De: Laura Mora Ortega. Com Carlos André Castañeda, Davison Flores, Brahian Acevedo e Cristian Campaña. Drama / Aventura, Colômbia, 2022, 103 minutos.
"São minha família. Eles não tem ninguém. Nem eu. Estamos sozinhos. Fazemos companhia um pro outro. E só quero leva-los a um lugar em que ficarão bem. Onde não nos falte nada. Onde ninguém vai bater, humilhar ou menosprezar a gente. Onde possamos fazer o que quisermos. E lutar pelo que acreditamos." Vamos combinar que, quando o assunto são as injustiças sociais, as burocracias governamentais e o completo descaso com as camadas populacionais mais vulneráveis, só muda o endereço. Já que a história, em linhas gerais, costuma ser a mesma - com pequenas variações, de acordo com o País. Em Os Reis do Mundo (Los Reyes del Mundo) - grande vencedor da Concha de Ouro do último Festival de San Sebástian -, o jovem Rá (Carlos Andrés Castañeda) recebe uma excelente notícia: por meio de um programa de restituição de terras do do governo colombiano, ele tem direito a um terreno que teria herdado de sua avó, no povoado de Nechí - mais de 350 quilômetros distante de Medellín, onde "mora".
Ao lado de outros quatro jovens amigos, Rá embarcará em uma jornada que visa a recuperar de fato, aquilo que é seu de direito. Sem muito conhecimento ele tem apenas um papel na mão - um documento que o reconhece como legítimo herdeiro. Mas, bom, estamos na Colômbia e poderia ser o Paraguai, a Venezuela, o Brasil e a coisa seria igualmente complexa. Dotado de grande senso de persistência, ele pega a perigosa estrada em meio a caronas em caminhões e ousadias de bicicleta. De cada parada - em bares de beira de estrada, em propriedades rurais isoladas ou até mesmo em bordeis improvisados - emergirão eventos inesperados, que alteram rotas, que dão movimento a esse road movie tão aleatório quanto carismático. Em uma sequência comovente, por exemplo, eles chegam a uma casa de prostituição, sendo acolhidos como filhos (ou netos) por um coletivo de putas idosas. Um lugar para chamar de casa é o que todos ali procuram - um afeto que seja. Mais real do que terreno até então abstrato, que era da avó de Rá.
Em certa altura os meninos correm pelas ruas asfaltadas na madrugada solitária. E, como crianças que são, não resistem a uma traquinagem: arremessam pedras em todas as lâmpadas dos postes de iluminação pública que estão no seu trajeto. Ao final da explosão do último refletor resta apenas a escuridão. A alegoria não poderia ser mais óbvia: é o breu que parece estar no horizonte daqueles meninos. Que deixam a violenta e turbulenta Medellín - com sua urbanidade e urgência de metrópole impregnada em todos os poros - para se embrenhar rumo ao desconhecido, à incerteza. Entre eles a relação também não será fácil. De forma magnética, a diretora Laura Mora Ortega, apresenta cada um dos meninos como sujeitos de personalidade únicas, uns mais afáveis, amistosos, outros mais intempestivos, propensos a algum tipo de violência. Ainda assim eles estão juntos em sua jornada. E a frase que abre essa pequena e modesta resenha, proferida por Rá em certa altura, resume o espírito todo da coisa.
De alguma maneira esse é um filme em que o preconceito parece estar nas entrelinhas, ainda que ele não demore a eclodir. No mesmo bordel em que são aninhados pelas mulheres, eles recebem uma boa dose de hostilidade de outros clientes. O racismo, a intolerância, o ódio e a invisibilidade estão em toda parte. Em um bar o atendente simplesmente ignora seus pedidos. Eles queriam apenas comida e bebida. Nada de mais. Nenhum abuso. Ao cabo este é um filme dolorido sobre pessoas que persistem, resistem, caem e levantam. O cavalo branco que volta e meia reaparece também funciona como um símbolo de uma paz que parece que nunca será encontrada. Contemplativa, comovente, urgente, essa é daquelas obras que atualizam, de alguma maneira, Capitães de Areia, de Jorge Amado, num retrato desalentador e fantasmagórico da miséria e da falta de afeto - e das consequências duras que decorrem desse contexto. Tá na Netflix. E vale ser conferido.
Nota: 8,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário