De: Pawlo Ostrikow. Com Volodymyr Kravchuk, Alexia Depicker e Leonid Popadko. Drama / Ficção Científica / Comédia, Ucrânia, 2024, 100 minutos.
Será que o ucraniano Você é o Universo (Ти – Космос) é uma ficção científica de tintas existencialistas sobre o fim do mundo e o apocalipse climático, ou apenas meio que uma indireta fílmica sobre a indisponibilidade das pessoas para a construção de laços mais sólidos em tempos tão fragmentadamente líquidos (com o perdão da mais óbvia e cansativa citação de Bauman)? Parte obra catastrofista em que o espaço é o limite, parte carrossel do Insta com reflexões supostamente profundas a respeito da ausência de responsabilidade afetiva na era digital, o filme do diretor Pawlo Ostrikow, que está disponível na Reserva Imovision, também tem a chance de não ser nada disso. Nem uma coisa nem outra. Apenas uma aventura, vai ver, sobre solidão na pós-modernidade, com um astronauta em sua nave nos confins do universo, servindo como a base para a fundamentação desse tipo de alegoria. Uma história que meio que sempre existiu, mas que gostamos de voltar a contar.
Na trama, Andriy (Volodymyr Kravchuk) é uma espécie de transportador de cargas espacial, que tem como trabalho levar resíduos nucleares radioativos para o fim do mundo do espaço - mais precisamente para o satélite de Júpiter, Calisto. Uma missão solitária que ele faz de forma permanente, com viagens de ida e volta de dois anos cada. Com toneladas de lixo a bordo. O resumo da ópera é de que, após 150 anos de uso desse tipo de energia, houve um acúmulo de radiação em instalações provisórias, que poderia comprometer a vida em nosso planeta (com tudo sendo explicado em uma bem humorada animação ainda no começo do filme). Bom, o caso é que, em certo ponto, uma das missões dá meio que errado e a Terra explode - sinceramente, admito que não entendi se uma coisa estava relacionada a outra. Impedido de retornar pro nosso mundinho, Andriy parece condenado a vagar pelo espaço. Enquanto tiver combustível. Ou enquanto tiver ânimo pra sobreviver.
Resignado, o protagonista revolve se entupir de comida - ele ainda tem estoque para alguns meses -, enquanto consome discos de vinil que, convenientemente, compõem uma decoração que lembra um mapa dos planetas em sua parede. Há também a necessidade de se desviar dos detritos da própria Terra, o que ele faz se "escondendo" atrás da Calisto. Para se distrair, ele mantém conversas nada empolgantes com o robô Maxim (Leonid Popadko) - uma mescla do Hal-9000 de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e o Gerty, o computador de bordo de uma das grandes e esnobadas obras do cinema alternativo, o ótimo Lunar (2009) -, que lhe conta umas piadas meio de tiozão do pavê só que pioradas. Na tela da nave, Andriy recebe instruções de engravatados xaropes, que estão insatisfeitos com os rumos da missão - aliás, essa transmissão é interrompida quando o sujeito, enfurecido, quebra o televisor.
Tudo vai mais ou menos nesse rumo até o dia em que ele recebe em seu computador de bordo, de forma inesperada, uma mensagem de uma jovem francesa de nome Catherine (Alexia Depicker), que alega estar em uma estação espacial perto de Saturno. Utilizando a mesma frequência e um tradutor, os dois iniciam uma conversa amistosa e mundana, nesse Tinder em que nenhum dos dois sabe exatamente como é o rosto do outro - o que envolverá instantes poéticos, como a tentativa de Andriy de recriar a face de Catherine usando um tipo de massa de modelar (a plasticina). A comunicação é meio complicada, já que o envio e a resposta levam mais de três horas pra ocorrer. Mas mesmo assim, Andriy decide ir ao encontro da sua nova amiga, em uma viagem de milhões de quilômetros de distância. Quem quer dá um jeito, já diria aquela publicação da Nozy. Sim, se a gente forçar um pouquinho a amizade também será possível encontrar, aqui e ali, metáforas sobre guerras (e não é demais lembrar que a própria Ucrânia segue em conflito), pandemias, isolamento, crises imigratórias e outros. Vai de cada um. E o resultado será tocante e comovente, nos fazendo pensar sobre a importância dos laços, das conexões e daquilo que nos faz, de fato, humanos.
Nota: 8,0
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