De: Andrew Haigh. Com Paul Mescal, Andrew Scott, Claire Foy e Jamie Bell. Drama / Romance / Fantasia, Reino Unido, 2023, 105 minutos.
Vamos combinar que Todos Nós Desconhecidos (All of Us Strangers) é um filme muito fácil de se gostar. Primeiro de tudo tem a dupla de atores que protagoniza a história - e que são no caso o Paul Mescal, que comoveu plateias mundo afora recentemente com o papel de um pai que tenta se aproximar de sua filha pré-adolescente em Aftersun (2022) e Andrew Scott que, entre outros, vive um padre na imperdível série Fleabag. Depois tem o romance queer que, em tempos de luta permanente contra preconceitos e intolerância, sempre será um atrativo a mais. Além disso há uma trilha sonora nostálgica e saborosa repleta de hits dos anos 80 encaixados no momento certo - e eu duvido você não sair emocionado de um instante levemente poético ao som de Build do The Housemartins. E, por último, há ainda a história cheia de idas e vindas e de boas surpresas, com discussões potentes sobre luto, memória, aceitação e problemas familiares.
Ao cabo esse é um combo bastante efetivo, que ainda é completado por um certo ar de mistério que acompanha a narrativa - o que nos leva a desconfiar de eventos e refletir sobre acontecimentos episódicos. Na trama, Mescal e Scott vivem Harry e Adam, que são os dois únicos moradores de um enorme complexo de apartamentos. Adam é um roteirista de vida solitária que está empenhado em escrever uma história sobre seus pais - que perderam a vida em um trágico acidente quando ele tinha apenas 12 anos. Em certo dia ele é perturbado por Harry, que surge bêbado em sua porta, com uma proposta um tanto indecente. O caso é que esse começo meio torto resultará em romance. Ao mesmo tempo em que Adam começa a colocar o projeto no papel - o que envolve também uma série de seguidas visitas à antiga casa de seus pais, atualmente desabitada.
Só que no local o sujeito terá uma série de visões de seus familiares. Mais do que isso, ele poderá interagir com eles, confrontando o passado, os traumas, as dores - como no caso do momento em que sua mãe (Claire Foy) "descobre" que ele é gay. Em alguma medida o projeto dirigido por Andrew Haigh - de 45 Anos (2015) -, tem uma fluência levemente contemplativa, sem pressa. Intercalando momentos da relação entre Harry e Adam com outros dos encontros com os pais do segundo, a narrativa nos conduzirá de lá para cá entre o romance e a incerteza, entre os anseios e os temores. Há um certo amargor aqui e ali que tem a ver também com as dificuldades geracionais, especialmente quando os pais emergem de um espectro mais conservador. O que não impedirá a existência de um sem fim de sequências tocantes, com tentativas de reconciliação atrapalhadas entre lágrimas e mágoas.
Em um dos instantes mais bonitos, Adam retorna para uma noite de Natal - uma memória inegavelmente positiva -, enquanto sua mãe canta em voz alta a versão do Pet Shop Boys, de Always On My Mind (Talvez eu não tenha tratado você / Tão bem quanto deveria / Talvez eu não tenha te amado / Tão frequentemente quanto poderia). Enquanto assistia ao filme só conseguia pensa em como o Oscar é uma premiação de indústria, de campanha, de lobby e de outras coisas mais porque é simplesmente inacreditável que Scott não tenha sido sequer lembrado entre os indicados para Ator. Sua performance é delicada, mas potente, sutil mas vigorosa. Aliás, o projeto não foi indicado em nenhuma categoria! E como se não bastassem tantos predicados, a obra ainda reserva para o seu instante final uma surpresa angustiante, que faz com que o filme fique em nossa mente por muito tempo depois dos créditos subirem. E isso sempre faz valer a pena.
Nota: 8,5
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