?) para o quadro Espaço do Leitor, que sempre dão um ganho de qualidade no nosso Picanha velho de guerra. Dessa vez ela falou de um filmaço, no caso o ótimo Garota Exemplar, lançado no ano passado - aquele com a Rosamund Pike surtada -, comparando-o com outro filme mais antigo de Hollywood, que possui alguma semelhança em seu roteiro. Boa leitura!

Garoto, amar foi tua ruína...


Muito se falou no excelente Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), dirigido por David Fincher e escrito por Gillian Flynn. O filme não deixa pedra sobre pedra: discute o alvoroço da mídia, a hipocrisia social e, sobretudo, avança sem dó nem piedade para dentro da casa, seja entre as quatro paredes de um casamento, seja nas controladas relações familiares. De fato, não saberia dizer onde residem mais não ditos. Os pais, entre falas mansas e taças de champanhe, exploram a imagem que criaram da filha. A filha, por sua vez, ataca ao marido, na sua frustração diante do cotidiano e de um casamento que a decepciona. Em sua vingança, ela assume a apatia que sente em relação a todos e destrói o que pode em seu caminho. Ainda que, ao final, siga aprisionada no casamento medíocre, seu marido é a vítima maior e, pior de tudo, ciente do poder de destruição da “patroa”. Rosamund Pike, por sua vez, consegue mostrar a que veio, saindo do limbo das belas loiras coadjuvantes de Hollywood que ninguém sabe muito bem o nome.

No entanto, o que mais me chamou a atenção no filme, foi a semelhança com Amar foi minha ruína (Leave her to heaven), de 1945, dirigido John M. Stahl, e estrelado pela belíssima Genne Tierney e o pouco expressivo Cornel Wilde. Como o filme de Fincher, também nasceu de um livro homônimo. A película tem uma aura noir, embora, em alguns momentos, se perca no dramalhão. Mas é uma delícia.




 Helen Berent, a protagonista, é a típica femme fatale, mas com um tempero a mais. Misteriosa, obcecada pelo pai já falecido, encontra o amor de sua vida no escritor interpretado por Wilde. Na trama, a presença do ex-noivo, personagem de Vincent Price, é uma força decisiva para o desenrolar do filme. Mas o que interessa aqui não é contar o enredo, mas pensar na riqueza com que esta mulher é construída. Incapaz de pensar além de si, o ciúme a corrói, deixando um rastro de crimes hediondos por onde ela passa.

Édipo, Hamlet, Medeia, Fedra são alguns dos personagens clássicos que perfilam a protagonista. Como em Garota exemplar, o silêncio da família joga o marido na cilada amorosa sem retorno. Claro que, sendo um drama dos anos de 1940, tudo dá certo no final. Mas a gente esquece com facilidade do novo e feliz casal. É a imagem de Tierney que permanece, com o seu olhar gélido e implacável.
Enredo recheado de Shakespeare, o título do filme em inglês, Leave her to heaven, é uma referência a uma conversa entre Hamlet e o fantasma de seu pai, que pede ao filho que não se vingue da mãe traidora, pois o céu irá julgá-la. Em minha opinião, no caso de Helen Berent, não creio que o Céu tenha coragem para tanto.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Na Espera - O Regresso (Filme)

Todos os anos os cinéfilos se fazem a mesma pergunta: será que o Leonardo DiCaprio fatura o Oscar na próxima edição? Olha, pra nós do Picanha o astro de Hollywood já poderia ter faturado a maior premiação do cinema norte-americano há umas boas edições - dadas as suas ótimas performances, especialmente em clássicos modernos como Django Livre e O Lobo de Wall Street. E será que com o aguardadíssimo O Regresso (The Revenant) - mais recente empreitada do diretor Alejandro González Iñarritu - ele consegue virar esse jogo?


O trailer do filme - que estreia no dia 04 de fevereiro do próximo ano - é pura tensão, mostrando o protagonista enfrentando uma série de adversidades em um ambiente inóspito. A trama se passa no ano de 1822. Leonardo DiCaprio é o caçador Hugh Glass, que parte para o oeste americano disposto a ganhar dinheiro com a caça. As imagens mostram um ataque de um urso em que ele fica seriamente ferido, sendo abandonado à própria sorte pelo parceiro John Fitzgerald (Tom Hardy). Nem é preciso dizer que a jornada será de vingança em meio ao clima de adversidade. E aí, tem cheiro de estatueta dourada no ar?


Pra Ouvir - Maglore

Volta e meia a gente descobre uma nova banda nacional que se torna, quase que de imediato, mais uma daquelas "do coração". Que você passa a ouvir e ouvir e que permanece dias, semanas, até meses na sua playlist. Com aquelas músicas que lhe tocam, que lhe envolvem. Bom, tenho me deparado com tantos artistas, músicos, compositores e instrumentistas de altíssima qualidade em nossa terrinha, que quase daria pra fazer o quadro Pra Ouvir uma vez por semana - pra não dizer diariamente. Hoje em dia é fácil ouvir música sem necessariamente ser refém daquela rádio FM meia boca que só toca aquele estilo musical de gosto duvidoso que você conhece bem. E se alguém do seu entorno lhe disser que a música nacional não é a mesma do passado, diga que você concorda e que ela efetivamente não é mais a mesma. Ela é mais múltipla, mais democrática, mais acessível, mais diversificada, mais variada, mais ampla, mais... brasileira, enfim.

É nesse sentido que aparecem por aqui os baianos do Maglore, motivo do Pra Ouvir de hoje - quadro que tem o objetivo de falar das bandas nacionais que gostamos DEMAIS. Há poucos meses atrás não conhecia o grupo formado por Teago Oliveira (voz e guitarras), Rodrigo Damati (contrabaixo) e Felipe Dieder (bateria). Provavelmente deve ter sido a partir de uma das belíssimas resenhas escritas pelo Cléber Facchi no site Miojo Indie, o motivo de eu ter ido "atrás" de ouvir o som dos caras. Uma audição. Duas, três. A quarta. Costumo dizer que a apreciação de um disco de uma forma mais completa só é possível lá pela quinta "ouvida". Ao invés de começar pelo disco mais recente, o III, lançado em meados desse ano, resolvi iniciar a minha incursão pelo Vamos Pra Rua, registro anterior.




Numa boa, nós gaúchos nos orgulhamos de sermos bairristas, de gostar das nossas coisas. De cantá-las, de vesti-las, de colocá-las em verso e prosa. Gostamos da nossa história, da nossa cultura, dos nossos times de futebol, do Mario Quintava e de Porto, né? Mas tenho certeza de que, com o povo baiano, não deve ser diferente - e talvez com muito mais motivos para orgulho, que me perdoem os da vertente mais extrema. O que o Maglore faz com a canção Avenida Sete, a terceira do maravilhoso Vamos Pra Rua, não é apenas mais uma musiquinha de um trio que tá surgindo na esteira do famoso nicho de mercado "viúvas dos Los Hermanos" - coisa que li por aí. A canção além de linda, assobiável, com refrão inesquecível e realizada com a técnica mais refinada possível da MPB é daquelas que te pega, te envolve, te abraça, te faz sentir parte. Sério, nunca fui pra Bahia, nunca andei na Avenida Sete, uma das mais importantes vias urbanas não apenas de Salvador, mas talvez do País. Essa canção multicolorida, singela, nostálgica me joga pra lá num instante. E me faz cantarolar junto com a mesma vibração da massa que canta em coro no final, o refrão "Avenida Sete me leve com carinho". Absolutamente linda demais!

Essa música foi aquela que na primeira audição já me saltou aos ouvidos, e que me fez prestar ainda mais atenção no restante de cada um dos dois registros a que tive acesso. Encontrei de tudo um pouco no limite entre o rock alternativo e a MPB. Feita sem firulas, com melodia, com boas letras, refrãos simpáticos. Sei que os baianos - que abriram recentemente o show do Muse em São Paulo, pra ver a moral da gurizada (e será que não foi mais legal que a banda de fundo?) - já andaram aqui pelos nossos pagos. Nos resta torcer para que eles voltem para mostrar  mais uma vez a sua música de qualidade. Aqui no Picanha, como é de praxe no Pra Ouvir, a gente fala dos dois principais (e, no caso, mais recentes) trabalhos.


Vamos Pra Rua (2013): verdadeira prova viva de que, atualmente, é possível fazer música acessível e descomplicada, sem por isso parecer um produto óbvio ou irritantemente previsível, o disco contém uma série de acertos pop, capazes de dialogar com artistas distintos como Caetano Veloso, Ivan Lins ou os já citados Los Hermanos. Com participações de Carlinhos Brown e Wado - o segundo na divertidíssima Nunca Mais Vou Trabalhar - o registro funciona com um recorte que, ainda que nas aparências possa parecer regionalizado, se torna universal pela multiplicidade de temas cotidianos, coloridos e modernos. E que são capazes de alcançar qualquer ouvinte com seus arranjos bem elaborados e lirismo sutil. Além da já citada e imperdível Avenida Sete, o álbum possui a canção título, que é outra que faz parte das melhores do grupo. Demais Baby!, Quero Agorá e Debaixo da Chuva constituem-se em outros belos momentos.


III (2015): se o Vamos Pra Rua já se constituía em um excelente exercício de música pop, o mais recente trabalho, que tem colhido elogios em todos os sites especializados, parece ampliar ainda mais esse espectro, consolidando o grupo como um dos mais criativos e interessantes da cena atual, ao lado de outros como Apanhador Só e Boogarins. Ainda mais homogêneo que o trabalho anterior, o disco se apropria de outras vertentes, caso da nova onda psicodélica - que tá na moda agora - para enriquecer ainda mais as melodias de suas canções. Nesse sentido, a eventual melancolia que permeia o registro, acaba absorvida pelos arranjos multicoloridos e ensolarados - sendo, nesse sentido, impossível ficar alheio ao potencial radiofônico da ótima Se Você Fosse Minha. Outra músicas como Mantra, Dança Diferente, Ai Ai e Café Com Pão certamente arrancarão do eventual novo ouvinte aquele sorriso de satisfação. Vida longa ao Maglore!

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Disco da Semana - Grimes (Art Angels)

É possível analisar o novo disco do Grimes - nome artístico da cantora canadense Claire Boucher - a partir de dois pontos de vista distintos. Explico: quando a artista lançou seu primeiro registro, intitulado Geidi Primes - após algumas incursões bem-sucedidas na cena musical eletrônica underground - o que os ouvintes encontraram foi um álbum recheado de canções com emanações etéreas, barulhos espaciais e um clima onírico. Todo esse contexto pouco óbvio a distanciava de toda e qualquer incursão pelo pop mais acessível - ainda que a sua voz adocicada e pegajosa fosse um verdadeiro convite para esse modelo. Na época, canções como Caladan, Sardaukar Levenbrech e Gambang mais pareciam retiradas de dentro de um caldeirão capaz de misturar música medieval, industrial e o eletrônica, com uma passada pelo hip hop, até chegar ao noise rock.

Em geral, até o espetacular Visions, disco lançado no começo de 2012, não era uma artista lá muito fácil de ser ouvida. A forma com que a cantora intercalava elementos tão distintos talvez pudesse representar um desafio meio exagerado para ouvintes mais acostumados com outras bandas com meninas nos vocais e que pudessem ser mais facilmente digeridas - casos do Chvrches ou do Best Coast. Só que o Visions, é preciso que se diga, pareceu determinar uma espécie de mudança de estilo dentro de tudo aquilo que o Grimes tinha realizado até então - e canções como Genesis (uma das melhores músicas do planeta, por sinal) e Oblivion, ainda que carregassem nas enevoadas tintas siderais, quase eram capazes de soar tão facilmente audíveis como assim são os momentos mais comerciais de artistas tão variadas como Annie Lennox e Kate Bush. Enfim, o pop batia na porta.


Bom, e é nesse ponto que chegamos ao recém lançado Art Angels. Se antes a complexidade e o caráter hermético do material eram capazes de saltar aos olhos (ou aos ouvidos), agora, a artista parece ter descomplicado tudo ao entregar um registro que conduz o ouvinte para o que de mais divertido e colorido pode haver na música mais comercial. Canções como Realiti, California e Easily - a despeito das melancólicas letras - são tão diretas, com seus refrãos grudentos e ganchudos e sintetizadores bem marcados, que não fariam feio em algum disco da Madonna em início de carreira. Grimes se mudou para Los Angeles por um tempo, chegou a trabalhar com a Rihanna - no single Go, que ficou de fora do disco -, conheceu outras pessoas (produtores, cantores) ligadas ao seu meio. E se apropriou de tudo aquilo que absorveu para "afinar" seu som.

O som ter se tornado mais acessível não quer dizer, de maneira alguma, que ele ficou pior - e aqui a gente já entra no debate proposto lá no início dessa resenha. A cantora mantém o clima sacro (laughing and being normal), dialoga com o hip hop, a música urbana e o dancehall (na vibrante SCREAM, parceria com Aristophanes) e brinca com tudo aquilo que caracteriza o synthpop oitentista (Kill V. Maim). Mas a sua música está limpa, sem aquele verniz exageradamente empoeirado de outrora, que poderia tornar a audição mais truncada. Mas tudo isso sem perder a sua característica - e capa surrealista, feita pela própria artista, não deixa de ser uma prova disso. Melhor ou pior, cabe a quem ouvir a decisão. Por aqui a gente encara esse contexto como um processo evolutivo natural de uma cantora que entrega um dos trabalhos mais legais do ano.

Nota: 8,3

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

#5 Discos Fundamentais de Neil Young

O cantor e compositor Neil Young está completando hoje 70 anos de vida. E pra comemorar a data, nós, do Picanha - que somos muito fãs do canadense - lançamos aqui uma lista com os cinco discos fundamentais dessa verdadeira lenda viva, que lançou mais de 60 trabalhos, entre álbuns de estúdio, ao vivo, coletâneas, com a banda Buffalo Spriengfield, com o Crazy Horse ou mesmo com os seus tradicionais companheiros Crosby, Stills e Nash. Dono de um estilo bastante particular - capaz de misturar rock com música folk e country -, Young é conhecido entre o grande público por hits como Rockin' in the Free World e My My, Hey Hey (Out Of the World) que tocaram a exaustão (mesmo!) nas rádios de todo o mundo.


Desde o lançamento do primeiro registro, lá num longínquo ano de 1968, o rock rural americano nunca mais foi o mesmo. Muito por conta dos riffs distorcidos de guitarra, da voz melancólica e das letras recheadas de críticas sociais ou de versos relativos ao estilo de vida do homem do campo. A propósito de seus versos, nesse ano o compositor lançou o impactante The Monsanto Years, disco de protesto que critica o modelo seguido pela multinacional americana Monsanto - maior fabricante de agrotóxicos do mundo (cuja resenha pode ser lida aqui). O que mostra que a lenda segue mais viva do que nunca! Segue a nossa listinha!

5) Comes A Time (1978): esse álbum dificilmente aparece em qualquer lista de melhores do guitarrista, mas funciona como uma excelente porta de entrada para quem tem interesse em ampliar os seus conhecimentos a respeito da obra de Young. Foi assim comigo - com o sócio Henrique me indicando este registro após as intensas audições de Harvest Moon (1992). Simples, direto - ainda que bem elaborado, com o uso de violinos e outros instrumentos que garantem a riqueza instrumental - o disco é recheado de hits com aquele clima de saloon do velho oeste em que a banda toca para uma plateia ensandecida. E tem Comes A Time que, numa boa, só se você for muito ranzinza pra não incluir entre as melhores canções do planeta já feitas pelo ídolo.


4) Harvest (1972): um dos maiores sucessos comerciais da carreira de Young, o disco é aquele que contém o single Heart Of Gold. Aliás, o livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer tem uma curiosa história a respeito do sucesso alcançado pela canção: ela ficou fora do repertório dos shows por mais de três décadas. "Por causa dessa música fui parar na estrada da fama, isso logo se tornou uma chatice e resolvi pegar um desvio", afirmou o compositor, na época. Intimista, com um alto grau de sentimentalismo, o registro representou o auge criativo do canadense ao retratar o zeitgeist do povo americano. A presença dos parceiros do Crazy Horse e ainda o megahit Old Man também contribuíram para que este se tornasse um álbum tão fundamental.


3) After the Gold Rush (1970): o disco é o responsável por pavimentar o caminho para a década mais fértil do guitarrista, quando ele lançou uma série de álbuns recheados de boas misturas de blues, rock e country. Curtinho em tamanho - são apenas 11 canções e pouco mais de 30 minutos - o registro é grandioso em suas letras melancólicas e angustiadas, a grande maioria falando de desilusões amorosas e paixões mal resolvidas. Algo bem adequado a um jovem de apenas 25 anos - e que hoje é referência para artistas mais novos, como Kurt Vile e Father John Misty. Que certamente escutaram em sua adolescência músicas como Tell Me Why, Only Love Can Break Your Heart e Southern Man.



2) Zuma (1975): esse trabalho merece estar nessa lista por, entre outros motivos - como a arte de capa genial! -, representar um ponto de "virada" na carreira de Young. Ao lado dos companheiros do Crazy Horse, aos poucos as melodiosas canções country de estilo rápido, começavam a dar lugar as distorções de guitarra e a um peso maior, ampliando o alcance do artista para além do folk e do blues. Costuma-se dizer que esse foi o trabalho que começou a consolidar o canadense como guitarrista. A insinuante Cortez The Killer é um exemplo desse novo modelo. Ainda assim, o compositor não deixa de lado as canções vibrantes, urgentes e amparadas pelo tradicional vocal rasgado, caso das maravilhosas Don´t Cry No Tears e Looking fos a Love.


1) Harvest Moon (1992): Um dos discos mais completos, bucólicos, introspectivos e, ainda assim, acessíveis não apenas de Young, mas da história da música, o vigésimo primeiro registro em estúdio representa um retorno do guitarrista as origens do folk e do country após uma temporada mais roqueira, que culminaria no barulhento Ragged Glory (1990) - que talvez para alguns até pudesse fazer parte de uma lista desse tipo! Recheado de letras perfumadas pelo clima rural e arranjos peculiares - quem não se lembra do clipe da MTV, que reproduz o barulhinho da vassoura de palha da canção título? - o trabalho possui uma série de canções inesquecíveis, com destaque para Unknown Legend, One Of These Days e From Hank To Hendrix. Daquele pra deixar o dia (ou a noite!) inteira no repeat.

E aí gostaram da lista? Ou faltou algum disquinho aí no meio? Confesso não ser nada fácil fazer uma lista desse tipo com uma discografia tão vasta como a de Young. Tonight is the Night, On the Beach e o já citado Ragged Glory poderiam aparecer nas eventuais menções honrosas. E pra vocês? Quais os favoritos? Escrevam pra nós!

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Novidades em DVD - Que Horas Ela Volta?

De: Anna Muylaert. Com Regina Casé, Camila Márdila, Michel Joelsas, Karine Teles e Lourenço Mutarelli. Drama, Brasil, 2015, 111 minutos.

Existe uma frase, dita pela designer de moda Barbara, personagem vivida pela atriz Karine Telles, que resume de maneira não menos do que perfeita a reflexão proposta pelo enredo do espetacular Que Horas Ela Volta?, que agora chega em DVD: tá vendo, o País tá mudando mesmo. A afirmação feita ao marido Carlos (Lourenço Mutarelli) ocorre durante um jantar da família que reside no luxuoso bairro do Morumbi, em São Paulo, quando Barbara descobre que a filha de sua empregada doméstica está vindo para a capital para prestar o vestibular de arquitetura. A empregada doméstica em questão é Val (Regina Casé), que saiu do nordeste há cerca de 15 anos deixando para trás a família - e a própria filha - com o objetivo de tentar a sorte em uma cidade grande. Realidade esta que foi a de muitos brasileiros a até pouco tempo atrás, com índices de inflação e desemprego acachapantes, isso sem falar na pobreza extrema.

Talvez seja essa dura realidade deixada para trás, que faça Val ter a impressão de que, sim, ela talvez tenha vencido. De que ela conquistou aquilo que queria. Que conseguiu um bom emprego, um bom teto e dinheiro suficiente para o envio de certa quantia a filha, que permaneceu em sua terra natal. Val trabalha há mais de dez anos na casa de Barbara - ou dona Barbara ou senhora, como a empregada educadamente a chama, a cada troca de palavras. Tem o seu quartinho, lááá no fundão da enorme mansão, com ventilador barulhento e janelinha que dá pra área de serviço. Mas, no fim das contas, tem os patrões "bondosos" que, como senhores de engenho modernos, lhes conferem casa e comida em troca de incansáveis 12 a 16 horas diárias de louça lavada, chão varrido, grama "aguada", comida feita e educação para os filhos dos patrões. Um acordo tácito em que, claramente, apenas um lado se beneficia. É assim que Val aprendeu como são as coisas.


Eu moro no serviço! Sim, eu moro no serviço! tenta se explicar uma Val angustiada, quando a filha percebe que a mãe não tem sequer casa e que vive na dependência da rica família que lhe emprega. Mas você não tinha dito que era praticamente como alguém da família? rebate a menina, quando se dá conta do local destinado ao repouso da mãe - espaço pequeno, quente, insalubre. Situação que se torna ainda mais impactante quando Jéssica descobre, dentro da mansão, um luxuoso quarto de "hóspedes" com quase 50m². Um quarto desocupado, que só é habitado quando alguma eventual visita aparece. Algo que não parece ser muito frequente. Vale a mesma lógica pra piscina, pra mesa de jantar. Val é da família. Desde que não invada o espaço desta.

Já Jéssica acha tudo isso muito estranho: é curiosa (como ela mesma se define), sabedora de seus direitos e capaz de refletir e inferir sobre os mais variados assuntos, sejam eles as artes, a história ou mesmo a política. Aparentemente com muito esforço pessoal, já que ela passa longe da meritocracia capaz de encaminhar com muito mais tranquilidade os filhos dos mais abastados - que se decepcionam quando estes não são aprovados no vestibular. Enfim, Jéssica é alguém que pensa. Que sabe. Que não é alienada. Que não aceita a condição imposta a Val - como ela a chama durante toda a exibição. E esse comportamento seguro de si e até mesmo transgressor - ao menos diante do cenário de sutil dominação vivido pela mãe - é que gerará o conflito dessa muito bem engendrada obra.

Ao utilizar como cenário o microcosmo de uma família rica que, dadas algumas circunstâncias, passa a ter de conviver de maneira meio forçada com pessoas de classes menos abastadas, Anna Muylaert - dos igualmente notáveis Durval Discos e É Proibido Fumar - realiza um verdadeiro tratado sobre esses "novos tempos" que o País aparentemente vive. Tempos em que os extratos mais humildes podem comer melhor, ter mais educação e acesso a saúde, adquirir bens materiais, casas, carros, andar de avião, frequentar restaurantes e... prestar vestibular de arquitetura em uma faculdade com maior exigência. Hoje é possível pensar para um pouco mais além daquela vidinha de quem já nasce sabendo o que pode e o que não pode - como explica Val a sua filha em outro momento emblemático dessa grande película. Ainda que nem tudo seja um mar de rosas, efetivamente. Com todo o elenco empenhado em entregar um trabalho magistral - com destaque para a tocante interpretação de Regina Casé -, Que Horas Ela Volta? é daqueles filmes que certamente gerará calorosos debates - fazendo com que reflitamos, inclusive, sobre o nosso comportamento no dia a dia. As reais possibilidades para o Oscar 2016 talvez comprovem que as mudanças também possam ter chegado ao nosso cinema.

Nota: 10



segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Grandes Cenas do Cinema: Butch Cassidy

Filme: Butch Cassidy
Cena: Andando de bicicleta ao som de Burt Bacharach

Poucos faroestes possuem uma coleção de cenas tão icônicas quando o divetidíssimo Butch Cassidy (Butch Cassidy and the Sundance Kid), lançado em 1969 pelo diretor George Roy Hill e protagonizado com todo o charme do planeta pela dupla Paul Newman e Robert Redford. Quem não se lembra, por exemplo, da fuga interminável da dupla, após um roubo de trem mal sucedido em que Butch repete diversas vezes ao seu parceiro a pergunta quem são esses caras? Outras sequências, como a da queda da cachoeira, a do primeiro assalto na Bolívia - com direito a um espanhol rocambolesco -, ou mesmo a cena final, com os dois bandidos congelados diante de uma saraivada de tiros, também contribuem para tornar a comédia uma das mais irresistíveis de todos os tempos.


Mas talvez a cena que mais permaneça eternizada no coração dos fãs seja aquela em que Butch (Newman) e a professora Etta Place (Katharine Ross), amante de Sundance (Redford), andam de bicicleta ao som de Raindrops Keep Falling on My Head de Burt Bacharch e Hal David. Absolutamente leve, quase descolada (e até para alguns, datada) da obra, a sequência quase nem entrou na película, justamente pelo distanciamento provocado por ela. Sorte que aqueles que duvidavam do potencial da cena não foram atendidos: a música não apenas ganhou o Oscar do canção original, como contribuiu para tornar inesquecível uma das mais belas, poéticas e encantadoras sequências da sétima arte.


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Na Espera - Silva (Disco)

A madrugada foi de ótimas notícias para os fãs do cantor e compositor Silva. Desde o início da semana, uma misteriosa contagem regressiva no site do capixaba, com término previsto para a madrugada de quinta pra sexta - mais precisamente à meia-noite - chamava a atenção dos fãs. E quem achou que poderia um novo disco estar a caminho, acertou em cheio! Finalizado o mistério, Silva disponibilizou o single Eu Sempre Quis, que fará parte do próximo trabalho, intitulado Júpiter, que chega ao mercado no dia 20 de novembro. Com instrumental minimalista que serve de base para os versos inspirados, Eu Sempre Quis parece caminhar numa direção um pouco diferente daquela que encontramos no ensolarado e praiano Vista Pro Mar, lançado há apenas um ano e meio atrás. Mas isso fica apenas no campo do "supositório". Enquanto o dia 20 não chega, a gente dá o play pra curtir essa baita novidade!



quinta-feira, 5 de novembro de 2015

10 Discos de 1995 Que Fazem Você Pensar: Tô Velho!

No último mês o disco Tragic Kingdom, do No Doubt - aquele famoso pelo hit Don't Speak - completou 20 anos, o que fez com que chegássemos a uma dura constatação: sim, estamos ficando velhos. E pra mostrar que o tempo está passando MESMO, resolvemos relacionar outros 10 discos que completaram duas décadas de vida em 2015 e que servem pra corroborar essa fatídica tese. Separa o teu walkman e vem conosco nessa viagem.


10) Alanis Morissete - Jagged Little Pill: éééé amigo, não parece, mas já faz 20 anos que você canta it's like raaaaaaaaiaaain, on your wedding day, junto com a Alanis, sempre que se depara com o indefectível refrão da onipresente canção Ironic. O disco, que chegou ao mercado em junho de 1995, até parece ser o primeiro. Mas na verdade é o terceiro registro da canadense e aquele que, efetivamente, a tornou famosa ao redor do globo. Muito por conta de outros hits, como Hand In My Pocket, You Learn e Head Over Feet.



09) Radiohead - The Bends: a banda de Thom Yorke e companhia só foi atingir um outro patamar quando lançou o seu terceiro álbum, o incensado Ok Computer (1997), tido por muitas publicações como um dos melhores da década. Mas foi o The Bends, com seu clima melancólico e guitarra direta, que pavimentou o caminho, dando confiança ao quinteto inglês para a tomada de novos rumos. Recheado de hits - entre eles Fake Plastic Trees e High And Dry - o quinteto fez miséria em uma época em que vídeos bem elaborados para a MTV estavam na ordem do dia.

 

08) Mamonas Assassinas - Mamonas Assassinas: é muito provável que não haja uma festa de formatura ou mesmo um casamento em que o DJ não arrisque tocar Vira Vira. Ou, melhor ainda: Robocop Gay, que, com sua letra apoteótica, consegue se manter atualíssima em uma época em que o preconceito se manifesta de todas as formas nas redes sociais. Brincando com diversos estilos, os cinco Mamonas se mostraram ótimos músicos e divertiram plateias mundo afora, deixando como legado esse único e inesquecível registro, lançado em junho de 1995.



07) Teenage Fanclub - Grand Prix: em uma época em que fãs de música alternativa aguardavam as madrugadas da MTV para poderem assistir a algum videoclipe diferente, em programas como Lado B, os escoceses do Teenage Fanclub, com seu rock adocicado, ao estilo do Big Star, estavam sempre entre os mais esperados. Há quem diga que o grupo nunca mais lançou um álbum tão impactante como o famoso do carrinho de fórmula 1 na capa, o quinto da carreira. Também pudera: são desse disco as insuperáveis About You, Neil Jung, Discolite, Sparky's Dreams e Goin Places.



06) Oasis - What's the Story (Morning Glory): houve uma época em que os irmãos Gallagher se consideravam maiores que os Beatles. Talvez um dos motivos seja esse disco, lançado num já hoje longínquo mês de outubro de 1995. De lá para cá as rádios tocaram Wonderwall e Don't Look Back in Anger a exaustão. E o público em geral se rendeu a uma das mais importante bandas britânicas daquele período e que, ao lado de outras como Manic Street Preachers, Pulp e, mais especificamente, os seus rivais do Blur, ajudaram a definir o que hoje se conhece por britpop.



05) Pato Fu (Gol de Quem?): quando os mineiros surgiram para o mundo com o seu primeiro disco, o anárquico Rotomusic de Liquidifcapum, imediatamente foram comparados com os Mutantes. Mas foi a partir do segundo registro, lançado em fevereiro de 1995 e famoso pelo hit Sobre o Tempo - tempo, tempo, tempo mano velho - que o grupo comandado pela simpaticíssima Fernanda Takai consolidou o seu estilo, até hoje apreciado pelo seu público. Também são desse álbum os clássicos Mamãe Ama É o Meu Revólver e a incrível regravação de Tom Zé, Qualquer Bobagem.



04) Raimundos - Lavô Tá Novo: pra quem hoje está na faixa dos trinta e poucos anos, talvez poucos discos façam lembrar tanto a adolescência bobagenta como o segundo álbum dos Raimundos, lançado em novembro de 1995. Até hoje cantada aos berros pelo seu público nos shows, músicas como I Saw You Saying e o Pão da Minha Prima marcaram esse trabalho que equilibrava bem a porrada hardcore com as melodias assobiáveis. Outros hits como Eu Quero É Ver o Oco e Esporrei na Manivela também são parte desse, que é o melhor registro de Rodolfo, Digão, Canisso e companhia.



03) Foo Fighters - Foo Fighters: existem algumas bandas que conseguem manter um clima tão jovial, e a vontade permanente de tocar e fazer aquilo que amam, que nem parece que já têm mais de 20 anos de estrada. O Foo Fighters, que surgiu apenas um ano depois da fatídica morte do vocalista Kurt Cobain, é uma dessas. Com uma penca de discos lançados, hoje o grupo já não é nem mais sombra daquele que, em início de carreira, misturava shoegaze com hardcore. Ainda assim, as imperdíveis Big Me, This Is a Call e I'll Stick Around marcaram o trabalho.



02) Supergrass - I Should Coco: é incrível pensar que a música Alright - utilizada pouco tempo atrás em uma propaganda, se não me engano, de celulares - já está completando 20 anos. Ééé amigo, a gente tá ficando velho mesmo. Quando Gaz Combe e companhia lançaram o seu primeiro trabalho em maio de 1995, não passavam de um grupo de adolescentes cantando sobre farras, relacionamentos frustrados e esquisitices da juventude, num disco absolutamente efervescente. A maturidade, infelizmente, os tornou um grupo de chatos de galocha. Ainda que o som tenha melhorado uns 200%.


01) Rancid - ...And Out Come the Wolves: taí outra banda que faz lembrar e muito a adolescência do pessoal dos 30 e alguma coisa, muito especialmente pelo hit Time Bomb - caso você não esteja ligando o nome a pessoa, é aquela do refrão Black coat, white shoes, balck hat cadillac yeah, the boys are time bomb. Lançado apenas um ano após o Dookie, do Green Day, o trabalho contribuiu para colocar o punk rock juvenil definitivamente nas paradas. Outros hits como Roots Radicals, Maxwell Murder e Ruby Soho fizeram a moçada bater cabeça diante do micro system.



E aí, gostou? A lista poderia ter até outros discos, como o Post da Björk, o One Hot Minute, do Red Hot Chilli Peppers ou o AM do Wilco. E vocês, se lembram de algum disco que já tá chegando a maioridade? Escreva pra nós! =)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Cine Baú - O Sol É Para Todos

De: Robert Mulligan. Com Gregory Peck, Mary Badham, Philip Alford, Brock Peters, Collin Wilcox Paxton e Robert Duvall. Drama, EUA, 1962, 129 minutos.

Diferentemente do que ocorre nos dias atuais, no início dos anos 60 não eram muito comuns as produções de Hollywood que debatessem o preconceito racial. A atenção para o tema foi ter início somente em meados dos anos 80, quando películas como A Cor Púrpura (1985), Conduzindo Miss Daisy (1988) e Faça a Coisa Certa (1989) iniciaram, ainda que timidamente, uma abordagem que pudesse (tentar), a partir de obras de ficção, amenizar as profundas cicatrizes que marcam a desigualdade racial, fruto de mais de 300 anos de escravidão institucionalizada. Enfim, isso numa época em que já era mais do que necessário colocar o dedo na ferida. Já o clássico O Sol É Para Todos (To Kill A Mockingbird) foi lançado em 1962, um ano antes de Martin Luther King proferir o seu famoso discurso de paz, com a frase i have a dream - contexto que pode ser visto no impressionante Selma, recém chegado em DVD.

Todo esse contexto serve pra dar uma dimensão da importância da obra dirigida por Rober Mulligan e protagonizada pelo astro Gregory Peck. Era - pra não dizer que ainda é - um período complicado para os negros. Especialmente para aqueles que viviam no sul dos Estados Unidos, justamente o local em que se passa a ação do filme - no caso a cidade de Macomb, no Alabama. A segregação racial havia sido abolida apenas nas aparências, com a comunidade negra não tendo assegurados direitos básicos a qualquer cidadão - como o voto - ou até mesmo sendo impossibilitada de dividir um mesmo local com os brancos. A menos que fosse para servir como mão de obra para o serviço pesado, ou como empregado de qualquer tipo. Justamente o caso do jovem negro Tom Robinson (Peters), que é acusado de estuprar uma moça branca (Paxton) e filha de gente "importante" da comunidade.



Só que, diferentemente daquele que seria o curso normal das coisas - no caso deixar o jovem ser preso, sem direito a qualquer defesa - o advogado Atticus Finch (Peck), sujeito de bom caráter, resolve pegar o caso, concordando em defender Robinson, fazendo de tudo para que ele possa ter ao menos um julgamento justo. A comunidade, recheada de "cidadãos de bem", tementes a Deus, e que não hesitam em empunhar uma arma para alcançar seus interesses, passa a intimidar Finch, que mora em um pequeno rancho ao lados dos dois filhos - que são o fio condutor da história. Fazendo da vida real uma verdadeira escola para seus rebentos, o advogado utilizará o caso em que está envolvido para ensinar as crianças sobre a importância de se tratar a todos de maneira igual, de agir com integridade e de não cometer injustiças - situação alcançada na trama de maneira comovente, em tom quase de fábula, no terço final, quando é revelada a identidade do vizinho "esquisito" dos meninos.

Alternando situações absolutamente lúdicas - que quase fazem lembrar as melhores aventuras da Sessão da Tarde, como Os Goonies - do dia a dia das crianças, com impactantes e reveladoras cenas de tribunal, recheadas de saborosas reviravoltas, Mulligan - que nunca mais repetiu sucesso igual - entrega uma obra que consegue ser ao mesmo tempo singela e dolorosa, sutil e consistente. E que se mantém até hoje como uma espécie de marco inicial do cinema na discussão sobre a busca pela igualdade racial - que seria seguida mais tarde por outras produções, como a inglesa Ao Mestre Com Carinho (1967). Com sete indicações ao Oscar, o filme - que possui uma verdadeira galeria de cenas inesquecíveis, como a de Atticus atirando em um cão raivoso - faturou a estatueta dourada nas categorias Roteiro, Ator (Peck) e Direção de Arte. A honrosa 34ª posição entre os 100 Melhores Filmes Americanos da história, na seleta galeria do American Film Insistute (AFI), não é por acaso. Um filme fundamental que, até hoje, se mantém atual.


terça-feira, 3 de novembro de 2015

Lançamento de Videoclipe - Carly Rae Jepsen (Your Type)

A cantora Carly Rae Jepsen - famosa pelo megahit Call Me Maybe - lançou um dos discos mais bacanas desse ano, o pop e divertido (e eventualmente melancólico) Emotion. Como forma de divulgar o álbum, a canadense disponibilizou nessa semana um videoclipe para a canção Your Type - terceiro single, após I Really Like You e Run Away With Me - que já anda tocando nas rádios mais descoladas. Dirigido pela Gia Copolaa - sim, a neta DO HOMEM - o vídeo mostra a artista se apresentando em um bar decadente, mas não de acordo com a sua imaginação. Vale a pena clicar e conferir!


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Cinema / Pérolas do Netflix - Beasts of No Nation

De: Cary Joji Fukunaga. Com: Abraham Attah, Idris Elba e Ama K. Abebrese. Drama / Guerra. EUA, 2015, 137 minutos.

Muito já se falou sobre a mais nova produção original do Netflix, o primeiro longa-metragem desenvolvido totalmente pela empresa, Beasts of No Nation: seja da estratégia ousada em lançar o filme ao mesmo tempo nos cinemas e na plataforma para os assinantes (o que gerou um boicote às exibições por grandes redes de cinema que não aceitaram o acordo), ou pelo impacto proporcionado pela obra dirigida (e fotografada) por Cary Joji Fukunaga (o mesmo da primeira temporada de True Detective, e também do excelente - e aqui resenhado - Sin Nombre) nos espectadores. E, realmente, qualidade é o que não falta às produções originais do serviço de streaming, tais como as séries já premiadas House of Cards e Orange is the New Black, o que volta a se confirmar aqui nesta poderosa obra - desde já aposta ferrenha da empresa para concorrer com os grandes estúdios às premiações do Oscar 2016.

O filme (baseado no livro homônimo de Uzodinma Iweala) conta a história de Agu (Attah, impressionante), menino africano cuja infância é interrompida devido ao assassinato de sua família durante uma guerra civil em um país africano que não sabemos qual é. Ao conseguir escapar, Agu vai parar em meio a uma floresta onde encontrará um grupo de milicianos liderados pelo comandante (cujo nome não saberemos) interpretado de forma intensa por Idris Elba. Dono de uma personalidade ao mesmo tempo amedrontadora e paternal, o comandante treinará Agu para ser mais um soldado de seu exército sanguinário, fazendo a criança passar por diversas situações que para quem assistiu Cidade de Deus soarão familiares.


Apesar de retratar uma situação que sabemos ser real - Fukunaga disse querer contar a história após ver fotos de meninos africanos armados e com roupas de guerra - a bela fotografia (com ecos de Terrence Malick e Apocalypse Now) consegue captar momentos oníricos que contrastam de maneira eficaz com a violência gráfica de vários momentos da narrativa. A sensação de "realidade paralela" também é evocada através da trilha sonora e da constante sensação de pesadelo, além de não sabermos exatamente onde e quando a trama está sendo passada, o que de forma alguma alivia o peso da história que está sendo contada. Além do mais, ao vermos no início do filme a brincadeira das crianças com uma TV velha, sinalizando a homenagem ao cinema e seus gêneros - que atua como forma de fuga daquela realidade tão hostil - percebemos ser esta a mesma lente que servirá para contar a tragédia destes meninos.

Mas o destaque aqui sem sombra de dúvidas é o ator mirim estreante Abraham Attah, que consegue a difícil proeza de retratar a transformação de criança inocente e cheia de sonhos a um "adulto" assassino e fruto de seu meio repleto de violência e carente de afeto e felicidade. Contando ainda com um final doloroso e repleto de significados, o filme é uma experiência exaustiva (no melhor dos sentidos) que ficará muito tempo na mente do espectador e à qual não iremos querer retornar tão cedo. Beasts of No Nation é grande cinema, com interpretações viscerais e uma produção de cair o queixo. Impactante, belo, violento e ambicioso, o filme é mais um ponto na trajetória de sucesso do Netflix e do seu talentoso diretor, e que não será surpresa se estiver presente nas maiores premiações do cinema referentes ao ano que passou. Resta saber o que vai vir daqui pra frente.

Nota: 9,0.