De alguma maneira, pode-se dizer que esse arroubo de sinceridade do protagonista resume bem o espírito dessa impressionante e elogiada série, que teve a sua primeira temporada exibida em novembro do ano passado no canal por assinatura Space. E que já tem agendado para julho o seu segundo ano. Na trama, Elliot é um jovem programador que alterna uma rotina como técnico em uma empresa que trabalha com segurança virtual durante o dia e como hacker justiceiro durante a noite. Será justamente a aparição do tal Mr. Robot do título (Christian Slater) que bagunçará um tanto a sua vida. Mr. Robot é o líder de um misterioso grupo de hackers que recruta Elliot com o objetivo de atacar o maior conglomerado econômico do mundo, a multinacional E Corp. O detalhe: a E Corp está entre as clientes da Allsafe, empresa em que o jovem trabalha. Vale a pena se arriscar a tanto?
A série, uma das mais originais surgidas nos últimos anos discute, nas entrelinhas, diversas questões relevantes da atualidade, estando entre elas as diferenças sociais, a dependência que temos dos sistemas informatizados, a insegurança da disponibilidade de dados na rede, a importância dada ao dinheiro, a farsa das propagandas, a necessidade do uso de pílulas e medicamentos que nos possibilitem emoções sintéticas em uma vivência tomada pelo torpor, o aumento desenfreado do uso de produtos químicos nos alimentos, a lavagem cerebral da mídia, entre outros. E isso, é preciso que se diga, não é pouco. Afinal de contas, a E Corp fictícia que se vê em Mr. Robot bem poderia ser o Microsoft, a Monsanto, a Exxon, a General Electric, a HSBC. E se essas empresas fossem deletadas do mapa de um dia para o outro? Quem sofreria? Seria possível um novo mundo sem elas?
Não bastassem o roteiro e a direção espertos de Sam Esmail, a história ainda conta com uma série de arcos dramáticos interessantes e que geram interesse permanente de quem assiste à série. Seja nos momentos em que Elliot está hackeando algum colega de trabalho, interesse romântico ou mesmo caçando algum criminoso, seja nas investidas feitas pelo grupo coordenado por Mr. Robot - que leva o nome sugestivo de Fuck Society -, ou nas cenas nos corredores luxuosos da E Corp, com seus executivos ambiciosos em busca de cargos que lhes deem ainda mais dinheiro, tudo é extremamente bem amarrado, com tensão e drama na medida certa. Para se ter uma ideia do clima da série é como se misturássemos filmes como O Clube da Luta e V de Vingança com a literatura de William Gibson e Aldous Huxley e o som do Chemical Brothers. Há certa urgência e certa violência, mas também há algum torpor nas rotinas letárgicas de cada personagem.
Repleto de grande interpretações - um dos maiores destaques o jovem ator Martin Wallstöm, que vive o vice-presidente sênior te tecnologia da E Corp, Tyrell Wellick - Mr. Robot ainda adota um estilo diferente de filmar, com enquadramentos oblíquos - é comum ver os personagens no canto da tela, dando a dimensão exata de seu tamanho em meio a um mundo de gigantes (e de pessoas importantes) -, elipses narrativas, flashbacks e uso de câmera lenta de forma orgânica. A trilha sonora vai de Beethoven, Neil Diamond e Maria Callas a Perfume Genius, M83, Alabama Shakes e FKA Twigs, contribuindo diretamente para gerar a sensação correta, seja ela a de instabilidade ou a de calmaria. Em uma época em que nunca se deu tanta importância para as questões econômicas, para o produto interno bruto, para o crescimento mercadológico, para a geração de emprego e renda e, enfim, de riqueza, Mr. Robot é daquelas séries que faz pensar, e muito, sobre nosso papel nesse contexto. Que venha a segunda temporada!
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