De: Jane Campion. Com Benedict Cumberbatch, Jesse Plemons, Kirsten Dunst, Kodi Smit-McPhee e Thomasin McKenzie. Drama / Faroeste, EUA, 2021, 128 minutos.
Escrito em 1967 pelo romancista Thomas Savage, o livro Ataque dos Cães (The Power of the Dog) foi convertido em um ótimo filme que dialoga - e muito - com a atualidade. É uma obra cheia de personagens complexos, que se aproveitam de uma narrativa imprevisível para discutir temas como masculinidade frágil, sexualidade reprimida e a permanente necessidade de reafirmação heteronormativa. Dirigida pela sempre competente Jane Campion - se alguém ainda não viu O Piano (1993), veja -, a obra é um faroeste voluptuoso que quebra alguns códigos convencionais do gênero. E eu, particularmente, adorei ser surpreendido pelo roteiro que parece te induzir a ir para um lado, mas que te leva para o outro. A trama recua para o ano de 1925 e começa de uma forma bastante convencional: com cenas amplas de um rancho localizado no Estado de Montana, no Oeste dos Estados Unidos.
É nesse local meio isolado, de ares inóspitos, que vivem dois irmãos criadores de gado, de personalidades diametralmente opostas. Enquanto Phil (Benedict Cumberbatch) é o sujeito um tanto durão, bastante misógino e absolutamente preocupado com o trabalho na propriedade, George (Jesse Plemons) é uma figura mais estoica, gentil e altruísta. O primeiro terço da obra, por sinal, se ocupa em detalhar, aqui e ali, traços do temperamento de cada um deles. Se Phil utiliza sua voz de comando para determinar os passos do grupo de vaqueiros que trabalha na fazenda, falando das putas que visita e agindo com boçalidade, George age de forma cortez, buscando um mínimo de civilidade nas relações. E é com educação que ele se aproximará da viúva Rose (Kirsten Dunst), que, ao lado do requintado filho Peter (Kodi Smit-McPhee), mantém um pequeno comércio no povoado.
Não demora para que a amizade entre George e Rose vire um casamento realizado em segredo, o que fará com que o casal e mais o filho venham morar na grande propriedade dos irmãos. Situação que deixará Phil furioso, tornando-o praticamente incapaz de esconder o ciúme que sente de George. E tudo se tornará ainda pior com a "afetada" presença de Peter, um jovem magricela, estudante de medicina, que nutre certa paixão pelas ciências naturais e pelas artes. Será desse contraste entre o vaqueiro bruto, sujo - literalmente aliás -, e o "sobrinho emprestado", um jovem elegante, provavelmente gay e, em certa medida, confiante, que emergirão algumas das grandes sequências do filme. Apostando no imprevisível como matéria-prima, Campion utiliza os amplos (e opressores) cenários, as sequências em que animais aparecem mortos por ataques de pragas e a opulenta trilha sonora de Jonny Greenwood, para criar um ambiente de tensão constante, em que nunca conseguimos saber exatamente para qual rumo o roteiro irá migrar.
Nesse sentido é uma obra que vai no limite da sofisticação, já que sempre parece apostar muito mais nas sutilezas, nos detalhes e na economia do que no exagero. Por exemplo, em uma sequência, Peter descobre uma caixa de revistas que pertencia a um certo Bronco Henry, que teria sido uma espécie de tutor dos irmãos do passado - e o conteúdo é sugestivo, mas também revelador. Ao mesmo tempo, as incertezas sobre as reais intenções de Peter e de seu tio também transformam o terço final em uma experiência enigmática e eficiente - ainda que, muito provavelmente, venha a desagradar parte do público que talvez esperasse por um arco narrativo mais convencional. Com boas metáforas - a existência de uma corda como símbolo de "enlace" -, o filme conta com excelentes atuações de todo o elenco, sendo cotadíssimo em categorias do Oscar do próximo anos, como, Filme, Direção, Roteiro e Atores. Ainda é meio cedo, mas dada a ótima experiência proporcionada pela Netflix, estamos na torcida.
Nota: 9,5
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