Uma imagem aérea de um deserto em algum lugar dos Estados Unidos visualiza um homem que, de boné vermelho, paletó e gravata empoeirados, caminha sem rumo definido. Com a garrafa de água vazia o mesmo, visivelmente emagrecido e com lesões na face maltratada pelo sol, avista um boteco onde, na companhia de um único homem, cairá desmaiado. Encaminhado ao médico, será identificado pelo documento no bolso, cujo contato mais "próximo" será seu irmão Walt, que não o via há quatro anos (Stockwell), e que virá a seu encontro de Los Angeles até o Texas, lugar onde o filme se inicia. Ao tentar resgatar e se comunicar com o irmão Travis (Stanton), cujo estado catatônico o impede de falar e sequer se alimentar, Walt tenta entender o que aconteceu para o seu desaparecimento e consequente fuga da realidade, deixando a esposa Jane (Kinski) e o filho Hunter (Carson) para trás - este último aos cuidados do irmão e sua amável cunhada Anne (Clément), que acabaram por "adotar" o garoto, agora com 7 anos de idade.
A longa viagem até Los Angeles de avião não será possível. Vamos de avião, diz Walt, ao que Travis responde: Vamos tirar os pés do chão, porquê? negando-se veementemente a continuar. A discreta melhora de Travis que, após meia hora de película, começa discretamente a conversar com o irmão - e até a se alimentar - faz com que Walt, um empresário bem sucedido, renove suas esperanças em devolver o irmão a seu lar. Porém, a viagem deveria continuar no mesmo carro com que ambos chegaram até o aeroporto. E é essa sutileza e minimalismo que Wenders explora tão bem neste seu icônico trabalho, embalado pela evocativa trilha composta por Ry Cooder e a belíssima cinematografia. O andamento calmo, lento, revela aos poucos os conflitos internos de nosso personagem principal que, a partir dali, buscará retomar os rumos de sua vida até então dilacerada - e é sintomático que, ao arriscar dirigir, Travis saia da estrada em pleno deserto de Mojave. Carregando consigo uma fotografia de um lote de terra em uma localidade chamada Paris, em pleno deserto do Texas, Travis conta que adquiriu o terreno para construir a sua vida (e felicidade) lá. Ironicamente, Paris (capital da França) é um local luxuoso e sinônimo de romantismo e uma vida plena de realizações, o que, segundo Travis, era motivo de piada por parte de seu pai que sempre utilizava a história para afirmar que conhecera sua esposa em "Paris", lugar onde - segundo Travis - ele teria sido concebido. E pra lá que deseja retornar, às suas origens e um lugar onde o amor tenha sido (ou seja) possível.
Eu não poderia ser uma mãe para ele
Era muito jovem
Queria algo que não sabia o que era - Jane
Não tenho medo de altura
Tenho medo de cair - Travis
Ao tentar descobrir o paradeiro de Jane, que a princípio estaria na cidade de Houston, devido ao recibo bancário dos depósitos feitos para a poupança de Hunter, Travis pedirá ao irmão ajuda para a empreitada que os levará (ele e o filho) em uma viagem de carro que aproximará os dois e, quem sabe, reencontrar-se com a ex-esposa e o passado a fim de realizar o seu objetivo até então pouco esclarecido. "O que aconteceu entre vocês?" É o que nos perguntamos o tempo todo, bem como Walt em determinado momento do filme. De aparente simplicidade, é sobre a comunicação (a falta ou a dificuldade de) entre as pessoas que esta magnífica obra trata, bem como a nossa capacidade em destruir aquilo que amamos. E é lindo notar o quanto a fala de Travis e Hunter fica mais fluente e leve, em um primeiro momento utilizando Walkie Talkies (alguém lembra?), no decorrer da viagem. E ao chegar na gigantesca Houston (não por coincidência cidade sede da estação espacial da NASA, que busca descobrir novas formas de vida e explorar possibilidades, em uma metáfora óbvia mas elegante), será improvável a tarefa de chegarem a seus objetivos.
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