quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Cinema - Filhos (Vogter)

De: Gustav Möller. Com Sidse Babett Knudsen, Sebastian Bull Sarning e Dar Salim. Drama, Dinamarca / Suécia, 2024, 94 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM ALGUNS SPOILERS] 

Existe um filme alternativo dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne chamado O Filho (2001) que, de forma muito resumida, conta a história de um carpinteiro enlutado, que resolve contratar justamente o assassino do próprio filho, em um programa de ressocialização de adolescentes que ele participa. É uma experiência áspera e complexa, mas que acena com esperança para um mundo em que a violência e o "olho por olho, dente por dente" parecem reger os códigos atuais da sociedade. E, enquanto assistia ao excelente Filhos (Vogter), projeto dinamarquês que está em cartaz nos cinemas, foi meio inevitável não pensar na obra dos Dardenne. Não apenas pelas semelhanças na história, mas também pelo estilo econômico, cheio de sutilezas e de silêncios que falam muito, adotado por Gustav Möller, que é diretor do ótimo Culpa (2018).

Na trama, Eva (Sidse Babett Knudsen) é uma agente carcerária que parece ter uma retidão moral incorrigível. Só pelos seus modos com os presos - sempre educada, preocupada em resolver problemas pequenos ou grandes (como as filas para o banho ou uma boa condução das aulas de matemática ou de ioga) - é possível perceber que ela é alguém que acredita, de fato, no potencial regenerativo do sistema. Especialmente quando o assunto são os criminosos que cumprem penas mais leves. Só que a coisa muda de figura quando ela nota a chegada de um misterioso preso a uma ala em que estão infratores envolvidos em crimes mais sérios. O que é justamente o caso de Mikkel (Sebastian Bull Sarning), que é acusado de ter assassinado um outro preso por motivos fúteis (como saberemos mais adiante). Há, tem também um outro detalhezinho importante, nada de mais: o jovem morto é o filho de Eva.

 


Claro que não é preciso ser nenhum gênio pra perceber que há caroço nesse angu. Quando Mikkel chega, Eva trata logo de mexer os pauzinhos para que ela seja deslocada justamente para a ala onde está o rapaz. Mesmo sendo alertado por Rami (Dar Salim), o chefe do departamento, dos riscos que ela corre no local. Os olhares demorados da agente, a sua paciência comovente em observá-lo à distância e a sua disposição em confrontá-lo nos assuntos mais minúsculos possíveis (como no momento em que ela lhe nega um maço de cigarros), acirrarão os ânimos e facilitarão a compreensão daquele contexto por parte do espectador. Especialmente para aqueles que já estão acostumados a esse tipo de gramática fílmica, de obras repletas de ambiguidades e de se soluções nunca óbvias. Com os próprios traumas e segredos do passado de Eva, servindo como um inesperado combustível jogado sobre o fogo.

De tensão crescente, o projeto é daqueles que vão escalando aos poucos - o que é reforçado por uma certa claustrofobia que rege o todo. Seja nos cubículos apertados ou nos corredores sufocantes, em que não há nenhuma janela, em que a luz mal se vê. Assim como no caso de Olivier, o protagonista de O Filho, que não parece muito bem saber o que fazer com o jovem, após contratá-lo - ainda que o espectro da vingança ronde sua mente meio que o tempo todo -, aqui temos também uma agente penitenciária que promove uma luta interna muito maior do que aquela contra um sistema supostamente injusto. Em certa altura, após uma confusão na cela de Mikkel, Rami argumenta com Eva, lembrando-a que ele permaneceu uma semana de castigo na solitária. O que mais pode ser feito, afinal? Talvez haja pessoas que "não possam ser salvas", lembra o mesmo Rami. A frase de múltiplos significados, é daquelas que bate forte. Ficando conosco quando os créditos sobem.

Nota: 8,5

 

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