De: Fernando Coimbra. Com Leandra Lea, Irandhir Santos, Stepan Nercessian, Thiago Thomé e Irene Ravache. Drama / Policial, Brasil, 2024, 123 minutos.
Quem acompanha a carreira do diretor Fernando Coimbra sabe de sua habilidade em construir aquele drama policialesco e essencialmente urbano - repleto de personagens de caráter duvidoso, que navegam em um cenário de criminalidade reinante. Foi assim, por exemplo, com o ótimo O Lobo Atrás da Porta (2013) - que lhe credenciaria para a direção de alguns episódios da série Narcos, da Netflix -, é assim com o recente Os Enforcados, que passou meio que batido pelos cinemas e, agora, chega para aluguel nas plataformas de streaming. A trama gira em torno de um casal de trambiqueiros - Regina (Leandra Leal) e Valério (Irandhir Santos) -, que comercializa máquinas de caça níquel clandestinas na periferia do Rio de Janeiro. Só que, a despeito da reforma que eles estão executando em sua voluptuosa casa, o caso é que eles estão falidos. Endividados. Em crise. O que, ao menos em partes, não altera o sexo fetichista da dupla.
A oportunidade de ouro para quem tá meio que ligando o foda-se surge quando o tio de Valério, um certo Linduarte (Stepan Nercessian), uma figura influentíssima no jogo do bicho, anuncia que vai deixar os negócios - o que representa uma tentativa de recomeço para Valério, que é influenciado por Regina que, mais adiante, perceberemos ter uma ambição atroz. Sentimento ampliado por um outro trambique. Esse perpetrado pela mãe de Regina, Helena (Irene Ravache) - uma charlatã leitora de cartas de tarô, que anuncia a filha que a lua em Saturno (ou algo que o valha) configurará uma virada financeira. Nem tudo será tão simples porque a ideia de Valério era vender a sua parte dos negócios para o tio. Só que ele descobre que o sujeito anda enrolado com políticos, com milícia e gente grande do local. "Todo mundo quer a morte desse cara e você nunca será o suspeito, já que é o sobrinho", insinua Regina. E, bom, é mais ou menos por aí que se inicia uma trilha de sangue, de violência, de chantagens e de perseguições.
O caso é que Regina e Valério não apenas matam o próprio tio para assumir seus negócios, como ainda o escondem em meio as paredes da casa em reforma - uma coisa estilo Festim Diabólico (1948), mas talvez com menos charme blasé. Enquanto as obras avançam, os golpes (e paranoias) também se ampliam. Há outros homens interessados em saber do paradeiro de Linduarte que, eles dão a entender, teria algo a ver com a morte do próprio pai de Valério, uma outra figura controversa e ligada ao crime. Há uma escola de samba no meio dos negócios - e que faz aquele aceno ao estelionato -, além de uma empresa de fachada para a lavagem de dinheiro. Só que o casal central descobrirá, a duras penas, que o tio também era um falido de marca maior, estando endividado até o pescoço. Com gente graúda. O que levará a uma investigação da Polícia Federal e uma tentativa desesperada de sobreviver em meio a tudo.
Sim, essa resenha meio mal construída pode dar a entender que é tudo meio sem graça nessa perseguição de gato e rato e em tentativas aleatórias de um bando de alpinistas sociais ascenderem a qualquer custo. Mas aqui temos não apenas o resumo alegórico desse Brasil atual do jogo do Tigrinho, e de pessoas em um desejo nem tão secreto de enriquecerem percorrendo menor caminho possível, como tudo é feito com um senso de humor meio Marçal Aquino, meio Guy Ritchie (na melhor fase) - se é que isso é um elogio. Há uma tentativa de graça que não fica só na violência estilizada pela violência. Por exemplo, quando o tio morre o sangue se espalha até pelo teto, se bobear. O cachorro sapateia por cima da gosma vermelha. O que exige de Regina um esforço a mais no alvejante. Há outros acenos sobre questões sociais e políticas, como no momento em que Valério afirma, como "cidadão de bem que paga impostos", ser a favor de um combate mais efetivo do crime organizado. Como se ele não fizesse parte daquele contexto. Enfim, nada mais Brasil do Brasil. E méritos para Coimbra, que é capaz de levar tudo isso pra tela apostando na excentricidade de tudo, sem pedantismo ou academicismo excessivo.
Nota: 8,0
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