terça-feira, 1 de julho de 2025

Tesouros Cinéfilos - O Ódio (La Haine)

De: Mathieu Kassovitz. Com Vincent Cassel, Hubert Koundé e Saïd Taghmaoui. Drama / Policial, França, 1995, 95 minutos.

"É a história de um homem que cai de um prédio de 50 andares. O cara, durante a queda, repete sem parar para se reconfortar: até aqui está tudo bem, até aqui está tudo bem. Mas o importante não é a queda. É a aterrissagem". Vamos combinar que a narração em off que abre o cru O Ódio (La Haine), inicialmente parece apenas enigmática. Um microconto torto e metafórico. Que retornará diversas vezes durante a narrativa - contribuindo para que, mais adiante, seu sentido passe a ser melhor compreendido. Especialmente no universo em que habitam os protagonistas dessa experiência intensa, magnética e violenta do diretor Mathieu Kassovitz. Ao cabo, esse é o tipo de filme que podemos chamar de "pedrada". Tudo é veloz, com os acontecimentos se descortinando em um efeito cascata. Meio drama febril, meio policial estilístico, como se estivéssemos em uma mescla de Trainspotting (1996) com Guy Pearce. Ainda que muito mais político. E, talvez por isso mesmo, nem tão engraçado.

O cenário aqui é um bairro habitado por imigrantes pobres no subúrbio de Paris. A violência policial parece escalar, bem como a discriminação e a xenofobia. Um jovem de nome Abdel foi agredido durante uma série de protestos e agora está em coma. Corre risco de vida. Para o judeu Vinz (Vincent Cassel) só parece haver uma solução possível para o caso. Se o amigo morrer, ele terá de matar um policial como contrapartida. Uma coisa meio "olho por olho dente por dente" - como sinalizava o antigo Código de Hamurabi, em sua suposta proporcionalidade nem tão justa. Só que nesse contexto há um problema, que é lembrado pelo boxeador negro Hubert (Hubert Koundé), um sujeito que aparenta ser mais pacífico, a despeito de sua academia de pugilismo ter sido totalmente destruída durante os tumultos: "o ódio só gera mais ódio". Com um agravante: como minorias, eles estão na ponta mais fraca. Com tudo piorando com o avanço nem tão sutil de uma extrema direita violenta e preconceituosa que, na produção, é simbolizada por Jean-Marie Le Pen. Era os anos 90, afinal. Turbulentos como só.

 


Aliás, o racismo institucional e o discurso xenofóbico estão por toda a parte - e, nesse sentido, não deixa de impressionar o quão atual a obra segue, em tempos de crises imigratórias, de trumpismo e de células nazistas proliferando mundo afora. Em uma sequência, por exemplo, Vinz e Hubert, acompanhados do inseparável Saiïd (Saïd Taghmaoui) - um árabe meio da pá virada que completa o trio que vara uma madrugada intensa, frenética e imparável, desde a hospitalização de Abdel -, tenta entrar em uma espécie de festa de luxo. Mais do que isso, tentam conversar com algumas mulheres, mas sem muito sucesso. É só mais um motivo para que a intolerância e a raiva eclodam, com uma das jovens desprezando o trio de forma categoria, comentando algo tipo "por isso ninguém gosta de se aproximar de pessoas como vocês". Há outras partes da cidade em que esses jovens tão marginalizados quanto vulneráveis não são bem-vindos. No hospital, no mercadinho, mesmo num churrasco no terraço de um prédio abandonado.

É tudo dolorido, com a sensação de desalento sendo ampliada pela fotografia em preto e branco, que torna aquele ambiente essencialmente urbano, caótico e cinza em um espaço apenas de existência - e, vá lá, resistência. Sem muita perspectiva para quem não se sente parte de uma Pátria. Kassovitz - que seria premiado como melhor diretor no Festival de Cannes -, alguém que participou de protestos na juventude, utiliza a experiência pessoal partindo ainda de histórias reais, como a do jovem zairense Makomé M'Bowolé, que foi morto por um tiro à queima-roupa, supostamente acidental, disparado por um policial. Isto após já estar rendido. Claro que o espírito ágil e efervescente do filme reserva um sem fim de instantes mais divertidos, pautados pela cultura hip hop - com suas roupas, danças, grafites e músicas -, por discussões e debates cheios de significados - aliás, mais um mérito do ótimo roteiro -, e skinheads sendo espancados. Ousado, verdadeiro, fervilhante e cativante.

 

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