15) Arábia: no Brasil pós Golpe (e de Bolsonaro), em que sujeitos engravatados decidiam, dentro de gabinetes bem refrigerados, pela subtração de direitos trabalhistas há muito conquistados ou por reformas previdenciárias que agradam apenas a uma pequena parcela da sociedade, um filme como Arábia se tornava ainda mais impactante. A obra dos diretores Affonso Uchoa e João Dumans é uma verdadeira ode ao trabalhador comum - aquele sujeito fragilizado que anda pelos rincões do Brasil para oferecer a força física e que convive com a insegurança dos precários contratos de trabalho e com "patrões" que lhes sugam até a última gota de suor sem se preocuparem com qualquer tipo de reação daqueles que eles exploram. É uma película dura, triste, áspera, desalentadora. E inacreditavelmente real e atual. A trama, simplíssima, nos joga para Minas Gerais, onde um jovem (Murilo Caliari) encontra por acaso o diário de um operário metalúrgico que sofreu um acidente, o que mudará a sua vida e a sua percepção sobre os trabalhadores marginalizados. Leia a resenha completa.
14) O Empregado e O Patrão (El Empleado y el Patrón): muito mais do que um filme de teor político sobre questões que envolvem o universo do trabalho, essa é uma obra sobre relações humanas e seus pormenores. Isso não quer dizer que os contrastes sociais que colocam em lados opostos as duas famílias que acompanhamos em cena não estejam lá. Basta ver a moradia opulenta dos proprietários das lavouras de soja em contraponto a casa de pau a pique da família daquele que será contratado para trabalhar na safra. De um lado o maquinário agrícola que, em muitos casos, avaliza a riqueza. De outro, o cavalo solitário que simboliza um pouco de tudo ao mesmo tempo. O cenário é o Norte do Uruguai, na divisa com o Brasil - um local tão bucólico quanto inóspito. É nele que o jovem Rodrigo procurará alguém que possa auxiliar a família na colheita de grãos - o que ele conseguirá ao contatar Carlos, um rapaz de 18 anos que é filho de um antigo funcionário de seu pai. Tudo corre mais ou menos bem até o dia em que o o jovem empregado sofre um grave acidente de trabalho - o que resultará num verdadeiro jogo de xadrez que coloca frente a frente ambos os lados. É, ao cabo, um filme pequeno, incômodo, cheio de camadas. E que vale conferir. Leia a resenha completa.
13) Orgulho e Esperança (Pride): feel good movie que mistura temáticas políticas e sociais com uma abordagem sobre respeito às diferenças, aqui temos uma trama que se passa no Reino Unido dos anos 80, período de grande turbulência, onde os efeitos devastadores da política de austeridade de Margaret Thatcher resultaria na maior greve de mineiros da Inglaterra. Os prejuízos foram enormes, com demissões em massa, privatizações, perdas de direitos e o desmantelamento de comunidades inteiras de operários. A despeito desse recorte mais pesado da história, a obra se ocupa de um extrato mais episódico do todo e que envolve um grupo de ativistas gays e lésbicas que resolvem aproveitar o Dia do Orgulho LGBT de Londres para se associar, de forma quase involuntária, à pauta dos grevistas, arrecadando fundos para as famílias de mineiros. A intenção nobríssima, visa chamar a atenção para a causa dos trabalhadores, enquanto também levantam as suas bandeiras na luta por direitos iguais à de qualquer outro cidadão. Só que aí reside um probleminha: quando a pauta começa a ganhar certa força será necessário lidar com o preconceito que envolve o outro lado. O resultado é uma obra afetuosa sobre união de forças e superação de preconceitos. Leia a resenha completa.
12) Caros Camaradas (Dorogie Tovarishchi): se compreender os meandros políticos do nosso Brasil já não é tarefa fácil, imagina então os da antiga União Soviética. Ainda assim, os que se aventurarem nessa obra enviada pela Rússia no último Oscar certamente serão recompensados. Há, pra começo de conversa, um fio condutor da narrativa, que culminará no episódio que ficou conhecido como Revolta de Novocherkassk - ocasião em que empregados de uma fábrica de construção de locomotivas entram em greve pelo fato de a comida estar a cada dia mais cara (e escassa), as condições de trabalho serem precárias e os salários estarem a míngua. O ano é 1962 e a promessa, com o Governo de Nikita Khrushchov, era o de criar um novo paradigma para o comunismo, muito mais distante da violenta herança estalinista. Só que os preços altos e o desabastecimento parecem estar batendo na porta. E os trabalhadores, no limite, avançam com o protesto. O resultado é trágico e a obra aposta no drama familiar como forma de analisar o todo, em um roteiro de forte teor político e que aborda, entre outros, a importância da sindicalização. Leia a resenha completa.
11) A Camareira (La Camarista): existe um tipo de opressão, especialmente direcionada à massa trabalhadora, que é demonstrada de forma soberba (e sutil) nesse ótimo exemplar do cinema mexicano. Esse tipo de abuso é muito mais estrutural, está presente no tecido social, o que faz com que muitas pessoas vivam uma vida de invisibilidade. Aliás, pior: na intenção de obter o mínimo para o atendimento de suas necessidades mais básicas, abdicam permanentemente de suas vidas pessoais, abrindo mão de seus sonhos para existir, em muitos casos, a existência do "outro". E, nesse sentido, não poderia haver ambiente mais adequado para o desenvolvimento da ação da película de estreia da realizadora Lila Aviles, do que um hotel de luxo. É esse espaço que nos permitirá nos ver confrontados com tantos contrastes. Enquanto a protagonista Eve se empenha em atender os caprichos dos mais variados hóspedes - a maioria monossilábicos, grosseiros - se empenha em tentar alcançar pequenas vitórias que amenizem a distância existente entre o seu universo e o dos aristocratas com quem convive à força, no trabalho. Uma obra inteligente, de fluência contemplativa, que estabelece o hotel como uma metáfora para a sociedade. Leia a resenha completa.
10) Roma (Roma): grande vencedor na categoria Filme em Língua Estrangeira no Oscar 2019, a obra produzida pela Netflix e dirigida por Alfonso Cuarón (Gravidade) é um verdadeiro tapão na cara das hipócritas classes mais abastadas, que não se constrangem em explorar o trabalhador até o limite, fingindo uma generosidade que serve apenas para a manutenção do status quo. A trama volta no tempo, mais precisamente para a Cidade do México, no começo dos anos 70 - período de crescimento econômico (mas também de aumento das desigualdades) - para contar a história de uma família burguesa e de sua relação com a empregada doméstica Cleo (Yalitza Aparício). No período de um ano vários acontecimentos - da gravidez de Cleo a separação dos patrões - abalarão os moradores da casa. Com ecos de Que Horas Ela Volta?, a película aposta na sutileza - e em uma espetacular fotografia em preto e branco - para mostrar que a autonomia de Cleo só existe mesmo no campo das metáforas (como aquela que mostra a imagem de um avião refletida em uma poça da água).
9) Dois Dias Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit): a capacidade dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne em pegar um fiapinho de história para transformá-la em um grande tratado social sobre temas profundos, atinge um de seus ápices nessa obra que deu à Marion Cotillard uma indicação ao Oscar. Na trama, ela vive Sandra, uma funcionária de uma empresa que comercializa painéis de energia solar que está retornando ao trabalho, após um período em que esteve em licença saúde para tratamento de uma depressão. Enquanto esteve ausente, seu chefe remanejou a equipe de trabalho: para que não precisasse contratar ninguém para executar as atribuições de Sandra, concedeu horas extras aos demais empregados, lhes pagando uma espécie de abono salarial. E, para Sandra, restará uma verdadeira via crúcis pra tentar convencer os colegas, indo de porta em porta implorar sobre a importância de manter o seu emprego - a situação será decidida em uma assembleia mais adiante. Sim, mendigar pelo emprego se torna a metáfora mais do que perfeita a respeito da humilhação sofrida por empregados (que, de quebra, ainda tem a sua saúde deteriorada). Leia a resenha completa.
8) 7 Prisioneiros: sim, a gente sabe que na esteira do recém finalizado (des)governo Bolsonaro há um contexto caótico em que absolutamente tudo é possível. Só que, ainda assim, parece meio inacreditável que, já adentrando 2023, sejam tantos os casos revelados que envolvem tráfico de pessoas e, mais ainda, de trabalho análogo à escravidão. Experimente fazer uma pesquisa com os termos relacionados ao assunto, e não será surpresa encontrar notícias atualíssimas de trabalhadores resgatados, em meio a condições degradantes, ausência total de direitos e precarização de todos os tipos imagináveis - como o que envolveu certas vinícolas da Serra Gaúcha. Na gestão do "mito", valia a ladainha do "mais trabalho e menos direitos". E a real é que há pouco espaço para qualquer tipo de otimismo no que diz respeito a esse tema. O futuro é nebuloso - e, em muitos casos, parece o passado. E, aqui, entra o grande mérito desse dolorido filme nacional que coloca o dedo na ferida na hora de escancarar o absurdo do trabalho escravo na contemporaneidade - uma de nossas tantas mazelas. É uma obra de baixo orçamento, mas que passa o recado de forma contundente. Leia a resenha completa.
7) O Bom Patrão (El Buén Patrón): "bom todos vocês sabem que minha mulher e eu não temos filhos, e nem precisamos deles, porque vocês são nossos filhos." A frase dita pelo senhor Blanco (Javier Barden) ainda no começo do enviado da Espanha ao Oscar do último ano já evidencia uma certa semiótica desse ideal supostamente paternalista que costuma reger algumas empresas. Do alto de uma estrutura elevada, o sujeito - o dono de uma bem conceituada fábrica de balanças - discursa à seus funcionários, que estão ao nível do solo (uma imagem de peso e contrapeso que serve de metáfora não apenas para o tipo de segmento daquela indústria, mas também para a hierarquia ali vista). Em meio a comentários sobre compromissos e estratégias, o senhor Blanco alerta a todos ali que, naquela semana, deverá visitá-los uma comissão que concede uma premiação de excelência entre empresas regionais e que eles estão entre os finalistas. E é claro que a coisa vai desandar e a tentativa de preservar a boa imagem será paulatinamente arruinada por empregados insatisfeitos, problemas familiares, assédios e outras questões. O tema é sério, mas o resultado é absurdamente debochado! Leia a resenha completa.
6) O Corte (Le Couperet): quem acompanha a carreira do grego Costa-Gavras já sabe que o cinema político é o seu forte - como atestam obras fundamentais como Z (1969) e Estado de Sítio (1972). Com O Corte o diretor realizou uma debochada comédia, que leva ao limite o conceito de capitalismo selvagem, que faz com que as pessoas briguem o tempo todo pelos melhores postos de trabalho. A ideia de "eliminar adversários" na busca por uma vaga de emprego adquire, nesta ótima película, um tom literal quando o protagonista Bruno (José Garcia) resolve que a solução para voltar ao mercado é assassinar os potenciais concorrentes para o mesmo cargo. Sim, é bastante nonsense, com a película flertando com o absurdo a todo momento. Mas a intenção é a de, metaforicamente, fazer a crítica a um sistema que se apresenta extremamente competitivo, fazendo com que as pessoas tomem medidas desesperadas. Alegórico, quase à moda de um Tarantino francês, Costa-Gavras faz a crítica necessária - isso que naquela época não ouvíamos falar em empreendedorismo de palco, em coach, em coworking, em startups e em outros termos da área -, extrapolando qualquer limite de lógica, de coerência e de ética. Vale demais! Leia a resenha completa.
5) Você Não Estava Aqui (Sorry We Missed You): quem acompanha a carreira do diretor Ken Loach sabe que seu cinema social costuma ser duro, áspero e extremamente realista. Não há desafogo para a paisagem que se estabelece, seja na análise do cidadão comum que luta contra a burocracia de um sistema que lhe exaure, como no anterior Eu, Daniel Blake (2018), seja na abordagem da precarização do trabalho, caso neste aqui. Na trama voltamos um pouco no tempo, mais especificamente para os anos que se sucederam a crise de 2008, que resultou em um sem fim de trabalhadores desempregados. Um destes é Ricky (Kris Hitchen), que adquire (meio a contragosto) uma van para trabalhar de forma autônoma com entregas. Já a esposa Annie (Debbie Honeywood) trabalha como cuidadora, como forma de complementar a renda. Ambos os trabalhos precarizados, sem direitos, com jornadas exaustivas, que chegam próximas das 14 horas diárias. É um contexto bastante atual, e Loach mete o dedo na ferida para mostrar como a falsa de ideia de "autonomia" no mercado de trabalho é, apenas isso... falsa. Assim, a estrutura familiar desanda e a tragédia se torna quase inevitável. Leia a resenha completa.
4) Parasita (Gisaengchung): grande vencedor do Festival de Cannes e do Oscar - aliás, primeiro estrangeiro da história a alcançar o feito de vencer a categoria principal -, o filme do diretor Bong Joon-ho (Okja, Expresso do Amanhã), desconstrói o sentido do substantivo/adjetivo que dá nome à obra: quem afinal de contas parasita quem para que a engenhoca capitalista siga funcionando a contento? Na trama, uma família pobre do subúrbio da Coréia do Sul vai aos poucos entrando na vida de outra, burguesa, sem que esta perceba o que está realmente acontecendo. A intenção é a de oferecer a força de trabalho, mas até onde vai a mentira para que esteja assegurada a manutenção do estratagema? Com um elenco carismático, a história mostra que não há vilões - sendo o Estado o grande culpado por não viabilizar uma sociedade com menos contrastes - com mais igualdade. Tecnicamente sublime, a obra ainda vai no limite do suspense e o deboche, adotando metáforas - como na inesquecível sequência da chuva -, que resumem a intenção geral da película em poucos segundos. Parasita conseguiu, ao cabo, furar a bolha ao apresentar uma narrativa sobre questões sociais, que era totalmente palatável. Leia a resenha completa.
3) Eles Não Usam Black-Tie: incrível perceber como, mais de 40 anos depois de ter sido lançado nas cinemas, esse clássico de Leon Hirszman, segue dolorosamente atual. O Brasil caminhava para o final de uma longa ditadura em 1982 - época em que greves como a dos metalúrgicos, ocorrida em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, ganhavam força buscando melhores condições de trabalho ao passo que protestavam contra o arrocho salarial e autonomia sindical. De alguma forma o filme de Hirszman nos joga para dentro desse contexto, ao nos apresentar para o jovem operário Tião (Carlos Alberto Riccelli), um sujeito alienado que está apenas interessado em viver a boa vida. O pai de Tião, Otávio (o próprio Guarnieri), é um ardoroso militante sindical que, a despeito da idade, não perde o seu idealismo. Quando uma assembleia faz com que ecloda um movimento grevista, a categoria metalúrgica fica dividida (e pai e filho acabam ficando em lados opostos desse debate). O resultado é uma obra que olha com certa melancolia para a juventude - desinformada, ignorante, afastada da realidade -, ao passo em que assiste não sem certo desencanto a massa trabalhadora sendo diariamente exaurida e com cada vez menos perspectivas. Leia a resenha completa.
2) Tempos Modernos (Modern Times): mecanização, rotinas de trabalho exaustivas, luta por direitos, intolerância política, pobreza, doença. Desencanto. Alienação. Sim, esse combo todo pode até parecer um resumo dessa era aceleradíssima que vivemos. Mas também é aquilo que assistimos no clássico que apenas comprova a atemporalidade da obra de Charles Chaplin. Seu humor, nunca vence. Suas críticas dialogam com o hoje. E em tempos tão tecnológicos como os deste começo de século, chega a ser comovente perceber como um filme lançado há quase 90 anos ainda nos pega desse jeito. Da cena clássica em que centenas de trabalhadores entram na indústria metalúrgica como se fossem um rebanho bovino indo pro abate à esteira onde Carlitos deve repetir, mecanicamente, os mesmos movimentos monótonos durante toda a jornada, tudo contribui para que ele não consiga se desconectar dessa rotina, quando o serviço se encerra. Após um rebu, o protagonista é preso acusado de, pasmem, comunismo! Aliás, a crítica social da obra foi tão contundente que Chaplin foi, de fato, acusado de estar do "lado vermelho da força". É só um elemento a mais que torna essa experiência entre roldanas, pistões, alavancas e outras engenhocas ainda mais impactante. Leia a resenha completa.
1) A Classe Operária Vai ao Paraíso (La Classe Operaia Va In Paradiso): Simone de Beauvoir afirmava que o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos. Pois na Itália do início dos anos 70, a frase encontra eco no comportamento de Lulu (Gian Maria Volonte), um "operário-padrão" dedicado e admirado pelos seus chefes pelo trabalho que desempenha, com muito esforço e suor, em uma indústria metalúrgica. Apesar das condições absolutamente insalubres, Lulu se mantém alheio às greves que lutam por cargas horárias mais justas, salários adequados e melhores condições gerais, permanecendo em um mundinho em que recebe tapinhas nas costas dos superiores por desenvolver sistemas que aumentam a produtividade. Digamos que a ficha cai para Lulu quando, num dia de trabalho exaustivo, ele perde um dedo. Desassistido pelo Plano de Saúde ocupacional, que lhe fornece o mínimo dos mínimos, Lulu resolve que é hora de se engajar. Só que talvez seja meio tarde, quando Lulu perceber que os tapinhas nas costas darão lugar ao pé na bunda depois de sua produtividade reduzir drasticamente. Contundente e melancólica, essa obra que venceria a Palma de Ouro no Festival de Cannes, apresenta certa parcela da classe operária como uma massa ignorante do ponto de vista político - sonhando com a ascensão social, ao mesmo tempo em que permanece alienada. Mais atual, impossível. Leia a resenha completa.
A gente sabe que teria muitos outros filmes pra incluir nessa lista e contamos com as sugestões de vocês pra ampliar a nossa relação! E para manter a classe trabalhadora unida!
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