É mais ou menos quando está começando o terço final de Billy Elliot (Billy Elliot), que o protagonista vivido com todo o carisma do mundo por um Jamie Bell ainda jovem, confronta seu severo pai com a única arma possível naquele momento: a dança. O balé. A arte. A arte que ele sonha, que ele deseja e que ele mantém secretamente, em aulas realizadas às escondidas com a excêntrica professora Mrs. Wilkinson (Julie Walters). Que dá cor aos seus dias sem graça na acinzentada pequena cidade inglesa em que mora com a família. É uma sequência bonita, comovente, que faz a ficha finalmente cair naquele pai tão linha dura (encarnado com vigor pelo ótimo Gary Lewis). É um ponto de virada dentro desse pequeno clássico moderno dirigido por Stephen Daldry (que dirigiria mais tarde os excelentes As Horas e O Leitor). É no ginásio local que aquilo que imaginávamos ser uma provável surra, se converte em apoio irrestrito quando o progenitor percebe o talento de seu filho. É difícil não se emocionar.
Na essência o filme, que chegou a receber algumas indicações ao Oscar na edição daquele ano, é mais um daqueles que faz com maestria o elogio ao poder da arte. E ainda o faz mesclando um tipo de "cinema social" que faz lembrar as películas dirigidas pelo Ken Loach (do recente Você Não Estava Aqui). Tanto o pai de Billie - um viúvo de nome Jackie - quanto seu irmão Tony (Jamie Draven) são mineiros de carvão que estão em greve, reivindicando melhores condições de trabalho - era algo recorrente no contexto político-social da Inglaterra do meio dos anos 80. Ao trio junta-se a avó, uma idosa praticamente inválida (Jean Heywood). Para ocupar os seus dias, o pai de Billie o envia para a academia local para aprender boxe. Ocorre que ele não gosta do esporte. Pior, por acaso, acaba entrando na aula de balé que está ocorrendo no mesmo local - já que o estúdio oficial foi improvisado para ocupação dos mineiros em greve. A paixão pela dança é imediata. Mas como o menino explicará para o seu pai que não está frequentando as aulas de boxe e sim as de balé?
É um arco dramático enxuto, mas que promove uma série de reflexões relevantes para a época - e que seguem, em partes, relevantes para os dias de hoje. Existem esportes exclusivamente de meninas? Ou de meninos? Os pais deveriam incentivar mais os talentos de seus filhos, independentemente de quais sejam? É o tipo de batalha a ser comprada juntos? E se não há dinheiro para esse tipo de investimento - aulas de balé certamente são caras -, como reivindicá-lo? Daldry utiliza com inteligência o microcosmo visto nesta cidade e que serve, por que não, como pano de fundo para discussões maiores que envolvem todo o tecido social - e que podem ir de reivindicações trabalhistas, a luta por igualdade de direitos. Não são poucas as cenas em que o pai e o irmão de Billy estão em luta com a polícia (ou as autoridades) - eles estão do lado dos grevistas. Há os "furadores" da greve, que aceitam trabalhar por valores irrisórios, certamente. Mas e quando Jackie vê a necessidade apertar mesmo, como conseguir algum tipo de vitória financeira?
Bom, a obra não pretende oferecer respostas fáceis, afinal de contas não se trata de uma tese política e sim um filme sobre, como já disse, o poder da arte. Organizada em uma estrutura hollywoodiana bem estabelecida - em que o encantamento inicial, da lugar a um conflito intermediário até chegar a um final otimista - a película tem uma dinâmica interessante em sua montagem, capaz de unir de formas bastante peculiares os universos das artes e dos confrontos entre policiais e grevistas. Há uma cena, por exemplo, em que Billy e uma colega passeiam por entre policiais à paisana, batucando em seus "escudos". Em outra, o pai de Billy é amparado pelos colegas após ceder a tenção de ceder a greve para poder auxiliar seu filho. É tudo muito bem conduzido, com um senso de humor meio cínico e aleatório - a cena em que o jovem de apenas 12 anos pergunta se a instrutora está dando em cima dele é uma joia -, que é embalado ainda pelas ótimas canções de bandas como T. Rex, The Clash e The Jam. Esse foi apenas o primeiro filme de Daldry, mas o posicionou entre os grandes realizadores do Reino Unido.
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