De: Alice Rohrwacher. Com Alexandra Lungu, Alba Rohrwacher, Monica Bellucci e Sam Louwyck. Drama, Alemanha / Itália / Suiça, 2014, 111 minutos.
Aliás, esse universo de contrastes parece ser uma espécie de linha mestra da narrativa: os campesinos que se encontram com figuras excentricamente urbanas - caso da apresentadora Milly Catena (Monica Bellucci) -, os rios, cascatas e cachoeiras, em choque com o aparato técnico da TV, seus microfones, câmeras e outros, a produção rural familiar versus o agronegócio operado com o abuso de agrotóxicos. A pauta de costumes em confronto com o progressismo. A liberdade do mundo ao redor colidindo com a "prisão" da terra, da lama, do mel grudento e das picadas de abelhas. Ao cabo é um filme que mistura muitos assuntos colocando-os em uma espécie de liquidificador simbólico que fará emergir uma série de tensões entre os integrantes da numerosa família de apicultores - especialmente da jovem Gelsomina (Alexandra Lungu), a filha mais velha, que mantém um olhar tão curioso quanto resignado em relação ao contexto em que está inserida.
E esse sentimento divisivo se ampliará ainda mais com a chegada do jovem Martin (Luis Huilca), que integra uma espécie de programa de reabilitação local. Ao lado de Gelsomina, Martin será incumbido de uma série de atividades junto às colmeias, seja no manejo dos enxames ou na coleta e na centrifugação do mel, passando a ser uma espécie de "filho" que Wolfgang (Sam Louwyck) nunca teve. Por sinal, aí está mais um tema que entra em discussão durante a narrativa e que envolve a perpetuação de tradições em meio a uma família patriarcal. E essa necessidade permanente de se manter fiel às raízes, por mais arcaicas que essas sejam. O que amplia o interesse em torno do embate central, quando Gelsomina se inscreve no programa de TV sem que o pai saiba, retirando praticamente toda a família de sua zona de conforto. Lazer? Música? Diversão? Em um mundo que se nasce e se cresce para o trabalho não parece haver espaço para isso. E o processo de desobstrução poderá ser doloroso.
Filmada com inacreditável naturalismo - com a câmera muito próxima dos atores, trafegando em meio a banalidade cotidiana, quase funcionando como uma espécie de observadora que não participa -, a obra se assemelha a uma espécie de documentário involuntário sobre a vida no campo, suas dificuldades, rotinas, conquistas. A fotografia levemente granulada, pendendo para os tons esmaecidos, reforça o caráter meio gélido do ambiente. Não há espaço para raios de sol vigorosos ou cores em tons mais primaveris, o que contribui para um estado de espírito evocativo da vida de poucas perspectivas que pode emergir do campo (especialmente na visão dos jovens, que podem se ver pouco estimulados à permanência a partir da atitude vigilante dos pais). Lá pelas tantas, assim como faria mais adiante com o irresistível Feliz Como Lazzaro (2018), Rohrwacher quase pende para o realismo mágico, abusando de metáforas e de um certo clima onírico para evocar sensações e até inquietações. Na internet há vários textos que afirmam que o trabalho, disponível na plataforma Filme Filme, foi aplaudido por mais de dez minutos no Festival de Cannes - de onde saiu com o Prêmio do Júri. É daqueles que permanecem conosco por muitos dias. O que não deixa de ser um grande mérito.
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