terça-feira, 7 de dezembro de 2021

25 Melhores Discos Nacionais de 2021 (+15 Menções Honrosas)

É preciso admitir que, neste ano, rolou uma certa angústia na hora de elaborar essa lista com os nossos 25 Melhores Discos Nacionais com mais 15 Menções Honrosas. E o motivo é muito simples: foram muitos os (ótimos) lançamentos de artistas brasileiros em 2021 e, definitivamente, não conseguimos acompanhar tudo da maneira que queríamos. Então, de alguma forma, é preciso ser honesto de que esta é a nossa relação dos que mais gostamos, dentro daquilo que CONSEGUIMOS escutar. É como se essa introdução fosse um pedido de desculpas pelo fato de que, muito provavelmente, muita coisa boa vai ficar de fora. Sim, porque se em 2020 nós até reduzimos o tamanho da lista - a impressão de que tivemos foi que os músicos daqui ficaram meio paralisados pela pandemia e com pouca "cabeça" para elaborar sobre tudo o que estava acontecendo -, neste 2021 a criatividade floresceu. De veteranos com Caetano Veloso e Marisa Monte, passando por novidades como Marina Sena e por retornos meio inesperados, como o Charme Chulo, esse foi um ano simplesmente espetacular para a nossa música. Democrático, provocativo, vibrante. O que serve também para lembrar aqueles que insistem no revisionismo e nos excessos nostálgicos de que nunca, na história desse nosso País, se fez tanta música boa (e acessível a todos) como na atualidade. 
 
 

 
E se você curte listas, não deixe de conferir as nossas relações dos anos anteriores, de 2020, 2019, 2018, 2017, 2016 e 2015. Boa leitura!

Menções honrosas:

40) Wander Wildner (Coração Selvagem)
39) Zélia Duncan (Pelespírito)
38) Detonautas Roque Clube (Álbum Laranja)
37) Supercolisor (Viagem ao Fim da Noite)
36) Fernando Motta (Ensaio Pra Destruir)
35) Duda Brack (Caco de Vidro)
34) Rodrigo Amarante (Drama)
33) Píncaro (Um Delírio Madrepérola)
32) Bemti (Logo Ali)
31) The Baggios (Tupã-Rá)
30) Bárbara Eugênia (Crashes n' Crushes)
29) Alessandra Leão (Acesa)
28) Bebé (Bebé)
27) Antônio Neves (A Pegada Agora É essa)
26) Badsista (Gueto Elegance)
 
25) Giovani Cidreira (Nebulosa Baby): ouvir qualquer trabalho do cantor, arranjador e instrumentista baiano Giovani Cidreira é adentrar em um território em que absolutamente nada é previsível - já que dificilmente saberemos exatamente para onde estamos sendo levados. Se por um lado no agradável e potente disco de estreia Japanese Food (2017) parecia haver um flerte maior com o cancioneiro pop nacional - que condensava psicodelia com Clube da Esquina -, aqui parece haver um diálogo mais acentuado com o R&B e com a música eletrônica que, aqui e ali, parecem o aproximar de artistas como Frank Ocean e Miguel. Nesse sentido há um meio termo no que diz respeito a essas experimentações. Se por um lado faixas como Nebulosa evocam a languidez que se estende para a letra (Olhou, piscou, virou-me do avesso / Eu nem te conheço / Por onde começo), por outro Saudade de Casa é nostálgica e perfumada até dizer chega, com direito a refrãozinho cheio de lalalas e uma alegria comovente pelas coisas simples - um abraço da mãe, o sorriso juvenil, os sonhos ainda vivos. Claro, Cidreira não esquece a importância do debate de temas como gênero e raça. Mas também celebra.
 
24) eliminadorzinho (Rock Jr.): o rock de tintas juvenis dá aquela respirada com esse simpático registro dos paulistanos do eliminadorzinho (assim mesmo, com a inicial minúscula). Escutar o quarteto, afinal, é ser instantaneamente arremessado para o final de tarde primaveril, nas escadarias do colégio, na cafeteria da cidade, esperando a hora do filme no cinema ou junto aos amigos da faculdade, enquanto ocorrem conversas existenciais sobre romances, amizades, incertezas em relação ao futuro e dores do passado. E sobre como o caos cotidiano nos atropela e quando vê já somos adultos - com responsabilidades, com boletos a pagar, tendo de tomar decisões. É uma mistura de conforto e de nostalgia em meio a uma guitarreira em partes emo, em parte shoegaze, em parte emocore, que nos remete a artistas distintos como Terno Rei, Real Estate, Yo La Tengo e Cloud Nothings. "É um disco sobre uma série de coisinhas, um disco desmontável e remontável. Cada música é um episódio do nosso cotidiano, que se passa na cidade (ou em várias cidades). Fizemos tudo isso com o máximo de sinceridade" revelou a banda em entrevista ao Scream & Yell.
 
23) Igapó de Almas (Mar de Paradoxos): feito para ser degustado aos poucos, o terceiro álbum dos potiguares do Igapó de Almas parece ser um trabalho que se expande a cada nova audição. Não é um registro fácil - há um flerte com o experimentalismo, que resulta em uma sonoridade menos óbvia, menos previsível. É um disco heterogêneo, que mistura ritmos regionalistas com música eletrônica - em um tipo de viagem sonora que vai do minimalismo à poesia quase falada, de forma ao mesmo tempo simples e sofisticada. E como forma de "materializar" ainda mais o paradoxo como essa contradição que coloca a ancestralidade, o barulho de chuva e o batuque de frente para o tecnológico, o contemporâneo e o moderno, o coletivo também aposta em letras cheias de simbolismos e de ideias antagônicas - o caso, por exemplo, da ótima Ijira (Eu viajo por esse país / em um flow retirante hightech / monocromo na cor da minhas veste / pra palavra ser força motriz). Se fosse possível resumir seria como se o trip hop tivesse nascido no Nordeste, num encontro tão efervescente quanto abstrato.

22) Marisa Monte (Portas): fazia dez anos que a cantora carioca não lançava um disco novo e, talvez não seja acaso, ela ter sido a artista que mais ouvi na Deezer, nesse ano. Um disco novo da Marisa é, afinal de contas, uma celebração da vida, das artes, da educação, da gentileza, da cultura, do meio ambiente e do amor. Pra me apropriar da melhor maneira possível de Portas, revisitei praticamente todos os registros da compositora. E o que percebi enquanto ouvia cada das aconchegantes novas canções foi que pouca coisa mudou. O mundo está fervendo e Marisa segue sendo Marisa - uma generosa cronista do cotidiano, que investe no otimismo, na brasilidade e no bucolismo como matéria-prima para seu pop refinado, elegante. O resultado são verdadeiras gemas com o "DNA Marisa Monte", casos de Praia Vermelha, Calma, Fazendo Cena e outras. "Nesse momento de tanta dor, perda, insegurança, angústia, que compartilho disso tudo também, a gente precisa ainda poder celebrar a vida e estar afinado com valores compatíveis a isso", justificou em entrevista à Gaúcha ZH, lembrando que este é um disco de "afirmação desses valores".

21) Fresno (Vou Ter Que Me Virar): devo admitir que valeu a pena insistir um pouquinho na Fresno. Gosto demais do Lucas Silveira - das ideias dele, dos posicionamentos -, mas tinha bastante dificuldade de lidar com o estilo musical. O emo nunca me pegou e não ia ser agora, adentrando os 40 anos, que me pegaria. É uma coisa subjetiva, enfim. Mas confesso que gostei demais desse novo registro justamente pelo aceno a novas possibilidades na sonoridade da banda, com pequenas variações dentro do pop modernoso, roqueiro e com boas pitadas de eletrônica do grupo. Tudo sem perder a ternura e sem deixar de estar atento ao momento político, social e cultural que vivemos. "Então, tipo, acho que cada vez mais a gente tá indo pra um caminho sem volta de não se prender a nada; a se prender aos sentimentos da gente e o que isso causa, porque é o que vale", resumiu o baterista Thiago Guerra ao site Tenho Mais Discos Que Amigos. De punk rock (FUDEU!!!) à sambinha "com sotaque do Sul" (6h34) o registro é um caleidoscópio sonoro cheio de melodia e personalidade. Me rendi.

20) Duda Beat (Te Amo Lá Fora): Às oito e quinze, decidi não te ligar / Às oito e meia, apaguei o seu celular / Mas me dei conta que eu já tinha ele decorado. Se tem alguém que sabe fazer música romântica (e breguinha) com uma inescapável capacidade de rir de si mesma, esta é a pernambucana Duda Beat. Suas desventuras, dores e amores vem sempre banhadas por um verniz levemente debochado e agridoce, sem nunca pender para algum excesso autocomiserativo. O trecho que abre esse textinho, da canção Meu Pisêro é um bom exemplo disso, com os versos flanando em meio a uma eletrônica envolvente e uma percussão que se expande. O expediente se repete em outras canções, caso da ótima Game (Eu tava lá tão bonitinha / Você passou e me olhou / Se lembrou que eu te amava / Seguiu em frente, deu em nada). "Eu vejo minha arte como um relato verdadeiro, um relato honesto de uma mulher de 33 anos, que é romântica, que se apaixonou, que não foi correspondida e agora é.  Tudo que está na minha arte é um reflexo de mim, é um reflexo do que eu vivo [...] todo mundo em algum momento alguém viveu isso", ponderou, em entrevista à Rolling Stone.

19) Linn da Quebrada (Trava Línguas): num comparativo com o hipnótico, provocativo e "desbocado" Pajubá (2017) a artista paulista converte o seu segundo registro em um disco mais palatável, mais acessível, onde direciona sua arte para outras questões para além do corpo como ato político (e não que isso não seja importante). Em entrevista à Rolling Stone, a cantora revelou que a escolha por melodias mais agradáveis que mesclam carimbó, bossa nova, hip hop, brega e funk, que se somam às letras que "as mães também podem ouvir", teve a ver com uma espécie de rota de fuga que visava a desfazer a ideia da música LGBT como produto meramente mercantil - como se fosse apenas uma distração que emburrece. "Ampliar o campo de comunicação do álbum, porém, não deixou de provocar a mente dos ouvintes com imagens e mensagens", reflete. Um bom exemplo desse expediente está no R&B I Míssil (Divagar mais / Divulgar menos / Mais ou menos vulgar / Sensação), que aposta no jogo de palavras como forma de revelar intenções. É um trabalho maduro, que tem personalidade, que vibra e que mostra um caminho para "driblar" o mercado. Mas sem perder a potência.

18) BaianaSystem (OxeAxeExu): dividido em três atos, o mais recente trabalho do grupo capitaneado por Russo Passapusso também é seu registro mais ambicioso. Não apenas pelo tamanho - são 21 músicas e uma hora de duração. Mas também pela clara intenção de tentar "materializar" a América Latina - e tudo o que envolve o seu arcabouço social, político e cultural. Em entrevista à Revista Elle, Passapusso, que é descendente de indígenas e africanos, cita a Pangeia - massa continental única que, em sua divisão, originaria a África e a América. "A utopia do BaianaSystem é reunificar a Pangeia dentro do nosso coração. [...] É reconectar. A gente acredita que, como os continentes se separaram, o nosso coração está assim também", afirma o artista. Esse contexto talvez explique o caráter heterogêneo do som do coletivo, que mistura dubstep, trap e reggae com batucada africana, música folclórica e latinidade. O resultado são verdadeiras joias sonoras, como Brasiliana (que mais parece saída de algum disco do Manu Chao) e a política A Vida É Curta Pra Viver Depois, com sua letra envolvente que se transforma em um verdadeiro ato de resistência (Quem vai fazer pela favela? / Eu vejo a cena, você vê a cela).

17) Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo (Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo): música também é feita para se divertir - alô, Diogão! (perdão pela piada interna, pessoal) - e o quarteto paulistano parece disposto a arrancar um sorriso do ouvinte a qualquer custo, em seu registro de estreia. Ultra econômico - são apenas nove canções e pouco mais do que 22 minutos -, o trabalho faz uma mescla saborosa de bossa nova, Jovem Guarda, rock oitentista, anarquia e filosofia de buteco, sempre soando oxigenado e nunca caricato. A sagacidade divertida das canções é percebida já na música de abertura, Pop Cabecinha (E as brigas dos casais que se unem só pra discutir / Me deixam refletindo se nós somos grandes interruptores de luz / Se eu sou mais Ravi Shankar ou Jesus) e mesmo os momentos mais delicados ou introspectivos são banhados por uma produção envolvente, caudalosa. "[Acho que foi uma] colisão entre a vontade de falar e se expor pra caralho e a vontade de ser escorregadio e se esconder atrás das palavras e dos ruídos" resumiu a vocalista em entrevista ao site Hits Perdidos.

16) Mallu Magalhães (Esperança): não é só de discussão política de sofá e de lacração melódica pueril que vive a música brasileira atual. Em meio a entrevistas do Ciro Gomes àquele canal de centro-direita e a venda de miçangas nas praças do País, muitas vezes a única coisa que precisamos em tempos tão sombrios é de um pouco de diversão escapista para que possamos, nem que seja por meia horinha, fugir do caos político, social e cultural que nos assola. E, nisso, vamos combinar que a Mallu Magalhães é mestre. Reciclando ideias que são utilizadas desde o ótimo Pitanga (2011), a artista acrescenta, aqui e ali, aquele verniz retrô-chic-classudo que se converte em um brasileirismo um tanto otimista, que pretende entregar algum fiapo de "esperança" onde talvez não haja nenhuma. Sim, a Mallu erra em muitas coisas - inclusive nas opiniões furadas, que parecem completamente deslocadas da realidade. Mas música agradável, daquela que faz bem aos ouvidos, ela faz como poucas. Queiram os "críticos" ou não.

15) Gaby Amarantos (Purakê): praticamente responsável por tornar o tecnobrega conhecido em todo o Brasil, a paraense ficou praticamente dez anos sem lançar um novo álbum - fazendo apenas participações, aqui e ali, em canções de outros artistas. Com Purakê, a cantora retoma a mistura de estilos que caracterizou o ótimo Treme (2012) indo do brega romântico (Última Lágrima), passando pelo pop eletrônico (Opará) e pelo axé (Rio), até chegar aos ritmos urbanos (Iniciação). É, ao cabo, um disco que desce fácil e que estabelece conexão imediata com o ouvinte, não fazendo concessões na hora de mesclar paixão, tesão, religião, uso das tecnologias e empoderamento feminino, entre outros temas. Não por acaso, a capacidade de sair do "drama" (Sangrando) para o deboche (Selfie) é marca do trabalho, tão heterogêneo quanto divertido. Um bom exemplo disso está na engraçadíssima Rolha. Com uma letra metafórica e sensual (Quero sair desse mundinho / Quero furar essa bolha / Quero provar outros vinhos / E sacar outras rolhas), Gaby mostra que está em ótima forma. E que pode oferecer mais do que o simples cargo de tutora no The Voice Kids.

14) Jonathan Ferr (Cura): sempre me impressiona a capacidade dos músicos instrumentais em converter as suas composições em peças palpáveis. É como se do abstracionismo lírico das notas, emergisse algo concreto, sólido em nossa mente. Ou ao menos em nossas retinas. São paisagens sonoras que ganham tons, cores, vida. E não é diferente com este segundo registro do carioca, que dá continuidade em sua busca de popularizar ritmos mais eruditos, aproximando-os do público. Trafegando entre o sagrado e o futurista, o artista entrega um disco cheio de potência e personalidade, com cada composição vibrando à sua maneira, numa mistura de jazz, soul, hip hop e R&B. Peça central do trabalho, o single Esperança tem um poema escrito por Ferr que é declamado pelo amigo Serjão Loroza, que converte seus versos em verdadeiros mantras contra o racismo, o preconceito e a intolerância (Já cansei de sentir dor / Cansei de ser refém / Dos tiros de fuzil, que matam só inocentes / Um corpo preto cai a cada 13 minutos / Me diz você.. / Quem é o delinquente?), enquanto a sua melodia aconchega o ouvinte. Vale descobrir.

13) Marina Sena (De Primeira): pra quem não tá ligando o nome à pessoa, Marina Sena era vocalista do coletivo mineiro Rosa Neon, uma banda que nasceu meio que por acaso, que era pura simpatia e que deixou apenas um disco para a história - que por sinal foi o nosso décimo colocado na lista de melhores de 2019. Carreira solo à parte, a artista trouxe de seu "antigo" grupo o flerte com os variados estilos, as letras cheias de cor e de ironia e as melodias solares e dançantes que nos acompanham da inaugural Me Toca até o encerramento com Santo. "Eu acho que é muito a coisa da canção brasileira. [...] É o que toca em novelas e nas rádios. Eu cresci ouvindo isso. Minha formação é a de uma brasileira nata. Tudo que estourou na rádio e na televisão, que o brasileiro ouviu, eu também ouvi", destacou, em entrevista ao site Tenho Mais Discos que Amigos. Um bom exemplo disso está na sinuosa Por Supuesto que, mesmo com um ritmo mais cadenciado, com uma batidinha mais minimalista, tem aquela estrutura clássica de estrofe, refrão, emanações eletrônicas, uma coisa que vai crescendo - e que, ao final, nos arranca aquele sorriso. Irresistível.

12) Tuyo (Chegamos Sozinhos em Casa): impressionante a capacidade dos curitibanos do Tuyo de trafegar com naturalidade entre a música classuda e a popular. Atmosférico, eventualmente enfumaçado, o R&B eletrônico produzido por Lio e Lay Soares e Jean Machado, é daqueles pra ser absorvido aos poucos. Em geral parece não haver pressa. Da ensolarada Vitória Vila Velha, passando pela apaixonada O Jeito é Ir Embora, até chegar na evocativa (e provocativa) Tem Tanto Deus (Tem tanto Deus no mundo e cada um tem /Raiva de mim de um jeito particular) a ambientação é melancólica, econômica, quase arrastada - como se o coletivo sugerisse algum grau de amadurecimento justamente a partir desse olhar mais enigmático. "Quisemos nos dar liberdade de experimentar outras coisas. É um desafio que a gente se permite enquanto uma banda que transita independentemente e não responde a grandes marcas ou a grandes gravadoras", afirmou Lio em entrevista à Rolling Stone, estabelecendo um comparativo com o hermético registro anterior, Pra Curar. No segundo semestre o trio lançaria ainda o complementar Chegamos Sozinhos em Casa, Vol. 2, exibindo o mesmo refinamento.

11) Flora Matos (Do Lado de Flora): lançado no finalzinho do ano passado, o segundo registro da rapper brasiliense utiliza as suas letras torrenciais e confessionais para divagações sobre memórias de infância (Conversar com o Mar), conquistas cotidianas (Valeu), paixões intensas (I Love You) e vitórias pessoais (Balanço). É um registro de batida hipnótica, reta, em que estilos como afrobeat, gospel, R&B e trap se fundem - mas sem que se perca a ternura. Peça central do trabalho, a já citada Conversar com o Mar tem melodia econômica mas cheia de potência em meio a versos nostálgicos, bucólicos, românticos (Eu quero conversar com o mar / Ouvir a onda me dizer / Aonde é que eu preciso chegar, se eu quiser me encontrar com você). Se comparado com o excelente Eletrocardiograma, de 2017, o álbum representa um ponto de amadurecimento na carreira da artista. "Acho que esse disco serve como um aconchego, uma fortaleza, um lugar pra abastecer a energia, acreditar que tudo isso de Pandemia vai passar", afirmou a cantora ao site Zona Suburbana

10) Don L (Roteiro pra Aïnouz, Vol. 2): "quem não conhece a sua história está condenado a repeti-la". A frase é clichê, mas parece combinar com a trilogia de trás pra frente, perpetrada pelo rapper cearense. Sim, porque olhar para a frente é também ressignificar o passado, a partir do presente. A revolução, afinal de contas, não se faz "do sofá". Utilizando os seus riquíssimos versos que se somam a um flow envolvente, o artista aborda os contrastes sociais, conclamando para a reflexão coletiva - buscando a consciência de classe, a agregação e a construção de alianças que possam fortalecer a luta contra aquilo que ele chama de "realismo capitalista". "É preciso fazer o resgate de figuras históricas que são nossos heróis pela forma como eles são: revolucionários. Ou, daqui a pouco, eles estarão em propagandas de multinacionais, porque o anticomunismo quando não consegue apagá-los ou demonizá-los, os coopta", comenta, em entrevista ao Diário de Pernambuco. Sem medo de julgamentos, cita Marighella, Che Guevara e Marielle Franco, batendo de frente com os delírios reacionários que pautam a nossa política, num álbum ousado, corajoso e que transforma a arte em potente documento para a reflexão.

9) Blubell (Música Solar Para Tempos Sombrios): "Desculpe meu bem / Mas a nata sou eu, neném / Eu sou a nata do profissionalismo / E da boa vontade também." Trafegando no limite entre o musical kitsch dos anos 50, a teatralidade contemporânea, o bar boêmio que fica num meio termo entre o elegante e o decadente e as figuras apaixonadas por cultura retrô, Isabel Garcia aposta no deboche na hora de adotar uma postura de cronista do cotidiano, meio ao estilo daqueles que pretendem dançar em meio ao caos. Um bom exemplo dessa riqueza de referências, sofisticadas e sarcásticas, está no trechinho que abre esse texto. Parte da música A Nata Sou Eu - realizada em parceria com Ná Ozzetti e Suzana Salles -, a canção resgata a história da vez que a artista foi contratada para tocar em um lugar chique, mas sem cachê, sob a alegação de que "a nata vai estar lá". A "resposta" virou um dos hits instantâneos desse quarto disco, que ainda brilha em outros instantes, como na magnificamente atrevida Música Americana (Eu gosto de música americana / E tenho fama de não gostar de samba / Pitadas de Cartola e de Nirvana / Misturo com Carmem Miranda e Billie Holiday). Irresistível.

8) Jadsa (Olho de Vidro): primeiro álbum oficial da baiana Jadsa, Olho de Vidro é a prova viva de que não é necessária uma parafernália musical para se fazer um grande disco. Apostando no minimalismo instrumental e na força da sua afinadíssima voz como uma espécie de extensão, a artista transforma o registro em um caleidoscópio sonoro, que utiliza fragmentos vocais, ambiguidades, contrastes e jogos de palavras como matéria-prima. Poético e lírico em igual medida, o trabalho vai do rock (Mangostão) ao samba alternativo (Raio de Sol), fazendo escala no reggae (Power) e até no dream pop (Nada). Peça central do álbum, Run, Baby reforça o espectro experimental, bucólico e até psicodélico que guia essa narrativa cheia de possibilidades, de críticas, de análises da contemporaneidade (Até tem pala, pinta de África / Branco da cabeça de dread / Até se pinta com urucum / Na trilha ele larga bituca no mato). "Penso no disco como uma resistência. [...] Quero mostrar este lado alternativo e subversivo baiano. Não em oposição a nenhum ritmo, mas uma coligação do rock com axé e dizer que a Bahia tem tudo isso", afirmou em entrevista ao site Tenho Mais Discos Que Amigos.

7) Charme Chulo (O Negócio É o Seguinte): se o finado Lado B da MTV fosse apresentado pelo multifacetado Rudimar Piccinini - que, na esfera local, comanda a gloriosa Caravana Sertaneja -, certamente os curitibanos do Charme Chulo teriam cadeira cativa. Depois de um hiato de seis anos desde o clássico moderno Crucificados Pelo Sistema Bruto - casa dos hits É Que Às Vezes (Melhor É Morar na Fazenda), Fuzarca e Palhaço de Rodeio -, o coletivo retorna com mais um trabalho em que a viola caipira e o estilo musical regionalista se mescla com o rock alternativo do começo do final dos anos 90 e do começo dos anos 2000. Em resumo, a sensação é de estar num show de britpop na Festa de Peão de Boiadeiro de Barretos. O clima é de auto-ironia, mas há no fundo uma ode à vida no campo, seus hábitos, seus costumes - o que chega as letras, que fundem a vida urbana e o bucolismo do meio rural. Um bom exemplo disso está na imperdível Tudo Química, um rockão existencialista à moda Pitty, que versa sobre dores e tristezas mundanas com referência à Jeca Tatu, o personagem de Monteiro Lobato. É divertido e desce fácil. Sem nunca soar excessivamente bobo.

6) Juçara Marçal (Delta Estácio Blues): vamos combinar que não é tarefa fácil categorizar o tipo de som feito pela carioca Juçara Marçal. E, vá lá, talvez esteja justamente nesse caráter um tanto imprevisível, uma das muitas belezas de sua obra - que dá continuidade ao inaugural e melancólico Encarnado (2014). A verdade é que, em meio a fragmentos eletrônicos e batidas minimalistas, o que pega mesmo é a aposta no contraste, na ausência de uma lógica ou de uma convenção pré-definida, que estabeleça o trabalho como uma experiência meramente popular (ou até homogênea). Sim, há poucos refrãos. Os versos podem soar excessivamente existencialistas. Mas o lirismo é palpável. O sentimento aconchega. Ecoa em cada curva. Exemplo disso é a acidentada Lembranças Que Guardei, feita em parceria com Fernando Catatau, da Cidadão Instigado. Misturando brega com melodias futuristas, a canção parece mirar no kitsch para acertar em cheio em uma espécie de Paranoid Android - aquela do Radiohead - tropical. A letra é uma joia (Eu e minha alma / Eram duas caminhadas / Uma que ouvia, a outra perguntava) - que a consolida como uma das melhores músicas do ano.
 
5) Caetano Veloso (Meu Coco): próximo de completar 80 anos de vida, com uma trajetória de mais de 50 anos de carreira e quase 30 discos de estúdio - fora os tantos outros projetos em espetáculos, filmes e outros -, o baiano de Santo Amaro certamente dispensa apresentações. Ainda assim não deixa de impressionar não apenas a presença de espírito de se mostrar totalmente conectado com aquilo que ocorre no entorno, mas também a vontade de produzir, de verbalizar, de quase traduzir o nosso caos. Bom, pra vocês terem uma ideia, a canção Enzo Gabriel já começa com uma frase/pergunta inadiável: "Enzo Gabriel, qual será o seu papel na salvação do mundo?". O expediente se repete em outras, como na inadiável Anjos Tronchos (Palhaços líderes brotaram macabros / No império e nos seus vastos quintais). Ainda assim, Caetano não deixou de lado o componente romântico, cruzando referências, mesclando estilos, apostando em contrastes, brincando com as palavras em meio a melodias sutis, quase adocicadas. Que transformam Meu Coco em mais um dos grandes trabalhos de sua carreira.

4) Jennifer Souza (Pacífica Pedra Branca): uma paisagem delicada, atmosférica, aconchegante é aquilo que encontramos no exuberante segundo trabalho da ex-integrante do coletivo mineiro Transmissor. Tomando como ponto de partida os melhores momentos do elogiado primeiro disco Impossível Breve (2013) - "casa" de ótimas canções, como, Le Flâneur e Cuida de Si - e convertendo-os em uma sonoridade ainda homogênea e primaveril, a artista entrega o fino do pop misturado com MPB e algumas doses de sofisticada eletrônica. Trata-se de um registro perfumado, doce, daqueles que nos envolvem, nos abraçam, mais ou menos como um encontro cheio de cores e aromas com aqueles que amamos - seja a família, amigos, namorada. "Tudo isso, para mim, sugere leveza, luminosidade, e não foi pensado dessa forma, foi saindo assim", revelaria a musicista ao site O Tempo. No registro que conta com diversas parcerias são várias as canções que emergem em meio a sutilezas - caso da inspirada Amanhecer (Sorte te encontrar assim / O palco aberto / Um novo lugar). A placidez é comovente.

3) Feito Café (Stand-Up Drama): coloque uma pitada de The Decemberists, acrescente uma dose de Arcade Fire e outra de Tracyanne & Danny e poderemos ter uma ideia do caleidoscópio sonoro que marca o trabalho de estreia de Letícia Pacheco e Hugo Ferreira. Admitida pela própria dupla - em bate-papo com o Scream & Yell -, a variedade de estilos que vai do country ensolarado, passando pelo pop agridoce e pelos ritmos circenses, até chegar ao shoegaze e à MPB, jamais soa como uma mera reprodução no "piloto automático". Recheado por letras divertidas e melancólicas, que tratam de emoções e sentimentos comuns a todos nós, e por melodias cheias de personalidade, o disco parece simples apenas nas aparências. Um bom exemplo disso em A Vida É... (Longa Despedida) que, com seu violão, guitarra, baixo, bateria, metais e teclados fala da "perda da pureza dos brinquedos abandonados no fundo do quintal", numa atmosfera nostálgica (A vida é uma longa despedida / Um lenço desbotado a tremular no céu azul / Um filme cuja cena final é o primeiro beijo). É agradável, quase ingênuo, o que, em tempos tão brutos, representa um pequeno sopro de esperança. 

2) Djonga (Nu): desde que as nossas listas de melhores discos nacionais ganharam "corpo", o rapper mineiro é frequentador assíduo delas. Aliás, em 2019, foi o nosso grande campeão, diga-se. E agora quase repete o feito em seu quinto trabalho de estúdio. E, vamos combinar, artistas como o Djonga são mais do que necessários na atualidade, com sua música magnética, intensa, direta, seca, que jamais deixa que temas importantes da atualidade caiam no ostracismo. A luta contra o racismo, todos sabemos, é diária. E é na mescla vigorosa de rimas cheias de intensidade e de brilho, que o rapper apresenta esses temas que derivam, aqui e ali, para outros, como, caos social, política, violência, sexo, religião e até "cancelamento" (deste último, ele mesmo foi vítima no final do ano passado, ao fazer uma apresentação em pleno auge da pandemia). A cabeça entregue em uma bandeja, na capa, dá a dica. O que se estende para os verdadeiros fluxos de consciência em formato de poesia, que são suas letras. É o caso da hipnotizante Xapralá (Eles ouve a verdade e fica revoltado / Mas naquela foto você é a criança perto do urubu / Ou Sebastião Salgado? / É melhor desistir ou viver humilhado?).

1) Rico Dalasam (Dolores Dala Guardião do Alívio): vamos combinar que só há um porém no mais recente registro do rapper paulistano: ele acaba muito rápido. Com pouco mais de 26 minutos, o álbum é daqueles pra deixar no repeat em loop quase infinito. Resultado de um processo que ele mesmo classificou como "tempo de ausência" - uma espécie de hiato meio forçado -, o trabalho produzido por Mahal Pita e Dinho Souza condensa onze faixas que formam um amálgama de experiências pessoais, sensoriais e bastante intimistas. Alternando momentos reflexivos, com outros festivos, o disco funciona como uma espécie grito de alívio de um artista que provavelmente se sentia pressionado em sua carreira. "Trazer essa dualidade de dor e alívio é pra mim, sem dúvida, o único jeito possível de me ver outra vez fazendo música", afirmou o músico em entrevista ao site Papel Pop. Peça central do registro, a ótima Braille tem letra divertida e uma batida com flow viciante, envolvente. Já a derradeira Estrangeiro é daquelas que te pega pela mão e conforta, enquanto o refrão à moda de um trap gruda de maneira hipnótica (Me sentindo estrangeiro amor / O trato era: seus braços ser meu travesseiro, amor). Apenas o melhor do ano.

E então, pessoal, gostaram da lista? Não esqueçam de nos dizer quais os preferidos de vocês!

Um comentário:

  1. A lista é um excelente guia, mas faltou colocar onde estão disponíveis.

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