De: Eric Kripke. Com Antony Starr, Erin Moriarty, Jack Quaid, Karl Urban e Karen Fukuhara. Comédia / Ação / Policial, EUA, 2024, 525 minutos.
Assistindo a quarta temporada de The Boys ficou mais fácil de entender por quê o nerdola reacionário e de extrema direita ficou rasgando o c* em desespero com o que viu. Porque por mais óbvia que fosse a temática da série ou o tipo de crítica que ela faz - algo que fica claro desde, sei lá, a primeira meia hora do episódio piloto -, é na mais recente safra de capítulos que é escancarada toda a cafonice, a hipocrisia, o falso moralismo, a picaretagem e a realidade paralela dos cidadãos de bem conservadores. Aquele mesmo sujeito que vota em Trump - ou Bolsonaro - sob o suposto véu do patriotismo, da higienização étnica e da quebra do status quo e que se retroalimenta da maior quantidade possível de fake news e de produtos genéricos, infantilizados e óbvios, é aqui retratado de uma forma exageradamente caricata, estereotipada e um tanto realista. Em uma sociedade em que marmanjos de quarenta anos de idade reclamam no Twitter sobre o avanço da cultura woke - ou seja lá o que for isso -, enquanto agem como adolescentes tardios que se regozijam com filmes de bonequinho e alimentos ultraprocessados, o tiro (com o perdão do trocadilho) não poderia ser mais certeiro.
Nesse sentido, não deve ser fácil para o nerdola básico que veste orgulhoso a sua camiseta engraçadona, em que se vê algum meme de supremacia branca, ver esse paradigma da luta óbvia do bem contra o mal, do nós ante eles, do heroi de capa virtuoso, loiro, branco e hétero que antagoniza o vilão sujo, periférico, pobre e maltrapilho sendo devidamente quebrado. Aliás, não apenas quebrado, mas ridicularizado. Tudo que envolve, afinal, a megacorporação Vought - que é simplesmente quem "fabrica", literalmente, os herois da série que, como uma espécie de milícia institucionalizada, agem violentamente sob a desculpa de garantir a segurança do cidadão de bem -, é brega, antiquado, retrógrado. As produções para o cinema são em série e maniqueístas. Não há novidade para além da abordagem do "bandido bom é bandido morto", com derivações para histórias motivacionais ou de superação dispostas em um discurso meritocrático que não vai para além do rasinho. Da mesma forma, os programas de TV são inodoros, insípidos e indolores, adotando aquele discurso moderno à moda Idade Média sobre anticomunismo, identidade de gênero, globalismo, grande despertar, Estado profundo, redpillagem e todo o combo que, a exceção dos doidinhos de bairro de redes sociais, ninguém acredita.
Sim, ao cabo The Boys reforça a ideia até meio clara de que a leitura da Bíblia alternada com visitas ao clube de tiro para, no futuro, poder praticar todo e qualquer tipo de violência meio sádica, não parece combinar. Muitas vezes a abordagem pode soar um tanto hiperbólica ou exagerada, mas, novamente, vendo os extremistas de direita dando piruetas de desgosto nas redes sociais ao perceberem que eles eram muito mais a piada e menos os cidadãos corretos e acima da média que acreditavam ser, é um escárnio pra lá de saboroso. Aliás, pra quem ainda não tinha se dado conta, em termos de vida real, que um sujeito vestido de Batman portando uma motosserra e vociferando um "viva la libertad carajo" ou um outro concedendo a esse primeiro uma medalha de imbrochável e incomível já seria algo ridículo o suficiente (e nada heroico), o Capitão Pátria (o ótimo Antony Starr, que merecia todos os prêmios possíveis por sua caracterização como protagonista) aparece para dobrar a aposta. A vida real muitas vezes pode superar a ficção. Mas as coisas misturadas e com os limites burlados podem ficar mais evidentes, naturalmente.
Aliás, sobre o Capitão Pátria, interessante notar como, a despeito de seu sugestivo nome, ele não deixa de ser uma mera criança mimada com superpoderes, que não hesitará em destruir toda a qualquer pessoa que tente se colocar em seu caminho. Por sinal, é nessa temporada que o ideal de "fuzilar adversário político", de tentar fazer "minorias se curvarem a maiorias" e por aí vai, é levada mais ao pé da letra. Como um sádico em uma escalada de poder, essa é a conversa que parece reger a existência desse sujeito - ainda que os episódios recém lançados evidenciem a perda da autoestima (especialmente por estar envelhecendo) e a necessidade constante de bajulação. Sendo incapaz de perder, o Capitão Pátria encarna o narcisista torpe, xucro, que só sabe conversar na linguagem da violência, do sangue, do raio laser e da morte. Em resumo, um projeto de fascista que se fantasia de super heroi - o que garante que ele seja seguido como um Messias por um séquito de alienados, opacos e que parecem ter sofrido uma permanente lavagem cerebral dos programas de notícias da própria Vought, que mistura Fox News com Jovem Pan, com doses inseguras de teorias conspiratórias sob um véu de suposta isenção.
Não por acaso, em certa sequência o Capitão Pátria simplesmente aniquila alguém que ousou lhe questionar, em público, diante do rebanho de rednecks bem alimentados, rosados, brancos e barbudos. "Posso sair na rua e atirar em alguém que eu não perderei votos", afirmou Donald Trump certa vez. É o que acontece nesse instante onde patriotas se regozijam em um tipo de anarquismo difuso que se pauta pelo ódio, pelo preconceito, pela intolerância, pela branquitude e pela heteronormatividade. A suposta diversidade, as causas sociais ou ambientais são apenas fachada - e a Vought sabe trabalhar esses aspectos muito bem. Em resumo, nessa quarta temporada esse combo de escrotidão geral da extrema direita é mais do que ampliado - com os vilões sendo paradoxalmente os mocinhos. Onde, supostamente, estariam os extremistas, os assassinos, os pedófilos, que costumam ser alvos de alguma nova teoria conspiratória em evolução, está justamente quem luta para tentar salvar a democracia. A gente já viu esse filme onde a vida imita a arte. Significa que do outro lado do balcão todo mundo é perfeito, incorruptível, heroico e ético? Não, definitivamente não. Kimiko (Karen Fukuhara), Franchie (Tomer Capom), MM (Laz Alonso), até a Luz Estrela (Erin Moriarty), todos têm esqueletos no armário, traumas do passado, escolhas erradas e arrependimentos e precisam lidar com eles. De arrancada, o controle pretendido pelo grupo liderado por Butcher (Karl Urban) poderia parecer mais vilanesco do que era - ainda mais com o apoio meio torto da CIA. Mas essa impressão se dissipa após meia hora da primeira temporada. E, dali adiante, só resta se divertir. Não apenas com o discurso pretendido e com a alegoria para os tempos que vivemos. Mas também com as sequências engraçadas, sangrentas, excêntricas, histriônicas. Talvez The Boys seja a melhor série da atualidade. Sem que ninguém tenha de ficar berrando num restaurante pra isso.
Nota: 9,0