terça-feira, 13 de junho de 2023

Tesouros Cinéfilos - O Retorno (Vozvrashchenie)

De Andrei Zvyagintsev. Com Ivan Dobronravov, Vladimir Garin e Konstantin Lavrolenko. Drama / Suspense, Rússia, 2003, 105 minutos.

Quando assistimos a um filme como O Retorno (Vozvrashchenie), parece que somos permanentemente instigados a encontrar um algo a mais - que nos leve para além da simples história doméstica sobre um pai ausente que reaparece de forma inesperada para alegria (e desespero) de seus filhos. Alegoria para questões políticas da Rússia moderna? Metáfora religiosa que alude ao patriarcalismo e aos sacrifícios para a eventual sobrevivência da prole? Obra enigmática sobre o desafio do amadurecimento em um mundo violento e embrutecido? Não sei, talvez um pouco de tudo. Quem acompanha a carreira do diretor Andrei Zvyagintsev - que mais tarde seria aclamado por obras como Leviatã (2014) e Sem Amor (2017) - sabe que a mescla de temas políticos e sociais que parecem emergir de um microcosmo familiar, muitas vezes compõe a matéria-prima de suas histórias. E não foi diferente em seu elogiado filme de estreia que, não por acaso, faturaria o Leão de Ouro no Festival de Veneza.

Na trama somos apresentados a dois irmãos - o pequeno Ivan (Ivan Dobronravov) e seu irmão mais velho Andrei (Vladimir Garin). Ivan ainda é jovem o suficiente para ter um medo genuíno de altura que ele não esconde - como vemos na primeira cena em que ele sobe, ao lado de um grupo de garotos, em uma torre que lhe possibilitará pular em um riacho. Incapaz de saltar, ele é amparado pela mãe (Natalia Vdovina) que vem em seu socorro, antes que a noite chegue (com o frio já se tornando palpável). Já Andrei é aquele que já entrou na adolescência e não parece ter muito pudor em debochar do próprio irmão por sua suposta covardia. Em resumo: uma rotina que não difere muito da de outros garotos de idade próxima. Só que a coisa muda de figura quando, ao retornarem pra casa no dia seguinte, são alertados pela mãe para que façam silêncio. Seu pai (vivido por Konstantin Lavrolenko) está de volta, depois de mais de uma década sem dar as caras. E está dormindo.

Os meninos ficam num misto entre eufóricos e petrificados, curiosos mas desconfiados. Vão até o porão e encontram uma foto antiga do pai, em família. "É ele" garante o irmão mais velho. Mas será mesmo? Como forma de tentar uma aproximação, o pai resolve os levar para uma viagem de três dias sob a desculpa de uma pescaria. Uma maneira de se conectar? Mas é tudo muito estranho. E misterioso. Sensação ampliada pela fotografia permanentemente cinzenta, de tons que puxam para o azul escuro. E pela chuva insistente que cai. Aliás, a umidade é tão palpável que quase parece ser possível senti-la. Tudo parece dialogar com o comportamento do pai, que vai no limite entre o cuidado e a rispidez, o zombeteiro e o rígido nunca hesitando em tratá-los de modo rude. Por vezes até violento. Testando seus limites em meio a perturbadoras sequências de agressão - física e psicológica. Mas que mais adiante se converterão em inesperados "afagos" (ou algo perto disso).

Em linhas gerais não é um filme fácil, por mais simples que ele seja. Há um quê de primitivo naquilo tudo que vemos - de pescarias a embarcações, de chuvas e de praias, passando por ilhas isoladas e casas meio abandonadas. O espectador, de alguma maneira, parece tão perdido quanto os meninos. Doze anos ausente não seriam motivo suficiente para maiores demonstrações de carinho? De afeto? Mas quais os traumas que esse pai carrega em meio a essa Rússia contemporânea e politicamente complexa? Não parece haver explicações (nem caminhos) fáceis. Ao cabo é possível afirmar ainda que a obra é um excelente suspense - sombrio, austero, imprevisível - que é ancorado por excelentes e comoventes atuações de todo o elenco envolvido (aliás, o pequeno Dobronravov é um achado, com seu rosto anguloso, extremamente expressivo). E que ainda conta um desfecho surpreendente, que parece nos lembrar o tempo todo do quão doloroso pode ser o processo de amadurecimento.


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