Uma das coisas mais divertidas que Jojo Rabbit (Jojo Rabbit) faz é apostar no humor com a intenção de tornar o nazismo uma ideologia ainda mais absurda. E essa sensação é ampliada com a adoção de uma criança protagonista que não apenas é militante e defensora da pureza racial - que vê judeus como inimigos grotescos a serem combatidos -, como ainda tem como amigo imaginário uma espécie de caricata figura do Führer em "pessoa". Sim, se pra você é algo ridículo ver aquele seu vizinho criado a leite com pêra pela avó, que acredita que as dores do mundo são todas por culpa do PETÊ, experimente assistir a um grupo de crianças excitadíssimas com a ideia de participar de uma sessão de queima de livros. Sim, é algo completamente nonsense mas, em partes, é justamente isso que a obra de Taiki Waititi (que também interpreta Hitler) propõe: imaginar, na base do deboche, como seria a preparação (ou doutrinação) de uma massa de crianças alinhadas ao nacionalismo religioso de extrema direita - o famoso "combo nazista".
Nesse sentido, o menino de dez anos Jojo (Roman Griffin Davis), cresceu acreditando que o mundo ideal era o estabelecido pelos defensores do Reich. Desde novo integrando um grupo de crianças voluntárias no Campo Hitler, sofre um grave acidente com uma granada, após sofrer bullying por não conseguir matar um coelho (o que renderá seu novo apelido). Em sua casa, verá seu mundo virar de ponta cabeça quando descobrir, meio que por acaso, que a sua mãe (Scarlett Johansson) mantém uma jovem judia (Thomasin McKenzie) escondida em um cômodo. E será dessa forma que estará estabelecido o conflito: sem entender direito esse contexto, Jojo passará a desconfiar do comportamento da mãe, ao mesmo tempo em que se aproxima da jovem, que se chama Elsa. No campo de treinamento, por ter se ferido, participará de atividades prosaicas como distribuição de panfletos, entre outras.
É um filme que trata da Segunda Guerra com uma pitada de leveza quase surrealista, mas sem deixar de lembrar o espectador dos horrores vividos pelo povo alemão naqueles anos. Não por acaso, a película faz lembrar uma mistura entre o drama alemão Lore (2013) e o clássico italiano A Vida É Bela (1998), com Jojo modificando a sua percepção sobre a vida, sobre o mundo e sobre as pessoas conforme a sua jornada avança. De sua amorosa mãe aprende que o apreço pelas artes ou o simples gesto de dançar e confrontar o status quo não é coisa de "comunista". Já com Elsa, não demorará para compreender que havia algo errado no "desenho" dos judeus feitos pelos nazistas - e não é por acaso que cenas como aquela em que o menino Yorki (Archie Yates) fala que comunistas comem bebês e transam com cachorros se tornam tão rotundamente estúpidas (e até engraçadas). É como se, sei lá, alguém acreditasse em mamadeira de piroca ou no fato de que em algum País socialista, bebês de sete meses são masturbados.
Tendo como uma de suas forças, além da trilha sonora e da estética mais "colorida", o uso de imagens e de seu simbolismo - há uma cena em que as casas literalmente parecem ter olhos que observam -, o filme ainda utiliza o jogo de palavras para fazer a crítica ao debate que parece se estender à modernidade. Em uma formidável sequência, por exemplo, Jojo pede para que Elsa desenhe o que seria a sua casa. Após, ela entrega um desenho da cabeça de Jojo: "é que nós não saímos de suas cabeças nazistas", brinca ela. Ainda que eventualmente a obra soe excessivamente expositiva em seus diálogos - por exemplo, não era necessário DIZER que o capitão Klenzendorf (o sempre divertido Sam Rockwell) talvez estivesse disposto a ajudar Jojo e sua família, afinal a gente já tinha percebido isso com suas atitudes -, o filme se consolida como uma das boas surpresas desse começo de temporada, tendo sua indicação ao Oscar na categoria máxima como um bom "prêmio de consolação". Vale conferir.
Nota: 8,5