A história do porco está cheia de peculiaridades, especialmente naquilo que se refere as religiões. A Bíblia Sagrada tem uma série de relatos envolvendo a proibição do consumo de carne de porco, seja pelos seus hábitos alimentares, por ser um animal sujo, por ser impuro ou, até, em casos mais extremos, por histórias de possessões. Para as religiões judaica e islâmica o consumo de suíno também é vetado, valendo a mesma lógica: a da ideia de que o porco se alimenta de sujeiras e excrementos, o que tornaria, novamente, a sua carne impura. É claro que hoje as "leis alimentares" baseadas na religião estão muito mais flexíveis, sendo muito mais provável o fato de não ser estimulada a produção de suínos em locais como a Palestina ou Israel, na época, pelo simples fato de o clima nesses lugares ser excessivamente quente. Ao passo que a carne de porco é muito delicada.
A história do divertidíssimo Um Porco em Gaza (Le Cochón de Gaza), mais uma daquelas pérolas imperdíveis do Netflix, fala um pouco disso. Jafaar (Gabai) é um pescador Palestino que vive na Faixa de Gaza. Não bastasse a má sorte de pescar apenas uns "lambaris" para serem vendidos por uma merreca na feira local, Jafaar ainda pesca, num daqueles dias de azar, um porco de mais de 100 quilos que, inexplicavelmente, aparece em sua rede. A religião, como vamos percebendo no decorrer de película, sequer permite que o pescador toque no animal. Ou mesmo pisar na Terra Santa. Sem muita perspectiva ele tenta vender o porco, sem sucesso, na embaixada americana. É só após descobrir uma brecha que lhe leva a uma comunidade judaica, é que ele encontra um inusitado uso para o porco. Especialmente após conhecer a agricultora Yelena (Tekaia).
Ainda que seja uma comédia, o filme não faz concessões ao criticar as diferenças culturais e a xenofobia existente, especialmente entre palestinos e israelenses. Não à toa, a presença de militares ocupando o terraço da casa onde Jafaar mora com a esposa é tratada de maneira tão natural que, se não fôssemos avisados, poderíamos pensar se tratar de algum eventual vizinho - ainda que com capacete, roupa camuflada e rifle na mão. As diferenças entre Ocidente e Oriente também não são esquecidas, sendo bastante curioso o momento em que Jafaar olha pro porco, expressando sua repugnância: "não acredito que tenha gente que coma isso". E, nesse momento, se torna quase impossível não pensar em como cada cultura tem as suas particularidades alimentares, uma vez que, para nós, seria impensável pensar em consumir carne de cachorro - uma iguaria em alguns países orientais.
As tentativas de Jafaar de se livrar do porco, ou mesmo de tentar escondê-lo, também rendem momentos engraçados, ainda que, eventualmente, mais pareçam retirados de alguma esquete do Zorra Total. Da mesma forma os "incentivos" para que o animal realize o seu trabalho, também são capazes de fazer gargalhar pelo inusitado. Se não é um filme que chame tanto a atenção pela fotografia, efeitos especiais, trilha sonora ou ângulos de câmera, o mesmo não se pode dizer das atuações, extremamente convincentes e naturalistas. A impressão que temos é a de que, se a câmera for desligada, aquela lá será realmente a vida daqueles sujeitos. Com um quê de o Banheiro do Papa - aliás, outra pérola, essa uruguaia - o filme do diretor Sylvain Estibal ainda encontra uma solução emocionante, daquelas capazes de nos fazer refletir sobre o futuro em uma região em permanente estado de guerra.
PS1: se forem procurar o filme no Netflix, utilizem o título Le Cochón de Gaza. É como ele está cadastrado na plataforma de streaming.
PS2: se escrevi asneira demais sobre religião, peço desculpas, mas não é o meu forte. As ideias que compuseram o texto foram extraídas de sites como A Biblia e Revista Trópico.