quarta-feira, 14 de maio de 2025

Tesouros Cinéfilos - Reino Animal (Aminal Kingdom)

De David Michôd. Com James Fecheville, Jackie Weaver, Joel Edgerton, Guy Pearce e Ben Mendelsohn. Policial / Drama, Austrália, 2010, 112 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM SPOILERS]

Existe uma sequência bastante simbólica lá pela metade de Reino Animal (Animal Kingdom), em que o detetive Nathan Leckie (Guy Pearce) faz uma analogia entre a natureza e seus complexos ecossistemas e o ambiente de crime em que o jovem Joshua (James Frecheville) parece cada vez mais imerso. "Você sabe no que consistem as florestas?", questiona ele. "São árvores que estão aqui a milhares de anos e de insetos que morrerão em menos de um minuto. São estruturas gigantes e pequenos seres irritantes". Alegoricamente, o que Leckie tenta lembrar ao jovem é que certas partes sobrevivem porque são fortes. Ao passo que outras são fracas e dependerão das demais para sobreviver. "Você pode pensar que é forte por conta daqueles que estão no seu entorno. Mas a realidade é que você é fraco e foi protegido pelos fortes. Que, no momento, estão perdendo a sua força", completa o investigador.

Naquela altura do campeonato o filme dirigido por David Michôd - vencedor do Festival de Sundance, que completa 15 anos de lançamento em junho - já evoluiu bastante. E o fato é que a casa está começando a cair, definitivamente, para Pope Cody (Ben Mendelsohn), tio aloprado de Joshua, que está em permanente fuga da polícia por envolvimento com o tráfico de drogas e também para a matriarca Janine 'Smurf' Cody (Jacki Weaver), avó do rapaz. Na trágica história está uma trilha de sangue que levará à morte outros familiares, como Baz Brown (Joel Edgerton) e Craig Cody (Sullivan Stapleton). A polícia de Melbourne não parece estar com muita paciência e na incessante busca por alguma pista de Pope, que se esquiva aqui e ali sem dar muito na cara, a coisa vai complicar. Nesse ecossistema, não é demais lembrar: Joshua é um arbustinho em um cenário de sequoias. É um pequeno, protegido pelos grandes. Mas até quando?

 


 

O caso é que o jovem de apenas 17 anos chega meio que por acaso aquele contexto familiar sombrio, violento e de poucas perspectivas. Quando sua mãe morre de overdose ainda no começo do filme, ele se vê sozinho e, no desespero, resolve ligar para a vovó Smurf. Como uma idosa de modos excêntricos e que gosta de manter a prole próxima - o modo com que ela trata seus filhos, um bando de barbados de trinta e poucos ou quarenta anos, faria Freud se revirar no túmulo -, Smurf resolve trazer Joshua para perto. Para morar com ela. E, assim, tal qual o personagem de Sean Penn em O Pagamento Final (1993), que deseja de todas as formas fugir do universo do crime, o protagonista se vê inserido nesse submundo meio que sem querer querendo. Não parece haver muita escapatória nesse reino animalesco. Ainda que Leckie tente lembrá-lo, de forma quase comovente, que talvez aquele ambiente não seja pra ele.

Ao cabo, essa é uma experiência tensa e urgente, que permite ao espectador um mergulho meio que sem concessões nesse ambiente de assaltantes à mão armada, de gangues traficando cocaína, de golpes e de contragolpes. Andando pra lá e pra cá como a figura escamosa que coordena meio que tudo, Smurf é capaz de tratar cada um dos seus "bebês" como crianças em corpo de adulto, ao passo em que também ignora qualquer sentimento mais profundo frente ao luto inevitável. Os negócios são apenas os negócios e a família está ali para que tudo saia a contento. Ainda que nem sempre a coisa ocorra de forma satisfatória. Policiais corruptos, amigos cheios de contradições, advogados de índole questionável, violência que parece emergir de qualquer canto, inclusive de brigas de trânsito (ou de homens da lei decididos a resolver a coisa na marra). Nessa fauna em que só os maiores sobrevivem, talvez seja o caso de evitar a trocação. Pra evitar ser preso. Ou morrer. O que costuma ser o destino óbvio do peixe pequeno.

 

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