De: Steven Spielberg. Com Henry Thomas, Dee Wallace, Robert MacNaughton e Drew Barrymore. Aventura / Ficção Científica, EUA, 1982, 115 minutos.
É quase no final de ET: O Extraterrestre (ET: The Extraterrestrial) que ocorre uma das maiores sequências de perseguição da história do cinema. Ou talvez a maior. Nela, um grupo de adolescentes a bordo de bicicletas foge da polícia, dos militares, do FBI, da Nasa e de todo o resto, percorrendo um bairro residencial por entre casas, terrenos baldios, subindo e descendo morros como se estivessem em uma competição meio improvisada de BMX. Na carona de um dos meninos, o ET que dá nome ao filme - que acaba de "ressuscitar", após ser capturado pelo Governo e ser dado como morto. A cena avança para uma situação em que não parece mais haver pra onde fugir: os carros da polícia fizeram uma barreira. O improvável acontece: com os poderes do extraterrestre a todo o vapor os meninos alçam voo por sobre os policiais. Cruzam a cidade enquanto a trilha composta por John Williams sobe, passam pelo sol e chegam à clareira do início do filme, local em que o ser de outro planeta havia se perdido. O ET finalmente poderá ir para casa. Enquanto nós permanecemos em um mar de lágrimas em nossos sofás.
Existem experiências cinematográficas tão completas que, em um suposto dicionário ilustrado, não seria exagero colocar uma foto do filme ao lado da palavra obra-prima, por exemplo. E esse é o caso do clássico de Steven Spielberg. Pra mim que apaixonei por cinema no final dos anos 80 e no começo dos 90, obras como esta foram fundamentais. Quando criança costumava ver ET no Natal - o filme fora lançado no Brasil em dezembro de 1982 e passava frequentemente na TV aberta (era o nosso A Felicidade Não Se Compra). Na época, do alto da minha ingenuidade, ficava maravilhado com tudo, especialmente com o poder daquela história sobre amizade - não apenas entre Elliot (Henry Thomas) e o ET, mas também entre o menino e seu irmão mais velho Michael (Robert Macnaughtor). Mais adulto, consegui perceber o poder do subtexto na abordagem de temas relacionados ao respeito às diferenças e também ao meio ambiente (a cena em que Elliot liberta as rãs na escola, é quase explícita), além de haver am algumas camadas o questionamento de eventuais abusos de autoridade.
E, nesse sentido, mais do que uma aventura comovente sobre um menino ajudando um ET a voltar pra casa, temos uma experiência vigorosa sobre empatia, sobre compaixão, sobre afeto, sobre aceitação. E admito que fico ainda mais triste quando vejo um filme como esse, por perceber que estamos em um Brasil (e em um mundo, na real) que parece a cada dia caminhar para o oposto disso. O que abre espaço para um processo infindável de intolerância, de preconceitos, de ódio, de racismo, de xenofobia. Um governo de morte é daqueles que se empenha em fazer uma limpeza étnica. Em se livrar do diferente. Se o ET caísse em um morro do Brasil atual precisaria de uma centena de Elliots pra se salvar. E muita bicicleta voando. Sim, porque assistir a esse filme mexe com a gente. Ficamos nostálgicos, reflexivos, pensativos. É tanta dureza, é tudo tão torpe, que (re)assistir àqueles meninos flanando em suas bikes funciona quase como uma espécie de refúgio de tudo. Spielberg, te venero.
E muito desse sentimento tem a ver com o carisma dos personagens - especialmente do ET, que surge em cena como figura inicialmente exótica e tímida, que vai dando lugar a um alienígena de olhos curiosos e gestos afáveis - o que é completado por uma vocalização meio robótica, cortesia do ator Pat Welsh. Indicada ao Oscar em diversas categorias - como Filme, Roteiro Original, Direção, Edição e Montagem -, a obra sairia com os prêmios de Efeitos Visuais, Efeitos Sonoros, Edição de Som, Som e Trilha Sonora Original, o que faria justiça ao soberbo aparato técnico utilizado à época para dar vida a produção. Anos mais tarde, o trabalho seria reconhecido pelos votantes do American Film Institute (AFI) que, na relação de 100 Melhores Filmes Americanos de Todos os Tempos de 2007, incluiria o filme em uma honrosa 24ª produção. Um número impressionante para uma ficção científica estilo Sessão da Tarde. O público agradece.
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