quinta-feira, 11 de abril de 2024

Novidades em Streaming - Yannick

De: Quentin Dupieux. Com Raphaël Quenard, Blanche Gardin, Pio Marmaï e Sébastien Chassagne. Comédia, França, 2023, 66 minutos.

Ficou mais ou menos conhecida a história ocorrida no começo do ano passado em Portugal quando a atriz performática Keyla Brasil interrompeu uma sessão de teatro da peça Tudo Sobre Minha Mãe - baseada no filme de Pedro Almodóvar - para protestar pelo fato de uma das personagens trans, a Lola, ser interpretada por um ator hétero do sexo masculino. Na ocasião, Keyla subiu ao palco do Teatro São Luiz, em Lisboa, sem roupa, para reivindicar representatividade trans. Aquilo que poderia ser apenas uma ocorrência excêntrica, surtiu efeito: a peça voltou a entrar em cartaz com Lola passando a ser interpretada pela atriz trans Maria João Vaz. Aliás, esta não foi a única vez que o Teatro São Luiz foi palco (literalmente) de interrupções. Também no ano passado, o coletivo Climáximo interrompeu a peça Europa para intervir sobre seu significado. Especialmente na atual conjuntura do mundo perante a crise climática.

Enfim, nos tempos atuais - de tecnologia desenfreada e com o público em geral tendo condições de opinar sobre absolutamente tudo a qualquer momento e agora -, talvez ocorrências do tipo se tornem cada dia mais normais. Hoje em dia, quanto maior a base de fãs de determinado produto cultural, mais esse grupo parece se sentir à vontade para, literalmente, construir certas obras junto com os artistas. Sejam eles diretores, escritores, músicos. Em muitos casos basta vazar uma imagem, um frame, um traço, uma palavra ou o que quer que seja de um filme, de um disco, de um livro, ou até de um vídeo de Youtube ou de um reels no Instagram, para os apreciadores se apressarem a comentar MUITO nas redes sociais - muitas vezes com viés crítico, claro. Anos atrás, viralizou um vídeo do Chico Buarque descobrindo o "carinho da audiência". Hoje em dia, aquela cena em que o Marshall McLuhan dá as caras no filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), de Woody Allen, para simplesmente confrontar um detrator de suas publicações parece a cada dia mais convencional. E como se lida com isso? Mais do que isso, o público chega a ter razão em certos casos? Esse debate que retira o espectador da apatia tem sentido?


 

Quando a gente assiste a um filme ruim não temos muito o que fazer: resta aceitar, levantar da cadeira, ir pra casa, reclamar no Twitter, e torcer pra que a próxima experiência seja melhor. Os fãs de obras baseadas em quadrinhos parecem se sentir assim o tempo todo. A próxima sempre será melhor. Sempre apagará a péssima impressão da anterior. E por aí vai. Mas e se fosse possível manifestar a insatisfação em tempo real? Reivindicar uma melhoria ou uma correção de rumo enquanto a coisa se desenrola? É mais ou menos isso que propõe o curioso Yannick, mais recente projeto do sempre provocativo diretor francês Quentin Dupieux (do clássico cult Rubber, 2010). Famoso pelos seus filmes minimalistas, metalinguísticos e autorreflexivos, aqui o realizador nos apresenta ao jovem Yannick do título (vivido por Raphaël Quenard), um segurança de estacionamento que resolve simplesmente interromper uma peça teatral de gosto duvidoso, que ele acompanha ao lado de meia dúzia de gatos pingados na capital Paris, para exigir dos atores uma explicação sobre aquilo que ele considera uma afronta.

"Ao invés de vocês me fazerem esquecer meus problemas, vocês os estão aumentando", comenta o rapaz, de pé, diante da plateia perplexa, atônita. À todos do local, avisa que precisou pedir folga de seu turno para assistir à peça - que somados os tempos de condução, serão mais duas horas perdidas entre a ida e a volta. Pra algo que tem lhe deixado melancólico, insatisfeito, aturdido. A solução? De posse de um revólver, Yannick se propõe a reescrever a peça, mantendo os atores e o público como reféns, trazendo para o texto um material mais direto, menos denso, mais cotidiano ou mesmo leve. Mais paradoxalmente afetivo. O que resultará em um ato final comovente e, em alguma medida, surpreendente. Ao cabo, esse é um projeto pequeno - aliás, os filmes de Dupieux dificilmente alcançam uma hora e meia de duração, sendo bastante diretos em seus argumentos -, que joga alguma luz sobre temas como pedantismo cultural, passividade do público perante experiências indigestas de "arte", mediocridade pequeno-birguesa e até sobre possibilidades de criação cultural coletivas, com atenção a outras vozes, outras vivências, outras realidades. Quem já se sentiu "refém" de um espetáculo ruim se sentirá contemplado, nessa alegoria à moda Pirandello, que nos apresenta ao mais improvável dos anti-heróis.

Nota: 8,0


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