Há sempre um desejo profundo escondido nos melhores sonhos e nas mais
delirantes fantasias de sua alma. Dedicar-se a um instrumento, cuidar
melhor da saúde, ter independência financeira, viajar pelo mundo, manter
um cronograma comprometido de estudos ou até mesmo escrever um livro. É
um enredo bastante comum e muito particular, a insatisfação com a
realidade faz com que busquemos aquilo que um dia foi, ou continua
sendo, nossa grande paixão. Contudo, acabamos esbarrando nos problemas
mais comuns de uma vida ordinária, não temos tempo, não temos dinheiro,
não temos algum conhecimento prévio necessário e, acima de tudo, não
temos coragem para mudar ou reorganizar a rotina.
O
cinema é uma fábrica redentora de desejos frustrados. Quase sempre os
mais clichês possíveis, como o músico que sonha em ser um rock/pop star e
é descoberto pelo produtor que passa pelas acinzentadas ruas de
Londres, o artista plástico incompreendido pelo vulgo que é um sucesso
depois de morto, o mochileiro solitário em busca de autoconhecimento
(sempre na europa, afinal somente lá podemos encontrar a verdadeira
cultura e filosofia) que vivencia o amor da sua vida e, claro, o ávido
leitor classe média que sonha em escrever um clássico da literatura
universal. Confesso que, sendo professor de literatura e produtor de
conteúdo dedicado aos livros, muitas vezes me vi fantasiando uma grande
palestra ou uma sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre,
ao lado de grandes mestres da estirpe de Charles Kiefer, Luis Fernando
Veríssimo, Milton Hatoum e Altair Martins, para ficar apenas nas
“possibilidades reais” da vida. Enquanto isso, aqueles contos e poemas
inacabados que - talvez - um dia se convertam em uma edição continuam
escondidos e muito bem guardados nas gavetas virtuais do computador.
É comum desejarmos o nosso “Meia-Noite em Paris” particular, aquele
momento em que os astros e os signos se alinham e o universo conspira
para nossa felicidade, nos presenteando com as respostas mais
reveladoras e com os mais didáticos acontecimentos, uma espécie de vida
em modo tutorial, tão fácil, tão simples….e totalmente irreal. O filme
de Woody Allen, ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Original em 2012, é
belíssimo ao apresentar a romântica, atual e nostálgica, Paris que,
convenhamos, é cenário perfeito para qualquer obra, seja na rua, na
chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. Gil Pender (Owen Wilson) é um
roteirista de sucesso em busca de inspiração para finalizar o seu
romance e que, amarrado junto à família de sua noiva Inez (Rachel
McAdams), não consegue desenvolver sua escrita, não consegue encontrar a
sua voz. Sobra dinheiro, sobra tempo, sobra técnica, mas lhe falta
coragem. E nós, muito distantes do protagonista do filme, ficamos
frustrados quando reconhecemos que Hemingway em pessoa não vai nos dar
uma dica preciosa, nos mostrar uma técnica narrativa surpreendente.
Pensamos em desistir quando percebemos que Salvador Dalí não vai nos
convidar para saborear um bom vinho tinto e destilar toda sua
genialidade em nosso favor.
Deixo aqui as epifanias
hollywoodianas de lado para a necessidade de escrever o óbvio: as
respostas não estão na astrologia, no acaso ou em Paris. A inspiração
não é um objeto, mas um estado. Não é preciso sair em busca de um cálice
sagrado, ou melhor, saia, procure, mas atente ao percurso. Estamos
sempre tão focados em algum tipo de prêmio e esquecemos que o processo
mais revelador e surpreendente é permitir-se vivenciar as experiências,
liberando um espaço interno da nossa mente e coração. A vida real pode
ser a prática mais inspiradora possível e as respostas estão nas suas
dores, alegrias, vitórias e derrotas. Na teoria é bem mais fácil, há que
se admitir, mas você pode estar em Londres, Berlim, Budapeste, em Roma
ou Pequim, quase casado com a Rachel McAdams e ainda estar insatisfeito.
Jesse e Céline (Ethan Hawke e Julie Delpy) ou "o melhor casal da
história do cinema", em “Antes da Meia-Noite”, percebem que a realidade,
mesmo que dura, é melhor do que o mais improvável sonho de verão.
Imagine você que Viena, Paris, Nova Iorque e Atenas não foram o
bastante. A inspiração está em um táxi, em passeio durante a tarde, em
uma mesinha de bar, na própria relação, nos seus filhos, em uma música
ou em um filme de Woody Allen num sábado qualquer.
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terça-feira, 25 de agosto de 2020
terça-feira, 14 de janeiro de 2020
Novidades em DVD/Now - Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day In New York)
De: Woody Allen. Com Timothée Chalamet, Elle Fanning, Selena Gomez, Liev Schreiber, Jude Law, Diego Luna e Cherry Jones. Comédia / Drama, EUA, 2018, 92 minutos.
Eu não posso ser injusto com o Woody Allen: se ele faz um filme que, por uma hora e meia, me diverte de forma descompromissada, como vou falar mal? Como vou dizer que não gostei ou que é o mais do mesmo, por mais que... talvez seja realmente mais do mesmo? Pois o caso é que achei Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day In New York), mais uma obra adorável do diretor - e, sim, as portas estão abertas para vocês, caros leitores, iniciem o ranço (se assim desejarem). Na trama, tudo aquilo que a gente vê desde SEMPRE nos filmes de Allen: personagens neuróticas, relacionamentos amorosos complicados, trilha sonora com standards de jazz, cenários graciosos da Big Apple, toneladas de referências culturais que a gente identifica justamente porque não possuem nenhuma profundidade, excentricidades, idiossincrasias, enfim, busca da felicidade talvez. Especialmente em um mundo que não tem nenhuma lógica. Que é urgente e caótico. Assim como é uma grande metrópole.
O que tem diferente? Bom, talvez o fato de este filme acenar com um pouco mais de força para os millenials da classe média, com seus white people problems, relacionamentos líquidos (Bauman já virou um clichê, aliás) e formas excêntricas de (tentar) ganhar dinheiro. Bem nascido, o protagonista Gatsby (Timothée Chalamet) estuda em uma renomada e bucólica faculdade de artes, enquanto utiliza suas habilidades no pôquer para faturar uma boa grana - ele ganhou US$ 20 mil em um torneio recente. A sua namorada é a jovem Ashleigh (Elle Fanning), estudante de jornalismo da mesma Instituição, que conseguiu marcar uma entrevista com o renomado diretor Roland Pollard (Liev Schreiber), que está finalizando um novo filme em Nova York. Ambos pretendem aproveitar a passagem pela "cidade que nunca dorme", para curtirem um dia a dois. Ao menos era o que eles pretendiam... antes de se desencontrarem.
A meu ver o que o filme pretende (se é que pretende algo) é mostrar que a vida não é feita de começos, meio e fins bem definidos e tudo aquilo que a gente programa pode se modificar a qualquer momento. Claro, há um pouco de exagero nisso tudo, mas, especialmente em uma cidade como Nova York, não será impossível encontrar por acaso um astro do cinema como Francisco Vega (Diego Luna) ou se ver em meio a uma filmagem de um curta-metragem feito por um amigo e que tem a participação da irmã de uma ex-namorada da infância (vivida por Selena Gomez). Nem tudo é o que parece na vida e esse amontoado de pequenos e imprevisíveis recortes - que transformam esse "dia de chuva nova-iorquino" em uma série de fragmentos tortos, nem sempre exatos -, está aí para nos mostrar que, na atualidade, em um mundo tão urgente, tecnológico e individualista, devemos aproveitar ao máximo as nossas existências (muitas vezes tão mesquinhas e pequenas) para sermos felizes. Buscar a felicidade. Woody Allen falou sobre isso tantas vezes - no nostálgico Meia Noite em Paris (2011), no romântico Para Roma com Amor (2012). E sempre encontrar uma forma nova de fazer. E de nos divertir.
Com pouca inovação no que diz respeito ao estilo - há, aqui e ali, algum plano sequência melhor elaborado ou uma ou outra fotografia mais primaveril ou cinzenta para ressaltar um ou outro estado de espírito -, a obra se vale do roteiro leve cheio, de diálogos rápidos, cortantes e de situações inusitadas (como na "mini esquete" em que o irmão de Gatsby não suporta a risada de sua noiva), como uma de suas grandes forças. A revelação feita pela mãe de Gatsby (a sempre ótima Cherry Jones) quase ao final é um reforço das ideias gerais do "imprevisível como matéria-prima", que se espalham pela película, conferindo ao projeto um pouco mais força do que ele vinha tendo até então. Mas, de qualquer maneira, o objetivo de Allen sempre será se divertir com o inusitado - e nunca fazer um filme cabeçudo. Quer um exemplo? Na cena em que Ashleigh conhece Francisco Vega, ela afirma que a sua colega de quarto considera ele a melhor coisa que já surgiu desde a pílula do dia seguinte. Sério, eu não consigo ficar alheio a uma boa piada escrita por esse idoso de 84 anos.
Nota: 8,0
Eu não posso ser injusto com o Woody Allen: se ele faz um filme que, por uma hora e meia, me diverte de forma descompromissada, como vou falar mal? Como vou dizer que não gostei ou que é o mais do mesmo, por mais que... talvez seja realmente mais do mesmo? Pois o caso é que achei Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day In New York), mais uma obra adorável do diretor - e, sim, as portas estão abertas para vocês, caros leitores, iniciem o ranço (se assim desejarem). Na trama, tudo aquilo que a gente vê desde SEMPRE nos filmes de Allen: personagens neuróticas, relacionamentos amorosos complicados, trilha sonora com standards de jazz, cenários graciosos da Big Apple, toneladas de referências culturais que a gente identifica justamente porque não possuem nenhuma profundidade, excentricidades, idiossincrasias, enfim, busca da felicidade talvez. Especialmente em um mundo que não tem nenhuma lógica. Que é urgente e caótico. Assim como é uma grande metrópole.
O que tem diferente? Bom, talvez o fato de este filme acenar com um pouco mais de força para os millenials da classe média, com seus white people problems, relacionamentos líquidos (Bauman já virou um clichê, aliás) e formas excêntricas de (tentar) ganhar dinheiro. Bem nascido, o protagonista Gatsby (Timothée Chalamet) estuda em uma renomada e bucólica faculdade de artes, enquanto utiliza suas habilidades no pôquer para faturar uma boa grana - ele ganhou US$ 20 mil em um torneio recente. A sua namorada é a jovem Ashleigh (Elle Fanning), estudante de jornalismo da mesma Instituição, que conseguiu marcar uma entrevista com o renomado diretor Roland Pollard (Liev Schreiber), que está finalizando um novo filme em Nova York. Ambos pretendem aproveitar a passagem pela "cidade que nunca dorme", para curtirem um dia a dois. Ao menos era o que eles pretendiam... antes de se desencontrarem.
A meu ver o que o filme pretende (se é que pretende algo) é mostrar que a vida não é feita de começos, meio e fins bem definidos e tudo aquilo que a gente programa pode se modificar a qualquer momento. Claro, há um pouco de exagero nisso tudo, mas, especialmente em uma cidade como Nova York, não será impossível encontrar por acaso um astro do cinema como Francisco Vega (Diego Luna) ou se ver em meio a uma filmagem de um curta-metragem feito por um amigo e que tem a participação da irmã de uma ex-namorada da infância (vivida por Selena Gomez). Nem tudo é o que parece na vida e esse amontoado de pequenos e imprevisíveis recortes - que transformam esse "dia de chuva nova-iorquino" em uma série de fragmentos tortos, nem sempre exatos -, está aí para nos mostrar que, na atualidade, em um mundo tão urgente, tecnológico e individualista, devemos aproveitar ao máximo as nossas existências (muitas vezes tão mesquinhas e pequenas) para sermos felizes. Buscar a felicidade. Woody Allen falou sobre isso tantas vezes - no nostálgico Meia Noite em Paris (2011), no romântico Para Roma com Amor (2012). E sempre encontrar uma forma nova de fazer. E de nos divertir.
Com pouca inovação no que diz respeito ao estilo - há, aqui e ali, algum plano sequência melhor elaborado ou uma ou outra fotografia mais primaveril ou cinzenta para ressaltar um ou outro estado de espírito -, a obra se vale do roteiro leve cheio, de diálogos rápidos, cortantes e de situações inusitadas (como na "mini esquete" em que o irmão de Gatsby não suporta a risada de sua noiva), como uma de suas grandes forças. A revelação feita pela mãe de Gatsby (a sempre ótima Cherry Jones) quase ao final é um reforço das ideias gerais do "imprevisível como matéria-prima", que se espalham pela película, conferindo ao projeto um pouco mais força do que ele vinha tendo até então. Mas, de qualquer maneira, o objetivo de Allen sempre será se divertir com o inusitado - e nunca fazer um filme cabeçudo. Quer um exemplo? Na cena em que Ashleigh conhece Francisco Vega, ela afirma que a sua colega de quarto considera ele a melhor coisa que já surgiu desde a pílula do dia seguinte. Sério, eu não consigo ficar alheio a uma boa piada escrita por esse idoso de 84 anos.
Nota: 8,0
terça-feira, 2 de janeiro de 2018
Cinema - Roda Gigante (Wonder Wheel)
De: Woody Allen. Com Kate Winslet, James Belushi, Justin Timberlake e Juno Temple. Comédia dramática, EUA, 2017, 102 minutos.
Costumo dizer que os filmes do Woody Allen são mais ou menos como o cinema francês: mesmo os menos legais são bons de ver. Se Roda Gigante (Wonder Wheel) não chega a ser um um Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), um Zelig (1983) ou mesmo um Meia Noite em Paris (2011), por outro lado é uma experiência bacana e que tem nas interpretações uma de suas maiores forças. Especialmente a Kate Winslet que parece confirmar a cada filme, por menor que seja, a sua ampla capacidade para a concepção de personas as mais diversas. Na trama ela é Ginny, uma atriz frustrada que trabalha como garçonete em um parque de diversões localizado na praia de Coney Island, em Nova York. No segundo casamento - com o operados de carrossel Humpty (James Belushi) - ela ainda sonha com um "papel" que possa ser maior do que que aquele apresentado pela vida real, que bate a porta, a obriga a fazer a janta, cuidar do filho, entrega boletos e a esgota permanentemente.
Essa esperança por dias melhores ressurge quando entra em cena o salva-vidas Mickey (vivido de forma apaixonada por Justin Timberlake) - que, a propósito, é o narrador da história. Mickey sonha em ser poeta e escritor e conhece Ginny na praia, em um dia de chuva, ocasião em que a "salva". E, além de salvá-la, passa a ter um caso com ela. Tudo vai correndo mais ou menos bem nessa história de adultério até o momento em que ressurge na vida de Ginny e Humpty - que moram no parque em que trabalham - a jovem Carolina (Juno Temple), filha do primeiro casamento do personagem de Belushi. Não bastassem as ligações da jovem com a máfia italiana - motivo pelo qual ela foi renegada pelo pai na juventude - ela ainda viverá as turras com Ginny, situação que só piorará quando ela se mostrar extremamente empolgada por ter conhecido... Mickey! Sim, como em muitos dos filmes de Allen, as questões centrais envolvem relacionamentos e pessoas buscando a felicidade a partir deles.
É uma trama simples, mas ao mesmo tempo tempo cheia de nuances mostrando pessoas que, de alguma forma, tentam sair do lugar que estão mas sem conseguir - numa metáfora perfeita para a roda gigante que dá nome ao filme e que inicia a sua volta para, inevitavelmente, retornar para o mesmo lugar. Também é um filme escolhas e sobre como elas determinam aquilo que se seremos (ou poderíamos ter sido), em nossas vidas. São personagens inquietos e inseguros vivendo em um contexto que força uma ou outra reflexão. Como de praxe nas obras de Allen, além das citações literárias (aqui, em especial, à obra de Eugene O'Neill), a tradicional cartela de abertura, a trilha sonora de jazz, os diálogos bem-humorados e a quebra da "quarta parede" (dessa vez Timberlake é o alter-ego do diretor) fazem com que este se torne mais um genuíno exemplar da obra do nova-iorquino.
Passada nos anos 50, a película recria bem a cenografia e os figurinos da época, chamando a atenção também pelo grande número de "extras" - o que pode ser visto já na primeira cena do filme, ocasião em que um travelling nos apresenta a centenas de pessoas que curtem a praia (e isso que Allen é famoso por não gastar muito). Já a fotografia de Vittorio Storaro - que já havia trabalhado com o diretor no divertido Café Society (2017), seu filme anterior - é um show a parte. Utilizando-se cores vivas (e quase estouradas), o diretor de fotografia reforça o aspecto multicolorido de um parque de diversões para também utilizar as cores para mostrar o estado de espírito daqueles que vemos em cena. Reparem como mesmo em uma sequência noturna - cpmo aquela que mostra Ginny e Mickey transando à luz do luar no cais do porto - conta com uma paleta vibrante e de tons variados. O mesmo vale para a melancolia da personagem de Winslet, especialmente no terceiro ato, que é reforçada por uma paleta mais simples, ou mesmo de cores monocromáticas.
A propósito de Winslet, o show, no fim das contas é dela mesma - e não chega a surpreender a grande capacidade de Allen de criar mulheres fortes (e não por acaso, muitas atrizes, como Diane Keaton, Penelope Cruz e Cate Blanchett já faturaram o Oscar em "suas mãos). A atriz transforma Ginny em um poço de nervos capaz de, em questão de segundos, passar da euforia da paixão quase juvenil para a raiva profunda quando as coisas não saem como ela espera - como na cena em que ela presenteia Mickey com um relógio. Da mesma forma, não deixa de ser divertido o exercício metalinguístico como no caso em que a vemos "ensaiando" falas que seriam ditas ao salva-vidas e que soam quase artificiais, mesmo para quem se pretende ser atriz (e a nossa percepção dessas pequenas inflexões que a diferenciam, servem apenas para reforçar a qualidade da interpretação de Kate). [SPOILER ALERT] Mas, nesse sentido, nada supera aquilo que vemos no terço final quando, frustrada, Ginny se transforma em uma espécie de Norma Desmond - personagem mítica vivida por Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses (1950). Vociferando frases de forma verborrágica (e quase sem sentido) sobre como Mickey deveria amá-la ou não e sobre como agora seria tarde para ele ir atrás dela para tentar reconquistá-la, ela transforma a sequência quase em uma alucinação surrealista - pra não dizer filme de terror! E tudo isso com a maquiagem borrada que, somada ao caminhar desorientado, serve apenas para acentuar o seu (aparente) desequilíbrio psicológico. Uma verdadeira aula de interpretação.
Nota: 7,5
Costumo dizer que os filmes do Woody Allen são mais ou menos como o cinema francês: mesmo os menos legais são bons de ver. Se Roda Gigante (Wonder Wheel) não chega a ser um um Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), um Zelig (1983) ou mesmo um Meia Noite em Paris (2011), por outro lado é uma experiência bacana e que tem nas interpretações uma de suas maiores forças. Especialmente a Kate Winslet que parece confirmar a cada filme, por menor que seja, a sua ampla capacidade para a concepção de personas as mais diversas. Na trama ela é Ginny, uma atriz frustrada que trabalha como garçonete em um parque de diversões localizado na praia de Coney Island, em Nova York. No segundo casamento - com o operados de carrossel Humpty (James Belushi) - ela ainda sonha com um "papel" que possa ser maior do que que aquele apresentado pela vida real, que bate a porta, a obriga a fazer a janta, cuidar do filho, entrega boletos e a esgota permanentemente.
Essa esperança por dias melhores ressurge quando entra em cena o salva-vidas Mickey (vivido de forma apaixonada por Justin Timberlake) - que, a propósito, é o narrador da história. Mickey sonha em ser poeta e escritor e conhece Ginny na praia, em um dia de chuva, ocasião em que a "salva". E, além de salvá-la, passa a ter um caso com ela. Tudo vai correndo mais ou menos bem nessa história de adultério até o momento em que ressurge na vida de Ginny e Humpty - que moram no parque em que trabalham - a jovem Carolina (Juno Temple), filha do primeiro casamento do personagem de Belushi. Não bastassem as ligações da jovem com a máfia italiana - motivo pelo qual ela foi renegada pelo pai na juventude - ela ainda viverá as turras com Ginny, situação que só piorará quando ela se mostrar extremamente empolgada por ter conhecido... Mickey! Sim, como em muitos dos filmes de Allen, as questões centrais envolvem relacionamentos e pessoas buscando a felicidade a partir deles.
É uma trama simples, mas ao mesmo tempo tempo cheia de nuances mostrando pessoas que, de alguma forma, tentam sair do lugar que estão mas sem conseguir - numa metáfora perfeita para a roda gigante que dá nome ao filme e que inicia a sua volta para, inevitavelmente, retornar para o mesmo lugar. Também é um filme escolhas e sobre como elas determinam aquilo que se seremos (ou poderíamos ter sido), em nossas vidas. São personagens inquietos e inseguros vivendo em um contexto que força uma ou outra reflexão. Como de praxe nas obras de Allen, além das citações literárias (aqui, em especial, à obra de Eugene O'Neill), a tradicional cartela de abertura, a trilha sonora de jazz, os diálogos bem-humorados e a quebra da "quarta parede" (dessa vez Timberlake é o alter-ego do diretor) fazem com que este se torne mais um genuíno exemplar da obra do nova-iorquino.
Passada nos anos 50, a película recria bem a cenografia e os figurinos da época, chamando a atenção também pelo grande número de "extras" - o que pode ser visto já na primeira cena do filme, ocasião em que um travelling nos apresenta a centenas de pessoas que curtem a praia (e isso que Allen é famoso por não gastar muito). Já a fotografia de Vittorio Storaro - que já havia trabalhado com o diretor no divertido Café Society (2017), seu filme anterior - é um show a parte. Utilizando-se cores vivas (e quase estouradas), o diretor de fotografia reforça o aspecto multicolorido de um parque de diversões para também utilizar as cores para mostrar o estado de espírito daqueles que vemos em cena. Reparem como mesmo em uma sequência noturna - cpmo aquela que mostra Ginny e Mickey transando à luz do luar no cais do porto - conta com uma paleta vibrante e de tons variados. O mesmo vale para a melancolia da personagem de Winslet, especialmente no terceiro ato, que é reforçada por uma paleta mais simples, ou mesmo de cores monocromáticas.
A propósito de Winslet, o show, no fim das contas é dela mesma - e não chega a surpreender a grande capacidade de Allen de criar mulheres fortes (e não por acaso, muitas atrizes, como Diane Keaton, Penelope Cruz e Cate Blanchett já faturaram o Oscar em "suas mãos). A atriz transforma Ginny em um poço de nervos capaz de, em questão de segundos, passar da euforia da paixão quase juvenil para a raiva profunda quando as coisas não saem como ela espera - como na cena em que ela presenteia Mickey com um relógio. Da mesma forma, não deixa de ser divertido o exercício metalinguístico como no caso em que a vemos "ensaiando" falas que seriam ditas ao salva-vidas e que soam quase artificiais, mesmo para quem se pretende ser atriz (e a nossa percepção dessas pequenas inflexões que a diferenciam, servem apenas para reforçar a qualidade da interpretação de Kate). [SPOILER ALERT] Mas, nesse sentido, nada supera aquilo que vemos no terço final quando, frustrada, Ginny se transforma em uma espécie de Norma Desmond - personagem mítica vivida por Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses (1950). Vociferando frases de forma verborrágica (e quase sem sentido) sobre como Mickey deveria amá-la ou não e sobre como agora seria tarde para ele ir atrás dela para tentar reconquistá-la, ela transforma a sequência quase em uma alucinação surrealista - pra não dizer filme de terror! E tudo isso com a maquiagem borrada que, somada ao caminhar desorientado, serve apenas para acentuar o seu (aparente) desequilíbrio psicológico. Uma verdadeira aula de interpretação.
Nota: 7,5
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
Grandes Cenas do Cinema - Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall)
Filme: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa
Cena: Sujeito pedante encontra o escritor Marshall McLuhan
Quando lançou Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), em 1977, Woody Allen ainda representava uma refrescante novidade do cinema alternativo americano. Com apenas meia dúzia de filmes produzidos até aquele momento, o nova-iorquino, que vinha da escola das comédias de palco ao estilo stand up (hoje tão saturadas) adotava um estilo de humor muito mais escrachado e visual e que bebia da fonte de outros contemporâneos, caso do grupo britânico Monty Python. Não à toa, um olhar atento a obras como a deliciosa comédia A Última Noite de Boris Grushenko (1975) permitirá encontrar semelhanças na graça feita a moda das esquetes extravagantes que, de tão bobas, se tornam hilárias.
Foi com Noivo Neurótico... que o padrão mudou. Entrou em cena o protagonista excêntrico e neurótico (com o perdão da redundância), muitas vezes interpretado pelo próprio diretor. Um sujeito preocupado com temas como o medo da morte, preconceito judaico, conservadorismo exacerbado e inseguranças no que diz respeito a relacionamentos amorosos - e sobre sexo, claro. E, ainda, cheios de divagações sobre a condição humana, bem como os anseios, medos e angústias de um mundo em constante mudança. Sim, Allen viria a encarnar dezenas de vezes esse homem moderno, eventualmente cosmopolita e invariavelmente culto, que aproveitaria cada obra para despejar não apenas as suas frustrações e constrangimentos, mas também uma boa dose de cultura pop, subversão da linguagem cinematográfica (com as famosas quebras da chamada quarta parede) e roteiros absolutamente engenhosos, com diálogos idem.
A obra, que trata das idas e vinda do protagonista, um cínico comediante de nome Alvy Singer (Allen), com a cantora de casas noturnas Annie Hall (Diane Keaton) é um divertido e melancólico estudo sobre o fracasso nos relacionamentos, com ênfase nas inseguranças de um casal que podem fazer com que a tão sonhada vida a dois naufrague. São muitas as sequências hilárias - como esquecer o momento em que a dupla tenta cozinhar lagostas (vivas!) em uma casa de praia, sem muito sucesso? Mas certamente nenhuma cena é tão impagável como aquela em que o filósofo e teórico da comunicação Marshall McLuhan em pessoa aparece. Em uma fila de cinema, Singer se irrita com um sujeito presunçoso que dá uma aulinha particular (e rasa) sobre aquilo que entendeu dos ensinamentos de McLuhann criticando fortemente o seu trabalho. Para resolver a "questão" Woody promove um inesperado encontro entre ambos numa das melhores sequências da história em filmes do diretor. Quem não viu o filme pode conferir o vídeo pois ele não tem nenhum spoiler. E ainda dá conta do estilo absolutamente corrosivo de Allen, ainda em início de carreira!
Cena: Sujeito pedante encontra o escritor Marshall McLuhan
Quando lançou Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), em 1977, Woody Allen ainda representava uma refrescante novidade do cinema alternativo americano. Com apenas meia dúzia de filmes produzidos até aquele momento, o nova-iorquino, que vinha da escola das comédias de palco ao estilo stand up (hoje tão saturadas) adotava um estilo de humor muito mais escrachado e visual e que bebia da fonte de outros contemporâneos, caso do grupo britânico Monty Python. Não à toa, um olhar atento a obras como a deliciosa comédia A Última Noite de Boris Grushenko (1975) permitirá encontrar semelhanças na graça feita a moda das esquetes extravagantes que, de tão bobas, se tornam hilárias.
Foi com Noivo Neurótico... que o padrão mudou. Entrou em cena o protagonista excêntrico e neurótico (com o perdão da redundância), muitas vezes interpretado pelo próprio diretor. Um sujeito preocupado com temas como o medo da morte, preconceito judaico, conservadorismo exacerbado e inseguranças no que diz respeito a relacionamentos amorosos - e sobre sexo, claro. E, ainda, cheios de divagações sobre a condição humana, bem como os anseios, medos e angústias de um mundo em constante mudança. Sim, Allen viria a encarnar dezenas de vezes esse homem moderno, eventualmente cosmopolita e invariavelmente culto, que aproveitaria cada obra para despejar não apenas as suas frustrações e constrangimentos, mas também uma boa dose de cultura pop, subversão da linguagem cinematográfica (com as famosas quebras da chamada quarta parede) e roteiros absolutamente engenhosos, com diálogos idem.
A obra, que trata das idas e vinda do protagonista, um cínico comediante de nome Alvy Singer (Allen), com a cantora de casas noturnas Annie Hall (Diane Keaton) é um divertido e melancólico estudo sobre o fracasso nos relacionamentos, com ênfase nas inseguranças de um casal que podem fazer com que a tão sonhada vida a dois naufrague. São muitas as sequências hilárias - como esquecer o momento em que a dupla tenta cozinhar lagostas (vivas!) em uma casa de praia, sem muito sucesso? Mas certamente nenhuma cena é tão impagável como aquela em que o filósofo e teórico da comunicação Marshall McLuhan em pessoa aparece. Em uma fila de cinema, Singer se irrita com um sujeito presunçoso que dá uma aulinha particular (e rasa) sobre aquilo que entendeu dos ensinamentos de McLuhann criticando fortemente o seu trabalho. Para resolver a "questão" Woody promove um inesperado encontro entre ambos numa das melhores sequências da história em filmes do diretor. Quem não viu o filme pode conferir o vídeo pois ele não tem nenhum spoiler. E ainda dá conta do estilo absolutamente corrosivo de Allen, ainda em início de carreira!
quinta-feira, 28 de abril de 2016
Na Espera - Cafe Society (Filme)
Como se fosse uma espécie de Guided By Voices do cinema, o veterano Woody Allen (atualmente com 80 anos) mantém a média de praticamente um lançamento a cada ano e já tem programada a estreia oficial de sua próxima película! Cafe Society - que tem no elenco nomes como Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Blake Lively, Steve Carrell e Parker Posey - será o filme de abertura do próximo Festival de Cannes, no dia 11 de maio. No Brasil, a obra, que volta aos anos 30 para contar a história de um jovem judeu que deixa a casa dos pais em Nova York para tentar fazer carreira em Hollywood, enfrentando problemas com o seu futuro chefe, tem data de lançamento confirmada para o dia 27 de outubro de 2016.
Ainda que não entregue muito sobre a história em si, o trailer dá a entender que a obra será absolutamente charmosa, com um colorido vivo, figurinos estonteantes e o bom gosto de sempre, no que diz respeito a trilha sonora. O que também é possível constatar é que será um filme metalinguístico. Aliás, esta não é a primeira vez que Allen utiliza deste expediente - o de usar o cinema para falar de cinema -, já que em obras divertidas como Dirigindo no Escuro (2001), Celebridades (1998) e A Rosa Púrpura do Cairo (1985), isto também acontece. Não sei quanto a vocês, mas para nós, do Picanha, Woody Allen é sempre sinônimo de cinema de qualidade - ainda que eventualmente apareçam baboseiras como Melinda e Melinda (2004) ou Igual a Tudo na Vida (2003). Assim, estamos mais do que Na Espera por seu novo trabalho!
Ainda que não entregue muito sobre a história em si, o trailer dá a entender que a obra será absolutamente charmosa, com um colorido vivo, figurinos estonteantes e o bom gosto de sempre, no que diz respeito a trilha sonora. O que também é possível constatar é que será um filme metalinguístico. Aliás, esta não é a primeira vez que Allen utiliza deste expediente - o de usar o cinema para falar de cinema -, já que em obras divertidas como Dirigindo no Escuro (2001), Celebridades (1998) e A Rosa Púrpura do Cairo (1985), isto também acontece. Não sei quanto a vocês, mas para nós, do Picanha, Woody Allen é sempre sinônimo de cinema de qualidade - ainda que eventualmente apareçam baboseiras como Melinda e Melinda (2004) ou Igual a Tudo na Vida (2003). Assim, estamos mais do que Na Espera por seu novo trabalho!
terça-feira, 15 de setembro de 2015
Cinema - Homem Irracional
De: Woody Allen. Com Joaquin Phoenix, Emma Stone, Parker Posey e Tom Kemp. Comédia dramática / Suspense / Drama. EUA, 2015, 97 minutos.
Existe um episódio da espetacular série Breaking Bad em que Walter White, o protagonista vivido de forma arrebatadora pelo ator Bryan Cranston, assiste a morte da namorada de Jesse Pinkman (Aaron Paul), engasgada com o próprio vômito. Walt poderia ter salvo a moça - que estava dormindo - com um simples movimento de corpo. Mas preferiu vê-la agonizando, pois, em seu julgamento, ele acreditava que, para os seus negócios - a produção de metanfetamina em grande escala - seria melhor que a jovem batesse as botas. Do ponto de vista filosófico, Walt pode ser considerado, de acordo com os pensadores do século XIX Jeremy Bentham e John Stuart Mill, um conseqüencialista. Que é aquele sujeito que analisa o custo-benefício para todas as ações mundanas, determinando a partir daí se a atitude é boa ou ruim. Nem que seja algo moralmente absurdo!
Todo mundo sabe que as teorias filosóficas são, em muitos casos, pautadas por uma ética anacrônica ou questionável - e aqui está um sujeito que entende pouquíssimo delas. Mas elas eram motivo de reflexões as mais profundas, sendo verbalizadas por autores hoje considerados universais, como Platão, Aristóteles, Nietzsche e Sartre. E também servem como pano de fundo, para o mais recente filme do diretor Woody Allen, chamado Homem Irracional (Irrational Man). Na trama, Joaquin Phoenix - quem mais poderia ser? - é o professor de filosofia em crise existencial Abe Lucas, que chega para lecionar em uma pequena cidade dos Estados Unidos. No lugar, uma das alunas, de nome Jill (Emma Stone), se aproxima do docente, fascinada pelo seu intelecto e pela sua melancolia natural. Ao mesmo tempo, a professora Rita (Parker Posey) tenta ter um caso com ele - ainda que seja casada.
Abe é deprimido, não consegue se satisfazer sexualmente e vê pouco significado em sua vidinha simplória. Até o dia em que, ao ouvir uma conversa em um bar em que está acompanhado de Jill, ele tem um clique. No local, uma desconhecida lamenta a perda da guarda do filho, após uma decisão judicial. Algo que, na concepção do Abe, poderá ser evitado caso o juiz Spangler (Tom Kemp), que decretará a sentença, seja assassinado. É a partir daí que ele tentará elaborar um plano perfeito, que dê cabo de sua (maluca) ideia, sem ser descoberto. Como um verdadeiro conseqüencialista, o professor enxerga a "parte boa" daquilo que está fazendo - ajudando uma mulher a manter o seu filho por perto. E como resultado, Abe reencontra o prazer de viver em seu mundo particular. Ainda que o risco de ser descoberto passe a rondá-lo de maneira permanente.
É preciso que se diga que nem de longe é o melhor filme de Woody Allen - ainda que supere os recentes Magia ao Luar e Blue Jasmine, ainda fica muito distante de clássicos como Noivo Neurótico Noiva Nervosa, Manhattan, A Rosa Púrpura do Cairo e Zelig (o favorito da casa). Algo que pode ser constatado especialmente pelas ideias requentadas de películas anteriores do próprio diretor. Mas ainda assim é um filme que diverte - Phoenix está hilário! - e mantém um clima de suspense, sem esquecer a habitual ironia do prolífico diretor, que completará 80 anos em dezembro. Os fãs de filosofia irão se deliciar com as teorias abordadas, ainda que de forma superficial - nas entrelinhas podem ser percebidos aspectos relacionados a autenticidade de Camus e Sartre ou mesmo a Teoria do Super-Homem e a vontade de potência de Nietzsche. Quem gosta de Allen, definitivamente não pode perder.
Nota: 7,0
Existe um episódio da espetacular série Breaking Bad em que Walter White, o protagonista vivido de forma arrebatadora pelo ator Bryan Cranston, assiste a morte da namorada de Jesse Pinkman (Aaron Paul), engasgada com o próprio vômito. Walt poderia ter salvo a moça - que estava dormindo - com um simples movimento de corpo. Mas preferiu vê-la agonizando, pois, em seu julgamento, ele acreditava que, para os seus negócios - a produção de metanfetamina em grande escala - seria melhor que a jovem batesse as botas. Do ponto de vista filosófico, Walt pode ser considerado, de acordo com os pensadores do século XIX Jeremy Bentham e John Stuart Mill, um conseqüencialista. Que é aquele sujeito que analisa o custo-benefício para todas as ações mundanas, determinando a partir daí se a atitude é boa ou ruim. Nem que seja algo moralmente absurdo!
Todo mundo sabe que as teorias filosóficas são, em muitos casos, pautadas por uma ética anacrônica ou questionável - e aqui está um sujeito que entende pouquíssimo delas. Mas elas eram motivo de reflexões as mais profundas, sendo verbalizadas por autores hoje considerados universais, como Platão, Aristóteles, Nietzsche e Sartre. E também servem como pano de fundo, para o mais recente filme do diretor Woody Allen, chamado Homem Irracional (Irrational Man). Na trama, Joaquin Phoenix - quem mais poderia ser? - é o professor de filosofia em crise existencial Abe Lucas, que chega para lecionar em uma pequena cidade dos Estados Unidos. No lugar, uma das alunas, de nome Jill (Emma Stone), se aproxima do docente, fascinada pelo seu intelecto e pela sua melancolia natural. Ao mesmo tempo, a professora Rita (Parker Posey) tenta ter um caso com ele - ainda que seja casada.
Abe é deprimido, não consegue se satisfazer sexualmente e vê pouco significado em sua vidinha simplória. Até o dia em que, ao ouvir uma conversa em um bar em que está acompanhado de Jill, ele tem um clique. No local, uma desconhecida lamenta a perda da guarda do filho, após uma decisão judicial. Algo que, na concepção do Abe, poderá ser evitado caso o juiz Spangler (Tom Kemp), que decretará a sentença, seja assassinado. É a partir daí que ele tentará elaborar um plano perfeito, que dê cabo de sua (maluca) ideia, sem ser descoberto. Como um verdadeiro conseqüencialista, o professor enxerga a "parte boa" daquilo que está fazendo - ajudando uma mulher a manter o seu filho por perto. E como resultado, Abe reencontra o prazer de viver em seu mundo particular. Ainda que o risco de ser descoberto passe a rondá-lo de maneira permanente.
É preciso que se diga que nem de longe é o melhor filme de Woody Allen - ainda que supere os recentes Magia ao Luar e Blue Jasmine, ainda fica muito distante de clássicos como Noivo Neurótico Noiva Nervosa, Manhattan, A Rosa Púrpura do Cairo e Zelig (o favorito da casa). Algo que pode ser constatado especialmente pelas ideias requentadas de películas anteriores do próprio diretor. Mas ainda assim é um filme que diverte - Phoenix está hilário! - e mantém um clima de suspense, sem esquecer a habitual ironia do prolífico diretor, que completará 80 anos em dezembro. Os fãs de filosofia irão se deliciar com as teorias abordadas, ainda que de forma superficial - nas entrelinhas podem ser percebidos aspectos relacionados a autenticidade de Camus e Sartre ou mesmo a Teoria do Super-Homem e a vontade de potência de Nietzsche. Quem gosta de Allen, definitivamente não pode perder.
Nota: 7,0
quinta-feira, 5 de março de 2015
Pérolas do Netflix - Tiros na Broadway
De: Woody Allen. Com: John Cusack, Dianne Wiest, Jennifer Tilly e Chazz Palminteri. EUA, Comédia, 1994, 98 min.
Iniciando o mês de março o Netflix deu um presentão para os fãs de Woody Allen, adicionando ao catálogo diversos títulos do aclamado diretor. Dentre eles, podemos citar os impagáveis Desconstruindo Harry, Poderosa Afrodite, Todos Dizem Eu Te Amo, entre outros. Difícil escolher um dentre as várias obras da extensa filmografia de Allen, mas das novidades do serviço de streaming certamente este Tiros na Broadway (Bullets Over Broadway) é um dos mais bacanas!
O filme se passa durante os anos 1920 e, além de um roteiro divertidíssimo, conta com uma reconstrução de época belíssima. Na trama, John Cusack encarna a persona neurótica típica de Allen (que apenas dirige, sem aparecer como ator desta vez) como um autor de teatro que é obrigado por seu patrocinador, um gângster, a incluir a amante deste (Tilly) em sua peça. Detalhe, a moça é uma das piores atrizes a pisar em um palco da Broadway. Para piorar, o capanga Cheech (Palminteri), enviado pelo perigoso mafioso, decide opinar nas questões artísticas da peça. Soma-se ainda ao "elenco" um ator que não consegue controlar a sua gula, e uma atriz decadente mas que se autoconsidera uma das maiores artistas vivas. Esta última, por sinal, é interpretada por Dianne Wiest de maneira exemplar, fazendo referência à clássica personagem Norma Desmond, de Crepúsculo dos Deuses. O papel lhe valeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante do ano de 1995.
Tendo sido indicado ao Oscar em sete categorias - incluindo diretor e roteiro original - Tiros na Broadway funciona como um ótimo passatempo para quem busca uma comédia leve, como um deleite visual para os apreciadores dos filmes de época, e também uma bela reflexão sobre o criar artístico e tudo que o envolve: o quanto um autor pode ser fiel à sua criação, agradando ao público e seus financiadores, para poder se manter no mainstream? Allen, um autor consagrado, possui total liberdade no fazer de suas obras, sorte essa que o seu alterego fracassado interpretado por Cusack tanto almeja, mas não obterá sem antes passar por uma série de situações absurdas que, por sinal, servem de mote para este altamente recomendável filme.
Iniciando o mês de março o Netflix deu um presentão para os fãs de Woody Allen, adicionando ao catálogo diversos títulos do aclamado diretor. Dentre eles, podemos citar os impagáveis Desconstruindo Harry, Poderosa Afrodite, Todos Dizem Eu Te Amo, entre outros. Difícil escolher um dentre as várias obras da extensa filmografia de Allen, mas das novidades do serviço de streaming certamente este Tiros na Broadway (Bullets Over Broadway) é um dos mais bacanas!
O filme se passa durante os anos 1920 e, além de um roteiro divertidíssimo, conta com uma reconstrução de época belíssima. Na trama, John Cusack encarna a persona neurótica típica de Allen (que apenas dirige, sem aparecer como ator desta vez) como um autor de teatro que é obrigado por seu patrocinador, um gângster, a incluir a amante deste (Tilly) em sua peça. Detalhe, a moça é uma das piores atrizes a pisar em um palco da Broadway. Para piorar, o capanga Cheech (Palminteri), enviado pelo perigoso mafioso, decide opinar nas questões artísticas da peça. Soma-se ainda ao "elenco" um ator que não consegue controlar a sua gula, e uma atriz decadente mas que se autoconsidera uma das maiores artistas vivas. Esta última, por sinal, é interpretada por Dianne Wiest de maneira exemplar, fazendo referência à clássica personagem Norma Desmond, de Crepúsculo dos Deuses. O papel lhe valeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante do ano de 1995.
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