Acho que já falei isso mais de uma vez aqui nas resenhas: muitas vezes a gente fica buscando grandes interpretações nos filmes que assistimos, quando o melhor mesmo é viver a experiência e curtir. Sentir o que a obra está te passando. De que maneira ela mexe contigo. Mesmo que aquilo que vemos não seja óbvio ou escancarado na nossa cara. A lindíssima animação francesa Perdi Meu Corpo (J'ai Perdu Mon Corps) talvez seja uma obra sobre perdas. Sobre a busca tão demasiadamente humana pela felicidade. Sobre seguir em frente após algum tipo de experiência traumática. Sobre dores que todos nós temos - e o mundo é cruel demais e temos de encará-lo todos os dias, no final das contas. Enfim, ela é uma dessas obras nem sempre fácil de ser digerida. Eventualmente amarga. Com uma trilha sonora absurdamente envolvente, daquelas que fica na nossa cabeça assim que sobem os créditos, em meio a nossa tentativa de dar sentido ao que vimos. E que, como eu disse, talvez nem sempre careça de sentido.
A história é narrada em duas partes distintas. Em uma delas, uma mão decepada (sim) foge de um laboratório de dissecação e enfrenta uma série de perigos pela cidade, na busca por encontrar seu corpo original. Em outro segmento, somos apresentados ao jovem Naoufel (Hakim Faris), um entregador de pizzas de vida nada fácil que, em meio a uma noite de merda no trabalho, acaba "conhecendo" (vocês compreenderão as aspas quando assistirem) a jovem Gabrielle (Victore Du Bois). Bom, ele fica verdadeiramente obcecado pela garota, se oferecendo para trabalhar na antiga marcenaria mantida pelo tio dela - o que seria uma forma de manter a proximidade. Em uma terceira e última parte assistimos a uma série de flashbacks da juventude de Naoufel, de sua relação com os amorosos pais e sobre como uma tragédia mudou a sua vida para sempre.
Essas três narrativas em algum momento irão se encontrar, em uma obra que é puro lirismo e sensibilidade. Há metáforas espalhadas por todo o canto da história e a presença persistente de uma mosca, pode ser a chave para explicações relacionadas ao nosso destino - e sobre como podemos fazer para tentar dribla-lo. Nem tudo é fácil de compreender, como já dito, mas as pistas espalhadas aqui e ali nos levam a refletir sobre culpa, insegurança e medos, com a mão cortada recebendo um significado maior no terço final da história. Bom o próprio diretor Jéremy Clapin afirmou em entrevistas à imprensa que o filme é um conto de fadas moderno e urbano sobre destino e resiliência. "Ele nos diz que, para mudarmos as coisas, devemos nos surpreender, ousar fazer algo diferente o que nos afastaria do óbvio, do comum", explicou. É o caso de Naoufel, que parece estar o tempo todo nesta busca "libertadora", que lhe retire das amarras do destino.
A obra tem um traço um pouco mais duro, cheio de contrastes entre o claro e o escuro e, definitivamente, trata-se de uma animação adulta. A grande quantidade de imagens de mãos pegando, tocando, encostando em pessoas e objetos dá um sentido menos figurado para a expressão "perder a mão". Mas isso é o menos importante. Naoufel queria ser pianista. Queria ser astronauta. Se tornou motoboy, mudou de emprego. Conheceu uma garota. Seguiu tentando. Pensou em algo diferente. Inusitado. E talvez só tenha conseguido se livrar daquilo que lhe previa o destino, quando agiu na intenção de fugir desse. Perdi meu Corpo foi indicado ao Oscar na categoria Melhor Animação e já faturou uma série de prêmios internacionais - entre eles o da crítica de Los Angeles em sua categoria. Se isto o credencia para voos maiores para a mais cobiçada estatueta do cinema? É aguardar pra ver. Ano passado Homem Aranha no Aranhaverso fez essa dobradinha. Não surpreenderia.
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