quarta-feira, 21 de maio de 2025

Novidades em Streaming - The Code

De: Eugene Kotlyarenko. Com Dasha Nekrasova, Peter Vack, Ivy Wolk e Vishwam Velandy. Comédia / Drama, EUA, 2024, 100 minutos.

"Certamente sairemos melhores da pandemia". Quantas vezes não ouvimos - ou mesmo falamos - frases parecidas com essa nos tempos de confinamento. Nos meses intermináveis em que nos trancamos em casa com medo de um vírus que parecia que ia matar todo o mundo, sem poder ter contato com o mundo real, o quanto não prometemos ser mais empáticos, menos individualistas, mais tolerantes? Sim, o mundo da covid-19 parece agora meio distante e, o que ficou? Medo, vigilância permanente, guerras, inteligência artificial, avanço da extrema direita, xenofobia, crises e mais crises - políticas, sociais, religiosas, culturais. Em certa altura do excêntrico The Code, que acaba de chegar à plataforma Mubi, a documentarista Celine (Dasha Nekrasova) explica ao seu namorado Jay (Peter Vack) que a ideia de fazer um filme sobre os tempos pandêmicos é mais simples do que parece: "em breve tudo isso aqui vai acabar e ninguém mais vai se lembrar de como era".

E, vamos combinar, a gente quase não lembra mais como que era. Usar máscara, evitar aglomerações, não compartilhar utensílios e alimentos. "O que aquele cara está fazendo de máscara dentro de um carro conversível?". Na câmera onipresente de Celine tudo parece ser matéria-prima para o documentário que ela está gravando. E que ela mesma pretende editar. Mas será que esse é, de fato, um filme sobre os tempos pandêmicos? Ou é mais um registro autobiográfico sobre uma relação que parece ruir? Com dois jovens bonitos que parecem não apenas incapazes de amar, mas também de transar. Em tempos em que diversos estudos evidenciam a incapacidade dos millennials de se conectarem, de estabelecerem relações sólidas, responsáveis do ponto de vista afetivo, poucas vezes uma obra será tão realista no exame dessa era turbulenta que vivemos - insana, urgente, intensa, febril e cronicamente online - do que nesse projeto de Eugene Kotlyarenko. 

 

 

E devo confessar a vocês que não é todas as vezes que dou play em projetos do tipo - desses metidos a moderninhos, que fazem sucesso em festivais alternativos, como o de Sundance -, sem dar uma boa torcida de nariz. Mas há algo envolvente aqui, que conecta o público, por mais que a realidade apresentada pareça meio distante. Na trama, estamos em março de 2021 e Celine e Jay alugam uma casa no Airbnb para tentar se reconectar de alguma maneira. "Não lembro a última vez em que fiz sexo com a minha namorada" comenta Jay em uma gravação que deve virar conteúdo ali adiante. Talvez um viral. Assim como parece ser a série de vídeos para o Tik Tok criados por Celine em que ela aparece em edições extremamente dinâmicas amassando comprimidos de Viagra, que ela misturará com o almoço pra ver se as coisas se movimentam um pouco. Talvez movimentem. Ainda que, se tudo for forçadamente filmado, a coisa possa soar um tanto fake. E a graça se perde.

Com uma montagem ágil e tecnicamente impecável que se utiliza de todo e qualquer equipamento capaz de filmar, o filme de Kotlyarenko, que parte de uma citação de Orson Welles para enveredar pra um comentário metalinguístico que se estenderá por toda a narrativa, funciona como uma grande colagem de fragmentos em que temas, como, solidão, problemas sexuais, pornografia, onipresença de aplicativos, criptomoedas, medo do cancelamento, autoestima hétero, ausência de privacidade e incelismo cultural se descortinam de forma intensa, alternando momentos ágeis, com outros mais contemplativos. Em geral, a chance de perdermos algum detalhe pode ser real naquele universo caótico que nos bombardeia de informações e que também é coabitado por um excêntrico host de nome Parthik (Vishwam Velandy) que se junta à prima de Celine, Colette (uma ótima Ivy Wolk), que surge para subverter a lógica da existência millennial (em geral frustrada, melancólica e sem perspectivas). Ainda assim o que fica é o caráter cômico da performance permanente na modernidade, em que a hipervigilância parece servir pra mascarar a paranoia e a completa falta de autoestima. Um achado.

Nota: 8,0

 

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