De: Heitor Dhália. Com Selton Mello, Paula Braun, Lourenço Mutarelli, Xico Sá, Silvia Lourenço e Milhem Cortaz. Drama, Brasil, 2006, 101 minutos.
Um dos personagens mais desprezíveis da história da literatura nacional - e do cinema. Assim podemos resumir o narcisista, niilista, egocêntrico e simplório Lourenço, encarnado por Selton Mello em O Cheiro do Ralo com uma naturalidade desconcertante. Esse é o tipo de sujeito que faz com que o espectador só consiga torcer contra e, por mais paradoxal que seja, esse é um elogio. O entorno desse anti-heroi é pornograficamente sem graça. Proprietário de uma espécie de casa de penhores, ocupa seus dias ordinários avaliando objetos e, adquirindo, aqui e ali e de acordo com a cara do interlocutor, aquilo que acredita ter algum valor. Se por um lado, despreza um homem que lhe oferta uma caneta de ouro, de outro considera interessante comprar um olho de vidro. O que adicionará uma pitada a mais de estranheza a essa narrativa putrefata dirigida por Heitor Dhália a partir do livro de mesmo nome, escrito por Lourenço Mutarelli.
Sombrio e cômico em igual medida, esse é aquele tipo de projeto que discute as relações de poder no capitalismo - e como o dinheiro pode determinar os rumos (ou não) dos acontecimentos. Frequentador assíduo de uma lanchonete vizinha, Lourenço meio que se apaixona (ou algo do tipo) pela garçonete do local (vivida por Paula Braun). Quer dizer, não é exatamente uma paixão. Ele está é encantado pela bunda dela, executando malabarismos para que possa enxergá-la em seus melhores ângulos. Só que, incapaz de sociabilizar com ela de maneira decente - um convite pra sair, que seja, um jantar, algo mais rotineiro - comenta com ela que "pagaria para ver a sua bunda". Para quem utiliza a exploração financeira (e mesmo as dificuldades decorrentes desse cenário) de forma perversa com os seus clientes e empilha objetos de forma desvairada, pagar para ver um traseiro poderia ser algo normalizado? Talvez. Mas o caso é que o episódio apenas evidencia a inaptidão social do protagonista.
E há ainda o ralo. E o cheiro. Como uma metáfora para uma existência que fede. Que exala um odor fétido, podre por todos os seus cantos - e nem é preciso ser um especialista em alegorias para captar essa. Em cada negociação, independente do cliente, seja homem ou mulher, Lourenço alertará para o cheiro ruim do ambiente. "É o ralo, o ralinho, ali do banheiro, que tá com problema". Ele parece ter vergonha da coisa toda, ainda que jamais se envergonhe de seu comportamento nauseabundo, arrogante, insensível, torpe. Como forma de tentar conter o problema chama um encanador que, pra surpresa dele, quer cobrar um bom valor pelo serviço. Que ele recusa. Tornando tudo ainda pior quando ele mesmo tenta resolver a questão com um método pouco usual: tampando o ralo com uma mistura de cimento. O que, de forma ainda mais simbólica, evidenciará a perda de controle sobre tudo.
Filmado com uma fotografia em tons pasteis que se somam a figurinos quadrados, o conjunto reforça o aspecto vulgar, rotineiro daquilo que acompanhamos. Não há muito escape, que não seja para a recepção do estabelecimento ou para idas eventuais à lancheria - sendo tudo meio claustrofóbico, limitado geograficamente. Orbitado por diversos personagens, especialmente clientes excêntricos - com suas esquisitices e julgamentos - o dia a dia de Lourenço é o da mais pura alienação (e não chega a surpreender que sua válvula de escape em busca do prazer seja o de pagar um caminhão de dinheiro para que uma jovem fique nua enquanto ele se masturba). Sim, o cinema de Dhália pode ser provocativo, ousado, daqueles que nos deixa meio desconfortáveis. Mas é inegável ver uma obra que examina de forma tão eficiente a condição humana em sua versão mais detestável.