terça-feira, 30 de junho de 2015

Pérolas do Netflix - Um Porco em Gaza

De: Sylvain Estibal. Com Baya Belal, Myriam Tekaia e Sasson Gabai. Comédia dramática, França / Bélgica / Alemanha, 2011, 98 minutos.

A história do porco está cheia de peculiaridades, especialmente naquilo que se refere as religiões. A Bíblia Sagrada tem uma série de relatos envolvendo a proibição do consumo de carne de porco, seja pelos seus hábitos alimentares, por ser um animal sujo, por ser impuro ou, até, em casos mais extremos, por histórias de possessões. Para as religiões judaica e islâmica o consumo de suíno também é vetado, valendo a mesma lógica: a da ideia de que o porco se alimenta de sujeiras e excrementos, o que tornaria, novamente, a sua carne impura. É claro que hoje as "leis alimentares" baseadas na religião estão muito mais flexíveis, sendo muito mais provável o fato de não ser estimulada a produção de suínos em locais como a Palestina ou Israel, na época, pelo simples fato de o clima nesses lugares ser excessivamente quente. Ao passo que a carne de porco é muito delicada. 

A história do divertidíssimo Um Porco em Gaza (Le Cochón de Gaza), mais uma daquelas pérolas imperdíveis do Netflix, fala um pouco disso. Jafaar (Gabai) é um pescador Palestino que vive na Faixa de Gaza. Não bastasse a má sorte de pescar apenas uns "lambaris" para serem vendidos por uma merreca na feira local, Jafaar ainda pesca, num daqueles dias de azar, um porco de mais de 100 quilos que, inexplicavelmente, aparece em sua rede. A religião, como vamos percebendo no decorrer de película, sequer permite que o pescador toque no animal. Ou mesmo pisar na Terra Santa. Sem muita perspectiva ele tenta vender o porco, sem sucesso, na embaixada americana. É só após descobrir uma brecha que lhe leva a uma comunidade judaica, é que ele encontra um inusitado uso para o porco. Especialmente após conhecer a agricultora Yelena (Tekaia).


Ainda que seja uma comédia, o filme não faz concessões ao criticar as diferenças culturais e a xenofobia existente, especialmente entre palestinos e israelenses. Não à toa, a presença de militares ocupando o terraço da casa onde Jafaar mora com a esposa é tratada de maneira tão natural que, se não fôssemos avisados, poderíamos pensar se tratar de algum eventual vizinho - ainda que com capacete, roupa camuflada e rifle na mão. As diferenças entre Ocidente e Oriente também não são esquecidas, sendo bastante curioso o momento em que Jafaar olha pro porco, expressando sua repugnância: "não acredito que tenha gente que coma isso". E, nesse momento, se torna quase impossível não pensar em como cada cultura tem as suas particularidades alimentares, uma vez que, para nós, seria impensável pensar em consumir carne de cachorro - uma iguaria em alguns países orientais.

As tentativas de Jafaar de se livrar do porco, ou mesmo de tentar escondê-lo, também rendem momentos engraçados, ainda que, eventualmente, mais pareçam retirados de alguma esquete do Zorra Total. Da mesma forma os "incentivos" para que o animal realize o seu trabalho, também são capazes de fazer gargalhar pelo inusitado. Se não é um filme que chame tanto a atenção pela fotografia, efeitos especiais, trilha sonora ou ângulos de câmera, o mesmo não se pode dizer das atuações, extremamente convincentes e naturalistas. A impressão que temos é a de que, se a câmera for desligada, aquela lá será realmente a vida daqueles sujeitos. Com um quê de o Banheiro do Papa - aliás, outra pérola, essa uruguaia - o filme do diretor Sylvain Estibal ainda encontra uma solução emocionante, daquelas capazes de nos fazer refletir sobre o futuro em uma região em permanente estado de guerra.


PS1: se forem procurar o filme no Netflix, utilizem o título Le Cochón de Gaza. É como ele está cadastrado na plataforma de streaming.
PS2: se escrevi asneira demais sobre religião, peço desculpas, mas não é o meu forte. As ideias que compuseram o texto foram extraídas de sites como A Biblia e Revista Trópico.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Disco da Semana - Comunidade Nin-Jitsu (King Kong Diamond)

Juro que quando vi que os gaúchos da Comunidade Nin-Jitsu tinham lançado disco novo - o anterior havia sido o discreto Na Laje, no longínquo 2008 -, minha primeira reação foi a de desconfiança. Confesso que dei o play com pouquíssima expectativa. Não que eu esperasse um novo Maicou Douglas Syndrome - das hoje já clássicas Cowboy, Ah! Eu Tô Sem Erva, Patife, Não Aguento Mais, Arrastão do Amor, entre outras. Mas o que eu queria mesmo era o mesmo clima leve, descompromissado, chinelão, da chalaça. Queria aquela boa e velha mistura criativa (!) de funk com rock, de pancadão com guitarras. Afinal de contas a Comunidade é a banda de quem fala bem capaz velho, não vai te encolher por qualquer coisa, não te atucana à toa, baita indiada, dá um conferes, entre outras tantas expressões do gauchão que frequenta muito mais a Cidade Baixa do que a coxilha.

O disco - intitulado (pasme) King Kong Diamond - começa com uma daquelas batidas típicas de baile funk. Os primeiros segundos são de pura ansiedade. Até que entra o Mano Changes, já dando a letra na primeira frase da canção Dona da Boca: É a mais linda das mulheres/ É um banquete pra mil talheres. Pronto! Um verso já foi suficiente para se encher de esperanças de que a boa e velha Comunidade estava de volta. E estava mesmo! A primeira música segue com outras pérolas como: Ela é Sensível / Considerável / Minha Criptonita / Meu Sexo Frágil. Tudo envolto naquele clima de boate bacana, em que é possível ouvir os mais variados estilos musicais, sem concessões. Se houvesse torcida, ela ia estar gritando: Ôooo a Comunidade voltôoooo, a Comunidade voltôooo, a Comunidade voltôoooo-ooo!


Evidentemente, a banda - atualmente composta também pelos integrantes Fredi Chernobyl (guitarra), Nando Endres (baixo) e Cristiano Bertolucci (bateria) e completando 20 anos de estrada - como sempre não se pretende séria, o que é um dos pontos mais positivos do trabalho. E isso fica claro no tradicional amontoado de expressões divertidas, de metáforas jocosas e na verborragia ao mesmo tempo cínica e ácida dos versos sempre diretos ao ponto. Mano Changes, ao invés de ter virado um "velho" ranzinza e chato, nos faz pular como se fôssemos eternos adolescentes, cantando e compondo como se estivesse sempre com os hormônios "explodindo". O que fica ainda mais evidente nas ótimas Gata Sincera e, na melhor do disco, Maremoto. Com seu refrão sacana - Todo o dia eu acordo pra vê-la passar / Do meu Apartamento com Vista pro Mar / É um maremoto no meu colchão / Passei a noite na destruição - a música não faria feio no meio do Maicou Douglas Syndrome.

É claro que nem tudo é festa, mulherada e loucuragem nas letras da Comunidade. Tem um pouco de crítica, como em Diamantes Verdadeiros, sobre aquelas garotas que só pensam em dinheiro, ideia que se estende para a faixa seguinte, Moneypulador - aliás, atenção para os trocadilhos já presentes nos títulos de ambas as músicas. Ainda assim é interessante notar que Mano Changes jamais usa a banda como um veículo para autopromoção política, pensando em futuros pleitos, após ter sido deputado estadual - aliás, o disco estava pronto já na época das eleições. Ao contrário, os temas mais sérios e a eventual crítica social aparecem de forma discreta e orgânica. Produzido por Edu K, que acompanha o grupo desde o início da carreira, o disco mantém o padrão altamente idiossincrático do quarteto, sendo impossível não reconhecer as canções - na sua tradicional estrutura heavy metal com funk carioca, atualizado por ritmos litorâneos e de R&B americano - assim que elas começam a rodar. Prepare o churras com os amigos e divirta-se.

Nota: 8,0

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Picanha Cast 25/06/2015

Jurassic World, o novo disco do Muse ("Drones"), Kingsman - Serviço Secreto, e o Cinebaú com o clássico "Aconteceu Naquela Noite", são os temas deste Picanha Cast!

Participação Tiago Bald.
Apresentação Tiago Segabinazzi.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Cinema - Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros

De: Colin Trevorow. Com Chris Pratt, Bryce Dallas Howard, Nick Robinson, Ty Simpkins, Vincent D'Onofrio e Irrfan Khan. Aventura / Ação / Ficção Científica, EUA, 2015, 125 minutos.

Eu tinha apenas 12 anos quando Jurassic Park: Parque dos Dinossauros, o clássico (e altamente inovador) filme de Steven Spielberg estreou em 1993. Não o assisti no cinema, mas lembro que a espera para poder alugá-lo em VHS levou semanas, sendo compensada após por diversas sessões daquele que foi um dos filmes da minha adolescência. A história, sobre um milionário que decide construir um parque repleto de dinossauros, a partir de um inseto fossilizado que tinha sugado, há milhares de anos, o sangue dos dinos, era inteligente e bem construída. Inclusive em sua lógica científica - a "recriação" se daria a partir do isolamento do DNA presente no sangue dos insetos. Até o dia em que a experiência sai do controle de seus criadores, tornando a vida de todos um pesadelo. O resultado era uma produção grandiosa, capaz de misturar elementos dramáticos, de suspense, de ficção e de muita ação.

Não sei se é esse contexto que faz com que eu seja meio ranzinza na minha análise do recém-lançado Jurassic World: O Mundos dos Dinossauros (Jurassic World). O primeiro problema está no fato de que a trama permanece praticamente a mesma do primeiro filme: sai o DNA do mosquito e entra a criação de um dinossauro híbrido capaz de manter o interesse do público visitante do parque localizado na Ilha Nublar - e que está a cada ano mais exigente em relação as atrações disponíveis no espaço. O que poderia servir como uma fina ironia, uma vez que essa bem parece ser a realidade não apenas dos visitantes do parque, mas do público de cinema em si, eventualmente mais exigente em relação ao que se vê na telona, não passa de um recurso meramente formulaico já que, mais tarde, as coisas novamente sairão de controle, tornando tudo um caos quando o tal dinossauro escapa do seu pouco resistente cativeiro.



Em seguida há os personagens, um amontoado de clichês ambulantes. A começar pela fria doutora Claire (Bryce Dallas Howard), a diretora do parque que, por conta do comportamento claramente workaholic, não tem tempo de ter vida social. Sem levar em conta a aberração que é, ainda nos dias de hoje, ver um comportamento tão machista e previsível em relação ao que se espera da mulher e de seu papel na sociedade - e a conversa de Claire com sua irmã, nesse sentido chega a beirar o constrangimento. O mocinho, vivido por Chris Pratt também é aquele sujeito ao mesmo tempo sisudo, um tanto ultrapassado, mas metido a sabe-tudo. E que, por ter sido do exército será capaz de salvar o mundo - como ele mesmo admite, do alto de sua modéstia, em uma dos tantos diálogos desastrosos da película (aliás, sendo este um terceiro problema). Mas tem mais: tem o cientista insano que só pensa nas suas criaturas e não na catástrofe que poderá ser acarretada por eles, tem o filho adolescente emburrado, o gurizinho deslumbrado e o sujeito que só enxerga nos dinos o seu potencial bélico - talvez esse o pior, por retratar aquele que, provavelmente deverá ser o representante de muitos americanos que assistirão ao filme. Há ainda outros equívocos, como a ânsia em conferir grandiosidade a tudo - algo visto já na chegada das crianças ao parque -, ou mesmo excesso de subtramas que em nada acrescentam para a projeção, como é o caso do possível futuro divórcio dos pais dos garotos. Aliás, outro chavão, só pra constar.

Claro que nem tudo é desastre já que os fãs de cenas de ação irão apreciar demais as sequências de fugas ou mesmo aquelas que envolvem lutas entre humanos e dinos e de dinos contra dinos. Bacana também são as homenagens ao filme de 1993, lembrado em vários momentos de maneira direta ou indireta. As atrações do parque também não deixam de ser um show a parte, possibilitando ao público uma genuína sensação de divertimento, mesmo para quem está olhando "de fora" - como é o nosso caso enquanto espectadores. O mesmo valendo para as tensas cenas envolvendo as perseguições, sempre muito bem construídas e de fácil entendimento. Pra quem procura apenas uma diversão escapista, tanto os aspectos positivos como os negativos, serão suficientes para agradar. Para quem cresceu tendo a imagem do copo com água "chacoalhando" na mente, a obra do diretor (ainda novato) Colin Trevorrow soará apenas como um requentado bem mais ou menos.

Nota: 4,5


terça-feira, 23 de junho de 2015

Novidades em DVD - Kingsman: Serviço Secreto

De: Matthew Vaughn. Com Colin Firth, Samuel L. Jackson, Taron Egerton, Mark Strong e Michael Caine. Ação / Espionagem, Reino Unido, 2015, 129 minutos.

Gratíssima surpresa do início desse ano, o filme Kingsman: Serviço Secreto (Kingsman: The Secret Service), traz um quê de "Tarantino se reúne no bar com Frank Miller" para as obras com agentes secretos como protagonistas. Estiloso até não poder mais, com lutas sangrentas e altamente realistas, divertido - mas não apenas nas piadinhas de "tiozão" de filmes como Missão Impossível e sim em todos os aspectos - e ainda contando com um herói muito mais humano e falível (como não ser assim tendo Colin Firth como protagonista?), a obra do diretor Matthew Vaughn, de Kick Ass, consegue trazer inclusive algum frescor a um segmento já bastante oxigenado. Que o digam as recentes recriações da série James Bond, aquelas com Daniel Craig como protagonista que, inspiradíssimas, falam por si.

Kingsman começa com uma desastrosa ação de resgate que resulta na morte de um dos agentes secretos. Um salto de 17 anos no tempo faz com que sejamos apresentados a Eggsy (o estreante Egerton), filho do falecido agente que, agora um adulto, tem tudo menos responsabilidade. Com a mãe abalada pela morte do marido (e convivendo com tipos nada confiáveis), o jovem comete pequenos delitos que acabam resultando em sua prisão e consequente liberação algumas horas depois. É nesse momento que Eggsy conhecerá Harry Hart (Firth) que vê no rapaz um potencial para se tornar um agente secreto. Ao lado de outros recrutas, ele chama o jovem para uma curiosa "entrevista de emprego", onde apenas os mais fortes permanecerão. Para Harry essa poderá ser uma forma de se redimir pelos erros cometidos no passado.


A trama parece meio previsível, mas a condução é muito criativa, especialmente na primeira metade da película. Alguns dos desafios que são impostos aos jovens durante o seu treinamento em Kingsman, mais parecem inspirados no terrível vilão Jigsaw de Jogos Mortais. Sendo uma delas, durante o sono dos candidatos, uma das mais tensas do filme. Enquanto os postulantes a uma das vagas na agência de espionagem vão se qualificando, um vilão desvairado - interpretado por um inacreditável Samuel L. Jackson, abusando dos trejeitos vocais - se prepara para tentar dominar o mundo. (sim, já viram filme de espionagem em que o sujeito do mal não tem um plano ultra-ambicioso?) Ao disponibilizar internet gratuita por meio de um chip disponível para quem quiser, o personagem de Jackson, o ricaço Richmond Valentine, pretende controlar a mente de toda a população, eliminando-a em um golpe seguinte.

Sim, parece coisa de história em quadrinhos, e é, já que a história que dá origem a Kingsman foi escrita e desenhada pela dupla Mark Millar e Dave Gibbons. A auxiliar de Valentine, Gazelle (Sofia Boutella) é a sua mortal assistente. Enquanto Michael Caine e Mark Strong interpretam outros integrantes que compõem o time da agência de espionagem. O filme nem sempre terá um ritmo legal - especialmente na reta final a coisa se arrasta um pouco. O que, eventualmente poderá tornar a experiência levemente cansativa. Mas as ótimas cenas de luta (aquela que ocorre em uma igreja (!) é quase improvável), os diálogos espertos e o glamour da produção (e dos gadgets mais loucos que os do Agente 86) acabam compensando. Ainda mais em um universo recheado de spin offs, reboots, remakes e adaptações de todos os tipos de obras. Uma obra original não deixa de ser bem-vinda.

Nota: 8,0




segunda-feira, 22 de junho de 2015

Disco da Semana - Muse (Drones)

Quando o assunto é Muse, você já deve ter ouvido um dos mais famosos chavões: ou você ama ou odeia. Pois eu me atrevo a discordar desse lugar comum pelo simples fato de a banda capitaneada por Matthew Bellamy ser capaz de me provocar os dois sentimentos. Muitas vezes ao mesmo tempo! E até no mesmo disco (pra não dizer na mesma música). Há momentos em que estou escutando algum dos trabalhos dos caras e penso: que baita grupo. Que riffs bem elaborados de guitarras. Que sintetizador bem colocado ali. Que efeito bem executado acolá. Que belo e emocionado refrão. Que grandiosidade! Em outras ocasiões o meu sentimento varia. Mas pra quê tanto exagero? Que troço mais choroso. Pra que esse GRITEDO? Troço chato do cacete. Por quê estou ouvindo isso se nunca gostei de música progressiva?

Se você se identificou com qualquer um dos sentimentos descritos acima, seja bem-vindo ao mundo do gostar ou não do Muse. E a novidade? No sétimo e recém-lançado álbum Drones, a coisa se mantém exatamente da mesma maneira. Estão lá as canções grandiosas, muitas vezes longas, verdadeiras epopeias capazes de versar sobre os mais variados temas modernos, com refrães grudentos e trabalho instrumental potente (ainda que não exatamente criativo), capaz de aproximar o grupo a outros similares do gênero hard rock. As canções parecem feitas para serem gritadas por hordas de fãs enlouquecidos estádios afora, fazendo um pouco de falta uma certa polidez que já fez parte da personalidade do trio em outrora - e quem  já ouviu gemas como Starlight ou mesmo a (improvável) cover de Feeling Good sabe ao que me refiro.


Não é de hoje a predileção do grupo por temas relacionados a nossa atual sociedade, estando entre eles o poder exercido pelas instituições e pelo Governo como mecanismo de controle em relação aos cidadãos comuns, a crítica aos excessos armamentistas, o aquecimento global, a falsa ilusão da sensação de segurança, a tecnologia como suporte capaz de subjugar os sujeitos, a ambição pelo poder, a lavagem cerebral na política e a constante de opressão fomentada por todo o sistema a que estamos associados. Algo que, no caso de Drones, já pode ser observado na capa do trabalho. E, nesse sentido, ninguém pode acusar o Muse de não seguir fiel a um certo padrão temático (e sonoro), já que este tipo de abordagem era feita desde os ótimos discos Origin of Simmetry e Absolution, até chegar aos recentes The Resistance e The 2nd Law. Ainda que em diferentes escalas, evidentemente.

Oppression is persisting/ I can’t fight this brain conditioning/ Our freedom’s just a loan/ Run by machines and drones (algo como A opressão é persistente/ Eu não posso lutar contra esse cérebro condicionado/ Nossa liberdade é só um empréstimo/ Administrado por máquinas e drones) canta um angustiado Bellamy, para depois explodir em um persistente refrão, onde o vocalista canta repetidamente You can revolt, na música Revolt. O expediente se repete em Mercy: Absent gods and silent tyranny/ We're going under, hypnotized by another puppeteer/ And tell me why the men in cloaks always have to bring me down (que pode ser traduzido como Deuses ausentes e tirania silenciosa/ Estamos caindo, hipnotizados por outro manipulador/ E me diga porque os homens de capas sempre me colocam pra baixo). Há certamente alguns exageros no estilo wannabe-Radiohead, lá no meio, sendo a pretensiosa The Globalist, o maior exemplo. Mas o Muse passa o seu recado, enquanto os fãs seguem amando/odiando, de acordo com o dia. Ou a hora.

Nota: 6,5

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Cine Baú - Aconteceu Naquela Noite

De: Frank Capra. Com Clark Gable, Claudete Colbert e Walter Conolly. Comédia romântica, EUA, 1934, 104 minutos.

Durante toda a década que se iniciou nos anos 30, os Estados Unidos - talvez com o objetivo de levar algum conforto aos angustiados corações dos norte-americanos, ainda abalados pela quebra da Bolsa de Nova York, em 1929 - foram pródigos em produzir bons filmes de humor. Fossem elas as impagáveis comédias dos irmãos Marx, casos de O Diabo a Quatro (1933) e Uma Noite na Ópera (1935), as sensíveis e divertidas obras mudas de Chaplin, como o Luzes da Cidade, lançado em 1931 ou Tempos Modernos (1936), ou mesmo os musicais que, se aproveitando da grande novidade do momento, no caso, a possibilidade do uso do som, divertiam plateias mundo afora, como ocorreu com Rua 42 (1933) ou mesmo o ótimo O Picolino (1935).

Não parece ter sido mera coincidência o fato de algumas das melhores comédias de Hollywood terem sido lançadas nessa época, uma vez que o empenho em elevar a moral do povo norte-americano com produções leves, parecia, de fato, ser a ordem do dia. Alguns diretores como Leo McCarey, Preston Sturges e Frank Capra se tornaram verdadeiros especialistas do estilo. E é desse último o inesquecível clássico Aconteceu Naquela Noite (It Happened One Night), primeiro filme da história a faturar as cinco principais estatuetas do Oscar - nas categorias Filme (Frank Capra e Harry Cohn), Diretor (Frank Capra), Roteiro (Robert Riskin), Ator (Clark Gable) e Atriz (Claudete Colbert) - algo que  mais tarde Um Estranho no Ninho e O Silêncio dos Inocentes repetiriam. E que se mantém até hoje como uma comédia romântica refrescante, inteligente, recheada de diálogos espertos e situações absurdamente divertidas.


Na trama, Claudete Colbert vive Ellie, uma patricinha sem papas na língua que foge da casa do pai que está tentando forjar um casamento com um homem que ela não ama. Por outro lado, Clark Gable é Peter, um jornalista fracassado, atrás de uma grande história que possa representar o seu retorno triunfal ao antigo periódico em que trabalhava. É no encontro e na posterior tentativa de fuga dos dois que essa pérola do cinema americano mostrará a sua força, envolvendo o espectador de maneira quase instantânea. Capra é mestre em fazer rir com as situações mais prosaicas, seja nas discussões acirradas entre os protagonistas - e aqui já se deve saudar o fato de não haver nessa disputa de gêneros necessariamente um "sexo frágil" - ou mesmo no uso das mais inusitadas cenas (a do "pedido de carona" é uma das melhores) e metáforas - e você nunca mais pensará nas "muralhas de Jericó" da mesma forma ao ver esse filme.

De maneira concomitante, todas as personagens da película parecem possuir uma certa diversidade de caráter. Algo salutar já que, ao mesmo tempo em que o pai da moça pode se mostrar um sujeito bondoso, o companheiro de viagem presente no banco ao lado pode mostrar o seu pior lado em uma situação de dificuldade, em uma parada necessária do ônibus. Colbert e Gable mostram uma química quase rara nos dias atuais, sendo absolutamente naturais as cenas em que eles fingem, de maneira quase farsesca, ser marido e mulher - tudo para que a situação de ambos não piore ainda mais. Também é notável o trabalho e o cuidado de Capra em relação a construção das cenas. Com um quê de A Princesa e o Plebeu - aliás, a trama é até parecida! - esse clássico se mantém até hoje entre os favoritos de qualquer cinéfilo, ocupando, desde 2007, a 46ª posição entre os 100 Melhores Filmes do American Film Institute (AFI).


quinta-feira, 11 de junho de 2015

10 Dramas Românticos Modernos (Especial Dia dos Namorados)

Com a proximidade do Dia dos Namorados que, de quebra, ainda contará com temperaturas baixas - ideais para se aconchegar no sofá com a pessoas amada -, nada melhor do que um filmezinho, como parte da programação especial. Nossa ideia é fugir um pouco do clichê da comédia romântica - e são várias as opções legais no segmento - indicando nessa lista dez dramas românticos modernos, que tenham sido lançados a partir dos anos 2000 - ou seja, nada de Casablanca ou E o Vento Levou. A intenção não é tornar a data um drama sem fim e, sim, apenas sugerir bons filmes que possas ser apreciados a dois! Veja se você concorda com a nossa listinha. Boa sessão!

1) Desejo e Reparação (2007): nesse pequeno clássico moderno, baseado em obra de Ian McEwan, retornamos ao ano de 1935, em um quente verão da Inglaterra, onde a jovem Briony Talles (Romola Garai) e sua família estão reunidas para um fim de semana na mansão de um dos parentes. Os ressentimentos familiares aparecem quando Briony, utilizando seus conhecimentos e imaginação de escritora principiante acusa Robbie Turner (James McAvoy), o filho do caseiro e amante de sua irmã mais velha, de um crime que não cometeu. A bela trilha e a fotografia altamente plástica contribuem para criar o clima, nesse drama que surpreende até o final.

2) Apenas uma Vez (2006): quem gosta de música não pode perder essa pérola do cinema alternativo atual, filmada na Irlanda pelo diretor John Carney - do também ótimo Mesmo Se Nada der Certo. Na trama, um músico de rua (Glen Hansard) sente-se inseguro para apresentar suas próprias canções. Um dia ele encontra uma jovem mãe (Markéta Inglová), que tenta ainda se encontrar na cidade. Logo eles se aproximam e, ao reconhecer o talento um do outro, começam a ajudar-se mutuamente para que seus sonhos se tornem realidade. Uma simpatia de filme do início ao surpreendente final.

3) O Despertar de Uma Paixão (2006): pouco falado, já que foi lançado diretamente em DVD, essa pequena preciosidade do diretor John Curran, que mais tarde filmaria o surpreendente O Assassino em Mim, é ideal para aqueles casais que precisam se reinventar em seus relacionamentos. Na década de 20, Walter Fane (Edward Norton) é um médico de classe média alta casado com Kitty (Naomi Watts) que, infeliz no casamento, acaba traindo Walter. Quando descobre a infidelidade, o rapaz se vinga aceitando um emprego numa remota vila da China que foi arruinada por uma epidemia fatal. Algo que mudará a vida de ambos para sempre.

4) Orgulho e Preconceito (2005): baseada em um dos tantos clássicos literários da escritora Jane Austen, a obra, filmada pelo mesmo Joe Wright de Desejo e Reparação, conta a história de cinco irmãs criadas por uma mãe que tinha fixação por lhes encontrar maridos que garantissem seu futuro. Só que o caso é que uma delas, Elizabeth (Keira Knightley) é mais moderninha e não quer ficar o resto da vida se dedicando ao marido. A chegada de um novo vizinho e um romance secreto entre Elizabeth e o bonito e esnobe sr. Darcy (Matthew Macfayden), colocarão um tanto de pimenta nessa ótima história, que se passa no ano de 1797.

5) Amor (2012): filmado pelo austríaco Michael Haneke, dono de uma das melhores filmografias entre cineastas modernos DO MUNDO (sem exagero), Amor foi uma das barbadas do Oscar de 2013, quando faturou com sobras a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Na trama, triste até o último fio de cabelo, Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva) são um casal de aposentados apaixonados por música, que têm uma filha musicista que vive em outro país. Certo dia Anne sofre um derrame e fica com um lado do corpo paralisado, algo que se tornará um obstáculo daqueles capazes de colocar qualquer amor em teste. Irretocável.

6) Houve uma vez Dois Verões (2002): o gaúcho Jorge Furtado - dos imperdíveis O Homem que Copiava (que poderia entrar nessa lista, mas está mais pra comédia) e Meu Tio Matou um Kra - filma essa pequena obra com o mesmo frescor infanto-juvenil que é retratado na tela.Chico (André Arteche) é um jovem ingênuo que acredita que um dia encontrará o grande amor de sua vida. Por outro lado, Roza (Ana Maria Mainieri) é uma jovem que só pensa em conseguir dinheiro suficiente para realizar sua sonhada viagem para a Austrália. Eles se encontram por acaso e, juntos, vivem uma intensa paixão, cheia de reviravoltas.

7) O Segredo de Brokeback Mountain (2005): o romance entre dois homens (em ótimas interpretações de Jake Gyllenhaal e Heath Ledger) que, no verão de 1963, são contratados por um rancheiro para pastorear ovelhas na localidade que dá nome ao obra, é filmado por Ang Lee com a qualidade e a paixão habituais. Se hoje em dia o discurso de ódio e de preconceito contra homossexuais não poderia estar mais vivo, é possível (tentar) imaginar como viviam naquela época as pessoas que se apaixonavam por alguém do mesmo sexo. O trabalho, ao mesmo tempo que aproximará ambos, também os afastará, modificando suas vidas pra sempre.

8) Ela (2013): em tempos em que as pessoas namoram de maneira virtual, por que não qualificar esse procedimento e namorar diretamente com um sistema operacional? É o que ocorre nessa pérola lançada há dois anos que, além de abordar o curioso romance, ainda discute os caminhos da tecnologia e de como seremos conduzidos por ela no futuro. Na obra, o personagem Theodore (vivido por um atormentado Joaquin Phoenix), é quem se apaixona por um programa de computador, não conseguindo resistir a voz rouca e sussurrada de Samantha (Scarlett Johansson). Um filme diferente, que, de quebra, ainda vem embalado pela trilha sonora composta por Karen O (vocalista do Yeah Yeah Yeahs).

9) Wall-E (2008): em mais uma animação imperdível da Pixar, Wall-E é um robô que trabalha na terra entulhada de lixo e com atmosfera poluída com gases tóxicos, que foi abandonada pela humanidade que vive, agora, em gigantescas naves. A vida do simpático robô consiste em compactar o lixo existente no planeta, que forma torres maiores que arranha-céus, e colecionar objetos curiosos que encontra ao realizar seu trabalho. Até que um dia surge repentinamente uma nave, que traz um novo e moderno robô: Eva. Além de emocionar com este improvável romance, a obra de Andrew Stanton ainda discute uma série de questões importantes relacionadas ao futuro da humanidade.

10) A Teoria de Tudo (2014): a obra do diretor James Marsh, do curioso documentário O Equilibrista, não é apenas a história de Stephen Hawking, antes e durante a descoberta da doença motora e degenerativa que o acompanha até os dias de hoje (o físico está com 72 anos). O filme retrata, além das descobertas importantes sobre o tempo feitas pelo astrofísico, o seu romance com a aluna de Cambridge Jane Wide (Felicity Jones). E a delicadeza com que a época é recriada, bem como as circunstâncias que modificam a vida de ambos, são o ponto alto dessa película que rendem o Oscar a Eddie Redmayne, mais parecido com Hawnking, que o próprio Hawking.

Gostaram? Escreva pra nós a sua sugestão de filme que você nos recomendaria nos comentários!

E pra quem não resiste a uma comédia romântica, a minha dica é o ótimo Letra e Música. Ah, Simplesmente Amor e 500 Dias com Ela também são muito bacanas!

Fonte das informações dos filmes: Adoro Cinema

terça-feira, 9 de junho de 2015

Separados no Nascimento: Rodrigo Brod x Dave Grohl

Ele é líder de banda, cantor, guitarrista, rockstar e um cara super carismático.

É óbvio que estamos falando do nosso grande amigo Rodrigo Brod que, além de todos estes adjetivos, é publicitário, professor, marido e pai de três filhos. Com toda a versatilidade, o Rodrigo ainda possui senso de humor para participar da nossa mais nova edição do Separados no Nascimento.

E o sósia desta vez é o líder do Foo Fighters (uma das bandas favoritas daqui da casa), Dave Grohl.

Rockstars
O que acharam?

Mandem mais sugestões aqui pra gente. Até a próxima!

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Pérolas do Netflix - 50%

De: Jonathan Levine. Com Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen, Anna Kendrick, Bryce Dallas Howard e Anjelica Huston. Comédia dramática, EUA, 2010, 100 minutos.

Normalmente o sucesso de um filme que tenha algum personagem convivendo com o drama de uma doença grave depende, em muitos casos, do quanto nos importamos com os sujeitos que vemos na tela. É mais ou menos como nas comédia românticas. Em muitos casos sabemos exatamente qual vai ser o final da história. O que tornará a experiência significativa ou não será o percurso. E o quanto nos afeiçoarmos, a partir das qualidades de um bom roteiro, por cada uma daquelas pessoas a que estamos assistindo. Evidentemente, na maioria dos casos, películas sobre doenças são mais pesadas, carregadas, dramáticas. E quanto mais naturalista e sincera - ou menos apelativa até - for a abordagem, mais favorável será o resultado. E é exatamente isso o que ocorre com o simpaticíssimo 50% (50/50), um verdadeiro achado entre os filmes do Netflix.

A obra do diretor Jonathan Levine nos apresenta a uma coleção de personagens bacanas que conseguem fazer com que, ao final, estejamos verdadeiramente torcendo para que tudo dê certo. Jonathan Gordon-Levitt é Adam, um jovem de apenas 27 anos que trabalha em uma rádio local, fazendo edições de som. Em uma consulta de rotina, por conta de uma intermitente dor nas costas, Adam é diagnosticado com um severo tipo de tumor maligno. O que modifica completamente a sua rotina. O melhor amigo é Kyle (Rogen), um sujeito desbocado, mas de bom coração, que tenta fazer de tudo para não deixar a moral do parceiro cair em nenhum momento. Nem que, para isso, ele tenha de ter as ideias mais estapafúrdias, sendo a mais estranha delas a de usar a doença pra "pegar a mulherada".



Se juntam a esse rol de personagens carismáticos, Katherine, uma insegura médica iniciante vivida de forma singela pela sempre ótima Anna Kendrick; a namorada de Adam, a confusa Rachael, interpretada pela Bryce Dallas Howard e uma amorosa mãe, papel de Anjelica Huston. O filme passa pelas várias etapas da doença, mas sem se focar demais nas complicações acarretadas por ela. E mesmo alguns momentos difíceis, como a inevitabilidade de se raspar a cabeça antes da chegada dos efeitos colaterais da quimioterapia, são apresentados de maneira leve e divertida - e quase absurda, no caso dessa cena! É claro que há muitos momentos tristes e a reta final certamente deixará os mais sensíveis com os olhos permanentemente marejados. Mas tudo é elaborado de maneira delicada e sem excessos que forcem a barra.

Os mais nerds curtirão a grande quantidade de referências culturais que há no filme, como no caso em que Kyle brinca com Adam ao dizer que ele ficará a cara do Michael Stipe ao se tornar careca ou, em uma das melhores cenas, quando o jovem, prestes a contar para sua mãe sobre sua "nova condição", pergunta a progenitora se ela já assistiu ao lacrimoso Laços de Ternura, pequeno clássico oitentista com Debra Winger e Shirley MacLaine. A trilha sonora também é bacana, equilibrando músicas mais antigas, com alguns achados alternativos atuais - cabendo ressaltar a cena ao som de High and Dry do Radiohead, uma das mais impactantes. Discutindo ainda questões sobre a relação médico-paciente, a importância das amizades e o senso de finitude, essa pequena película se torna grande, ainda que seja modesta nas aparências. Vale muito a pena.


sexta-feira, 5 de junho de 2015

Novidades em DVD - O Duplo

De: Richard Ayoade. Com Jesse Eisenberg, Mia Wasikowska, Wallace Shawn e Jamex Fox. Drama / Suspense, Reino Unido, 2013, 92 minutos.

Simon James (Eisenberg) é um sujeito introspectivo, tímido, bondoso e solitário, que trabalha em um cubículo de uma empresa de análise de sistemas, ocupando parte do seu tempo livre para espionar a vizinha Hannah (Wasikowska), que mora em um apartamento do bloco da frente, e por quem mantém uma paixonite secreta. Em um certo dia de trabalho, Simon é apresentado a James, o seu novo colega de trabalho. O detalhe: James é idêntico a Simon, mas com uma personalidade absolutamente oposta, uma vez que o sósia é um sujeito de fácil trato - ainda que rude "quando necessário" -, extrovertido, capaz de cativar a todos a sua volta, inclusive as mulheres. Essa é a base do roteiro do recém lançado em DVD O Duplo (The Double), baseado em conto de Fiódor Dostoiévski, e que chega as telinhas com dois anos de atraso.

Além da trama original, que até pode lembrar o recente (e ótimo) O Homem Duplicado, de Denis Villeneuve, essa pequena pérola possui uma série de outros acertos. A começar pela ambientação, que coloca os seus personagens em cenários frios, pouco iluminados, com fotografia acinzentada e com grandes profundidades de campo. Tudo isso somado a onipresença da tecnologia, ainda que ela possua um ar retrô, o que contribui para a sensação permanente de isolamento vivida pelos personagens, capazes de possuir, como único objetivo de vida, o trabalho. Operação que é feita por meio da entrega de relatórios para um patrão - chamado não por acaso de "Coronel" - que parece pronto a usar de seus poderes para subjugar os seus empregados, não hesitando em assediá-los ao menor sinal de questionamento do "sistema".


E aqui também aparece mais um grande acerto do roteiro. Ao criticar o status quo atribuído às grandes corporações, à mídia e até a propaganda, bem como o abuso de poder exercido pelas mais diversas instituições, a obra, do diretor Richard Ayoade - que mais recentemente filmou a animação Os Boxtrolls - ganha em peso e significado. Dessa forma o que poderia soar como apenas um curioso drama romântico, de teor retrô-futurista, alcança um outro patamar, ao criticar as exigências da sociedade moderna, para que se viva de acordo com um padrão estabelecido, ainda que isso signifique uma existência vazia e próxima da marginal. E não é à toa que, no filme, há uma brigada exclusiva disponível para atendimento a casos de potenciais suicidas, o que normalmente pode ocorrer com sujeitos que não estão adequados ao estilo de vida em vigência.

A boa interpretação de Eisenberg, que, em muitos casos, aparece na mesma imagem como dois sujeitos completamente diferentes, também se consiste em um ponto positivo da película. E, repare como nas cenas em que Simon (o tímido) aparece, normalmente os seus ombros estão caídos e a sua roupa ajeitada, ao passo que James sempre surge como um sujeito iluminado e descolado, capaz de usar inclusive outros trajes, que não apenas o terno em tom pastel. Misturando David Cronenberg dos anos 80, com Jean Pierre Jeunet (em filmes como Delicatessen), Ayoade nos apresenta ainda a uma série de coadjuvantes curiosos, que, com suas ações, contribuem para a permanente sensação de incômodo (e até de algum suspense) provocada pelo filme. O que vai até a ótima conclusão, que mostra até onde somos capazes de chegar para alcançar a tão sonhada aceitação dos demais.

Nota: 8,0


quarta-feira, 3 de junho de 2015

Disco da Semana - Brandon Flowers (The Desired Effect)

Quem acompanha a carreira do The Killers de perto, sabe que o vocalista Brandon Flowers não tem muito freio na língua. O cara já arrumou briga com integrantes do Fall Out Boy e do Panic! At the Disco e arrumou confusão até com o Thom Yorke, quando afirmou que o líder do Radiohead deveria agradecer a Deus pela capacidade de compor canções pop, sugerindo a ele que retornasse a isso e que parasse com aquilo que vinha fazendo recentemente. Quando começou a fazer sucesso no Reino Unido, no início de 2005, com o recém lançado (e ótimo!) Hot Fuss, Flowers disse que nos Estados Unidos as pessoas eram "retardadas musicalmente", por ainda não terem reconhecido o talento de seu grupo. Sobre Kanye West, em recente entrevista a Rolling Stone Brasil, garantiu que o rapper lhe deixa "enjoado".

Não se pode saber se foi a língua solta ou não, mas o fato é que, desde o final de 2014, o The Killers resolveu dar um tempo pra cabeça, após a final da turnê do (lamentável) disco Battle Born, lançado em 2012. Mas não para Flowers, afinal, o artista tem muito a dizer e, não à toa, já havia lançado, anteriormente, um outro disco solo, intitulado Flamingo. O segundo registro, que chegou ao mercado a alguns dias, se chama The Desired Effect. Os fãs do Killers "de raiz" se identificarão imediatamente com a coletânea de canções pop, feitas sob medida para tocar em rádios. O uso de sintetizadores, uma marca registrada do antigo grupo do artista, reforça o caráter oitentista da produção, ainda que o instrumento seja usado de forma menos carregada do que no último registro da banda de Flowers.


Ao abusar do estilo romântico, acompanhado de um instrumental grandiloquente, Flowers emula artistas tradicionais em rádios light, casos de Crowded House, The Bolshoi, Mr. Mister, ou mesmo Spandau Ballet. E não é necessária nem uma audição mais atenta para se perceber como essa característica "salta aos ouvidos", em composições como Can't Deny My Love. Ao mesmo tempo, como alguém bastante atento aquilo que tem sido feito na música moderna, especialmente no que se refere a música com base eletrônica, o cantor atualiza os seus temas, nunca soando excessivamente anacrônico ou fruto de alguma outra era que não a atual. E canções como Still Want You e Diggin' Up the Heart são dois exemplos em que se podem ser observadas essas características. O que faz com que o artista não se torne uma espécie de Rick Astley dos anos 2000.

O diálogo com a modernidade, com a tecnologia e com os temas atuais também aparece nas letras, ainda que de forma sutil - e não exatamente criativa, é preciso que se diga. The time is passing by/ I still want you/ Crime is on the rise/ I still want you/ Climate change is dead/ I still want you/ Nuclear distress/ I still want you/ The earth is heating up/ I still want you/ Hurricanes and floods/ I still want you/ Even more than I did before cantarola Flowers em Still Want You, constatando o fato de que, também para ele o tempo está passando. O artista já deu a entender em uma série de entrevistas a imprensa, que tem vontade de retornar a sua antiga banda. Enquanto isso não ocorre, os fãs podem saborear um álbum que, arrisco dizer, não fica devendo às produções mais recentes do quarteto de Las Vegas. Ainda que tenha lá suas imperfeições.

Nota: 7,0

terça-feira, 2 de junho de 2015

Cinema - Terremoto: Falha de San Andreas

De: Brad Peyton. Com Dwayne Johnson, Carla Gugino, Alexandra Daddario e Paul Giamatti. Ação / Aventura / Suspense. EUA, 2015, 114 minutos.

Em geral eu costumo ser bem tolerante com o subgênero "cinema catástrofe". Aceito bem as eventuais teorias mirabolantes, aguento os excessos no uso de computação gráfica, suporto os furos de roteiro e os diálogos dignos de crianças iniciando o pré-primário. Não à toa, há sim, bons exemplares do gênero e obras como Interestellar e O Impossível ou mesmo o clássico O Destino de Podeidon, não me deixam mentir. Só que a repetição de fórmulas, em muitos casos, tem servido apenas para saturar o espectador de cinema que, envolto em um mar de lugares-comuns, fica apenas olhando o relógio para descobrir a que horas que a tragédia (com o perdão do trocadilho infame), vai terminar. E esse é exatamente o caso do recém lançado e catastrófico Terremoto - Falha de San Andreas (San Andreas).

O filme consegue abraçar todos os clichês do gênero. Primeiro o protagonista Ray (Johnson), bombeiro especializado em resgates com o uso de helicópteros, parece ter algum trauma do passado. Não bastasse isso, ele ainda está se separando da atual esposa, ficando claro também o fato de que ele ainda não superou essa mudança em sua vida. O novo namorado da ex é um completo babaca, um mau caráter de marca maior, como vamos descobrindo conforme o filme se descortina. Ainda há o já tradicional afastamento da filha, que se aproximará, quanto mais coisas voarem para os ares ou explodirem em nossa cara. Aliás, está aí um outro problema: a película do diretor Brad Peyton mais parece um veículo para exercício de cenas computadorizadas, do que uma obra disposta a discutir qualquer coisa que seja - por mais incomum que isso seja em filmes do tipo.


Na trama, uma série de terremotos de proporções gigantescas, atinge a falha de San Andreas - acidente geográfico localizado na Califórnia. O que coloca toda a população em alerta. Só que até esse ponto é mal explorado. Enquanto em outros filmes do gênero a parte científica, com suas eventuais explicações, consiste em um momento capaz de tornar a experiência mais interessante, aqui, o tema é tratado completamente de passagem. E essa falta de profundidade, é preciso que se diga, denuncia até mesmo a pobreza da pesquisa que possa ter sido feita (se é que foi) para a constituição dos elementos que compuseram o roteiro de tal película. Afinal de contas o que vale mesmo é explodir prédios e derrubar pontes, derrubando também qualquer lógica naquilo a que se está vendo. E antes que alguém diga: e o Mad Max, também não é só isso? Ação e explosões? É, mas diverte, é extremamente bem feito e consegue até discutir questões relacionadas a preservação do meio ambiente, as diferenças sociais e de gênero, só pra citar algumas. Ou seja, ao menos é capaz de promover alguma reflexão, por menor que seja.

Ao estereotipar personagens - como o grupo nerd que deve invadir determinado site para que a "mensagem" chegue até a população, a repórter latina, a patricinha fútil que dirige enquanto conversa via SMS, o mocinho que aparece pra salvar o dia, a criança avançadinha pra idade, ou mesmo o casal briguento de meia-idade - a obra também escorrega, abolindo qualquer chance de profundidade para os sujeitos que são vistos na tela. E que tem as suas personalidades pautadas por um maniqueísmo que beira o constrangimento. Triste também é ver um ator como Paul Giamatti, que até indicação para o Oscar já recebeu - por A Luta pela Esperança -, interpretando o papel de um professor e cientista que trabalha tentando antecipar, por meio de um sistema de computação, os eventos sísmicos. É até um dos melhores e mais lúcidos momentos, mas que deixa clara a provável escassez de bons papeis em suas mãos. Quem chegar vivo (mais um trocadilho infame) até o final, ainda será brindado com uma mensagem de otimismo, afinal de contas, o que vale é a sobrevivência do mocinho.

Nota: 2,5


Lançamento de Videoclipe - The New Pornographers (Champions of Red Wine)

Os divertidos canadenses do The New Pornographers seguem em plena campanha de divulgação do disco Brill Bruisers, o sexto trabalho que foi lançado no ano passado. Na última semana, a banda de Dan Bejar e Carl Newman lançou um videoclipe para a canção Champions Of Red Wine. Com direção da dupla Scott Cudmore (que também assina o roteiro) e Michael LeBlanc (responsável pela fotografia), o vídeo mostra um homem de meia-idade, em aparente crise existencial, frequentando desde bares decrépitos até praias paradisíacas. As filmagens foram feitas em Cuba.


segunda-feira, 1 de junho de 2015

Cinema - A Incrível História de Adaline

De: Lee Toland Krieger. Com Blake Lively, Michiel Huisman e Harrison Ford. Romance / Fantasia / Drama, EUA, 2015, 113 minutos.

O filme A Incrível História de Adaline (The Age of Adaline) é mais ou menos como se fosse um O Curioso Caso de Benjamin Button as avessas. Só que, enquanto no conto do escritor F. Scott Fitzgerald - adaptado para o cinema por David Fincher e tendo Brad Pitt como protagonista - um bebê nasce com a aparência e os problemas de saúde de um idoso, na obra do diretor Lee Toland Krieger, a dificuldade está em envelhecer. É o que ocorre quando a protagonista - a Adaline do título - sofre um grave acidente de carro. Uma conjunção cósmica de fatores físico-químicos (frio, eletricidade) que ocorrem durante a quase tragédia, a torna uma pessoa imortal aos 29 anos. Melhor coisa do mundo ser eterno? É, "bais ou benos".

Com a sua nova condição, Adaline tem de se acostumar com a ideia de que as pessoas passam pela sua vida e ela fica. Fica e não apenas isso: fica e com a mesma cara, com a mesma pela, sem rugas de expressão, doenças ou qualquer condição que, lá pelas tantas, poderia acometer uma pessoa de 80 anos. Ou de mais 100, no caso dela. Inevitavelmente isso causará estranhamento nas pessoas que convivem com ela cotidianamente. Onde já se viu os demais envelhecerem e ela não? O medo de ser encarada como uma aberração de circo, faz com que Adaline não permaneça por mais de 10 anos em um trabalho. Ou na mesma cidade. Todo esse contexto também atrapalhará as suas possíveis relações amorosas, já que o medo de sofrer faz com que ela se torne incapaz de estabelecer qualquer laço com os do sexo masculino.


A premissa diferente teria tudo para resultar em um filme desastroso ou excessivamente forçado e, é preciso que se diga, até não é o que acontece. É claro, não é a oitava maravilha do mundo, mas é um bom romance, com argumento inteligente, personagens charmosos, excelente cenografia e interpretações interessantes. Por se tratar de um drama romântico, o excesso de lugares comuns ao estilo Nicholas Sparks, que têm se espalhado quase que como um vírus ultra-contagioso, é algo que pode atrapalhar a apreciação do cinéfilo mais engajado. Lá pelas tantas, é evidente que aparecerá um potencial par romântico para tentar desvendar o passado de Adaline, acreditando poder demovê-la de seu trágico destino: o de viver para sempre na solidão e na clandestinidade.

Dona de uma beleza absolutamente estonteante, a atriz Blake Lively - da série Gossip Girl e de filmes como Atração Perigosa - interpreta Adaline Bowman com a segurança natural que poderia ser esperada de uma mulher "madura". Ao mesmo tempo, ela não reluta em demonstrar como lhe afeta e lhe fragiliza a condição que lhe foi imposta - e uma simples cena ao lado de seu cachorro é capaz de mostrar o peso de seu fardo. As presenças de Ellen Burtyn como a filha já idosa e de um surpreendente Harrison Ford, como um homem relacionado ao passado de Adaline, também dão corpo ao elenco desse pequeno filme que, assim como tantas outras peças de arte, brinca com a eterna fascinação humana pela passagem (ou não) do tempo.

Nota: 6,5