segunda-feira, 25 de março de 2024

Tesouros Cinéfilos - A Comunidade (La Comunidad)

De: Álex de la Iglesia. Com Carmen Maura, Eduardo Antuña e Ane Gabarain. Comédia / Suspense, Espanha, 2000, 109 minutos.

Uma experiência histriônica, excêntrica, exagerada, bizarra. Vamos combinar que não tem como fugir desse tipo de adjetivo na hora de definir A Comunidade (La Comunidad) - filme do diretor Álex de la Iglesia que está disponível na Mubi. Mistura de suspense hitchcockiano e comédia pastelão, com agumas pitadas de Roman Polanski na Trilogia do Apartamento, essa é aquela obra para assistir com a mente aberta e a alma leve. Afinal, é tudo tão anárquico que, em certa altura, só resta abraçar o caos. Na trama, Carmen Maura é Julia, uma agente imobiliária meio decadente, que se ocupa de alugar habitações para clientes abastados. Lá pelas tantas, digamos que ela simpatiza demais com um dos apartamentos mobiliados que deveria vender, e resolve apenas se instalar nele. Ainda que não fosse o certo, a ideia era passar apenas uma ou duas noites ali - ao menos até o momento em que ela leva uma "chuva" de baratas na cabeça (em uma tentativa meio torta de sexo com seu marido não muito hábil).

A invasão das baratas será a deixa para que ela perceba que tem algo muito errado no andar de cima - o que envolve a descoberta do corpo putrefato do antigo dono - um idoso que, pelo visto, guardava uma boa quantia de dinheiro (e despertava o interesse dos demais vizinhos, como ela constatará). A ideia de Julia, quando descobre 300 milhões de pesetas escondidas em meio a um amontoado de lixo, de entulho, de sujeira, será levar a grana dali. Embalada em enormes sacolas. Tarefa que, ela perceberá, não será tão simples assim. Afinal, todo mundo ali vai tentar tirar uma lasquinha do dinheiro e a protagonista terá de fazer um verdadeiro malabarismo pra sair dali - o que envolverá, por exemplo, escapar das investidas de um vizinho sedutor, um cubano que chegará ao ponto de forjar uma festa em seu apartamento como forma de atrair sua atenção (em uma das mais engraçadas sequências da trama).


 

Ao cabo, aqui temos aquele filme de caçada estilo gato e rato, com todos ali tentando se antecipar em relação ao outro - com Julia à frente. Há outros vizinhos esquisitos, como no caso de Charly (Eduardo Antuña), uma espécie de nerdola incel que passa seus dias espionando pela janela, vestido de Darth Vader, enquanto é mimado pela sua preocupada mãe, além de Encarna (María Asquerino), que faz aquele estilo vizinha interesseira/fofoqueira, que tá sempre bisbilhotando pelos corredores. Aqui e ali o projeto quase descamba para a bagunça, especialmente no terço final, quando as coisas saem de controle, com direito a uma perseguição digna de clássicos como Um Corpo Que Cai (1958) e Intriga Internacional (1959). A tensão é interessante, ainda que ela se equilibre bem com a comédia física - com pessoas dependuradas ou se esgueirando pelos ares, enquanto se atacam em um prédio altíssimo, rodeado por majestosas estátuas.

"Hitchcock é como minha mãe e Polanski é como meu irmão", brincou o diretor, à época do lançamento, em entrevista à BBC. No mesmo bate-papo ele elogiou a performance de Maura, sempre tão ligada à Pedro Almodóvar, em especial ao subverter a lógica da mocinha de retidão moral inabalável, uma vez que ela é uma figura totalmente gananciosa - uma anti-heroína que é incapaz de largar a mala de dinheiro, mesmo quando parece a ponto de morrer. Com um sem fim de figuras estúpidas e ambiciosas, que tornam o ambiente do condomínio numa espécie de microcosmo de uma sociedade individualista, sem nenhuma empatia e incapaz de pensar no coletivo (o que torna o nome do projeto paradoxal), a obra diverte na análise exagerada das falhas do capitalismo. Com vitórias nos festivais de San Sebastian, no Goya e no de Mar Del Plata, o filme pavimentaria o caminho para outras obras estranhas do diretor, caso do imperdível Crime Ferpeito (2005), que pode ser encontrado no Belas Artes A La Carte.


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