segunda-feira, 21 de julho de 2025

Cinema - Cloud: Nuvem de Vingança (Cloud)

De: Kiyoshi Kurosawa.Com Masaki Suda, Daiken Okudaira, Masataka Kubota e Kotone Furukawa. Suspense / Drama / Ação, Japão, 2024, 124 minutos.

Quem acompanha a carreira do diretor Kiyoshi Kurosawa sabe que seus filmes podem até ter um caráter mais experimental, ainda que, em muitos casos, sejam apenas um veículo para o exame de questões um tanto mundanas. Em clássicos cult como Pulse (2001), uma história de terror abstrato, com assombrações que aparecem e somem por meio de um computador depois que um suicídio acontece, parece haver apenas uma análise desse mal estar proveniente do uso da tecnologia que, verdade seja dita, apenas escalaria nas décadas seguintes. Nesse sentido, talvez não seja por acaso que projetos como o recente Cloud: Nuvem de Vingança (Cloud) bebam na mesma fonte temática. Aqui, o aparato tecnológico já evoluiu. Até chegar onde estamos atualmente: em uma sociedade adoentada, individualista, niilista e violenta, com o ambiente online sendo apenas o meio para a exacerbação do ódio.

Na trama, Ryosuke Yoshii (Masaki Suda) é um tipo de picareta que adquire produtos no mercado paralelo - em muitos casos itens falsos, como bolsas; ou de colecionador, como bonecas da cultura pop -, para revendê-los na internet. Na primeira cena da obra, ele está barganhando com um casal de idosos a compra de aparelhos terapêuticos supostamente milagrosos (uma mercadoria que parece ter sido roubada). Após levar pra casa - seu depósito improvisado - 30 desses equipamentos por três mil ienes cada, ele os revende pela bagatela de 200 mil ienes online. Um dinheiro fácil e que chega até ele com muito mais velocidade do que aquele que ele obtém como um modesto empregado da indústria têxtil. Tanto é que, por mais que seu chefe insista na ideia de promovê-lo para que ele permaneça no local (ele parece ter o perfil ideal para chefiar), ele se recusa. Pede as contas. E passa a investir ainda mais fortemente no comércio online.

 


E, bom, como não poderia deixar de ser, não demora para que os negócios, que parecem estar indo de vento em popa - com direito até mesmo a compra de uma casa mais espaçosa (e afastada) para uma melhor organização logística, a sombra de tudo - desandem. Especialmente após um grupo de pessoas que se sente lesada, formar uma espécie de milícia digital com o objetivo de fazer com que Yoshii, que mantém nas suas redes o nome falso de Ratel, seja devidamente punido. Em linhas gerais, o que Kurosawa pretende evidenciar nessa escalada de violência que parece meio inevitável é que, nesse ecossistema moderno em que todo o mundo se acha mais esperto que o outro (em tempos de Tigrinho, de jogos digitais e de promessas de grana fácil), não há mocinhos. Movendo-se pelas sombras, pelas bordas, o protagonista sente a ameaça chegar não se sabe exatamente de onde. Mas ela está prometida. Na janela quebrada, na sensação de ser observado ou em um simples arame esticado na rua.

Hábil nessa construção das sensações como parte da experiência - a gente sabe o tempo todo que as coisas podem ficar ruins, seja pelo uso das sombras ou da fotografia que parece mais escurecida do que o normal -, o realizador converte o filme em um espetáculo selvagem no terço final, com uma perseguição digna dos melhores filmes de ação. Em tese pode parecer uma solução meio óbvia e que acaba contrastando com a ambientação mais sofisticada, de pesadelo onírico da hora inicial. Mas parece ser o ideal para evidenciar o fato de que ninguém está livre do ódio online (especialmente quando ele deixa de ser um mero xingamento em uma rede social). Os tempos de hoje são brutos. Preconceito, intolerância, extremismo, autoritarismo, vigilância, medo. Pulse parecia apenas um ensaio sobrenatural do tipo de tensão que seria mostrado em Cloud. E quando a ficha cai a respeito do absurdo de tudo aquilo - com pessoas desumanizadas e reduzidas a nada -, não há choro que resolva.

Nota: 8,0 

 

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