A paixão é um dos sentimentos mais fascinantes e contraditórios que a raça humana pode experimentar. Quando nos encantamos por uma pessoa, imediatamente criamos expectativas e idealizações em nossa mente e, por mais provavelmente errado que estejamos, é isso que torna aquilo que sentimos - e imaginamos - perfeito. Com todo o entusiasmo e a graça de se encontrar apaixonado existe também o seu efeito colateral: a ausência da pessoa amada causa angústia, dor, os minutos passam numa velocidade impressionantemente reduzida e a sensação de dependência torna-se quase patológica. Até que ponto vale a pena alimentar este sentimento que consome tanta energia de nossos corpos e dias? E mais, é possível evitar quando este se aproxima? Se num acaso do destino cruzamos e compartilhamos momentos com alguém, vale a pena deixar de se entregar às custas de evitar um sofrimento futuro, ou a beleza das memórias geradas compensam qualquer sacrifício?
Essas e muitas outras reflexões me vieram à mente no belíssimo e sensível Retrato de uma Jovem em Chamas (Portrait de la jeune fille en feu), escrito e dirigido pela francesa Céline Sciamma (Tomboy). Na trama, que se passa no século 18, a pintora Marianne (Merlant) é contratada por uma condessa (Golino) para ir até uma ilha pintar um retrato da filha Héloïse (Haenel), que está prometida em casamento para um rapaz italiano. Acontece que o retrato deverá ser feito sem ela saber, pois será enviado ao futuro marido - casamento este que, diga-se de passagem, vai contra o interesse de Héloïse. Com isso, Marianne é apresentada como companheira de passeios e, aos poucos, a amizade das duas se fortalecerá culminando no sentimento acima descrito. Junta-se a elas a jovem governanta Sophie e temos o núcleo central deste filme com ecos do cinema bergmaniano.
E o que torna o filme tão especial é justamente a forma de contar e transmitir algo tão universal e marcante para aqueles que tiveram a oportunidade de amar e, consequentemente, sofrer - não é à toa que o mito de Orfeu e Eurídice é citado literalmente, oferecendo uma boa dica sobre aquilo a que estamos assistindo. Ademais, as interpretações de Merlant e Haenel trazem a química necessária para que acreditemos naquilo que estamos vendo, e a cena em que ambas estão deitadas olhando uma para a outra é ainda mais tocante quando percebemos o quão difícil é querer guardar uma memória de algo que não sabemos se voltaremos a ter um dia e, na impossibilidade de congelar o tempo, sentir que os minutos correm ainda mais depressa na presença de quem amamos. Memórias essas que podem virar pinturas, que podem fazer parte de outras pinturas, de forma a eternizar um segredo íntimo de um sentimento tão raro de existir entre duas pessoas cuja sorte/acaso/destino/circunstância uniu, e cujo final dilacerante e belo deste filme faz questão de lembrar.
Nota: 9,5
Filme realmente espetacular, um deleite para os sentidos!...todas as cenas são lindas, perfeitos quadros. Duas cenas fortes:a do aborto com a criança brincando perto e aquela do canto a capela em volta da fogueira. Sem falar no final arrebatador!!!!
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