sexta-feira, 10 de junho de 2022

Cine Baú - Umberto D. (Umberto D.)

De: Vittorio de Sica. Com Carlo Battisti, Maria-Pia Casilio e Lina Gennari. Drama, Itália, 1952, 89 minutos.

Acho que um dos aspectos mais marcantes da obra de Vittorio De Sica - e talvez do Neorrealismo Italiano como um todo - seja a sua atemporalidade. O seu caráter permanente na abordagem dos contrastes sociais em um mundo tão desigual. Já era assim em Ladrões de Bicicleta (1948), obra-prima sobre um sujeito que realiza um verdadeiro périplo por Roma, com a intenção de tentar reaver a sua bicicleta roubada (que consiste em seu instrumento de trabalho). Não é diferente em Umberto D. (Umberto D.) onde mergulhamos em uma Itália em processo de reconstrução no pós-guerra e que parte novamente de um recorte mais "doméstico", como forma de analisar o todo. Aqui, o tema central é o descaso com os aposentados que, com suas irrisórias pensões, mal conseguem manter as contas em dia - e a obra já abre em tom panfletário, com um grupo de idosos em marcha, com cartazes em punho, reivindicando aumentos na aposentadoria e mais respeito a um grupo que trabalhou a vida toda.

Aposentadorias que só encolhem e o completo descaso com quem necessitaria uma atenção maior do Estado. A Itália dos anos 50 não difere muito do Brasil de 2022 e talvez seja por isso que nos sintamos tão compadecidos com a jornada do Umberto D. do título (vivido por Carlo Battisti), um homem de idade avançada que mora em uma precária pensão - que é mantida com dificuldades. Mesmo sendo aposentado do setor público - ele trabalhou por mais de 30 nos no próprio Ministério do Trabalho (numa daquelas ironias próprias do diretor) -, Umberto mal consegue ter dinheiro para comer. Não é por acaso que a própria comida oferecida no bandejão do bairro, é dividida com o simpático cãozinho Flike, que é a sua única companhia. Quando o protagonista passa a sofrer com a ameaça de despejo por parte de sua senhoria - uma figura inacreditavelmente insensível, encarnada por Lina Gennari -, ele é forçado a uma série de atos desesperados na tentativa de conseguir honrar seus compromissos (com direito a penhora de livros e de outros objetos).



Nesse sentido, uma das sequências mais dolorosas da obra envolve o instante em que, de forma relutante, Umberto percebe que, talvez, o único caminho para a salvação seja o de pedir esmolas (como muitos senhores de idade já estavam fazendo). A cena humilhante em que pessoas conhecidas passam por ele na rua, enquanto timidamente ele coloca a mão para frente, em concha, é uma das mais comoventes da história do cinema - e só não é pior porque, de forma meio paradoxal, o trecho se encerra com um gracioso momento em que Flike "ajuda" o sujeito na tarefa, ao segurar o chapéu com a sua boca, estendendo-o para os transeuntes. Aliás, os diversos momentos de interação entre Umberto e seu animalzinho de estimação são daqueles que dão um calor no coração - e talvez por isso seja tão tensa a cena em que o homem tenta desesperadamente encontrar Flike após o seu sumiço.

Sem muito espaço para o otimismo o filme não busca soluções fáceis, escancarando de forma contundente seus pontos de vista. As ruas movimentadas em Roma, seus operários fazendo uma pausa para o almoço, o vai e vem das pessoas parece tornar esse cotidiano ainda mais opressivo, especialmente diante da invisibilidade experimentada por Umberto - e ele só terá algum tipo de atenção quando forçar a barra para ir parar no hospital (onde poderá ter acesso a algum tipo mínimo de dignidade). Da mesma forma o contraste entre as elites e as camadas mais vulneráveis é evidenciado em uma constrangedora sequência em que a dona da pensão promove uma festa que impedirá o protagonista, que arde em febre, de dormir. Ao cabo trata-se de uma experiência tocante, intensa, espontânea e naturalista, com direito a utilização de atores não profissionais. E que permanece irretocável em sua discussão, jamais soando datada.

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