De: Justin Kurzel. Com Jude Law, Nicholas Hoult, Tye Sheridan e Jurnee Smollett. Drama / Policial / Suspense, EUA, 2024, 116 minutos.
"É difícil um homem honesto ganhar essa quantia de dinheiro no nosso País. É porque esse não é mais o nosso País". Sim, é meio inevitável termos uma sensação meio que de déjà vu quando assistimos ao diálogo acima, entre dois supremacistas brancos dos Estados Unidos, e que é parte do filme A Ordem (The Order), que chegou não faz muito à plataforma da Amazon. Após um assalto bem sucedido em um banco de uma pequena cidade do interior do Idaho, a dupla divaga sobre aquilo que eles acreditam ser o problema da sociedade americana, que estaria envolta em uma suposta decadência moral, que resulta em perda de espaço por parte de homens brancos, héteros, cidadãos de bem. Que só querem formar suas famílias, ir na Igreja, rezar, humilhar minorias, dar um ou outro tiro de espingarda, explodir algo ou alguém que desagrade. Nada de muito diferente daquilo que prega o redneck fã do Trump, em seu dia mais comum.
Só que no filme de Justin Kurzel, que é inspirado em eventos reais, não estamos em 2025. Ou numa cruzada contra imigrantes que retiram vagas de emprego provavelmente arrombadas de moradores do Arkansas e do Texas. Aqui, estamos em 1983 e quando essa boa obra começa, a impressão que temos é a de que acompanharemos um daqueles suspenses policiais típicos dos anos 90, sobre o agente do FBI em fim de carreira, que vai para o interior se aposentar e que se depara com as maiores atrocidades. Sim, em partes é mais ou menos isso. Mas a violência não é apenas a violência em si. Com um serial killer meio desvairado matando sem muito critério. Tanto que quando o policial veterano Terry Tusk (Jude Law) chega ao pequeno Condado de Kootenai, ele é surpreendido não apenas com o relato do jovem xerife Jamie (Tye Sheridan), que menciona a existência de uma quadrilha de falsificadores de dinheiro, mas com o fato de que esse grupo pode ter ligações com células neonazistas e antissemitas, que estariam se fortalecendo nas redondezas.
As coisas começam a se encaixar quando Jamie e Terry investigam o assassinato de um homem que teria conexões com esses grupos de ódio - se deparando com um cadáver enterrado em uma cova rasa. De forma concomitante a esse crime e aos roubos de banco, a dupla também precisa lidar com os seguidos atentados à bomba em sinagogas, em sex shops ou casas de cinema adulto - espaços de suposta "perversão" que os hipócritas da extrema direita costumam abominar (ao mesmo tempo em que mamam os parças na broderagem). Claro que não vai demorar para que os investigadores cheguem à uma Igreja existente em uma comunidade afastada, onde o pastor local lhes informa sobre a dupla Bruce (Sebastian Pigott) e Gary (George Tchortov), que teria sido expulsa da ordem das Nações Arianas por causa da prática de crimes como falsificação. O fato de a Igreja local ter uma série de imagens de suásticas e de letreiros estilo white power? Capaz, tudo certo. Só um detalhe. Eles não incomodam ninguém.
Só que o caso é que os roubos de grana alta integram um plano ainda maior. E envolvem um jovem líder de nome Bob Mathews (Nicholas Hoult), que pregava uma espécie de revolução supremacista nos Estados Unidos, que envolveria o extermínio de pretos, judeus, comunistas e outras minorias, que estariam tornando a sua raça "impura". Sim, em 1983 o papo era o mesmo pregado nas altas rodas republicanas da atualidade. Esse sonho de uma América higienizada, livre de misturas raciais, com uma meia dúzia de famílias brancas, bem nascidas e agrupadas, se perpetuando infinitamente. "É hora de recuperar a terra que foi prometida aos nossos pais. Senão onde estaremos em dez anos?", brada Bob, durante uma pregação, em um dos momentos mais impressionantes. Talvez esse filme fosse menos perturbador se aquilo que assistimos estivesse em um passado distante, agora apenas enterrado. Que as ideias propagadas em panfletos bizarros, como o tal Turner Diaries fossem motivo apenas de estudo para que a história nunca mais se repetisse. Mas em tempos em que grupos de incels e de redpills se sentem pertencentes a coletivos que lhes prometem um retorno a essa terra prometida, que homens médios de autoestima baixa encontram propósito na culpabilização do outro como forma de compensar as suas próprias falhas ou fraquezas, o caso é que a alegoria se torna assombrosamente real. O que faz com que essa obra cresça ainda mais.
Nota: 8,0
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