8) O Negociante de Inícios de Romance (Matéi Visniec): "Ele era um velho que pescava sozinho num esquife na Corrente do Golfo e saíra havia já oitenta e quatro dias sem apanhar um peixe". A primeira frase de o Velho e o Mar, clássico de Ernest Hemingway, é daquelas que faz com que o leitor sequer saiba onde exatamente está a gravidade da situação. "No fato de o personagem estar sozinho? Ou no de ser velho? Ou de pescar numa zona por onde passa a famosa Corrente do Golfo, conhecida por seus redemoinhos? Ou ainda, no fato de não apanhar peixe já há quase três meses?" É por meio de um conjunto de divagações bem humoradas como estas, que Matéi Visniec converte o divertidamente cínico O Negociante de Inícios de Romance em uma experiência caleidoscópica sobre contemporaneidade, indústria cultural e sociedade de consumo, apresentando a urgência da busca pelos "eternos começos" em uma metáfora absurdamente mundana a respeito de fuga de responsabilidades, superficialidade da vida e completa evasão de profundidade de pensamentos. Cômica e metalinguística, a obra cruza questões relativas à pós-modernidade se conectando à literatura como veículo de enfrentamento ao totalitarismo, nos conduzindo por um passeio onírico, excêntrico e metalinguístico. Leia a resenha completa.
6) Poeta Chileno (Alejandro Zambra): Já dizia Pablo Neruda que "é tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem poetas, quanto os poetas se tornarem pessoas razoáveis". Não sei dizer se Neruda estava certo, mas no universo bastante íntimo retratado por Alejandro Zambra no ótimo romance Poeta Chileno, o que temos é um verdadeiro mergulho nesse ambiente quase mitológico dos poetas chilenos. "Somos bicampeões na Copa do Mundo de poesia" afirma em certa altura da narrativa, num tom que vai no limite entre o orgulho e o deboche, um certo Pato, amigo de Vicente, jovem recém-saído da adolescência, que sonha seguir os passos de Gabriela Mistral, Nicanor Parra, Armando Uribe, além do próprio Neruda. Aliás, Mistral e Neruda atestam a eficiência da poesia saída do País de Salvador Allende, afinal, venceram o prestigioso Prêmio Nobel de Literatura. Mas há espaço para esse tipo de leitura nos tempos atuais? Fora os clássicos, as pessoas se interessam por esse tipo de material curto, meio formulaico e excessivamente subjetivo, ainda que invariavelmente provocativo? Divagando sobre esses temas, o autor narra a história do aspirante a escritor Gonzalo, em uma saborosa análise metalinguística do fazer literário. Leia a resenha completa.
5) Herdeiras do Mar (Mary Lynn Bracht): O contraste entre a beleza poética da escrita e o argumento comovente é uma das marcas da imperdível obra de Mary Lynn Bracht. Trata-se de um livro duro, quase indigesto, mas que apresenta uma história que é, para muitas pessoas, desconhecida - no caso, sobre as jovens coreanas que, durante a Segunda Guerra Mundial, foram enviadas para regiões longínquas para servirem como "mulheres de consolo" para soldados japoneses. Sim, essa experiência repugnante é vivida por Hana, que é conduzida à região da Manchúria por Morimoto - um soldado japonês linha dura que sequestra a jovem quando ela tinha apenas 16 anos. Sob ocupação japonesa Hana é considerada, em sua Coreia natal, uma cidadã de segunda classe, com pouquíssimos direitos. Ainda assim ela orgulha-se em ser uma haenyeo, como são conhecidas as mulheres que trabalham no mar como mergulhadoras marinhas - atividade tão perigosa quanto lucrativa. Ao cabo, Herdeiras do Mar é uma experiência envolvente, inquietante, aflitiva e sensorial, um verdadeiro documento histórico que evidencia a misoginia, especialmente em tempos de guerra, em meio a outros absurdos do processo de colonização. Leia a resenha completa.
4) Véspera (Carla Madeira): Vamos combinar: existem escritores que possuem uma capacidade única de se conectar com os leitores e, a meu ver, esse é justamente o caso da mineira Carla Madeira. Com personagens cheios de ambiguidades que, em muitos casos, tomam atitudes extremas, a obra mergulha em um universo bastante particular, em que temas como masculinidade tóxica, opressão sexual, hipocrisia e violências cotidianas chegam no formato de torrentes - caudalosas, vigorosas, imprevisíveis. Em Véspera, Vedina toma uma atitude impensada que modificará sua vida pra sempre ao passo que seu marido Abel, irmão gêmeo de Caim e que vive à sombra desse, guarda uma série de segredos obscuros, íntimos, que remetem à juventude e que, em meio a tragédias familiares grandes ou pequenas, parecem sempre prontos para vir à tona. Em linhas gerais estamos diante de uma narrativa que é costurada em dois tempos que correm paralelamente - com passado e presente se encontrando e se recombinando, como uma espécie de elipse que alude a vésperas e contemporaneidades. O que torna Véspera, assim como Tudo É Rio, uma obra magnética, daquelas que reverbera por muito tempo depois, em sua irrepreensível análise sobre a condição humana. Leia a resenha completa.
2) A Velocidade da Luz (Javier Cercas): O passado que reverbera no presente. As escolhas de vida nem sempre acertadas. Objetivos, sonhos, decisões e frustrações. Arrependimentos espalhados, trajetórias dentro daquilo que é possível. Tudo aquilo que, afinal, parece dotar a nossa realidade de sentido - ou mesmo de beleza, mesmo quando na dor -, é possível encontrar nessa maravilhosa obra do espanhol Javier Cercas. Pegando uma coleção de temas aparentemente simples, que envolvem desde um autor recém aclamado em busca de uma nova história pra contar, passando pelos traumas de guerra, até chegar aos dramas domésticos nunca solucionados, tudo é narrado com fluidez desconcertante, por meio de uma prosa riquíssima, poética. Daquelas que vai recompensando o leitor com pequenas surpresas que, aqui e ali, formarão uma verdadeira colcha de retalhos a respeito da ruína do ideal de força que evoca dos conflitos bélicos, ao passo em que avança para a completa deterioração do sonho americano. "Existem duas tragédias na vida: uma é não conseguir o que se quer. A outra é conseguir". A frase de Oscar Wilde parece ser fundamental para todos os personagens trágicos que acompanhamos. Impossível não se envolver. Leia a resenha completa.
1) A Metade Fantasma (Alan Pauls): Savoy, o protagonista do novo romance do argentino Alan Pauls, possui um hábito excêntrico: visitar casas e apartamentos para alugar pelo simples prazer de adentrar o espaço alheio. A intenção não é de fechar negócio: ao conhecer corretores e negociar encontros, esse cinquentão anacrônico que sequer possui um aparelho celular decente, funciona como um intruso fugaz da vida dos outros, enquanto contempla a singularidade dos moradores da capital Buenos Aires. E em meio a entradas aleatórias no chatroulette e às perdas de tempo sucessivas em sites de compras de objetos meio inúteis, ele conhecerá Carla, uma mulher mais jovem que, se comparada a Savoy, parece saída de outra dimensão. Carla é o completo oposto: conectada, tecnológica, participante ativa de uma geração em que a internet move a vida, as relações, os hábitos e os comportamentos. Trabalhando como house sitter, a jovem é a Geração Z desenhada. Não cria laços. Não estabelece vínculos afetivos intensos. Suas "raízes" são o mundo. E será dessa relação entre duas pessoas tão diametralmente opostas que emergirá uma narrativa vigorosa, que discute o amor (ou algo perto disso) em tempos cibernéticos, conectados, urgentes. Espetacular é pouco. Leia a resenha completa.
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