De: Christopher Andrews. Com Christopher Abbott, Barry Keoghan, Nora Jane-Noone e Paul Ready. Drama / Irlanda / Reino Unido / EUA / Bélgica, 2024, 105 minutos.
Vamos combinar que a verossimilhança não é uma característica necessária para a apreciação de um filme. Mas ao mesmo tempo, ela pode ajudar a tornar um pouquinho mais crível aquilo que assistimos. Em gêneros como o drama, por exemplo, aquele pezinho na realidade sempre faz bem. Ajuda a dar a impressão de verdade. E a nos conectar com a obra. No subgênero do drama rural que, depois de ótimas experiências em produções alternativas como As Bestas (2022), A Menina Silenciosa (2022) e Alcarrás (2022), parece estar em leve alta esse espaço de deslocamento para o campo e as pessoas que lá habitam parecem prescindir ainda mais de plausibilidade. Um agricultor, enfim, fica melhor se parecer um agricultor. Uma família do campo sempre soará mais realista se adotar hábitos mais próximos aos do interior. Ou sei lá se eu tô viajando, mas tenho a impressão de não ter encontrado isso no defeituoso Acabe Com Eles (Bring Them Down).
Sim, o filme que estreou na Mubi na semana passada e que foi exibido em festivais mundo afora pode até ter boas intenções no seu pano de fundo - com o roteiro ancorado em um ambiente de violência crescente, que decorre de traumas do passado. Ok, famílias rurais podem ter suas desavenças. Seus problemas ou medidas desesperadas na tentativa de sobreviver. Mas a menos que sejam pessoas completamente desvairadas não me parece uma solução meio inteligente atacar o rebanho ovino de um vizinho - que só está separado de você por um morro em uma propriedade (com uma ponte) -, para retirar dos animais apenas as patas, simplesmente porque uma atravessadora do mercado paralelo disse a eles que essas peças possuem grande valor de venda. O simples fato de cogitar tal atrocidade, para alguém que não parece o maior vilão da história das fazendas do interior da Irlanda, é de um descolamento da realidade acachapante.
E tá tudo bem. Digamos que, num ato de vingança, um criador de ovelhas resolvesse ferrar a vida do outro fazendo isso. Qual o sentido? Parece uma forma meio forçada de retratar o belicismo eventual desse tipo de ecossistema. Bom, mas eu já falei demais e nem comentei direito sobre o que é esse filme, que marca a estreia do diretor Christopher Andrews e que começa com um trágico acidente provocado pelo jovem Michael (Yousseff Quinn), que mata a sua mãe e desfigura o rosto de sua antiga namorada, Caroline (Nora Jane-Noone). Um salto breve no tempo nos faz perceber que Michael (Christopher Abbott, na fase adulta) ainda é assombrado pelo ocorrido. Ainda mais pelo fato de Caroline lhe ter abandonado para casar com um vizinho com cara de poucos amigos - seu nome é Gary (Paul Ready) -, com o qual tem um filho, Jack (Barry Keoghan, que tem de dar uma cuidada pra não soar meio caricato na hora de interpretar o doidinho da vez).
O furto de duas ovelhas de Michael, que descobre os animais vivos, mais tarde, na feira da cidade, faz as tensões aumentarem, com trocas de empurrões e promessas de violência - e até esse ponto, eu admito que estava bastante envolvido com a trama. Havia ainda algum tipo de sutileza que nos deixava meio no escuro quanto ao que poderia ocorrer dali pra frente. Só que aí a coisa desanda após um acidente de carro que fere Gary e Jack, com perseguições de parte a parte - e é muito irritante perceber como a trilha sonora invasiva, aquele tipo de percussão não muito criativa, parece sempre querer te lembrar que aquele é um momento em que você deve ficar nervoso. Ok, há aqui e ali alguns bons momentos diante da mata fechada e claustrofóbica, que lembram algum tipo de perseguição bucólica à Hitchcock (forçando bastante a barra). Mas não é suficiente. Assim como não é suficiente a metáfora da ovelha como um bicho em vulnerabilidade. O pai inútil na cadeira de rodas. Ou o clichê da morte do cachorro. Há muito filme bom nesse filão sendo feito (pode clicar em qualquer uma das três resenhas lá do começo do texto). E esse aqui, cheio de urbanoides que nunca se comportam como agricultores, não cola.
Nota: 4,0
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