Hoje temos o retorno do nosso quadro - que há tempos não pintava por aqui - Separados no Nascimento. E desta vez nossa homenagem vai ao leitor e amigo Renato Hein.
O Renatão (ou Natinho, para os íntimos), além de empresário/gerente da Eletrohein e filósofo do Facebook, é uma figuraça! De carisma ímpar, é também um grande comunicador. Não à toa as comparações com o apresentador de TV Gilberto Barros (o Leão) são muito frequentes. Nós, aqui do Picanha, temos o privilégio de contar com leitores deste gabarito em nosso rol.
Olha o Merchan aí Renatinho!
Como nosso site também é sobre música, não custa nada lembrar deste grande clássico do cancioneiro popular, o hit Acorrentado em Você, interpretado pelo Gilberto Hein. Ou seria Renato Barros? Reparem na coreografia TOP!
Caso você não esteja ligando o nome a pessoas, a Carly Rae Jepsen, é aquela da (irritante?) música Call Me Maybe, que se tornou um megahit das rádios em 2012. E, caso você ainda não tenha desistido de ler essa resenha depois dessa informação, temos uma boa novidade: a cantora e compositora canadense está em franca evolução desde o lançamento de seu primeiro disco, Tug Of War, agora no já longínquo 2008. Cria do programa Canadian Idol, a artista certamente se viu na encruzilhada de lançar trabalhos, no início da carreira, que apenas eram capazes de colocá-la ao lado de outras genéricas dentro do segmento das cantoras pop, casos de Katy Perry e Demi Lovato. Ainda que a cover de Sunshine On My Shoulders, ainda no primeiro disco, já desse um indicativo de que ela tinha outras credenciais na manga.
Evidentemente que as coisas não mudaram assim da água pro vinho na carreira de Carly, mas, próxima de completar 30 anos - no mês de novembro, a artista parece mais madura, incorporando uma série de outros elementos capazes de elevar as canções e o conjunto da obra a um outro patamar. A capa do novo disco, Emotion, recém chegado as lojas, já dá um pouco esse indicativo. Diferentemente, por exemplo, do que ocorria no trabalho anterior, Kiss Me, de 2012, a cantora já não aparece mais com a sua foto inserida em um fundo rosa, como se fosse uma espécie de produto genérico e mal acabado da cantora Pink. No novo álbum o fundo é preto e, ainda que o tema dos relacionamentos - e tudo o que os envolve, a paixão, os amores não correspondidos as frustrações - estejam novamente por lá.
Na música também tem mudanças. Com maior controle sobre tudo aquilo que fez enquanto estava dentro do estúdio, como revelou a alguns sites, Carly aproveitou bem a experiência e o trabalho dos produtores Rostam Batmanglij (integrante do Vampire Weekend) e Ariel Rechtshaid e Dev Hynes (do Blood Orange) para tornar o seu som mais contemporâneo, menos poluído por sintetizadores e ligado àquilo que artistas alternativos da música eletrônica e dançante tem feito não apenas para as pistas, mas para o consumo em geral. Dessa forma, não é impossível encontrar ecos de artistas tão distintos como Brandon Flowers,em Making the Most Of the Night; Madonna, em Favourite Colour e Boy Problems, Haim em Run Away With Me e até mesmo FKA Twigs se encontrando com Michael Jackson, na impressionante (e uma das mais modernas e sedutoras composições do disco), All That.
Por conta do sucesso com o trabalho, especialmente no que se refere à crítica, Carly já tem sido comparada à Taylor Swift, que, com o seu mais recente disco, 1989, também deixou pra trás os dias de guria bobinha que só se preocupava em chorar o fim do relacionamento, para apresentar um disco mais maduro e que dialogava com o contexto atual musical. Um dos maiores exemplos da evolução é o fato de a artista não ter tido medo de deixar pra trás os dias de estrela pop para se reinventar no mundo da música. É um bom momento para o meio chamado de Alternativo. [...] Rende menos grana, mas ainda gera uma boa receita, disse em entrevista veiculada no site Monkeybuzz. Só o fato de a artista ter essa percepção, aliada a vontade de apresentar algo diferente do que o mais do mesmo, já é o suficiente para que ela tenha muito crédito. A despeito de Call Me Maybe!
Está no ar o mais recente Picanha Cast, com o apanhado dos últimos destaques do blogue, resultado do bate-papo com o Tiago Sebabinazzi, durante o programa Enciclopédia 95.1, da Rádio Univates, que foi exibido na última quinta-feira (20/08).
Os novos discos de Neil Young e Mac Demarco, a trilha do clássico Psicose e Cinebaú com o imperdível O que Terá Acontecido a Baby Jane?, são alguns dos temas tratados.
De: Elizabeth Banks. Com Anna Kendrick, Rebel Wilson, Hailee Steinfield e Britany Snow. Comédia / Musical, EUA, 2015, 114 minutos.
Sabe aquele filme que, com 20 minutos de exibição, você já sabe exatamente como vai ser o final? E que, a mesma história, é recheada de personagens estereotipados, com direito a romance entre alguns dos protagonistas? E que mesmo assim você não consegue parar de assistir, se divertindo do início ao fim? É exatamente esse o caso de A Escolha Perfeita 2 (Pitch Perfect 2), que está em exibição. Não, não vai ser um filme que vai entrar pra história, nem pras listas de melhores do final do ano. Aliás, tá mais pra Framboesa do que pra Oscar, é preciso que se diga. Mas os personagens são engraçados, os diálogos são saborosíssimos, a trama tem um certo quê de nonsense e a trilha sonora e as coreografias são de encher os olhos. Oras, a gente não procura o cinema, na grande maioria dos casos para se entreter? Bem, A Escolha Perfeita 2 atinge a esse objetivo com louvor!
Estreando na direção, a atriz Elizabeth Banks - que também atua no filme - retoma a história sobre um grupo de cantoras a capella, as Barden Bellas, que agora são famosas nos Estados Unidos inteiro, após o tricampeonato de canto universitário. Um desastre durante uma apresentação na presença do presidente americano, faz com que elas sejam banidas das competições. A única maneira de elas retomarem a "honra" após o ocorrido, é trabalhar para tentar faturar o campeonato mundial - que, como vencedoras na terra do Tio Sam, elas continuam credenciadas a participar. É claro que tudo não passa de uma desculpa para mais uma série de apresentações musicais bacanas, com coreografias espertas, que homenageiam a música pop naquilo que ela tem de melhor. Pra quem gosta de David Guetta, Katy Perry, Miley Cyrus, Jessie J e Sam Smith, entre outros, um prato cheio.
Nesse sentido, a ideia de ampliar o espectro das apresentações musicais para o restante do globo - e, vejam só que "coincidência", a Copa do Mundo ocorre a cada quatro anos - não poderia ser mais acertada ainda que, vá lá, possa soar um tanto previsível. Os alemães - sempre eles - são o grupo a ser batido e a primeira aparição deles, ao som de Uprising, do Muse, é desde já, um dos momentos mais engraçados do cinema no ano. Mas que também serve pra indicar a perfeição técnica de um grupo que, frio em seus movimentos kraftwerkianos, parece impossível de ser batido. Capaz de rir de si mesmo, o filme faz várias brincadeiras relativas ao caráter solene das competições, levadas a um extremo de seriedade - como se alguém, de fato, desse bola pra isso. (e aqui confesso não saber ao certo se existem, verdadeiramente, concursos desse tipo em terras americanas)
A presença de Banks, uma comediante nata, claramente traz ainda mais frescor às piadas e a narrativa, do que no caso do primeiro episódio. Não à toa, as participações da personagem Fat Amy (Rebel Wilson) são ainda mais divertidas. O mesmo vale para o misógino interpretado por John Michael Higgins que, na pele de um locutor de rádio, passa o filme inteiro fazendo comentários machistas sobre as Bellas. E que funcionam, justamente pelo fato de ele ser claramente uma caricatura do republicano médio, que apenas não descobriu ainda o momento de sair do armário. Repleta de referências culturais musicais, a obra chega para mostrar que ainda há espaço para as comédias bobas. Mas desde que elas divirtam em seu percurso. O que fará com que deixemos de lado, inclusive, as eventuais obviedades tão tradicionais em comédias do estilo.
O desavisado que for assistir a série Derek - disponível na plataforma de streaming Netflix -, atraído pelo nome do comediante Ricky Gervais, pensando se tratar de um programa puramente de humor, vai se enganar redondamente. Digamos que, por já ter lido alguma coisa previamente a respeito da série, já imaginava (mais ou menos) o que iria encontrar: episódios com alta carga dramática, em uma trama recheada de personagens interessantes e de personalidades múltiplas, que passam os seus dias no asilo Broad Hill. O Derek em questão (vivido pelo próprio Gervais), é um funcionário do local, que ajuda os internos nas atividades mais prosaicas. Como uma espécie de Amelie Poulain em meio aos velhinhos, Derek, do alto de sua ingenuidade e de seu comportamento todo particular, vê somente o lado bom do ser humano.
Gravada como se fosse uma espécie de documentário, com cada um dos integrantes se dirigindo a câmera, eventualmente, a série nos apresenta ainda uma verdadeira coleção de personagens marcantes. A comediante Kerri Godliman é Hannah, a coordenadora do local, uma workaholic que, dada a sua dedicação, mal tem tempo para prestar atenção no namorado Tom (Brett Goldstein), que também é neto de uma das residentes. Dougie (Karl Pilkington) é o "faz tudo" do asilo, realizando consertos na parte elétrica e cuidando do jardim. Já Kev (David Earl) é aquele sujeito que, dada a virgindade aos 40 anos, vê em todas as coisas ao seu redor (inanimadas ou não), uma possibilidade de sexo. O que garante a parte cômica de cada episódio, ainda que pautada basicamente pelo absurdo! Tem ainda a estagiária, o novo contratado e os residentes, cada um com seu jeito de ser.
Mas o destaque mesmo é o protagonista. Derek gosta de vídeos no Youtube com animais. E de animais em
geral. Também gosta muito de luta livre - arriscando alguns movimentos
com seus colegas de trabalho. Em seu dia a dia, lhe agrada fazer perguntas sobre quem venceria uma briga entre, por exemplo, o câncer e a Aids, se ambos se enfrentassem. Derek não recebe nada de ninguém e dá tudo o que pode em troca. Tem paciência com os idosos e coloca o dever em primeiro lugar. A propósito, lhe deixa feliz saber que os velhos estão felizes. "Eles não têm muito tempo de vida, então cada minuto importa", acredita. Derek conheceu pessoas boas que não acreditam em Deus e pessoas ruins que acreditam. Como todos nós. Derek chora quando algum dos velhinhos morre. Mas se eles estiverem felizes nesse momento, é o que importa.
Derek se pudesse pedir alguma coisa, desejaria criar uma pílula para que as pessoas horríveis se tornassem boas. E que as aranhas ficassem longe, mas não sofressem. "Ah, e que os amigos não pegassem Aids", lembra. Em sua rotina, percebe que os velhos só ficam quietos por que ninguém lhes pergunta, já que eles adoram falar. "Basta um sorriso para ver como eles ganham o dia", garante. Ricky Gervais, na pele de Derek, ladeado por uma coleção incrível de personagens, nos faz rir e chorar o tempo todo, criando situações cotidianas - a morte de um cachorro, a tentativa de fechamento do asilo, o reencontro com o pai, um concurso de talentos, uma aniversário especial, os atos singelos, o carinho para com desconhecidos -, que nos fazem refletir sobre tudo aquilo que fazemos no nosso dia a dia. Sobre como nos comportamos, sobre como somos em relação aos outros. Somos individualistas? Temos empatia? Somos presunçosos? Preconceituosos? Afáveis? Indiferentes?
Tratando com o maior respeito e amor do mundo o sujeito que interpreta, Gervais não apenas constrói uma das mais fascinantes séries recentes. Ele inverte a lógica de suas composições (normalmente divertidas), ao nos apresentar a um sujeito de características únicas - não apenas físicas - capaz de encantar a todos a sua volta. De quebra ainda dá um verdadeiro show de interpretação ganhando o espectador, em muitos casos, só no olhar. Sim, tem algum escracho, tem lá alguma bobagem (que aparentemente poderia parecer) desnecessária. Mas há o respeito pelos seres humanos, sejam eles brancos, pretos, gordos, altos, baixos ou magros. O mesmo pelos animais. Pelos idosos. Ou até mesmo pelo "diferente" - se é que ele existe. Só isso já faz valer a pena.
Filme de faroeste dirigido por Quentin Tarantino, com Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Michael Madsen e Tim Roth... sentiu cheiro de Oscar no ar? Pois é, nós também! Na trama do aguardadíssimo Os Oito Odiados (The Hateful Eight), que deve estrear nos Estados Unidos até o final do ano - e no Brasil no começo de 2016 -, uma diligência contendo vários passageiros é impedida de continuar a viagem por causa de uma nevasca. Logo o grupo passa a ser vítima do ataque de caçadores de recompensas. O trailer promete e a película foi toda gravada em 70mm, no melhor estilo de obras clássicas como Os Doze Condenados, de 1967. Clica e confere!
De: Hong Sang-soo. Com Isabelle Hupert, Yu Junsang, Yuhjung Youn e Yumi Yang. Drama, Coreia do Sul, 2012, 89 minutos.
Não é de hoje que o cinema da Coreia do Sul tem chamado a atenção, especialmente dos cinéfilos que procuram filmes pouco convencionais, não apenas em relação aos roteiros - quase sempre autorais -, mas também quanto ao estilo adotado - com sequências nada lógicas, muitas vezes oblíquas e repletas de elipses. Quem já assistiu a filmes de diretores como Park Chan-wook - dos espetaculares Oldboy e Zona de Risco - e Kim Ki-duk - um de meus favoritos, autor de obras-primas como Casa Vazia, Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera e Time - O Amor Contra a Passagem do Tempo -, sabe que o que interessa são as boas histórias que, quando bem contadas, adquirem um caráter universal, ainda que envoltas na atmosfera característica do local a qual pertencem.
Não é diferente com o diretor Hong Sang-soo. Ainda pouco conhecido no Brasil - inclusive deste blogueiro que vos escreve -, é dele a pérola recém disponibilizada na plataforma de streaming Netflix, A Visitante Francesa (Da-Reun Na-Ra-e-Suh). Verdadeiro exercício de estilo, o o filme nos apresenta a jovem Yonju que mora num balneário no sul do País. Com a intenção de espantar o tédio provocado por problemas familiares, ela escreve três roteiros de cinema tendo como personagem central uma francesa em visita ao local. Na primeira delas, a francesa, de nome Anne (Hupert), é uma cineasta de férias, ao lado de um casal amigo. Na segunda, a personagem é esposa de um empresário ricaço e amante de um homem ligado ao cinema. Na última, uma mulher recém divorciada, que procura um pouco de paz interior.
Em cada uma das histórias, Anne encontrará os mesmos personagens - um carismático salva-vidas, um casal em que a esposa está grávida, a recepcionista de uma pousada - e os mesmos objetos cênicos - uma garrafa quebrada, um guarda-chuva, o farol existente na ilha. Uma das brincadeiras dessa curiosa película é tentar organizar cada um dos elementos encontrados aleatoriamente, mas que no final contribuem para a formação de uma lógica única: a de que uma estrangeira em um País diferente, sempre é motivo de alvoroço. Especialmente se for charmosa como Huppert. E, especialmente, como não poderia deixar de ser, para os homens. Sem alterar a ideia central da narrativa, Sang-soo embaralha cada peça, promovendo aqui e ali pequenas alterações - sejam elas de ângulos de câmera ou de frases ditas de forma um pouco diferente para, com sutileza, modificar o caminho tomado por cada narrativa.
Com um estilo bastante peculiar de filmar - e que parece ser muito característico do diretor - Sang-soo ainda brinca com o que seria uma espécie de "amadorismo" estilístico, com o uso de diálogos (e comportamentos) caricatos, zooms muito velozes e cortes secos. Afinal, nunca podemos esquecer que a história está sendo escrita por uma jovem que, certamente inexperiente na linguagem cinematográfica, adiciona aqueles elementos que, para ela, poderiam fazer sentido dentro da composição. E os créditos iniciais, todos em caneta esferográfica, não deixam de ser um indicativo que parece corroborar com essa lógica. Com Isabele Huppert brilhando ao interpretar três mulheres iguais "mas diferentes", o filme tem a sua força justamente no formalismo que, é preciso que se diga, nunca soa forçado. E que, ao contrário, é capaz de tornar uma obra de aparência prosaica em um produto artístico superior.
O Wilco, não se pode negar, parece ser uma banda atenta àquilo que determinam as novas ferramentas tecnológicas, as redes sociais ou mesmo os formatos modernos de se consumir música. Ao menos foi essa a impressão que o lançamento de Star Wars, nono registro de inéditas dos americanos, deixou. Pra começar, o álbum foi disponibilizado no último mês de julho sem muito alarde, da noite para o dia, no site dos caras. Estando, logo depois, também apto a ser apreciado em plataformas de streaming, como Deezer e Spotify. Nada de videoclipe de divulgação, de single para apresentação prévia do novo trabalho, de anúncio de data de lançamento, de título, de nome do disco ou mesmo de ordem de colocação das faixas. Nenhuma imagem. Nada. Um disquinho novo na praça, sem blablablá.
Depois, o grupo ainda se prestou a chamar o registro de Star Wars, evidentemente uma clara galhofa relativa a ansiedade nerd que ronda o lançamento do sétimo filme da série comandada por George Lucas, e que deve dar as caras por aqui no mês de dezembro. De quebra, a capa ainda conta com uma imagem de um gatinho branco dos mais peludos. Quem nunca encontrou em sua timeline do Facebook algum vídeo ou foto engraçadinha dos felinos, sem muito esforço? Pois é, como já disse antes, é muito provável que haja aí uma uma dose de brincadeira (e de ironia, claro) em todo esse referencial proposto por Jeff Tweedy e companhia. E o que dizer do tempo de duração do disco, que não ultrapassa os 34 minutos? Só o duplo (e clássico) Being There, de 1996, possuía quase 1h20. Mas quem tem tempo de ouvir um álbum dessa envergadura nos dias de hoje?
Proposital ou não, atento ou não a toda a velocidade com que a rede e as pessoas navegam e consomem tudo o que está ao seu redor nos dias de hoje, é preciso que se diga que apenas um detalhe não mudou em relação ao sexteto de Chicago: a qualidade sonora. Se, no início da carreira, discos como AM (1995) e, mais especificamente, o próprio Being There seriam fundamentais para o fortalecimento do estilo que ficaria conhecido como Alt Country - e que já vinha sendo propagado no passado por veteranos como Neil Young, The Byrds e Big Star - atualmente, o Wilco parece ampliar o seu arcabouço de referências, se aproximando de grupos oitentistas como Echo and the Bunnymen, Pixies (já viu mais Pixies do que o fechamento com Magnetized?) e REM. Parte desse caminho levemente modificado, já pôde ser percebido em trabalhos anteriores, caso por exemplo, do irregular A Ghost Is Born (2004).
O mais curioso é perceber que, justamente aquilo que talvez pudesse soar como um movimento desastroso e retrógrado, é o que se apresenta como uma guinada importante da banda em direção a uma sonoridade ainda mais moderna, complexa e completa do que aquela feita anteriormente. Evidentemente que Star Wars não é um disco melhor do que o clássico e irretocável Yankee Hotel Foxtrot (2001), por exemplo. Mas chega muito perto ao se apresentar como um registro honesto, de qualidade instrumental e vocal e que nos coloca diante de uma banda em grande forma. Não à toa, a energia vibrante exibida nas dinâmicas More..., Random Name Generator e The Joke Explained, nos faz ter a impressão de estarmos diante de um grupo ainda em início de carreira e não ouvindo sujeitos que se aproximam dos 50 anos, com passo desacelerado e sem apresentar o mesmo vigor de antes. Talvez hoje ninguém ouça álbuns de 1h20. Mas prepare-se pra escutar Star Wars no repeat uma, duas, sete vezes. Vale muito a pena.
Lembro como se fosse hoje: num certo dia escutava a Rádio Univates 95.1, quando iniciou uma canção de versos diferentes, divertidos, até esquisitos - ao menos num primeiro momento -, que faziam parte de uma música de estilo cru, que fazia lembrar a jovem guarda, mas era como se o Roberto e o Erasmo tivessem ido ao circo. Estranho? Demais, mas ao mesmo tempo ótimo! Me diz como é que eu posso escrever / Se só de fazer quatro versos / E uma métrica abstrata e invisível me aparece / Me dizendo que este verso está comprido e eu já devia ter parado a um tempo atrás, era o tipo de frase que saía do "radinho" e que me obrigava, imediatamente após, a ir atrás da banda que estava por trás dessa pérola do cancioneiro que, desde já, se colocava entre as minhas novas favoritas. E que depois descobri que se chamava 66.
Não demorou a descobrir que se tratava do O Terno, uma gurizada de São Paulo que faz rock desde o ano de 2009, inspirada por nomes como Os Mutantes, The Beatles e The Kinks, além dos integrantes da Jovem Guarda já citados anteriormente. Meu próximo passo, após saber de quem se tratava, foi adicionar os discos do grupo no serviço de streaming,
com o objetivo de explorar a sua sonoridade. Descobri uma banda
descolada, distante daquele clima meio "bunda mole" que domina alguns
segmentos da nova MPB (alguém aí falou em Mombojó?) e cheia de criatividade e energia juvenil em cada composição. Referência da música independente nacional na atualidade, o trio, que tem aquele estilo do "magrão desleixado", é formado pelo guitarrista e vocalista Tim Bernardes - que também compõe a maioria das canções -, pelo baixista Guilherme D'Almeida e pelo baterista Gabriel Basile.
Sem tempo pra falar de decepções amorosas ou ilusões do coração - ainda que eventualmente, alguma composição como Ai, Ai, Como Eu Me Iludo possa causar essa impressão - o negócio da rapaziada é se divertir, cantando letras pautadas pelo nonsense, influenciadas pelas mais variadas vertentes do cancioneiro nacional. No pequeno resumo a seguir, a gente fala um pouco sobre os dois álbuns lançados até o momento pelo trio, intitulados 66 (2012) e O Terno (2014). Ambos os trabalhos tendo aparecido em diversas listas de melhores de final de ano - caso da Rolling Stone nacional, que o colocou na 12ª posição entre os discos de artistas brasileiros no ano passado. Com parcerias com Nando Reis e Arnaldo Antunes e apresentações no Prêmio Multishow de Música Brasileira, a banda aos poucos vai se consolidando, se tornando conhecida e fincando pé entre os artistas mais bacanas da nossa música. E que são dignos de aparecer no nosso Pra Ouvir.
66 (2012)
Com dez músicas, o disco foi feito em família, com o auxílio do pai de Tim Bernardes, o cantor, compositor e saxofonista brasileiro, Maurício Pereira. - que chegou a integrar o grupo Os Mulheres Negras (com André Abujamra). Com estilo e produção mais crua do que viria a ser o registro seguinte, o álbum tem no instrumental direto ao ponto - mas sem perder a psicodelia de base roqueira - e nos versos entre o absurdo e o nonsense, o deboche e o sarcasmo, a sua força. A inacreditável letra de Zé, Assassino Compulsivo, é um verdadeiro exercício de criatividade, nem sempre fácil, é preciso que se diga, mas provavelmente pautada por uma gama de influências literárias e cinematográficas as mais variadas. Zé não era aquele cara que só faz o bem / Era alegre e bonito, mas tem um porém / Ele era um assassino compulsivo, é / Enforcou sua coleguinha quando era do pré, diz a letra. Pra ver que 66, com sua métrica incomum, não era um caso isolado. Ouça: 66, Zé Assassino Compulsivo, Morto e Quem é Quem.
O Terno (2014)
Mais bem produzido do que o trabalho anterior e com letras mais seguras, analíticas, cínicas e até mesmo contemplativas, o grupo parece se aproximar da maturidade musical, ainda que esteja ainda em início de carreira. O começo, com Bote ao Contrário, é tão Jovem Guarda, mas tão Jovem Guarda, que não seria surpresa encontrá-la em algum disco dos anos 70 do Tremendão. A influência aparece em outras canções, como na ótima (e irônica e debochada) Eu Confesso. Aliás, o deboche também surge nas improváveis Pela Metade e Vanguarda?, que dão conta da segurança do trio na hora de compor Brazil, com letra em inglês que brinca com a forma como os americanos enxergam o nosso País é um outro exemplo do arcabouço de referências trazidas pelo jovem Bernardes, que, além de tudo, canta como um veterano. Mas é com a último música do Lado B, intitulada Desaparecido, que os garotos d'O Terno mostram estar a frente de outros grupos, indicando ainda um caminho possível a ser seguido em futuros projetos. Ouça: Bote ao Contrário, Brazil, Eu Confesso e Desaparecido.
Os australianos do Tame Impala lançaram recentemente o disco Currents. Como você já viu na resenha do Picanha, o trabalho é candidatíssimo a figurar entre os melhores do ano. Em plena campanha de divulgação do álbum, a banda, capitaneada pelo vocalista Kevin Parker, lançou o segundo videoclipe promocional - o primeiro havia sido para a música Cause I'm A Man -, dessa vez para a canção que abre o registro, intitulada Let It Happen. O vídeo mostra um empresário que se prepara para voar, mas tem um mal súbito antes de embarcar. O que fazer nessa hora? Let it happen, let it happen...
De: Robert Aldrich. Com Bette Davis, Joan Crawford, Victor Buono e Maidie Norman. Comédia dramática / Clássico, EUA, 1962, 134 minutos.
Houve uma época em que Hollywood era pródiga em utilizar o cinema para falar de si mesma. Entre os anos 50 e 60, obras hoje clássicas como Crepúsculo dos Deuses, A Malvada, Assim Estava Escrito, Contrastes Humanos e Cantando na Chuva - pra citar apenas algumas - utilizaram a metalinguagem como base para esforços de roteiro que conseguiam se apresentar ao mesmo tempo trágicos e cômicos, dramáticos e divertidos. O caso do sensacional O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (What Ever Happened to Baby Jane?), ponto alto da filmografia do versátil diretor Robert Aldrich - dos igualmente bons Com a Maldade na Alma e Os Doze Condenados - é mais um exemplo, talvez ainda mais cruel, da máquina recicladora de astros que envolve também a capital mundial do cinema, capaz de relegar a um segundo plano artistas que antes já simbolizaram fama (e rentabilidade, claro!).
A Baby Jane do título é uma atriz-mirim que fez fama e fortuna em apresentações na TV e no cinema quando era apenas uma garotinha de oito anos mimada e de personalidade indócil. Na vida adulta, Jane (Bette Davis, em interpretação arrebatadora que lhe rendeu a décima indicação ao Oscar) se tornou uma atriz decadente, mais conhecida por seus escândalos e bebedeiras do que por algum papel de destaque. Em contrapartida, a irmã Blanche (Joan Crawford, sempre soberba), que quando criança apenas acompanhava as andanças de Jane pelo universo na qual ela trafegava, na vida adulta é uma estrela de Hollywood, requisitada para grandes papeis, sendo disputada pelos principais estúdios. Isso até o dia em que ela sofre um acidente, no auge da fama, aparentemente causado pela ira ciumenta de Jane, incapaz de conviver com o fracasso tanto no profissional quanto no pessoal
As duas agora moram juntas em uma mansão decrépita, com Jane "cuidando" de Blanche, que passa seus dias enclausurada em uma cadeira de rodas, no segundo andar, tentando encontrar algum significado em sua vida solitária e distante dos holofotes. Amargurada, Jane deixará vir a tona toda a mágoa que sente pela irmã mais famosa, tornando sua vida um inferno por meio de suas ações. Atos simples como telefonar para um médico amigo, ter contato com a simpática vizinha ou mesmo comer, serão impedidos por Jane, cuja insanidade aumentará a cada dia. Especialmente após o anúncio de que a casa será vendida por Blanche nas semanas seguintes. A situação piora quando a empregada (Maidie Norman) passa a desconfiar do isolamento de Blanche, fruto da perversão quase sádica da irmã que, nem as cartas de fãs faz chegar até ela.
Baseado no livro de Henry Farrel, o filme de Aldrich é um verdadeiro veículo catalisador do talento de ambas as atrizes, que passam boa parte das pouco mais de duas horas de película se digladiando na tela. O clima é de terror na mansão, ampliado pelo aspecto sinistro dos corredores escuros, pela trilha tonitruante (de Frank De Vol), pela fotografia envelhecida e pela imprevisibilidade de cada ato louco de Jane. Nem a aparição de um produtor (o bonachão Victor Buono), disposto a conduzir Jane de volta a fama perdida, será capaz de acalmar os ânimos, já que o resultado será apenas constrangedor - com Jane usando seu antigo figurino e cantando seu único sucesso (I'm Written a Letter to Daddy). Com excelentes histórias de bastidores - reza a lenda que ambas as atrizes eram desafetas na vida real - e um roteiro que reserva algumas surpresas, a obra recebeu apenas um Oscar (Figurino), já que a disputa com um certo Lawrence da Arábia era complicada. Mas se mantém até hoje como um dos mais representativos filmes sobre a decadência e o caráter efêmero da fama, não podendo, nesse sentido, ser mais atual. Um filmaço!
De: Gloria La Morte e Paola Mendoza. Com Paola Mendoza, Andres Munar e Eddie Martinez. Drama, EUA / Colômbia, 81 minutos.
Talvez Entre Nós (Entre Nos), esse verdadeiro achado entre os filmes independentes do Netflix, fosse um drama como qualquer outros, não fosse por um aviso bem no início da obra: baseado em fatos reais. É importante que o espectador não esqueça desse "pequeno" detalhe enquanto acompanha a dura trajetória da personagem Mariana (Paola Mendoza). Mariana é uma imigrante ilegal nos Estados Unidos - saída da Colômbia -, tentando viver o sonho americano. No bairro do Queens, em Nova York, ela convive com o marido e com dois filhos pequenos, até o dia em que o marido anuncia, sem muita solenidade, que a está abandonando para ir morar em Miami. Mariana se vê sozinha, sem emprego, com dois filhos pra criar e sem direito algum em um País que, a bem da verdade, preferiria que pessoas como Mariana não estivessem ali.
A dor, inicialmente gera um certo estado de letargia por parte da protagonista, ainda que não demore para que ela vá a luta. A tentativa de vender calzones em meio a uma multidão de nova-iorquinos, que a ignoram (e se afastam) como se ela fosse portadora de uma grave doença contagiosa, resultam em sequências de cortar o coração. Tudo com os filhos a tiracolo, loucos de fome, se sede, de frio e de calor. A situação piora quando o senhorio a despeja por falta de pagamento do aluguel e Mariana passa a ter de viver na rua, fazendo em muito lembrar a situação vivida pelo personagem de Will Smith, no tocante A Procura da Felicidade. Mas, é preciso que se diga, há um naturalismo nos gestos, nunca forçados, que faz com que o espectador se afeiçoe daquele trio que nunca desiste.
O fato de o filme jamais se preocupar em explicar os motivos pelos quais o marido teria abandonado Mariana, são capazes de gerar uma sensação ainda maior de isolamento. O único amigo latino das redondezas, Alejo (Eddie Martinez), assim como a protagonista, também não consegue sucesso nos contatos telefônicos com o agora ex. Mariana perambula pela cidade atrás de trabalho, até encontrar na venda de latinhas de refrigerante uma alternativa para levantar qualquer grana. O seu esforço, bem como as pequenas compensações geradas por ele - poder comprar um salgadinho para matar a vontade dos filhos, ou mesmo levá-los ao cinema -, fazem com que o sorriso volte ao rosto da jovem mãe. Situação que faz lembrar outra película sul-americana - já muito citada por aqui -, o imperdível O Banheiro do Papa.
Ainda que seja dolorosa praticamente do início ao fim, a obra mantém um certo otimismo, seja nos gestos afetivos da mãe para com os filhos, muitas vezes retribuídos, seja no encontro com companheiros de colheita de latas ou outros amigos que lhe servem de "fornecedores". Fazendo amizades aqui e ali, acreditando firmemente que a sua situação possa mudar pelo esforço, pelo trabalho, pela simplicidade e humildade, pela luta diária, Mariana construirá uma daquelas trajetórias que nem os maiores filmes de Hollywood são capazes de apresentar em suas pomposas obras de ficção, recheadas de efeitos especiais. Os letreiros finais, tão realistas quanto os do começo do filme, farão arrepiar até o mais sisudo dos cinéfilos. Que terminará invariavelmente a sessão com um sorriso no rosto. Salve o cinema independente.
O Blur - uma das bandas mais legais do planeta, diga-se - lançou, recentemente, um simpaticíssimo videoclipe para a canção Ong Ong, presente no disco The Magic Whip, mais recente lançamento do grupo comandado por Damon Albarn. O vídeo é uma espécie de homenagem aos videogames de oito bits do final dos anos 80 - tipo o Master System ou o Nintendinho - com um herói enfrentando uma série de "vilões" até reencontrar a sua amada. Qualquer semelhança com as aventuras vividas por um certo encanador muito famoso, não é coincidência! Clica e confere!
Lembro como se fosse hoje de um exercício proposto pelo professor Fábio Steyer - aliás, já vi ele dando pitaco aqui no blogue, sendo sempre muito bem-vindo -, em meio a disciplina de História do Cinema, lá no longínquo ano de 2004, no curso de Jornalismo da Univates. Nosso objetivo era analisar de que maneira a trilha sonora de um filme poderia tornar uma cena ou sequência ainda mais poderosa ou impactante, indo para muito além do apelo estritamente visual da película. O filme escolhido para o trabalho não poderia ser outro que não Psicose, do mestre do suspense Alfred Hitchcock. Mais especificamente a fatídica cena do chuveiro.
Inicialmente, assistimos a cena sem trilha sonora. Engraçado como o silêncio, apenas acossado por um ou outro barulho externo de conversa de alunos ou mesmo de carros trafegando, de fato parecia tornar a cruel morte da personagem Marion (Janet Leigh) um pouco menos monstruosa, com o seu visual em preto e branco, cortes frenéticos e sangue de chocolate. No momento seguinte vimos a mesmo cena com som. E com o som quase no máximo! Juro que teve marmanjo saindo da sala para ir ao banheiro, em meio ao exercício. Brincadeiras a parte, qualquer fã de cinema sabe que a trilha sonora concebida pelo maestro Bernard Hermann é uma das mais conhecidas, imitadas, parodiadas e homenageadas da história da sétima arte. O que não é pouco, em um universo de tantas películas com composições inesquecíveis.
Hermann não era nenhum novato quando compôs a trilha sonora para Psicose. Já havia até ganho um Oscar em 1941 pelo seu trabalho na comédia O Homem que Vendeu a Alma, além de ter recebido indicações por outras películas, como Cidadão Kane. Aliás, assim como no caso de Hitchcock, Hermann era tradicional colaborador do diretor Orson Welles. Mas se tu perguntar pra qualquer cinéfilo, até mesmo para aqueles mais engajados, sobre a trilha de Cidadão Kane, poucos conseguirão entoar as notas que a compunham ou lembrar sobre a sua sonoridade. O mesmo desafio proposto sobre a trilha de Psicose e até aqueles que não são lá muito de cinema, serão capazes de reproduzir as estridentes notas, com direito a air knife (isso existe?) pra acompanhar a encenação.
Evidentemente que uma trilha sonora não é composta apenas por um ou outro número e quem já escutou a trilha toda, num exercício a parte, sabe que Psicose possui quase 40 temas. Com o uso de violino na maioria de seus "pedaços", o compositor equilibra bem momentos mais agitados, como os que envolvem perseguições ou mesmo cenas nas escadarias do hotel, com outros incrivelmente tenros, como os que envolvem as interações entre Marion e Norman Bates (Anthony Perkins) ou as cenas nos quartos e salas do hotel. Ainda que, no fundo, um ouvido mais atento perceba que até os momentos singelos parecem guardar uma tensão permanente que contribui para criar a aura do filme. E que explodirá no eco estridente da trilha sonora da sequência do chuveiro, que funciona com um grito que não foi dado, um lamento não proferido e o pavor penetrante, tal qual o de cada guinchada dada pelo vilão da trama e que a poderosa trilha parece emular num eco sonoro brilhante, a cada movimento.
Hitchcock fez muitos outros filmes (talvez) mais significativos para a história do cinema do que Psicose. Os críticos costumam citar Um Corpo que Cai, Intriga Internacional e Janela Indiscreta como alguns de seus momentos altos. Eu, além desses, particularmente gosto de demais de Pacto Sinistro (indico sempre), Pavor nos Bastidores, A Tortura do Silêncio, A Dama Oculta, Disque M Para Matar e Festim Diabólico. Isso só pra citar alguns! Mas foi com Psicose, com seu modelo arrojado, seu final surpreendente - hoje um padrão no cinema do gênero -, seus personagens misteriosos e marcantes, que Hitchcock alcançou um outro patamar, especialmente na sua relação com o público. E a tenebrosa cena do chuveiro, com seus poucos segundos que mais parecem uma eternidade, banhada pelos gritos secos do violino de Hermann, certamente tem parte nisso. NI NI NI!!!
De: Neill Blomkamp. Com Sharlto Copley, Sigourney Weaver, Dev Patel e Hugh Jackman. Ficção Científica / Ação / Comédia, EUA / México, 2015, 120 minutos.
As intenções do diretor sul-africano Neill Blomkamp, não se pode negar, costumam ser as melhores possíveis. Por meio de seu cinema de estilo bastante particular, costuma versar sobre problemas sociais diversos que vão desde o preconceito racial, passando pela xenofobia, até a opressão contra as minorias. Algo que pode ser visto nos anteriores (e ótimos) Distrito 9 - que chegou a receber uma justa indicação a Melhor Filme no Oscar de 2010 - e Elysium, que tinha, entre os atrativos, a presença dos brasileiros Wagner Moura e Alice Braga, em meio ao elenco hollywoodiano capitaneado pelo astro Matt Damon. Ocorre que em Chappie (Chappie), mais recente lançamento do diretor, que agora chega agora em DVD, a mensagem - se ela que ela existe - acaba se perdendo em meio a uma maçaroca cinematográfica capaz de misturar obras como Mad Max e Inteligência Artificial.
Adotando um estilo documental, muito semelhante aquele já visto em Distrito 9, a película começa dando conta dos assustadores índices de violência da cidade de Johannesburgo, e com a polícia local batendo cabeça para tentar conter os cerca de 300 assassinatos que ocorrem, diariamente. Como forma de resolver o problema - e consequentemente diminuir o número de mortes de civis e de militares - o Governo local resolve substituir a polícia humana por uma frota de robôs super resistentes, dotados de inteligência artificial. A coisa vai funcionando bem, até que o cientista que desenvolveu os tais robôs, o doutor Deon (vivído de forma quase caricata pelo ator indiano Dev Patel), resolve que ele tem que inserir emoções humanas nos robôs, como forma de qualificar o seu projeto. Sim, por que se não tivesse alguma viagem do tipo, não teria propósito de a obra existir.
Após ter a sua solicitação negada pela diretora da empresa em que trabalha (interpretada pela atriz Sigourney Weaver, no piloto automático), Deon resolve "sequestrar" um dos robôs que seria descartado, após este ter sofrido avarias. É nele que o cientista resolve testar o seu modelo, entrando em ação o Chappie (Sharlto Copley, o ator favorito de Blomkamp) do título, um robô capaz de raciocinar e aprender coisas por conta própria. Só que, em meio a tudo isso, Chappie é sequestrado por um grupo de ladrões - que mais parece um bando de extras do Mad Max, com figurinos e cabelos ainda mais esquisitos - que precisa assaltar um banco para não terem as suas cabeças a prêmio, por conta de dívidas com um traficante local. É com essa turminha "da pesada", que o robô aprendiz vai começar a entender as coisas boas (e más) da vida.
O que a obra tem de melhor, sem dúvida, são os seus cenários - especialmente a fábrica abandonada onde "residem" os bandidos Ninja e Yo-Landi, com seu estilo retrô-futurista e de elementos cyberpunk, que mais parecem saídos de algum romance do escritor William Gibson. Só que, ao não se decidir sobre o estilo adotado - seria uma ficção? Ou uma comédia? Ou um filme de ação? - Blomkamp dilui as suas muitas ideias, tornando o resultado ainda mais raso, ao tomar como modelo a lógica norte-americana da guerra pela guerra, com Chappie funcionando como uma ilha de candura em meio a brutalidade do homem. Também sem fazer com que tenhamos empatia por qualquer das personagens vistas na tela, o diretor ainda torna o aprendizado de Chappie algo um tanto maniqueísta e de lógica difusa. Como compreender tudo o que ocorre ao seu redor de forma tão rápida? Ao querer abraçar tudo ao mesmo tempo, o diretor consegue fazer uma obra apenas média, que, pra piorar, ainda parece ignorar aquilo que de mais forte possui o seu cinema: a denúncia social, que acaba diluída em meio a bagunça desenfreada.
Poucos artistas modernos tem um estilo tão característico quanto o do cantor, multi-instrumentista, compositor e produtor Mac DeMarco. Uma nota, no melhor estilo do finado Qual é a Música?, parece ser o suficiente para identificamos todos os aspectos relacionados à obra do músico. Pra quem não está familiarizado com o canadense, que agora chega ao terceiro álbum, intitulado Another One, ele faz lembrar bastante o Pavement, mas se o Stephen Malkmus tivesse ido para o litoral, num fim de tarde, versar sobre desilusões amorosas diversas e sobre a melancolia de se ver a mulher de sua vida parar nas mãos de outro. Tudo com uma guitarra com o máximo que distorção, que se sobressai sobre uma base instrumental extremamente econômica, mas não menos impactante em seu propósito.
DeMarco é um cara simples em todos os aspectos e já tinha mostrado isso nos seus dois trabalhos anteriores - os ótimos 2 (2012) e Salad Days (2014). Seus clipes são toscos, seu comportamento é um tanto errático e a sua imagem mais parece a daquele magrão desleixado, com os cabelos sempre bagunçados que, na época do colégio, só queria saber de fumar maconha e curtir a vida numa buena, enquanto compõe e canta para os amigos. E o mais incrível: o clima que ele constrói em cada um dos seus trabalhos, repletos de uma leveza quase idílica, é plenamente capaz de acomodar o ouvinte em um amálgama de sonoridades familiares, em muitos aspectos próximas daquilo que se fazia nos anos 80, mas ainda assim cheia de personalidade e luz própria. O que não é pouco, é preciso que se diga.
Se os dois discos anteriores já eram econômicos e objetivos em seu propósito, neste, DeMarco supera a barreira da coesão, ao entregar um álbum com apenas oito faixas e pouco mais de 23 minutos de duração. Algo que não chega a surpreender, uma vez que, cada uma de suas canções, por mais efêmeras que possam parecer em seu conteúdo, encontram-se claramente condicionadas a um tempo em que tudo é muito rápido não apenas na vida, mas também no trabalho, no dia a dia, nos relacionamentos. Sendo o artista, no fim, uma espécie de catalisador para alguma calmaria ou reflexão. Will she / Love me again tomorrow? / I don't know / Don't think so lamenta um inseguro cantor na singela Without Me. Mesmo sentimento que permeia a faixa título: And though she says she does / And hasn't lost your trust / Who could that be / Knocking at her door?.
Nesse sentido, ainda que Another One represente um registro menor dentro do pequeno repertório do artista, é interessante notar que DeMarco parece, a cada novo lançamento, dialogar com uma parcela ainda maior de público. Por mais que, evidentemente, um álbum como esse não tenha, definitivamente, essa intenção. É daqueles mistérios do mundo da música que talvez esteja relacionado a algum tipo de identificação com o sujeito, suas letras, sua simplicidade.Afinal, numa reflexão simples, talvez muita gente quisesse ser o Muse, mas, mais fácil ser alguma outra coisa dentro de uma lógica de alcance universal. Mais acessível talvez. Sem complicações. Algo que o artista, com sua música repleta de lamentos litorâneos e recheados de alguma maresia melancólica, tem conseguido com louvor.
Para aqueles que não estão ligados, a multinacional americana Monsanto é a líder mundial na produção do herbicida glifosato que, sob o nome comercial de Roundup, promete matar todo e qualquer tipo de praga que possa prejudicar a produção de sementes como trigo, soja, feijão, milho, aveia, cevada, entre outros. Não contente, a mesma empresa desenvolveu sementes geneticamente modificadas, mais resistentes ao uso do próprio glifosato. E ainda forçou os agricultores, indiretamente, a utilizar o tal "defensivo" em praticamente todas as etapas do processo, o que garantiria um cultivo mais rápido e em maior volume. Um verdadeira maravilha da ciência moderna, não? Sim, não fosse um pequeno detalhe. Estudos têm mostrado que o tal glifosato, se utilizado em excesso, pode causar mais de duas dezenas de assombrosas doenças, entre elas Mal de Alzheimer, autismo, cânceres de todo o tipo, esclerose múltipla, depressão, linfoma, doença cardíaca e Mal de Parkinson.
Sim, fica parecendo aquela canção dos Titãs, O Pulso, mas é apenas a lista de malefícios causados por um produto que, pasmem, tem seu uso permitido no Brasil e está em nossas mesas todos os dias, em praticamente tudo o que comemos. Aliás, no Rio Grande do Sul, a situação chega a ser pior, já que somos o Estado da Federação que mais consome agrotóxicos, chegando a impressionantes 8,3 litros ao ano, no total. OITO VÍRGULA TRÊS LITROS de agrotóxicos NO LOMBO, ao ano. Excesso ocasionado por uma série de fatores, que vão desde o manejo inadequado de agro-químicos, passando pela ambição de vendedores que só pretendem o lucro, até chegar na total falta de informação em todos as partes da cadeia. Algo que, ao que me parece, pouca gente está preocupada, já que projetos de Lei como esse, passam completamente batidos pelos tais grupos que protestam contra os problemas da nação.
Bom, passemos da parte científica (que, vamos combinar, entendo pouquíssimo), para aquilo que realmente interessa - e que finjo saber um pouco mais. Do Neil Young pode-se falar o que se quiser: que, aos 69 anos, a sua voz já não tem a potência de outrora, chegando a desafinar em alguns momentos. Ou mesmo que suas canções não tem mais a pegada country / roqueira dos insuperáveis discos de outrora, casos de After the Gold Rush, Harvest Moon, Zuma, On the Beach, Comes A Time (o meu favorito!) ou Tonight is the Night, chegando a soar um tanto anacrônicas. Agora, acomodado, ele efetivamente não é. Não à toa, lançou três álbuns do ano passado pra cá: A Letter Home, Storytone e, o mais recente, chamado The Monsanto Years que, como o título indica, pretende chamar a atenção para as atrocidades descritas nos parágrafos acima.
Young se cerca da banda Promise Of the Real, dos filhos do cantor country Wille Nelson, Lukas e Micah Nelson, o que garante a qualidade nas levadas country de cada uma das nove composições do artista canadense. Mas o destaque mesmo são as letras que protestam contra o caráter opressor da multinacional, especialmente no que se refere a sua relação com os pequenos produtores. When these seeds rise they're ready for the pesticide / And Roundup comes and brings the poison tide of Monsanto, Monsanto, entoa Young na melancólica canção que dá nome ao disco. Mesmo nos momentos mais aparentemente ensolarados, caso de People Want to Hear About Love, o artista brada: Don't talk about the beautiful fish in the deep blue sea, dyin' [...] Don't talk about the corporations hijacking all your rights / People want to hear about love, o artista não deixa de versar com veemência sobre o tema.Young pode até estar perto da tão sonhada aposentadoria vivendo no campo. Mas antes deseja que esse mesmo campo esteja LIMPO. O recado está dado.
O astro Bradley Cooper - dos filmes O Lado Bom da Vida, Trapaça e Sniper Americano - tinha apenas 26 anos quando participou do filme besteirol Mais Um Verão Americano, em 2001. Em início de carreira, ele havia tido apenas participações especiais em episódios de séries como The $treet e Sex and the City. Nada muito expressivo. Na verdade Mais Um Verão Americano era seu primeiro longa e, é preciso que se diga, ele estava muito longe de se tornar a estrela de hoje, um dos atores mais bem cotados em Hollywood, com três nominações ao Oscar, justamente pelas películas aqui citadas anteriormente. Sequer o tão falado (e divertido) Se Beber Não Case! estava no horizonte - o filme de Phil Wenneck aportaria nas telonas apenas no ano de 2009.
Bom, e você deve estar se perguntando o por quê de todo esse falatório em relação ao ator americano. É simples: o astro é um dos destaques da recém lançada série - que está disponível desde a semana passada na plataforma de streaming Netflix - Wet Hot American Summer: First Day of Camp, que retoma boa parte da equipe do acampamento Firewood (e do elenco!), vista naquele filme, para novas e absurdas aventuras. E se tem algo que importa de fato nessa série em oito episódios é ver um monte de artistas com carreiras consolidadas - Cooper entre eles - se envolvendo nas mais absurdas situações, em um roteiro que é o mais puro besteirol no estilo Saturday Night Live. Além de Cooper, estão no elenco Janeane Garofalo, Paul Rudd, Amy Poehler, Elizabeth Banks, David Hyde Pierce e Molly Shanon, entre outros.
Pra quem não se lembra - ou mesmo não viu o filme - a história se passa no verão de 1981, quando um grupo de adolescentes vai para um acampamento sob a supervisão de Beth (Garofalo). Com o encontro chegando ao fim, os jovens decidem aproveitar ao máximo o que ainda resta da estada, não sem antes esclarecer romances mal resolvidos e solucionar pendências que envolvem amizades, crescimento e superação de medos. Sim, o enredo parece sério, mas tudo não passa de uma grande sátira a filmes adolescentes dos anos 80, como Porky's, Curtindo a Vida Adoidado e Clube dos Cinco. Só que tudo feito com o máximo de exagero, com penteados cafonas (assim como essa palavra, diga-se!), figurino brega, frases de efeito, músicas de gosto duvidoso e situações absurdas que, muitas vezes eram levadas ao extremo, nas leves comédias que passavam na Sessão da Tarde.
A série retoma essa ideia, mas amplia seu espectro, gerando inúmeras situações absurdas e sem noção e que, eventualmente, quase fazem lembrar os melhores esquetes de Monty Phyton. Nesse sentido, para curtir cada um dos episódios, é fundamental não levar o programa a sério, por mais que, no fundo, ainda haja tempo para uma trama que envolva conspiração governamental, disputas de poder e problemas ambientais que resultarão em engraçadíssimas cenas de tribunal. As sequências envolvendo uma jornalista, um músico em depressão, uma "gangue rival", problemas da adolescência e um show de calouros, garantirão muitas risadas! Gostando ou não do filme de 2001, que mais tarde teria a sua fórmula de paródia repetida quase a exaustão, o fato é que vale muito a pena ver Rudd, Cooper, Poehler e companhia claramente se divertindo, em cada episódio. Não à toa, cada um deles topou a empreitada de levar de volta as telas um filme que era apenas médio, agora no formato de um longa. E ainda conseguiram levar consigo outros tantos atores em pontas e participações especiais inacreditáveis. Não vou mentir: os oito episódios deixaram vontade de mais. Que venha a segunda temporada!
De: Pete Docter. Com Amy Poehler, Bill Hader, Mindy Kaling, Lewis Black e Diane Lane. Animação / Comédia, EUA, 2015, 94 minutos.
Já faz algum tempo que impera a ideia de que animação não é produto exclusivo para as crianças. E a Pixar também tem parte nesse processo. É só puxar pela memória: uma obra-prima como Wall-E, de 2008, não era apenas a história de um robozinho solitário que se enamora de uma moderna robô. Também era um filme que apresentava um futuro distópico, consequência do consumismo desenfreado e do pouco cuidado com a natureza no nosso planeta. Já Up - Altas Aventuras, falava sobre perseverança e sobre a importância de se acreditar na concretização de sonhos. Ainda que nas aparências fosse apenas a história de um idoso e de seu grupo peculiar de amigos que vivem grandes aventuras (Sessão da Tarde?). Os exemplos são vários e filmes como Toy Story, Ratatouille e Procurando Nemo também estão cheias de mensagens voltadas a adultos e crianças.
Com o recém lançado Divertida Mente (Inside Out) não é diferente. Na trama somos apresentados a uma simpática menina de 11 anos chamada Riley, que mora no Minessota com os pais. Riley, como qualquer pré-adolescente de sua idade, é feliz no local em que vive, rodeada pelos amigos, por bons momentos em família e por partidas de hóquei. Tudo se altera quando os pais resolvem se mudar para San Francisco, sendo ao mesmo tempo complicado e comovente o período de adaptação da menina. Mas o que ocorre do lado de fora da mente de Riley, a vida real, serve apenas como pano de fundo para aquilo que realmente importa: o que ocorre dentro de seu cérebro. É lá que convivem as emoções - Alegria, Medo, Raiva, Nojinho e Tristeza - sendo elas as responsáveis por formar as memórias, o caráter e a personalidade da jovem, desde os seus primeiros dias de vida.
Assim, falando, a ideia parece impossível. Ou mesmo impraticável! Mas não esqueça que estamos falando da Pixar, onde tudo parece realizável. A Alegria funciona como uma espécie de líder, que se esforça bastante para fazer com que a vida de Riley seja
sempre feliz - não à toa as principais emoções e que vão, ao final de um dia de "trabalho", para a memória permanente, são concebidas por ela. Entretanto, uma confusão na sala de controle faz com que a Alegria e a Tristeza sejam expelidas para fora do local. Agora, elas precisam
percorrer as várias ilhas existentes nos pensamentos de Riley para que
possam retornar à sala de controle - e, enquanto isto não acontece, a
vida da garota muda radicalmente. Especialmente pelo fato de, no comando, estarem agora as outras três emoções que tentam equilibrar as coisas, enquanto a vida da garota muda radicalmente.
A busca da Alegria e da Tristeza pelo caminho para "casa" rende momentos quase surrealistas, especialmente quando elas passam por outros setores, como os relacionados aos sonhos ou ao pensamento abstrato. Ou mesmo ao encontrar ideias e pensamentos já há muito esquecidos, como no caso do amigo imaginário Bing Bong. Da mesma forma, a transição entre cenários é fluída e nunca faz com que o espectador se perca, uma vez que Riley funciona não apenas como personagem, mas também como um curioso cenário. Com personagens divertidos e uma ideia maluca - mas executada de maneira altamente inventiva -, a obra ainda tem um ensinamento básico válido para todos nós: a de que todas as emoções têm importância na nossa vida, sendo capazes de nos fortalecer e de serem catalisadoras da formação enquanto sujeitos. O que não é pouco.